terça-feira, 7 de junho de 2016
O sofrimento humano como moeda política
A canalhice dos principais setores da esquerda - e aqui não falo apenas dos petistas - ficou mais do que evidente nas últimas semanas. Roubo de dinheiro público, milhões de desempregados e até casos de estupro se transformaram em meras armas de disputa política.
Recentemente, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) comemorou em sua página no Facebook o mais novo recorde de desemprego do Brasil, 11.2%, divulgado pelo IBGE. O título de seu post era "Recorde de desemprego: o golpe aumentou a crise". O petista só se esqueceu de um detalhe: a taxa se refere ao primeiro trimestre de 2016, período em que Dilma Rousseff ainda governava.
Mesmo que o recorde fosse responsabilidade de Temer, não haveria motivos para comemorar. Milhões de famílias estão tendo dificuldade para colocar comida na mesa. Ainda que Temer seja adversário político do PT, desejar que pessoas passem fome em seu governo é uma crueldade.
Na semana passada (30), militantes feministas protagonizaram um protesto em Brasília, supostamente contra o caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro -como se houvesse alguém a favor do estupro-, que acabou em pichações com frases como "é golpe" e "volta, Dilma" no prédio do Supremo Tribunal Federal.
O que o STF, a Dilma ou o "golpe" têm a ver com o crime? Nada. O repúdio ao estupro passou bem longe da manifestação. O estupro tornou-se uma mera justificativa para organizar manifestações contra o impeachment. O sofrimento da menina violentada tornou-se um mero mobilizador de militância partidária.
Na última segunda-feira (4), uma mulher foi estuprada por dois homens numa ocupação de sem terras em Teófilo Otoni (MG). A militância feminista está absolutamente calada. O crime é o mesmo, mas o fato de ter sido cometido num acampamento de movimentos de sem terras faz com que não seja interessante explorá-lo politicamente.
Isso sem falar na felicidade das esquerdas em ver cair ministros do governo Temer por causa de investigações da Operação Lava Jato. A operação, que sempre foi considerada "perseguição política" pelos líderes do governo Dilma, agora se transformou na grande vítima do "golpe".
A corrupção, quando servia ao PT, era motivo de orgulho para as esquerdas. Políticos presos eram chamados de "guerreiros do povo brasileiro". Agora, existe até torcida para que os ministros estejam envolvidos em escândalos de corrupção.
A mesma patota que, quando era governista, berrava aos quatro ventos que a oposição trabalhava com o "quanto pior, melhor", agora torce e trabalha para que o país afunde cada vez mais. Eles sabem que não voltarão ao poder tão cedo, mas querem desgastar a gestão de Temer ao máximo para passar a impressão de que o governo petista não foi tão ruim assim.
Na cabeça dessa gente, não existe certo e errado, apenas aquilo que é a favor ou contra o partido. Não existe projeto de país, mas projeto de poder. Não existe sofrimento humano, só incidentes que servem de moeda política.
Apesar dos percalços, o governo vai bem
Vivemos a conjuntura mais complexa da história republicana. Michel Temer governa um país cercado por crises por todos os lados. Tem bases políticas frágeis no Congresso. Não numericamente, ao menos até o momento. Mas no campo ético. Herdou o Congresso que ajudou o PT a governar por 13 anos e cinco meses. Tem a tarefa de retirar o país da tormenta, conduzi-lo a porto seguro, com a mesma caravela que serviu fielmente ao projeto criminoso de poder.
Esta contradição vai marcar todo o período de seu governo, mesmo após a recomposição ministerial, que deve ocorrer após o Senado julgar o impeachment de Dilma Rousseff. Se não há qualquer possibilidade de o projeto criminoso voltar ao poder, o que poderia levar o país à guerra civil, é líquido e certo que Temer deve organizar um governo sob novas bases quando for presidente de fato. O maior desafio será a convivência com um Congresso sob a mira da Justiça e que deve tentar chantagear o Executivo nas questões consideradas vitais para a nova administração federal.
Até o momento, Temer tem conseguido gerir bem os momentos de tensão. Acabou a organização do Ministério minutos antes da posse. Teve de fazer inúmeras concessões. E vai ter de conviver com elas até o fim do processo de impeachment. Não há saída. Sem isso, seria o caos, tanto de ingovernabilidade, como de devolver o poder aos criminosos que produziram o maior saque de recursos públicos da história da humanidade.
Na interinidade, o presidente vai conviver com os constantes ataques petistas e de seus comparsas. E quando se aproximar a data do julgamento, a tendência é de enfrentamento nas ruas. Buscam desesperadamente um cadáver. Têm de transformar o governo em repressor. Faz parte do script dos marginais que foram defenestrados do poder. Caberá ao governo manter a ordem dentro dos limites constitucionais.
Ainda haverá muitas surpresas. A principal fonte deverá ser a operação Lava-Jato. Não é descartada a prisão de Lula. Afinal, mantê-lo em liberdade é colocar em risco as investigações, pois o ex-presidente pode coagir as testemunhas, destruir provas. Mantê-lo solto também é um perigo para a ordem pública. Ele estimula a guerra civil em todos os seus pronunciamentos. Além da contradição de o chefe do petrolão continuar a fazer política — leve, livre e solto — da mesma forma como desempenhou a sua presidência e de sua criatura.
Se a prisão de Lula é condição sine qua non para a estabilidade das instituições republicanas, a continuidade da Lava-Jato vai atingir o coração do Congresso Nacional, suas principais lideranças, inclusive os presidentes das duas Casas. Será mais um desafio para o governo Temer. E isto em meio à mais profunda e longa crise econômica da nossa história — quando o Congresso terá de ser acionado para aprovar medidas emergenciais.
Deve o governo manter o funcionamento da máquina pública. Só isto não basta. Tem de apresentar resultados imediatos — mesmo que aparentes, pois as medidas econômicas não vão produzir efeitos a curto prazo. Daí a necessidade de solucionar as crises na composição do Ministério rapidamente, sem pestanejar. E ter cuidado na designação dos novos ministros, mesmo tendo limites, derivados da composição — mais que necessária — com a base congressual, especialmente a do Senado.
O maior desafio de Temer vai ser o de levar o governo até a aprovação do impeachment. Terá de conviver com sucessivas crises. Parte delas produzidas pela própria composição de forças que levaram à organização do governo provisório; outras, devido à estrutura carcomida da República brasileira. E vai sofrer diuturnamente ataques do PT e seus asseclas, que vão buscar desgastar o governo e explorar suas vacilações.
Até o momento, Temer tem conseguido administrar os conflitos. Porém, é necessário avançar e enfrentar os opositores. Uma saída conciliatória é inviável. Passar à ofensiva é a melhor forma de fortalecer o governo e garantir a aprovação do impeachment, sem ter de aceitar a chantagem de senadores corruptos. E para isso tem de, inicialmente, convocar uma rede nacional de rádio e televisão para expor — ainda que sem um levantamento completo — a situação em que encontrou o governo. Não será, infelizmente, necessário uma ampla pesquisa. Basta relatar, sucinta e didaticamente, o que o PT fez com as empresas e bancos estatais e a máquina estatal. Mostrar o descalabro e seu significado econômico-social é a melhor defesa frente aos golpistas que rasgaram os ordenamentos legais da República, seus princípios, sua história.
No campo econômico, o governo está indo bem. Tem conseguido restabelecer a confiança e uma expectativa favorável às suas medidas. Na política externa, os sinais também são positivos. Nos ministérios sociais, tem tido dificuldades em administrar a herança recebida. O vaivém nas medidas adotadas tem demonstrado falta de competência gerencial e, principalmente, de firmeza. Ceder faz parte do jogo democrático, mas ceder por mera pressão de grupelhos sem representação social efetiva é fraqueza. E mais: estimula novos desgastes, criando a sensação de que a administração é frágil, vacilante e que teme os “movimentos sociais”, sustentados por generosas verbas durante 13 anos.
Em três semanas — com todas as dificuldades —, a presidência Temer conseguiu estabelecer um novo rumo para o país. Não há saída responsável para a crise mais grave da nossa história a não ser dando condições de governabilidade. Imaginar um retorno de Dilma ao Palácio do Planalto seria transformar Brasília em Caracas. É brincar com fogo. E pode acabar mal.
Marco Antonio Villa
Esta contradição vai marcar todo o período de seu governo, mesmo após a recomposição ministerial, que deve ocorrer após o Senado julgar o impeachment de Dilma Rousseff. Se não há qualquer possibilidade de o projeto criminoso voltar ao poder, o que poderia levar o país à guerra civil, é líquido e certo que Temer deve organizar um governo sob novas bases quando for presidente de fato. O maior desafio será a convivência com um Congresso sob a mira da Justiça e que deve tentar chantagear o Executivo nas questões consideradas vitais para a nova administração federal.
Na interinidade, o presidente vai conviver com os constantes ataques petistas e de seus comparsas. E quando se aproximar a data do julgamento, a tendência é de enfrentamento nas ruas. Buscam desesperadamente um cadáver. Têm de transformar o governo em repressor. Faz parte do script dos marginais que foram defenestrados do poder. Caberá ao governo manter a ordem dentro dos limites constitucionais.
Ainda haverá muitas surpresas. A principal fonte deverá ser a operação Lava-Jato. Não é descartada a prisão de Lula. Afinal, mantê-lo em liberdade é colocar em risco as investigações, pois o ex-presidente pode coagir as testemunhas, destruir provas. Mantê-lo solto também é um perigo para a ordem pública. Ele estimula a guerra civil em todos os seus pronunciamentos. Além da contradição de o chefe do petrolão continuar a fazer política — leve, livre e solto — da mesma forma como desempenhou a sua presidência e de sua criatura.
Se a prisão de Lula é condição sine qua non para a estabilidade das instituições republicanas, a continuidade da Lava-Jato vai atingir o coração do Congresso Nacional, suas principais lideranças, inclusive os presidentes das duas Casas. Será mais um desafio para o governo Temer. E isto em meio à mais profunda e longa crise econômica da nossa história — quando o Congresso terá de ser acionado para aprovar medidas emergenciais.
Deve o governo manter o funcionamento da máquina pública. Só isto não basta. Tem de apresentar resultados imediatos — mesmo que aparentes, pois as medidas econômicas não vão produzir efeitos a curto prazo. Daí a necessidade de solucionar as crises na composição do Ministério rapidamente, sem pestanejar. E ter cuidado na designação dos novos ministros, mesmo tendo limites, derivados da composição — mais que necessária — com a base congressual, especialmente a do Senado.
O maior desafio de Temer vai ser o de levar o governo até a aprovação do impeachment. Terá de conviver com sucessivas crises. Parte delas produzidas pela própria composição de forças que levaram à organização do governo provisório; outras, devido à estrutura carcomida da República brasileira. E vai sofrer diuturnamente ataques do PT e seus asseclas, que vão buscar desgastar o governo e explorar suas vacilações.
Até o momento, Temer tem conseguido administrar os conflitos. Porém, é necessário avançar e enfrentar os opositores. Uma saída conciliatória é inviável. Passar à ofensiva é a melhor forma de fortalecer o governo e garantir a aprovação do impeachment, sem ter de aceitar a chantagem de senadores corruptos. E para isso tem de, inicialmente, convocar uma rede nacional de rádio e televisão para expor — ainda que sem um levantamento completo — a situação em que encontrou o governo. Não será, infelizmente, necessário uma ampla pesquisa. Basta relatar, sucinta e didaticamente, o que o PT fez com as empresas e bancos estatais e a máquina estatal. Mostrar o descalabro e seu significado econômico-social é a melhor defesa frente aos golpistas que rasgaram os ordenamentos legais da República, seus princípios, sua história.
No campo econômico, o governo está indo bem. Tem conseguido restabelecer a confiança e uma expectativa favorável às suas medidas. Na política externa, os sinais também são positivos. Nos ministérios sociais, tem tido dificuldades em administrar a herança recebida. O vaivém nas medidas adotadas tem demonstrado falta de competência gerencial e, principalmente, de firmeza. Ceder faz parte do jogo democrático, mas ceder por mera pressão de grupelhos sem representação social efetiva é fraqueza. E mais: estimula novos desgastes, criando a sensação de que a administração é frágil, vacilante e que teme os “movimentos sociais”, sustentados por generosas verbas durante 13 anos.
Em três semanas — com todas as dificuldades —, a presidência Temer conseguiu estabelecer um novo rumo para o país. Não há saída responsável para a crise mais grave da nossa história a não ser dando condições de governabilidade. Imaginar um retorno de Dilma ao Palácio do Planalto seria transformar Brasília em Caracas. É brincar com fogo. E pode acabar mal.
Marco Antonio Villa
Crime não escolhe classe
Engana-se quem pensa que tráfico de drogas é exclusividade dos morros, das favelas e das periferias excluídas. Não é de hoje que jovens de classe média e média alta frequentam o noticiário policial. Crimes, vandalismo, espancamento de prostitutas, incineração de mendigos, consumo e tráfico de drogas despertam indignação e perplexidade. O novo mapa do crime transita nos bares badalados, vive nos condomínios fechados, estuda em colégios e universidades da moda e desfibra o caráter no pântano de um consumismo descontrolado. Frequentemente, operações policiais prendem jovens de classe média vendendo ecstasy, LSD, cocaína, maconha. Segundo a polícia, eles fazem a ligação entre os traficantes e os vendedores de drogas no ambiente universitário.
O tráfico oferece a perspectiva do ganho fácil e do consumo assegurado. E a sensação de impunidade – rico não vai para a cadeia – completa o silogismo da juventude criminosa. A delinquência bem-nascida mobiliza policiais, psicólogos, pais e inúmeros especialistas. O fenômeno, aparentemente surpreendente, é o reflexo de uma cachoeira de equívocos e de uma montanha de omissões. O novo perfil da criminalidade é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva, do consumismo compulsivo e de setores do negócio do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de normas ou valores.
Os pais da geração transgressora têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que não se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.
Alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. Educar dá trabalho. E nem todos estão dispostos a assumir as consequências da paternidade. Tentam, então, suprir o vazio afetivo com carros, mesadas e presentes. Erro fatal. A demissão do exercício da paternidade sempre acaba apresentando sua fatura. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinquência juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.
Não é difícil de imaginar em que ambiente afetivo terão crescido os integrantes do tráfico classe alta. Artigos, crônicas e debates tentam explicar o fenômeno. Fala-se de tudo. Menos do óbvio: a brutal crise que machuca a família. É preciso ter a coragem de fazer o diagnóstico. Caso contrário, assistiremos a uma espiral de delinquência. É só uma questão de tempo.
Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre. Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinquência, último estágio da fratura social, é, frequentemente, o epílogo da falência da família.
Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, crescida à sombra do dogma da tolerância, está mostrando suas garras. Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é toda uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!
Impõe-se um choque de bom senso. O erro, independentemente dos argumentos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. Chegou para todos, sobretudo para os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública, a hora da verdade. É necessário ter a coragem de dar nome aos bois. Caso contrário, a delinquência enlouquecida será uma trágica rotina. Colheremos, indefesos, o amargo fruto que a nossa omissão ajudou a semear.
O consumismo desenfreado, tolerado e estimulado pelas famílias, produz uma geração sem limites. O desejo deve ser satisfeito sem intermediação do esforço e do sacrifício. As balizas éticas vão para o espaço. A posse das coisas justifica tudo. É uma juventude criada de costas para o trabalho. O fim da história não é nada bom.
A irresponsabilidade pragmática de alguns setores do negócio do entretenimento fecha o triângulo da delinquência bem-nascida. A exaltação do sucesso sem limites éticos e a consagração da impunidade, marca registrada de algumas novelas e programas de TV, têm colaborado para o crescimento dos desvios de caráter. Apoiados numa leitura equivocada do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de TV exploram as paixões humanas. Ao subestimar a influência negativa da violência ficcional, levam adolescentes ao delírio em shows e programas que promovem uma sucessão de quadros desumanizadores e humilhantes.
Como já escrevi neste espaço opinativo, recuperação da família, educação da vontade, combate à impunidade e entretenimento de qualidade compõem a melhor receita para uma democracia civilizada.
Carlos Alberto di Franco
Os pais da geração transgressora têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que não se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.
Alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. Educar dá trabalho. E nem todos estão dispostos a assumir as consequências da paternidade. Tentam, então, suprir o vazio afetivo com carros, mesadas e presentes. Erro fatal. A demissão do exercício da paternidade sempre acaba apresentando sua fatura. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinquência juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.
Não é difícil de imaginar em que ambiente afetivo terão crescido os integrantes do tráfico classe alta. Artigos, crônicas e debates tentam explicar o fenômeno. Fala-se de tudo. Menos do óbvio: a brutal crise que machuca a família. É preciso ter a coragem de fazer o diagnóstico. Caso contrário, assistiremos a uma espiral de delinquência. É só uma questão de tempo.
Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre. Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinquência, último estágio da fratura social, é, frequentemente, o epílogo da falência da família.
Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, crescida à sombra do dogma da tolerância, está mostrando suas garras. Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é toda uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!
Impõe-se um choque de bom senso. O erro, independentemente dos argumentos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. Chegou para todos, sobretudo para os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública, a hora da verdade. É necessário ter a coragem de dar nome aos bois. Caso contrário, a delinquência enlouquecida será uma trágica rotina. Colheremos, indefesos, o amargo fruto que a nossa omissão ajudou a semear.
O consumismo desenfreado, tolerado e estimulado pelas famílias, produz uma geração sem limites. O desejo deve ser satisfeito sem intermediação do esforço e do sacrifício. As balizas éticas vão para o espaço. A posse das coisas justifica tudo. É uma juventude criada de costas para o trabalho. O fim da história não é nada bom.
A irresponsabilidade pragmática de alguns setores do negócio do entretenimento fecha o triângulo da delinquência bem-nascida. A exaltação do sucesso sem limites éticos e a consagração da impunidade, marca registrada de algumas novelas e programas de TV, têm colaborado para o crescimento dos desvios de caráter. Apoiados numa leitura equivocada do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de TV exploram as paixões humanas. Ao subestimar a influência negativa da violência ficcional, levam adolescentes ao delírio em shows e programas que promovem uma sucessão de quadros desumanizadores e humilhantes.
Como já escrevi neste espaço opinativo, recuperação da família, educação da vontade, combate à impunidade e entretenimento de qualidade compõem a melhor receita para uma democracia civilizada.
Carlos Alberto di Franco
Mundo pequeno, dores grandes
No filme Blow-up, em Londres, o fotógrafo, protagonista da história, encontra a modelo Veruschka em festa e indaga: Você não ia para Roma? Ela, cigarro não convencional na mão, aérea, responde: Mas eu estou em Roma.
Veruschka era a toptop model do momento. Representava ela mesma no filme, um clássico do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, de 1966.
Veruschka era a toptop model do momento. Representava ela mesma no filme, um clássico do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, de 1966.
Cinquenta anos depois nem precisamos mais de aditivos alucinógenos para, estando aqui, estar mundo afora. Viajar ficou mais fácil, mais democrático. Um start no smartphone e vamos ao México, Chiapas.
Lá/aqui, carrascos tesouram, na praça, cabelos de 15 supervisoras de uma escola pública. Era castigo por listarem professores grevistas.
Antes do escalpo, foram obrigadas a caminhar descalças pelas ruas, levando escrachado crachá: traidores.
Reproduziam – e nós presenciamos da tela - modelo nazi/facista de terror, usado em países ocupados pela Alemanha e Itália, na 2ª Guerra. O mesmo repetido agora, mundo adentro, por neonazis e fundamentalistas de muitas bandeiras, como inominável Estado Islâmico, que de Estado não tem nada além do nome.
A violência de Chiapas foi perpetrada por sindicalistas ou, segundo o próprio sindicato dos professores mexicanos, “pela corrente radical’ daquela associação de mestres. Mestres! Em que mesmo?
Via smartphone estamos no México, como estivemos nas tragédias da Síria, do Afeganistão, da África, do Haiti, nas praias da Grécia, Itália, de Bodrum, na Turquia.
Pelas máquinas digitais estivemos in loco nos ataques terroristas de Paris, de Bruxelas, de Madri. No café da manhã, somos bombardeados na Palestina por Israel, depois vice-versa. Jantamos no meio da lama de Mariana. Acordamos num acidente aéreo.
Estivemos em campo nos 7 a 1 do chocolate levado da Alemanha, em 2014. E não pudemos fazer nada além de malhar o Dunga e Cia. Quase sempre, podemos fazer bem pouco além de doer – às vezes, sangrar - em tempo real.
(O seis de julho, que está pertinho, deveria ser tombado – dia de luto nacional. Matou o que mais congregava gregos e troianos do Brasil – a Seleção. Parece, dali pra frente tudo degringolou).
Nas telas nossas de cada dia – no almoço, jantar ou ceia – temos encontro marcado com baixarias de grosso calibre.
A tecnologia digital faz o mundo pequeno e as dores grandes.
Dói a indignidade dos cabelos cortados em Chiapas, doem os triviais estupros coletivos. Doem indignidades expostas em ordinários grampos e delações. Dia a dia, e num sem fim, destroem personas. Machucam esperanças.
Aqui e agora, dói o machismo nacional campeando, sem cerimônia, nas telas digitais. Dói a ignorância ali exibida. Preconceitos assim tão, tão expostos. Dói a violência. Todos juntos, visíveis e muito maiores do que podia imaginar nossa vã filosofia, antes do digital.
Que mundo é esse? Em que caverna o mal foi cevado para sair assim gigante e de tantos tentáculos?
Transparente e online, o século 21 dói em realidade e expectativa.
Lá/aqui, carrascos tesouram, na praça, cabelos de 15 supervisoras de uma escola pública. Era castigo por listarem professores grevistas.
Antes do escalpo, foram obrigadas a caminhar descalças pelas ruas, levando escrachado crachá: traidores.
Reproduziam – e nós presenciamos da tela - modelo nazi/facista de terror, usado em países ocupados pela Alemanha e Itália, na 2ª Guerra. O mesmo repetido agora, mundo adentro, por neonazis e fundamentalistas de muitas bandeiras, como inominável Estado Islâmico, que de Estado não tem nada além do nome.
A violência de Chiapas foi perpetrada por sindicalistas ou, segundo o próprio sindicato dos professores mexicanos, “pela corrente radical’ daquela associação de mestres. Mestres! Em que mesmo?
Via smartphone estamos no México, como estivemos nas tragédias da Síria, do Afeganistão, da África, do Haiti, nas praias da Grécia, Itália, de Bodrum, na Turquia.
Pelas máquinas digitais estivemos in loco nos ataques terroristas de Paris, de Bruxelas, de Madri. No café da manhã, somos bombardeados na Palestina por Israel, depois vice-versa. Jantamos no meio da lama de Mariana. Acordamos num acidente aéreo.
Estivemos em campo nos 7 a 1 do chocolate levado da Alemanha, em 2014. E não pudemos fazer nada além de malhar o Dunga e Cia. Quase sempre, podemos fazer bem pouco além de doer – às vezes, sangrar - em tempo real.
(O seis de julho, que está pertinho, deveria ser tombado – dia de luto nacional. Matou o que mais congregava gregos e troianos do Brasil – a Seleção. Parece, dali pra frente tudo degringolou).
Nas telas nossas de cada dia – no almoço, jantar ou ceia – temos encontro marcado com baixarias de grosso calibre.
A tecnologia digital faz o mundo pequeno e as dores grandes.
Dói a indignidade dos cabelos cortados em Chiapas, doem os triviais estupros coletivos. Doem indignidades expostas em ordinários grampos e delações. Dia a dia, e num sem fim, destroem personas. Machucam esperanças.
Aqui e agora, dói o machismo nacional campeando, sem cerimônia, nas telas digitais. Dói a ignorância ali exibida. Preconceitos assim tão, tão expostos. Dói a violência. Todos juntos, visíveis e muito maiores do que podia imaginar nossa vã filosofia, antes do digital.
Que mundo é esse? Em que caverna o mal foi cevado para sair assim gigante e de tantos tentáculos?
Transparente e online, o século 21 dói em realidade e expectativa.
O intelectual e o político
A missão do chamado "intelectual" é, de certo modo, oposta à do político. A obra intelectual aspira, frequentemente em vão, a aclarar um pouco as coisas, enquanto a do político sói, pelo contrário, consistir em confundi-las mais do que já estavam. Ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser um imbecil: ambas, com efeito, são formas da hemiplegia moralOrtega y Gasset, in 'A Rebelião das Massas'
Espaços públicos
Os espaços públicos, entre eles praças e parques, tornam-se cada vez mais importantes no desenvolvimento sustentável de cidades mostrando-se fundamentais em seu planejamento, na perspectiva de melhora na qualidade de vida de seus habitantes.
Parques trazem a sensação de familiaridade e unidade, sendo importante a socialização que o espaço proporciona e o que o ambiente significa para os seus frequentadores
Parques trazem a sensação de familiaridade e unidade, sendo importante a socialização que o espaço proporciona e o que o ambiente significa para os seus frequentadores
Os parques urbanos oferecem oportunidades de lazer e recreação aos habitantes da cidade e devem ser áreas de promoção da saúde e cidadania. Eventualmente, podem apresentar equipamentos públicos de caráter cultural, como museus, centros culturais e casas de espetáculo.
Estes espaços podem representar um dos pilares de sustentação da política ambiental dos municípios, pois, com criteriosa implantação e gestão, consolidam a preocupação com a ecologia e com a qualidade de vida.
Além de protegerem a mata nativa e maciços vegetais existentes, os parques garantem a preservação do sistema natural de drenagem, dos recursos hídricos, das florestas lindeiras e da fauna. Também funcionam como barreira natural contra a ocupação irregular e desordenada.
Parques trazem a sensação de familiaridade e unidade, sendo importante a socialização que o espaço proporciona e o que o ambiente significa para os seus frequentadores.
Sabemos que a tão almejada sustentabilidade urbana apresenta-se de forma operacionalmente complexa, principalmente pelos interesses e motivações que geram práticas de apropriação do espaço, que nem sempre visam a um ambiente urbano ecologicamente equilibrado e socialmente justo
Por isso, mudanças de percepções são necessárias para se alcançar a qualidade de vida urbana, sendo imprescindível que a sociedade assuma verdadeiramente o seu papel em prol de uma cidade sustentável. Afinal, vontade política não nasce por geração espontânea. Que tal apostarmos neste novo desafio?
Nancy Thame
Da série corrupção dos valores: a cultura
Nesta semana, a trupe barulhenta de nossos artistas declarou que vai permanecer no “Occupy o MinC”, mesmo depois de o presidente interino Michel Temer haver desfeito a fusão do MEC – Ministério de Educação e Cultura. Também, nesta semana, foi noticiado que o deputado Alberto Fraga, do DEM-DF, já reunia 202 assinaturas para a instalação da CPI da Lei Rouanet. Justificativa: de cerca de R$ 15 bilhões de renúncia fiscal concedidos nos últimos governos do PT, o Tribunal de Contas da União notificou o MinC que pelo menos R$ 3,8 bilhões, relativos a 8.100 projetos financiados, estavam sem comprovação de destino e pendentes de análise de execução. Como o embate promete, não apenas por sua importância estratégica, como pelos valores alcançados, decidi aprofundar o tema sobre o que significa cultura enquanto política pública de Estado na cabeça de nossa influente e combativa classe artística nacional.
Vamos então aos argumentos da campanha cujo vídeo Ocupa MinC foi lançado na semana passada pelas celebridades, mais do setor de entretenimento do que de outros setores da expressão artística nacional. Se a motivação inicial foi o desmembramento do Ministério da Cultura do Ministério da Educação, com o recuo do presidente, o movimento não teria mais razão de persistir. Mas, na verdade, o motivo passou a ser outro: o embate contra o próprio governo interino, disposto a auditar toda a sorte de subsídios das contas públicas, e o consequente alinhamento político com o governo de saída, exatamente por irresponsabilidade fiscal e estouro do orçamento público – sobretudo no que tange ao festival de distribuição de isenções, desonerações, subsídios, incentivos e outros cala-bocas aos “amigos da causa”. Logo na primeira cena de abertura do vídeo, o diretor Aderbal Freire Filho afirma que o grupo não reconhece Temer como presidente legítimo do país. E cabe a pergunta: como assim, se foi cumprida rigorosamente a legislação do impeachment em processo aberto pelo Congresso Nacional, seguindo o rito proposto pela mais alta corte do país? Pois bem. Quando cometem tal arbitrariedade, os artistas estão na verdade explicitando um conceito de cultura totalmente corrompido, pois reduzido a seu campo particular de expressão, as chamadas “artes e espetáculos”, as artes cênicas, plásticas, musicais e literárias, e não um verdadeiro conceito de cultura que, desde sua origem no século XIX, como afirmava o antropólogo Edward Taylor, “já tinha um sentido mais vasto, que incluía o próprio conhecimento, as crenças, a moral, o direito, os costumes e outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade” [1871].
Em seguida à exigência de deposição do atual presidente, vários artistas declaram adesão ao sofisma petista/autista do golpe em consonância com a campanha de difamação do atual governo, das instituições políticas e jurídicas que o avalizaram e da própria imagem externa do país. Além disso, a trupe de saltimbancos grita em coro que a ocupação é legítima, pois “o MinC é nosso!”. E aqui chegamos a outro equívoco: é nosso de quem, cara-pálida? Da classe agitadora dos artistas do entretenimento ou do povo brasileiro, como manda a Constituição referente às instituições públicas? Para além dessa explícita demonstração de incultura, estrelas do naipe de Marieta Severo, Patrícia Pillar, Andrea Beltrão, Mariana Lima e outros declaram que “não se trata apenas da perda dos direitos dos trabalhadores da cultura, mas também a perda dos direitos de cidadania do povo brasileiro”, por parte de “um governo ilegítimo que assumiu o poder de forma arbitrária, causando um desmonte de setores essenciais do estado de direito como cultura, direitos humanos, mulheres, igualdade racial, povos indígenas, desenvolvimento agrário, previdência, ciência e tecnologia e até a Controladoria-Geral da União”. Como se vê, um pot-pourri de repartições do Estado que pode tudo, ao som de um “samba do crioulo doido”, menos produzir cultura propriamente dita, e para além de performing arts.
Referem-se apenas à cultura stricto sensu, quando outras expressões da cultura de um povo, sobretudo no momento que o país vive, certamente não lhes passa pela cachola, como a cultura cívica e política de um povo iletrado, se não analfabeto funcional, enganado por políticos populistas com serviços públicos de quinta categoria em áreas prioritárias como educação, saúde, justiça e segurança. Demagogos que vivem a espalhar falsas concepções de cidadania enquanto direitos sociais ilimitados, sem a inerente contrapartida dos deveres cívicos e políticos de fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos. E isso, por quê? Se não pela ideologia esquerdista de intervencionismo estatal em setores do livre empreendimento privado por natureza, como infraestrutura, energia, transportes, mineração, intermediação financeira, seguros etc., exatamente por onde se desviaram rios de recursos públicos escassos nas áreas prioritárias do investimento social do Estado.
E disso, os mistificadores da campanha “contra o golpe” não falam, pois o que querem mesmo é esconder da opinião pública suas duvidosas boquinhas, às custas da renúncia fiscal da Lei Rouanet. Ou pior: convencerem-se a si mesmos da pertinência de seus privilégios pela função de arautos virtuosos da fonte inesgotável de benesses do Estado. Aliás, chega a ser risível a “escolha” como trilha do vídeo Ocupa MinC, do cântico “O fortuna, imperatrix mundi”, da cantataCarmina Burana, de Carl Orff, quando sobrepõem o refrão “fora Temer”, uma imperativa palavra de ordem, exatamente sobre os versos “O fortuna, velut luna statu variabilis”, que afirma a Roda da Fortuna, ou a Sorte como imperatriz do mundo, mutável como a lua que ora cresce, ora diminui, alheia a nossa vontade. Antes de continuar, no entanto, dou a palavra a um de nossos Agentes de Cidadania, Leonel Kaz, que há quase dois anos, tendo ocupado o mesmo posto de secretário de Educação do Rio de Janeiro, a exemplo do atual e jovem ministro da Cultura nomeado, declarou a total impropriedade da separação das duas áreas. E não pelo pseudoargumento de corte da despesa pública, mas por impropriedade mesma da decisão. Veja o videodepoimento de Leonel Kaz.
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Para concluir, retorno mais uma vez ao mestre Mario Guerreiro, quando explica as origens de nossa tão tosca elite cultural: “Se a colonização das Treze Colônias da América foi um empreendimento privado, a colonização da América Latina foi um empreendimento estatal”. O que ilumina a corrupção do valor da cultura lato sensu, como urgente cultura cívica e política de que carecem nossas elites, para além do divertimento artístico financiado pelo Estado. O que explica também a pobreza do debate público, na expressão mais geral e verdadeira da cultura política do patrimonialismo, do estatismo e do corporativismo, que se traduz na nossa chaga maior de não saber ou tampouco gostar de empreender por conta própria, mas sempre esperar algum subsídio do Estado para não arriscar. Cultura generalizada, seja de grupos empresariais, seja de quaisquer outros empreendimentos de cunho social, partidário, religioso, cultural, artístico ou mesmo informativo. Pois nem a imaginação fértil de George Orwell em 1984 cogitou de um Big Brother tão onipotente e onipresente que pretendesse comprar com tão farta distribuição de bolsas e boquinhas várias a adesão ou omissão políticas de tão vasto espectro da sociedade.
Jorge Maranhão
Em seguida à exigência de deposição do atual presidente, vários artistas declaram adesão ao sofisma petista/autista do golpe em consonância com a campanha de difamação do atual governo, das instituições políticas e jurídicas que o avalizaram e da própria imagem externa do país. Além disso, a trupe de saltimbancos grita em coro que a ocupação é legítima, pois “o MinC é nosso!”. E aqui chegamos a outro equívoco: é nosso de quem, cara-pálida? Da classe agitadora dos artistas do entretenimento ou do povo brasileiro, como manda a Constituição referente às instituições públicas? Para além dessa explícita demonstração de incultura, estrelas do naipe de Marieta Severo, Patrícia Pillar, Andrea Beltrão, Mariana Lima e outros declaram que “não se trata apenas da perda dos direitos dos trabalhadores da cultura, mas também a perda dos direitos de cidadania do povo brasileiro”, por parte de “um governo ilegítimo que assumiu o poder de forma arbitrária, causando um desmonte de setores essenciais do estado de direito como cultura, direitos humanos, mulheres, igualdade racial, povos indígenas, desenvolvimento agrário, previdência, ciência e tecnologia e até a Controladoria-Geral da União”. Como se vê, um pot-pourri de repartições do Estado que pode tudo, ao som de um “samba do crioulo doido”, menos produzir cultura propriamente dita, e para além de performing arts.
Referem-se apenas à cultura stricto sensu, quando outras expressões da cultura de um povo, sobretudo no momento que o país vive, certamente não lhes passa pela cachola, como a cultura cívica e política de um povo iletrado, se não analfabeto funcional, enganado por políticos populistas com serviços públicos de quinta categoria em áreas prioritárias como educação, saúde, justiça e segurança. Demagogos que vivem a espalhar falsas concepções de cidadania enquanto direitos sociais ilimitados, sem a inerente contrapartida dos deveres cívicos e políticos de fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos. E isso, por quê? Se não pela ideologia esquerdista de intervencionismo estatal em setores do livre empreendimento privado por natureza, como infraestrutura, energia, transportes, mineração, intermediação financeira, seguros etc., exatamente por onde se desviaram rios de recursos públicos escassos nas áreas prioritárias do investimento social do Estado.
E disso, os mistificadores da campanha “contra o golpe” não falam, pois o que querem mesmo é esconder da opinião pública suas duvidosas boquinhas, às custas da renúncia fiscal da Lei Rouanet. Ou pior: convencerem-se a si mesmos da pertinência de seus privilégios pela função de arautos virtuosos da fonte inesgotável de benesses do Estado. Aliás, chega a ser risível a “escolha” como trilha do vídeo Ocupa MinC, do cântico “O fortuna, imperatrix mundi”, da cantataCarmina Burana, de Carl Orff, quando sobrepõem o refrão “fora Temer”, uma imperativa palavra de ordem, exatamente sobre os versos “O fortuna, velut luna statu variabilis”, que afirma a Roda da Fortuna, ou a Sorte como imperatriz do mundo, mutável como a lua que ora cresce, ora diminui, alheia a nossa vontade. Antes de continuar, no entanto, dou a palavra a um de nossos Agentes de Cidadania, Leonel Kaz, que há quase dois anos, tendo ocupado o mesmo posto de secretário de Educação do Rio de Janeiro, a exemplo do atual e jovem ministro da Cultura nomeado, declarou a total impropriedade da separação das duas áreas. E não pelo pseudoargumento de corte da despesa pública, mas por impropriedade mesma da decisão. Veja o videodepoimento de Leonel Kaz.
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Para concluir, retorno mais uma vez ao mestre Mario Guerreiro, quando explica as origens de nossa tão tosca elite cultural: “Se a colonização das Treze Colônias da América foi um empreendimento privado, a colonização da América Latina foi um empreendimento estatal”. O que ilumina a corrupção do valor da cultura lato sensu, como urgente cultura cívica e política de que carecem nossas elites, para além do divertimento artístico financiado pelo Estado. O que explica também a pobreza do debate público, na expressão mais geral e verdadeira da cultura política do patrimonialismo, do estatismo e do corporativismo, que se traduz na nossa chaga maior de não saber ou tampouco gostar de empreender por conta própria, mas sempre esperar algum subsídio do Estado para não arriscar. Cultura generalizada, seja de grupos empresariais, seja de quaisquer outros empreendimentos de cunho social, partidário, religioso, cultural, artístico ou mesmo informativo. Pois nem a imaginação fértil de George Orwell em 1984 cogitou de um Big Brother tão onipotente e onipresente que pretendesse comprar com tão farta distribuição de bolsas e boquinhas várias a adesão ou omissão políticas de tão vasto espectro da sociedade.
Jorge Maranhão
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