quarta-feira, 16 de novembro de 2016

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Igor Sava | concept art inspiration | digital media arts college | www.dmac.edu | 561.391.1148:
Igor Sava

Cumplicidade na anarquia

Seiscentas e oitenta e três mil pessoas foram expulsas do mercado formal de trabalho entre janeiro e setembro. Foi esse o saldo de empregos eliminados nos centros urbanos, informa o governo.

Em todo o país demitiu-se muito mais trabalhadores com carteira assinada do que se contratou. Na média, 3.557 pessoas foram expelidas do mercado a cada dia útil.

Significa que, sob os governos Dilma e Temer, o país liquidou 148 empregos regulares a cada hora durante nove meses seguidos. Tem sido assim há quase dois anos.

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Boa notícia nesse quadro nacional é que o declínio no nível de emprego regular agora ocorre em velocidade 60% menor do que se registrou no ano passado.

Para o Estado do Rio, porém, a situação é preocupante. Em setembro, de cada dez vagas fechadas no mercado brasileiro de trabalho formal, seis estavam em território fluminense.

A soma do desalento com a perda de perspectiva de progresso individual, mais o descrédito nos líderes políticos, resultou num recorde de ausência nas urnas, em outubro.

A mensagem do eleitorado foi cristalina, e o Estado do Rio concentrou cinco das dez cidades com o maior índice de abstenção no segundo turno das eleições municipais: Petrópolis (27,09%), Rio (26,85%), São Gonçalo (25,61%), Belford Roxo (25,38%) e Nova Iguaçu (25,25%).

Na ruína fluminense há sinais de advertência sobre um desastre nacional, caso prevaleça o imobilismo dos líderes do Executivo, Legislativo e Judiciário. Só não vê quem não quer.

Já não se trata apenas do estado de anarquia consolidado por sucessivos governos, durante décadas, com a cumplicidade do Legislativo e do Judiciário. É real o risco de contágio nacional.

A destruição das contas nacionais, assim como o regime de baixa competitividade empresarial, é fruto de políticas contemporizadoras de governos de coalizão, cujos líderes não souberam ou não quiseram defender o interesse público. Preferiam privilegiar corporações e atender à clientela dos lobbies setoriais.

Ao aprovar as últimas cinco leis orçamentárias, por exemplo, a Assembleia do Rio autorizou o governo local a não realizar poupança necessária para pagamento dos juros da dívida estadual. No Executivo, Legislativo e Judiciário, todos sabiam precisamente o que estava sendo feito — e não se importaram com as consequências.

Na semana passada, por duas vezes, as contas do Rio foram bloqueadas por calote nas dívidas contratadas com a União.

Em Brasília e nas 26 capitais estaduais já se sabe que o caso fluminense não é isolado. Há uma dúzia de estados e 3,5 mil prefeituras na fila dos devedores insolventes.

Ainda assim, nos palácios de governo, nas assembleias e nos tribunais continua-se a viver numa realidade própria.

Finge-se não entender o perigo de deixar em xeque a sustentabilidade da dívida pública, ou de paralisar os serviços essenciais de saúde, educação e segurança em todo o país. Evita-se a tropa de desempregados, que em 18 meses ganhou tamanho equivalente à população de Curitiba, a oitava metrópole.

Em agosto, ao assumir o mandato-tampão, Michel Temer se disse preocupado em “evitar que se impute a mim a ideia de que nós somos responsáveis por isso".

O imobilismo em relação à crise do Rio é clara ameaça ao principal ativo de seu governo, a estabilidade. A história ensina que assim tropeçam os governantes.

José Casado

Requiescat in pace


Vamos deixar a Lava Jato em paz
Michel Temer, no Roda Viva

Temer soou na TV como refém da banda podre

A Presidência da República oferece àquele que a ocupa uma tribuna vitaminada. Algo que Theodore Roosevelt chamou de bully pulpit (púlpito formidável). De um bom presidente, espera-se que aproveite o palanque privilegiado para irradiar confiança e bons exemplos. Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, exibida na noite passada, Michel Temer fez o oposto. Soou como um refém da banda podre da política. Deixou no ar a impressão de que seu apoio à Lava Jato é lorota. Alguma coisa nas palavras Temer dizia que seu governo pode não acabar bem.

Instado a afirmar o que pensa sobre a proposta de anistiar os políticos do crime de caixa dois, Temer subiu no muro. “Esta é uma decisão do Congresso.” E desceu do lado errado: “Eu não posso interferir nisso.” Convidado a se manifestar sobre projetos que saltam das gavetas em reação à Lava Jato, como a lei sobre abuso de autoridade, prioridade do multiinvestigado Renan Calheiros, Temer disse não acreditar que propostas do gênero atrapalhem as investigações.

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Temer perdeu uma oportunidade para se vacinar contra o contágio dos micróbios do petrolão. Bastaria que aproveitasse o púlpito para brindar os telespectadores com uma declaração assim: “Esclareço que o presidente da República também participa do processo legislativo. A Constituição me faculta o poder do veto. Assim, aviso aos apoiadores do governo: não aprovem nada que afronte a ética ou comprometa o trabalho da Procuradoria e do Judiciário. Para que os brasileiros durmam tranquilos, informo: se aprovarem, eu vetarei.”

Noutro ponto da conversa, o entrevistado foi questionado sobre a situação de Lula, réu em três ações penais. Ao discorrer sobre a hipótese de prisão do ex-presidente, Temer insinuou que o melhor seria evitar. “O que espero, e acho que seria útil ao país, é que, se houver acusações contra o ex-presidente Lula, que elas sejam processadas com naturalidade. Aí você me pergunta: ‘Se Lula for preso causa problema para o país?’ Acho que causa. Haverá movimentos sociais. E toda vez que você tem um movimento de contestação a uma decisão do Judiciário, pode criar uma instabilidade.” Ai, ai, ai…

Sempre que uma determinada decisão judicial irrita a cúpula do crime organizado, os chefões da bandidagem ordenam, de dentro das cadeias, que seus asseclas promovam manifestações como queima de ônibus e ataques a policiais. Nem por isso o Estado tem o direito de acovardar-se. Mal comparando, o caso de Lula segue a mesma lógica. O que deve nortear a sentença é o conteúdo dos autos.

Se o pajé do PT cometeu crimes, deve ser condenado. Dependendo da dosagem da pena, sua hospedagem compulsória no xadrez estará condicionada apenas à confirmação da sentença num julgamento de segunda instância. A plateia que retardou o sono para assistir à entrevista merecia ouvir do constitucionalista Michel Temer que não há movimento social ou instabilidade política que justifique o aviltamento do princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei.

No tempo em que era o segundo de Dilma Rousseff, Temer se queixava de ser tratado como “vice decorativo”. Era como se a ex-rainha do PT o considerasse como um figurante —do tipo que aparece entre os mendigos, feirantes e o enorme elenco de etcéteras mencionados no final da relação dos papeis numa peça shakespeariana. Mesmo quando foi guindado à condição de articulador político do governo, Temer nã deixou de ser o ‘etc.’ do enredo. Compunha o fundo contra o qual se cumpria o destina trágico da rainha.

Agora que pode exercer em sua plenitude o papel de protagonista, Temer prefere morrer atropelado como um transeunte a entrar na briga do lado certo. Os supostos protagonistas de 2018 o tratam como uma espécie de interlúdio. Sua missão seria divertir o público enquanto o elenco principal troca de roupa. Mas Temer acha que tem potencial para ser a melhor coisa do espetáculo: “Qual é meu sonho? O povo olhar pra mim e dizer: ‘Esse sujeito aí colocou o Brasil nos trilhos. Não transformou na segunda economia do mundo, mas colocou nos trilhos’.”

A palavra do presidente é o seu atestado. Ou a plateia confia no que Temer diz ou se desespera. A suspeita de que as boas intenções de Temer não passam de um disfarce de alguém que não tem condições de se dissociar da banda podre leva ao ceticismo terminal. No desespero, um pedaço minoritário da sociedade acreditou que o país estivesse de volta aos trilhos. Houve mesmo quem enxergasse uma luz no fim do túnel. Mas entrevistas como a da noite passada revelam que talvez seja a luz da locomotiva da Lava Jato vindo na contramão.

O golpe de Lula da Silva

O Estado brasileiro é ilegítimo, está a serviço de interesses estrangeiros e por isso não tem moral nem autoridade para julgar e botar na cadeia Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é a tese implicitamente defendida há dias pelo antigo ídolo do ABC paulista, em encontro de partidos e movimentos de esquerda: “Estamos na hora de costurar uma coisa maior, mais sólida. Não é um partido, não é uma frente, é um movimento para restaurar a democracia”. Ora, se algo precisa ser restaurado é porque foi desfigurado, deturpado. Sendo assim, as instituições brasileiras não têm legitimidade para julgar e condenar quem quer que seja, muito menos um campeão das causas populares que ensinou ao mundo como combater a fome e acabou com a miséria.

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O palco para o grande “evento democrático” em solidariedade ao Movimento dos Sem-Terra (MST) em Guararema (SP) foi armado na Escola Nacional Florestan Fernandes, criada pelo MST para formar militantes políticos. A escola havia sido vítima da “truculência policial”. Participaram do encontro representantes do PT, PCdoB, PSOL e PSTU, além de movimentos sociais e organizações sindicais. Animado por manifestações de devotado apoio – que só tem visto em ambientes selecionados –, Lula sugeriu a existência de influências externas para o fato de os partidos e candidatos esquerdistas terem sido repudiados nas urnas no mês passado: “Tem muita coisa que está acontecendo que não é da cabeça do Temer nem do Eduardo Cunha. Tem muito mais cabeças se metendo, como se meteram na Argentina, Uruguai, Bolívia”.

Está clara, pois, a estratégia de Lula na tentativa de afastar o risco cada vez mais próximo de ser condenado em um dos processos em que é réu por corrupção. A Lava Jato e operações congêneres não passam de instrumentos de perseguição do PT e seus dirigentes. E esta é apenas uma das manifestações da ampla conspiração do capital financeiro internacional para acabar com as lideranças “progressistas” do País e se apossar do mercado interno e de nossas riquezas naturais.

É claro ademais que, uma vez não sendo mais o Brasil uma democracia, fica fácil compreender como e por que a “nova matriz econômica” dos governos petistas foi sabotada pelo mercado; como é que alguém como Eduardo Cunha conseguiu se tornar presidente da Câmara depois da vitória de Dilma no pleito presidencial de 2014; como é que “a maior base parlamentar da História da República” se dissolveu num piscar de olhos e todas as propostas progressistas de Dilma passaram a ser rejeitadas; como é que, de uma hora para outra, o partido mais popular do País foi massacrado nas urnas municipais. É óbvio que tudo isso só aconteceu porque os inimigos do povo acabaram com a democracia no Brasil. Com o apoio da esquerda internacional, é preciso “restaurar a democracia” entre nós, como espertamente defende Lula da Silva. Sobre os desmandos administrativos, o desmanche da economia e a corrupção patrocinados pelo lulopetismo, nenhuma palavra.

O aceno à esquerda internacional tem a intenção de explorar o que resta do prestígio do ex-presidente no exterior e capitalizá-lo na forma de manifestações de solidariedade que criem um clima favorável para que, em caso de condenação, Lula obtenha asilo político em algum país amigo. Há quem defenda a ideia de que seriam politicamente proveitosas a condenação e a prisão de Lula, pois, sob protestos dos progressistas do mundo inteiro, criariam um grande mártir cuja imagem atrás das grades motivaria uma reação perfeita para reconquistar apoio popular.

Essa ideia, porém, só pode passar pela cabeça de quem não conhece o apego que Lula e sua família sempre tiveram às conquistas do alpinismo social e econômico. Lula até topa virar mártir, desde que confortavelmente instalado em algum aprazível recanto do mundo, do qual possa se deslocar para atender, a bom preço, a governos e instituições que se interessem por detalhes de como acabou com a fome e a pobreza no Brasil. Quem quiser que acredite. Porque o que Lula está armando mesmo é um golpe para chamar de seu.

Supremo precisa exigir o fim do foro privilegiado, pois o Congresso vai resistir

Levantamento da Revista Congresso em Foco mostra que desde 1988, ano em que a Constituição entrou em vigor, mais de 500 parlamentares foram investigados no Supremo Tribunal Federal. Mas a primeira condenação só viria a ocorrer 22 anos depois, em 2010. De lá para cá, apenas 16 congressistas no exercício do mandato foram condenados por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de verba pública. Entre os sentenciados, somente o ex-deputado Natan Donadon (RO) está atrás das grades, cumprindo pena de 13 anos na Penitenciária da Papuda, em Brasília, por desviar recursos da Assembleia de Rondônia.

Além dele, quatro ex-parlamentares estão em prisão domiciliar no momento. Outros dois já cumpriram a punição e três recorrem da sentença – um deles, o senador Ivo Cassol (PP-RO), segue no exercício do mandato dois anos após ter sido condenado pelo Supremo a quatro anos e oito meses de prisão por crimes contra a Lei de Licitações.

Outros cinco condenados – Cássio Taniguchi (DEM-PR), Abelardo Camarinha (PSB-SP), Jairo Ataíde (DEM-MG), Marco Tebaldi (PSDB-SC) e Marçal Filho (PMDB-MS) – escaparam da punição porque a Justiça perdeu o prazo para condená-los. Em outras palavras, seus crimes prescreveram.

Como dizia Gonzaguinha, não dá mais para segurar. O Supremo está ficando desmoralizado, porque as ações da Lava Jato, com a curiosa exceção de Eduardo Cunha, decididamente não andam. A comparação com a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde apenas um magistrado toca dezenas de inquéritos e processos, chega a ser humilhante. Até o início de agosto, o juiz Moro já havia condenado 76 réus da Lava Jato e o Supremo ainda não tinha feito nenhum julgamento, apenas afastara Cunha do mandato e da presidência da Câmara.

Parece ilusão esperar que o Congresso acabe com o foro privilegiado. O relator do projeto, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), espera colocar seu parecer em votação na Comissão de Justiça na sessão desta quarta-feira. Sonhar não é proibido.

O fato concreto é que os políticos se protegem ao máximo. Levantamento feito pela Folha mostra que, dos 27 integrantes da Comissão, apenas nove parecem dispostos a extinguir o foro privilegiado, e alguns deles fazem restrições ao parecer de Randolfe. Outros quatro senadores defendem abertamente o foro privilegiado. Ou seja, falta conquistar cinco votos entre os 14 indecisos. Vai ser muito difícil.
Em nenhuma nação civilizada existe foro privilegiado nos moldes do Brasil. Nos Estados Unidos, nem mesmo o presidente da República tem essa regalia. Mas aqui no país das jabuticabas, há 22 mil autoridades que gozam desse favorecimento indevido.

Os parlamentares sempre evitaram discutir a extinção do foro privilegiado, porque é a garantia da impunidade deles. O Supremo leva tempo demais para investigar, processar e julgar. Os crimes acabam prescrevendo, como aconteceu recentemente com o senador paraense Jader Barbalho, um dos caciques do PMDB, que nem chegou a ser julgado. Quando completou 70 anos, foi beneficiado pela prescrição..

Atualmente há 26 deputados e 14 senadores investigados na Lava Jato e muitos outros envolvidos em inquéritos e processos de diversas origens. Achar que eles vão apoiar a extinção do foro privilegiado é muita ingenuidade.

Como se trata de emenda constitucional, a proposta terá de ser discutida e votada separadamente em dois turnos, na Câmara e no Senado, e somente será aprovada se obtiver três quintos dos votos dos deputados (308) e dos senadores (49). Isso é missão impossível e sem Tom Cruise.

Justamente por isso, o relator Randolfe Rodrigues já avisou que a emenda não passará se não houver pressão popular nas ruas. E mesmo que haja grandes manifestações, pode ser que nem assim a proposta seja aprovada.

Mas há uma saída: o Supremo não tem poderes para apresentar proposta de emenda constitucional, mas pode sugerir sua aprovação. Se o relator atravessar a Praça dos Três Poderes e solicitar oficialmente apoio à presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, e o plenário se manifestar a respeito, esse posicionamento poderá reforçar a pressão popular e convencer muito parlamentar indeciso. Caso contrário…

Preciso desabafar...

Antonio Abujamra recitando Miguel Torga

Parlamentares brasileiros, os mais bem pagos da América Latina

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A crise econômica na América Latina atrai atenção para um problema antigo: a disparidade entre os ganhos dos parlamentares e o salário médio dos cidadãos que representam. O Brasil tem o maior rendimento para deputados e senadores da região, seguido de Chile, Colômbia e México. A Argentina não está no primeiro pelotão, mas está no centro da polemica da vez. A inflação de 40% prevista para este ano no país de Mauricio Macri não é um problema para seus deputados e senadores. Num momento em que o Governo se nega a discutir reajustes salariais com os sindicatos, os parlamentares ganharão 47% a mais por seu trabalho no mês de outubro. A elevação se soma a outra, de 31%, aplicada em março, resultante de um acordo salarial envolvendo todos os funcionários do Congresso. Desta vez, porém, os legisladores não mexeram no seu salário básico, preferindo em vez disso até duplicar as verbas extraordinárias – para passagens aéreas, auxílio-moradia e gastos de representação, por exemplo. As cifras, definidas por consenso entre os deputados e senadores, permite que os congressistas somem o equivalente a 8.320 reais a um salário que já é de 17.920. O aumento aconteceu neste mês, para surpresa de muitos legisladores. O deputado Néstor Pitrola, da Frente de Esquerda, decidiu abrir mão da verba adicional por considerá-la moralmente condenável. “O salário geral caiu 10%, as aposentadorias, 15%. Vivemos uma situação de recessão econômica complicada, com 200.000 demissões e um tarifaço que dolarizou os serviços públicos. O contraste é obsceno, imoral”, diz Pitrola.


Somados o salário e as verbas adicionais, um legislador argentino pode ganhar o equivalente a até 26.240 reais, pouco mais de 15 salários mínimos de 8.060 pesos (1.718 reais). O salário mínimo foi fixado em maio deste ano e já ficou 3.000 pesos abaixo da cesta básica de alimentos calculada pelo INDEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos) para medir o índice de pobreza. A última medição oficial, divulgada no fim de setembro, apontou que 32% dos argentinos são pobres. Cálculos extraoficiais realizados pela Universidade Católica Argentina (UCA) estabeleceram que desde janeiro 1,4 milhão de pessoas caíram abaixo do limite da pobreza e não ganham o suficiente para comer. “O salário [dos servidores do Congresso] já aumentou 31% em março, e agora, sobre isso, subiram 100% os gastos de representação, passagens e auxílio-moradia. Isso num país onde a metade ganha menos de 8.000 pesos por mês”, queixou-se Pitrola.

Os salários legislativos na Argentina, entretanto, não são tão altos em comparação a outros países da região.Os deputados e senadores do Brasil lideram a lista, com um salário de 33.763 reais por mês, cifra que quase triplica quando são somados cerca de 50.000 reais que recebem os deputados a título de auxílio-moradia, passagens e ajuda de custo. Além disso, eles têm direito a cinco voos mensais e 97.116 reais para pagar até 25 funcionários de gabinete. No caso dos senadores, além do salário, eles recebem mais de 69.000 reais para o apoio para as atividades parlamentares. Os senadores brasileiros também recebem 159 mil reais como verba de gabinete para pagar até 55 servidores. No Brasil, o salário mínimo atual é de 880 reais.

O segundo lugar entre os legisladores mais bem pagos é dos chilenos, com salários de 32.640 reais, livre de impostos. Como ocorre no Brasil e na Argentina, essa soma sobe bastante quando são adicionadas as verbas para a manutenção de escritórios parlamentares nos distritos, telefones, automóveis, gasolina, passagens aéreas, materiais de escritório e divulgação, que correm por conta do Congresso. O pódio é completado pelos congressistas colombianos, com 30.080 reais por mês, sem contar ganhos extras. O salário mínimo colombiano é de aproximadamente 750 reais. Um pouco abaixo se encontra o México, com um salário líquido de 22.400 reais, que pode chegar a 48.000 quando acrescido das verbas extraordinárias. O salário mínimo dos mexicanos é um dos mais baixos da região: 320 reais.

QUANTO GANHA UM PARLAMENTAR NO BRASIL?

Deputado Federal
Salário: 33.763 reais
Auxílio-moradia: 4.245 reais
Cota para o exercício da atividade parlamentar : 44.632 reais
Adicional de cota parlamentar: 1.353 reais ( para líderes de partido)
Verba de gabinete para até 25 secretários: 97.116 reais
Senador
Salário: 33.763 reais
Auxílio-moradia: 5.500 reais
Cota de serviços gráficos: 8.500 reais
Valor da cota parlamentar:41.844,45 reais
Verba de gabinete para até 55 servidores: 159.805 reais
Do teto do Brasil, Chile, Colômbia e México se passa ao grupo de países cujos legisladores recebem salários em torno dos 16.000 reais, como Argentina, Equador, Paraguai e Peru, embora os montantes extras nem sempre sejam comparáveis. Um deputado equatoriano que não viva na capital, por exemplo, recebe um bônus equivalente a 2.240 reais para pagar uma moradia, além de quatro passagens áreas por mês. Mas os peruanos e os argentinos até duplicam sua renda original quando somam todas as verbas. No final da lista aparecem Panamá, El Salvador e Bolívia.

Em todo caso, a comparação revela a disparidade entre os salários legislativos e a renda mínima estipulada por lei em cada país. “As comparações com outros refletem o mesmo nível de desigualdade que há na Argentina. Dizemos que um legislador deve ganhar quatro salários mínimos, e se quiser ganhar mais que eleve esse salário mínimo”, diz Pitrola.

O presidente do bloco de deputados da Frente para a Vitória (FPV), o kirchnerista Héctor Recalde, disse que o aumento das verbas é uma “forma de financiar a política”. E, falando a uma rádio, foi irônico com os colegas que se queixaram do aumento. “Devem doar o excedente ao Garrahan”, disse, em referência a um hospital público infantil que é referência em todo o país. O salário dos deputados e senadores argentinos se tornou rapidamente um assunto de acalorado debate, porque o cenário econômico não é dos melhores. Crescem as reivindicações salariais, a inflação não cede, e a economia não chega a decolar. Na segunda-feira, o INDEC divulgou o índice de atividade industrial com uma queda interanual de 7,3%. O dado mais desalentador foi o da construção, principal motor de emprego, com uma queda de 13,1%.

O presidente Renan, da República

Não há, na República brasileira, medalhão mais poderoso que Renan Calheiros. Verdadeiro mandatário do Brasil, ostensivo mandante no país, afronta o Judiciário, manipula o Legislativo para que se conforme de vez em porão para defesa dos interesses individuais de senadores e deputados, subjuga o Executivo e faz com que o Palácio do Planalto trabalhe para ele. E temos aí a cloaca que cavamos para a vida pública entre nós.

Há muitos pais para a criança. De início, Fernando Collor — a origem da compreensão de que, ainda menos que Alagoas, o Brasil pudesse ser uma continental Murici. Depois, Fernando Henrique Cardoso, príncipe do mensalão da reeleição, o intelectual que empoderou Calheiros ao fazê-lo ministro da Justiça. E então vieram Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os governos petistas, e o paraíso para que Renan Calheiros fosse Renan Calheiros plenamente.

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O senador terá sido — mais que Michel Temer — o oportunista-mor da sociedade entre PT e PMDB e, na prática, o agente que melhor compreendeu o trato entre as organizações e que, portanto, mais recursos acumulou para codificá-lo em linguagem e método. No curso do processo de impeachment, enquanto Eduardo Cunha cuspia seu voo curto de amador, Calheiros, homem voltado para baixo, deu impulso a seu movimento pendular próprio, oscilando de parte a parte, esparramando-se para qual fosse o futuro, ginástica por muitos compreendida como enigmática, mas que outra coisa não foi — justiça seja feita — que transparente. Ele venceu mais uma vez, venceria de qualquer forma — e a geleca moral em que consistiu seu triunfo pode ser resumida na solução inconstitucional que, em apropriada dobradinha com Ricardo Lewandowski, fatiou o gópi contra Dilma.

Não haverá passagem mais significativa do que são Renan Calheiros e o Congresso — que ele, mais do que presidir, governa — do que a crise que o fez declarar, agastado pela histeria bravateira de Gleisi Hoffmann, que intercedera junto ao Supremo Tribunal Federal para que o marido da senadora se livrasse de indiciamento.

A reação imediata do plenário — de espanto, de perplexidade — não se deveu a alguma indignação ante o que se confessara. Não. O faniquito de patriotas como Lindbergh Farias outro não foi que o de um ser traído, manifestação de desespero ao ver exposta ao sol a baixaria do modus operandi daquela gente.

É isso, leitor. Baixaria. A isso se reduziram a vida pública brasileira e a noção de representatividade. Baixaria. Não aquela relativa a costumes e modos, a barracos, mas uma desdobrada em traficância, em pirataria, em troca de favores, em partilha de interesses pessoais.

Todo aquele teatro, todos aqueles ataques entre senadores, que se chamam ao mesmo tempo de vossa excelência e de canalha; todas aquelas diferenças bradadas em suposto prol do debate público e, no entanto, todos (se há exceção, nenhuma capaz de incomodar para além da cena) associados na forma da questão, uma de várias, que os amarra e cala: a tal Polícia Legislativa, equipada para espionagem e contraespionagem, para que existe senão como milícia a serviço de cada um daqueles coronéis — os urbanos, inclusive?

Renan Calheiros quer legislar para coibir o abuso de autoridade — mas é, ele mesmo, a própria encarnação do abuso.

Chegamos, pois, ao dia em que o Supremo se deparou com a chance de normatizar o óbvio: que um réu naquela corte não poderia ser — nem por um instante — presidente da República. Uma questão para aplicação atemporal e impessoal, mas que, naquele momento, projetada a um futuro improvável, ainda assim poderia atingir Calheiros — o segundo na linha sucessória presidencial.

Escrevi “futuro improvável” e explico: embora tenha contra si oito investigações no STF (apenas decorrentes da Lava-Jato) e uma denúncia, esta relativa a episódio de há quase dez anos, ele não é réu em qualquer delas — o Supremo está uma década atrasado em matéria desse senhor e, pois, uma década atrasado em matéria de Brasil — e é certo que não o será enquanto presidir o Senado e puder assumir a cadeira de Temer. Afinal, quando a votação no STF contava com cinco votos a favor da escancarada decência, a depender de apenas um para que batido fosse o martelo, o ministro Dias Toffoli pediu vistas do processo e adiou a decisão.

Era certo — comentado publicamente — que isso aconteceria; falou-se que o Planalto interferira para tanto. Havia só a dúvida sobre que juiz faria o papel. A solução foi coerente, já que Lewandowski não estava presente. E Calheiros venceu mais uma vez — beneficiado por instrumentos constitucionais operados em detrimento do país.

Houve um tempo em que se falava de um baixo clero no Parlamento; mas isso já não faz sentido. É tudo baixo. Uma baixa casta de legisladores em causa própria, cujo líder não poderia ser outro senão Renan Calheiros. Ele — o STF permite — pode assumir a Presidência da República. Mas não precisa, presidente do Brasil de fato que é.

E vocês aí preocupados com Donald Trump e a democracia americana.

Não há passagem mais simbólica de Calheiros e do Congresso que a declaração de que intercedera junto ao STF para que o marido de Gleisi se livrasse de indiciamento.

Responsabilidade fiscal e o meu queijo

Nunca vi tanta gente preocupada com o aspecto macilento e emagrecido do caixa do governo. Reduzido a pele e osso. Em junho de 2014 já estava em milhões de telas de computadores, mundo afora, o alerta que uma analista do Santander fez a seus clientes investidores, antevendo o que iria acontecer com a economia nacional. Não era bola de cristal, mas trabalho sério de quem acha que não se deve brincar com dinheiro alheio. Bola de cristal, bem fajuta e perdulária, era a usada por Dilma, pelos técnicos do governo e por Lula, que assim comentou a circular enviada pela funcionária do banco: "Não entende p.... nenhuma de Brasil" e sugeriu: "Pode mandar embora e dar o bônus dela pra mim, que eu sei como é que eu falo".

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A analista foi imediatamente demitida. O cartão vermelho do governo demoraria ainda dois anos para lhe ser exibido. Também no Brasil, e há bom tempo, técnicos sensatos, comentaristas esclarecidos, economistas experientes alertavam sobre as consequências da irresponsabilidade fiscal. A gastança criminosa promovida pelos sucessivos governos petistas nos conduzia ao inevitável estouro das contas públicas. A história registrará, entre os grandes infortúnios de nossa vida administrativa, a infeliz coincidência de termos vivido o ciclo mais favorável da economia mundial em muitas décadas sob gestão simultânea de uma organização criminosa e do mais destrambelhado dentre todos os nossos governos. Os tempos pródigos ampliaram largamente a voracidade e perpetuaram os danos causados nesse prolongado ataque por dois flancos. Agora são tempos de zelo com as contas públicas. Como é insensível o coração do caixa!

No entanto, esse necessário zelo não vem acompanhado do devido desprendimento. Parece tratar-se de algo que se exige "dos outros" para que as situações particulares permaneçam inalteradas. Todos querem responsabilidade fiscal para que a situação melhore e ninguém mexa no seu queijo (como no bom livro de Spencer Johnson). Imagino essa preocupação povoando, nestes dias, muitas reflexões sobre a situação do país. Deve pensar assim o ministro, viajando em jatinho da FAB. Também o deputado, cujo queijo se chama emenda parlamentar ou verba de gabinete. Não há de querer diferente o beneficiado pelo queijo da isenção fiscal ou do juro privilegiado. São perfumados os queijos especiais havidos por cargo ou função, por vaga nos superpovoados gabinetes políticos e por aposentadorias precoces. Há tantos queijos em busca de proteção! Eles se chamam, ainda, cartão corporativo e bolsa-empresário. E se chamam mordomias, têm carro oficial, motorista, garçom, copeiro e segurança. Imagino a multidão de seus usufrutuários a sonhar com um Brasil onde a austeridade geral permita que nada mude.

O exercício dos poderes de Estado não pode ocorrer na ausência do mais elementar senso de justiça. O Brasil precisa que seus cidadãos submetam às suas próprias consciências uma PEC das boas condutas e dos bons exemplos. Quando o avião sacode, balança inteiro, da primeira classe ao porão de carga.

Percival Puggina

Paisagem brasileira

Praia em Paquetá, Carlos Balliester (1907)

O que faz falta

Na semana em que a República completa 127 anos, o Senado Federal acaba de aprovar em primeiro turno a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da reforma partidária e estabelece, entre outros dispositivos, a chamada cláusula de barreira.

Com a derrocada do lulopetismo nas últimas eleições, o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a avanço implacável da operação Lava Jato, a reforma política no Brasil dá sinais de que pode vingar. E com ela podem surgir regras mais restritivas para que os partidos tenham direito de acesso aos recursos do Fundo Partidário e à programação eleitoral no rádio e TV. Medida crucial para reduzir o exagero de o país ter nada menos do que 35 partidos registrados, muitos deles só para se beneficiar de recursos públicos. Outros tantos, mais de 30, já solicitaram registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O Partido dos Trabalhadores, claro, se colocou contra a PEC. Alega que vai se manter solidário e defender os partidos nanicos e estridentes de esquerda, seus aliados tradicionais.

Nos países de democracia consolidada é absolutamente natural a existência de partidos fortes e com perfis ideológicos claramente definidos: de esquerda e de direita. Também é natural a alternância de poder entre estas forças opostas. E não há problema algum em ser de direita ou de esquerda. Políticos chamados conservadores deram importantes contribuições a seus países e ao mundo. Charles de Gaulle na França, Konrad Adenauer na Alemanha, Winston Churchil, na Inglaterra, e tantos outros. O mesmo ocorre com a turma progressista.

No Brasil faz falta a existência de partidos verdadeiramente comprometidos com os valores republicanos. Não se vê força alguma na defesa intransigente e permanente de uma organização democrática, com sistema verdadeiramente representativo e garantias constitucionais. Certamente a cultura política nacional estaria muito mais avançada se os homens públicos de hoje se empenhassem em fortalecer as instituições. Mas o que se vê são práticas que corroem as instituições por dentro, guiadas exclusivamente por ambições pessoais.


Temos um modelo perverso de governabilidade, baseado em traços comuns entre a esquerda autoritária, o centro pantanoso e a direita fisiológica: o patrimonialismo deslavado e a corrupção generalizada.

Esta lógica no Brasil fortaleceu a geleia ideológica, argamassa do assalto, sem limites, aos cofres públicos.

É verdade que, nos últimos 13 anos, o patrimonialismo, o fisiologismo e a corrupção não foram exclusividade de uma ou outra corrente. Com raras exceções, partidos e políticos tidos como de direita, esquerda ou de centro se esbaldaram nestas práticas.

Ao chegar ao poder, partidos da esquerda autoritária aderiram e inovaram na ação antirrepublicana, como ficou patente nos episódios do mensalão e do petrolão, investigado na Lava-jato. Temos, no Brasil a maléfica simbiose entre a esquerda totalitária com partidos e políticos historicamente fisiológicos.

A degradação ideológica levou a isto: o embate não é mais entre esquerda e direita, mas sim entre forças patrimonialistas e forças republicanas.

A lógica binária direita versus esquerda é pequena. Não explica uma realidade mais complexa. Existem esquerdas autoritárias e esquerdas democráticas. Assim como pode haver direita patrimonialista e direita republicana.

A reforma política é necessária não só para reduzir número de partidos, mas para dar coerência de valores e princípios aos que se consolidarem. Sejam de esquerda ou de direita.

É isso que faz falta.

Senado tem tantas câmeras quanto o Rio

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O Senado, onde circulam 20 mil pessoas por dia, gastou mais de R$10 milhões em instalação e manutenção de mil câmeras de segurança, quantidade semelhante às instaladas no Rio de Janeiro, cidade de 7 milhões de habitantes que sediou a Copa e Olimpíadas. Só para fazer o projeto e instalar as câmeras, o Senado gastou R$5 milhões, pagos a só a uma empresa, que levou outros R$3,2 milhões para “trocar cabos”.

Os altos valores e o monopólio de uma empresa levou a Polícia Federal a abrir investigação sobre os contratos, em 2015.

Servidores e até senadores dizem se sentir “monitorados” não apenas pelas câmeras de segurança. Suspeitam até de escutas ilegais.

Como destruir um Estado

“Se não mexer na Previdência, viramos a Grécia”. O título merece a atenção do leitor para a entrevista que ocupou uma página no caderno de Economia do Estadão de domingo 13 de novembro. O protagonista, ouvido pelos repórteres Mônica Ciareli, Wilson Tosta e Vinicius Neder, é Luiz Fernando Pezão, do PMDB de Sérgio Cabral, por sua vez subPT de Lula e Dilma.

As notícias que ele dá têm o impacto de uma bomba nuclear e merecem atenção. “Temos 100 coronéis (da Policia Militar) na ativa e 600 aposentados ganhando R$ 23 mil (por mês). Se aposentaram com 48 anos, 49 anos. Você acha que essa conta vai fechar?”, perguntou aos repórteres (e ao leitor), em tom de cobrança. Se o ET, de repente, pousasse no Porto Maravilha (obra da Olimpíada), poderia perguntar: “Ei, moço, a culpa é do jornal ou do bispo de Garanhuns?”.

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E ainda: “Tenho mais professor inativo do que ativo, em um momento em que a população está demandando mais serviços, porque ninguém tem mais dinheiro para pagar plano de saúde e colégio particular”. Ou seja: será a culpa do fluminense que perdeu o emprego, a renda e os luxos a que estava acostumado? De Carlos Lacerda, que foi governador da Guanabara e deu a seus sucessores o péssimo exemplo de governar bem? Ou podemos imaginar que o desafio tenha sido feito numa mesa branca a Marcelo Alencar, outro governador medíocre? Que nada! O entrevistado é o atual governador do Estado do Rio de Janeiro. Na História será lembrado como um Zé das Couves que ocupou um lugar para o qual não estava preparado e terminou entrando na História por ter reduzido a ex-Cidade Maravilhosa a cenário de um filme B de terror.

O leitor do Estadão foi contemplado com um trabalho de edição exemplar, no qual a ruína é dissecada, pedra a pedra, picareta por picareta. Ao lado da entrevista cínica, foi editado um quadro completo do atoleiro fiscal. Nele 11 pontos mostram como governos corruptos, irresponsáveis e incompetentes destruíram o Estado do Rio e deixaram o legado assustador de uma dívida de R$ 17,5 bilhões.

A desventura começou com uma notícia excepcional. No litoral de Campos de Goitacazes repousa a maior reserva de petróleo do País. Ali, após pesquisa de anos, a Petrobrás concluiu que havia uma jazida enorme de óleo cru nas profundezas, sob a camada do pré-sal. A desassombrada capacidade de mentir do ex-governador Sérgio Cabral e dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff – PT e PMDB de mãos dadas e sujas de graxa – os tornou parceiros na ventura de um enorme potencial de riqueza fácil: o ouro negro a ser extraído do fundo mais profundo do mar. Em 2014, ano em que Dilma foi reeleita, entraram nos cofres estaduais fluminenses R$ 10 bilhões, reduzidos a R$ 5,6 bilhões em 2015 e R$ 3,48 bilhões pingados este ano (menos 60% em dois anos). A previdência estava ancorada nessa miríada de mil e uma noites. E afundou.

O segundo ponto foi a crise da Petrobrás. Padim Lula convocou o mundo para aplaudi-lo na Bolsa de Valores de São Paulo, ao festejar a maior capitalização da história do capitalismo: o exponencial crescimento da Petrobrás, com sede no Rio. Mas a Operação Lava Jato desvendou nos seus porões o maior escândalo de corrupção da História da humanidade. A maior estatal brasileira deve R$ 332,4 bilhões, sofreu com a queda do valor do barril no exterior e com o congelamento do preço do combustível nos postos para mascarar a inflação. Aí, a cadeia de óleo e gás naufragou.

O propinoduto de grandes empreiteiras, como Odebrecht e Andrade Gutiérrez, paralisou sua atividade e as tornou componentes da recessão que fechou empresas e desemprega 12 milhões de brasileiros. A queda de sua participação na receita do Estado foi de R$ 61,5 bilhões para R$ 44,8 bilhões (menos 20% em termos reais). Em dez anos, o Rio informa ter perdido R$ 9 bilhões em investimentos, por causa da guerra fiscal entre os Estados da Federação.

Em 2014, o governo fluminense reajustou o salário de servidores de 41 categorias e isso onerou a folha de pagamento em R$ 2,7 bilhões. Do déficit projetado de R$ 17,5 bilhões, R$ 12 bilhões são destinados a aposentados e pensionistas. De 2010 a 2015, a dívida pública aumentou 81,6%, ou seja, quase dobrou: de R$ 59,2 bilhões para R$ 107,5 bilhões.

O oitavo ponto é o gasto com a Olimpíada. Sérgio Cabral, o patrono de Pezão, participou da festança de 2009, em Copenhague, ao lado de seu inspirador, Lula da Silva, quando o Rio venceu Chicago, sob os auspícios de Michelle e Barak Obama, Madri e Tóquio, e se tornou sede da Olimpíada de 2016. Tudo a ser financiado pela iniciativa privada, conforme juraram o ex-presidente, sua sucessora, o então governador e o prefeito da cidade-sede, Eduardo Paes, da mesma patota. Pois sim: findos os jogos, feita a conta, coube ao Estado bancar a bagatela de dez projetos, que custaram a ninharia de R$ 9,7 bilhões.

Em 2015, para pagar suas dívidas, o fundo de previdência captou nos EUA US$ 3,5 bilhões (R$ 12 bilhões) em títulos com lastro em royalties de petróleo. O preço do produto desabou e a Rioprevidência não conseguiu pagar o débito. Coube ao Tesouro honrá-lo. Ou seja, o contribuinte paga a conta que Cabral e Pezão gastaram. De 2007 a 2014, foram dados em benefícios a empresas R$ 185 bilhões, com renúncia efetiva de R$ 47 bilhões.

O Legislativo e o Judiciário também fizeram festa paga pelo bolso de todos os fluminenses. De janeiro de 2007 a dezembro de 2015, as despesas da Assembleia Legislativa cresceram 90%. As da Justiça, 145%. E as do Ministério Público, 181%. Junto ao 11º ponto, o Estadão informou que no período a inflação medida pelo IPCA/IBGE foi de 71,82%

Na última resposta da entrevista Pezão não se fez de rogado. Disse que o problema não é só do Rio, mas do Brasil todo. O pior é que ele tem razão. Seus padroeiros deram as de Vila Diogo e imitaram João sem braço. Sérgio Cabral é tido como desaparecido. Lula da Silva, falando para 300 gatos pingados na Casa de Portugal, culpou Temer, que foi vice de Dilma e hoje governa, pelo desemprego e pela queda de renda dos trabalhadores, que estão pagando a conta e não participaram da farra fiscal que está levando o Rio e o País à matroca.

Ao sugerir intervenção federal, Pezão cobra pesado resgate pelo sequestro do Estado, como se chefiasse uma milícia de subúrbio. Mas Temer garante que não aceitará a chantagem, sabendo que, se intervier no Estado do Rio, terá de adiar seus projetos no Congresso para reformar a Constituição e içar o Brasil do pré-sal da recessão. Vai saber…

José Nêumanne