terça-feira, 28 de junho de 2016

O triunfo da estupidez

“Como podem 60 milhões de pessoas serem tão estupidas?” Essa foi a manchete de capa do jornal inglês “The Guardian”, quando Bush foi reeleito. E hoje? 52 milhões de imbecis jogaram fora a Grã Bretanha por ignorância e velhice (a maioria era de velhos burros). Como sentenciou o “The Economist”, “foi um gesto de automutilação”, “impensado, preconceituoso”.

Vocês viram aquele sósia do Trump, o Boris Johnson, ex-prefeito de Londres? Pois é, na ultima hora ele traiu o babaca do Cameron, que convocou aquele plebiscito desnecessário e imprudente, e liderou o “leave”. Esse Boris é um rato igual ao Trump: o mesmo cabelinho louro, mesmas fuças boçais, mesmas frases agressivas e populistas para o povo entender, ou melhor, “não entender” a complexa situação econômica e política de hoje. O Reino Unido tem uma eterna saudade do império que se estendeu ao mundo todo. Ainda se sentem donos de um passado glorioso. Usando essa estupidez, Boris arrasou o Reino Unido.

O triunfo da barbárie, da estupidez está no mundo todo. A Síria agoniza nas mãos daquele assassino Assad, que destrói o próprio país, envia milhões de desgraçados para a Europa e não pode ser destruído porque o outro assassino, Putin, não deixa. Esse outro canalha tem bomba atômica e se vale disso. Pode?

O Oriente Médio se estraçalhou, a “primavera” virou inferno, e todo o horror dessa zona geral migra para o Ocidente, aumentando a bagunça institucional da crise agora acirrada por aquele “Trump inglês”.

E, por outro lado, já imaginaram aquele Trump americano, um doente mental sem escrúpulos, com os dedos nos botões de guerra nuclear? Espero que não seja eleito, mas sua presença já mostra que a democracia pode ser um perigo quando cai nas mãos da ditadura da chamada “maioria silenciosa” (Tocqueville). A única coisa boa dessa repulsiva figura é mostrar a verdadeira cara do partido Republicano, aquele antro de fundamentalistas, o El da América.

Esse plebiscito inglês foi o primeiro sinal. Com o mundo tão incompreensível, a tendência das pessoas mais burras é se isolar, ter a nostalgia de um passado que pensam que era bom, com ódio e rancor contra a “lenta” democracia. A imediata atitude é o nacionalismo como o envoltório de um narcisismo boçal, a recusa à convivência com contrários. Os estúpidos amam o autoritarismo. Por isso, hoje pululam ditadores, desde o ratinho atômico da Coreia do Norte até os Maduros e aquela fascista Le Pen.

Como é o “design” da estupidez? A estupidez, antes de tudo, é uma couraça. A estupidez é um mecanismo de defesa. É o bloqueio de qualquer dúvida de fora para dentro, é o ódio a qualquer luz que possa clarear as deliciosas trevas onde vivem. Bush se orgulhava de sua burrice. Uma vez ele disse em Yale: “Eu sou a prova de que os maus estudantes podem ser presidentes dos USA”. E aí, invadiu o Iraque e escangalhou o Ocidente.

Mesmo inconscientemente, aqui e lá fora, sociedades estão famintas por tiranias rápidas. A democracia decepciona as massas porque é muito complexa para ser entendida. O homem comum de hoje não entende mais nada. Assim, adotam apelos populistas, invenção de “inimigos” do povo, divisão entre “bons” e “maus”.

E aqui , como se comporta a estupidez?

Bem, estamos saindo, se Deus quiser, da maior onda de estupidez justificada teoricamente, desde Cabral. A pretensa “esquerda” que se apossou do país há 12 anos fez tudo ao contrário do que deveria. Por quê? Porque são incompetentes? Sim, claro que são; mas a razão é mais estúpida ainda. Fizeram tudo ao contrário, pois acham que o certo está no oposto. Já disse e repito (gostei da frase) que para o comuna típico, o óbvio é “de direita”.

Os estúpidos são militantes, têm fé em si mesmos e têm a ousadia que os inteligentes não têm. Mas o sujeito também pode ser culto e burro. Quantos filósofos sabem tudo de Hegel ou Espinoza e são bestas quadradas? Seu mundo tem três ou quatro verdades que eles chupam como picolés. Nosso futuro era determinado pelos burros da elite intelectual numa fervorosa aliança com os analfabetos.

Esses gênios, em seus latifúndios teóricos, trouxeram-nos a suprema estupidez regressista, um desejo de voltar para a taba, para o casebre com farinha, paçoca e violinha. Assim, teríamos um país solidário, simplesinho – um doce rebanho político que deteria a marcha das coisas do mundo, do mercado voraz, das pestes e, claro, dos “canalhas” neoliberais.

Aqui, também assistimos à vitória da testa curta, o triunfo das toupeiras. Inteligência é chata; traz angústia, com seus labirintos. Inteligência nos desorganiza; burrice consola. A burrice é a ignorância com fome de sentido, é a utopia de cabeça para baixo, o culto populista da marcha a ré.

Em nossa cultura, achamos que há algo de sagrado na ignorância dos pobres, uma “sabedoria” que pode desmascarar a mentira “inteligente” do mundo. Só os pobres de espírito verão a Deus, reza nossa tradição. Existe na base do populismo brasileiro uma crença lusitana, contra-reformista, de que a pobreza é a moradia da verdade.

Aqui e no planeta, o que está rolando hoje é um irracionalismo auto- mutilador, uma estupidez desorientada, a ilógica como lógica. Crescem em toda parte ideologias nacionalistas, sempre pautadas pela exclusão do outro, sejam imigrantes famintos, sejam muçulmanos pacíficos, sejam os inimigos do PT.

A burrice tem a “vantagem” de “explicar” o mundo. Não querem frescuras complexas, sutis, situações políticas democráticas. Preferem a estupidez como solução. O diabo é que a estupidez no poder chama-se “fascismo”.

Sílvio Navarro: 'Emprega-se: Tesoureiro do PT'

O Brasil pós-Dilma Rousseff já produziu quase 11 milhões de desempregados, todos ansiosos pela aparição de algum tipo de trabalho. Mas existe um cargo vago que ninguém em sã consciência parece interessado em ocupar: o de tesoureiro do Partido dos Trabalhadores. E não só pelas unhas que Delúbio Soares prometeu desencravar quando foi descoberto o Mensalão, nem pelos quilos de pixulecos que João Vaccari Neto levava na mochila, nem por tudo o que Paulo Ferreira, João de Fillipi Jr., Edinho Silva, Paulo Okamotto e Cia ainda vão contar.

O Brasil quer saber como dorme o biólogo Márcio Costa Macêdo, ex-deputado sergipano e herdeiro da contabilidade da roubalheira do partido. A Polícia Federal vasculhou o andar das finanças da sede do PT nacional, no centro de São Paulo, e achou papeis – que não são de Aracaju. O que esses papeis têm a dizer saberemos em breve.

Macêdo tem tudo para transformar-se em mais um daqueles tesoureiros-kamikazes do PT, aos quais a história vem reservando duros castigos. Ele nunca deveria ter aceitado o cargo ocupado por gente como João Vaccari Neto e outros pretéritos gurus do lulopetismo messiânico.

Mas cabe aqui uma ressalva: a tesouraria do PT e suas campanhas corruptas talvez sejam mesmo coisa para biólogos. São espécies em extinção.

Num dos mais momentos históricos do Mensalão, o ainda deputado Roberto Jefferson encarou José Dirceu, até então festejado como o maior dos enxadristas políticos, e deu um conselho profético:

─ Saí daí, Zé! Saí logo daí, Zé!

O recado sem prazo de validade deveria ser ouvido por todos os tesoureiros do PT.

Teoria e prática do lulopetismo

Uma coisa é locupletar-se com recursos públicos, enriquecer metendo a mão no dinheiro do povo. Isso é feio e condenável. Coisa muito diferente é desviar dinheiro do governo, de suas instituições financeiras e de suas empresas para os cofres do partido, para financiar a luta em defesa dos fracos e oprimidos. Isso é bonito, elogiável, demonstra idealismo. Esse absurdo, sempre subjacente na estratégia política do PT, emerge com força no momento em que, em desespero de causa, o lulopetismo tenta afinar um discurso que garanta sua sobrevivência.

A ideia seria o partido fazer uma admissão pública de culpa pelas ilicitudes que seus dirigentes praticaram, deixar clara, mesmo que apenas implicitamente, a reprovação àqueles que agiram movidos apenas, ou oportunisticamente, pela ganância, e pedir desculpas pela prática da corrupção “benigna”, aquela movida pela nobre intenção de arrecadar recursos para a luta na defesa dos interesses e da soberania populares. A ideia dessa nova estratégia, por enquanto debatida intramuros na direção do PT, foi revelada em matéria de Ricardo Galhardo, noEstado de domingo.

Para exemplificar: José Dirceu e André Vargas, condenados pela Justiça por se terem beneficiado pessoalmente de atos de corrupção, não merecem solidariedade pública, pois ofenderam a “ética interna”. Já outro condenado, o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, arquiteto de amplo esquema de propinas carreadas para o financiamento das atividades partidárias e de campanhas eleitorais, é considerado um militante exemplar, um verdadeiro mártir do lulopetismo.

Um posicionamento firme e claro do PT em relação aos escândalos de corrupção em que está envolvido e principalmente no que diz respeito a seus filiados que estão presos está sendo exigido pelos próprios petistas atrás das grades, que se sentem abandonados pela direção partidária. Vaccari Neto, por exemplo, ao mesmo tempo que se tem queixado da falta de solidariedade dos correligionários, argumenta que ações como as da Lava Jato têm clara conotação política, objetivando a desestabilização do PT. Os formuladores dessa aberração moral não são alienados – são apenas desonestos e nada mais.

O próprio presidente nacional da legenda, Rui Falcão, é um aguerrido defensor dessa teoria. Mas essa é uma questão que aparentemente o comando petista não considera oportuno discutir publicamente no momento. Ao que tudo indica, só pretende fazê-lo, no âmbito da estratégia de sobrevivência política da legenda, lá pelo fim do ano, depois da definição do impeachment de Dilma Rousseff.


Para aplacar a crescente revolta dos encarcerados que se consideram abandonados pelo PT, até mesmo Lula tem procurado estimular dirigentes do partido a manifestar solidariedade a inquilinos das prisões de Curitiba. É um sintoma de que há alguma procedência nos rumores que circularam em Brasília, de que prisioneiros como José Dirceu e Vaccari Neto estariam cogitando contar o que sabem.

Quanto à tese da corrupção “benigna”, é inacreditável que a aceitem – ou pelo menos a tolerem – intelectuais, acadêmicos, artistas e toda sorte de celebridades ávidas por se apresentarem como “progressistas” e que por isso preferem não questionar o princípio imoral e indecente de que os fins justificam os meios. Com essa miopia deliberada, esses membros da elite brasileira se recusam a ver que os compatriotas mais pobres são exatamente os que estão sendo mais gravemente prejudicados pela irresponsabilidade de Lula, Dilma e tigrada.

É interessante observar que, no momento mais difícil de sua trajetória, o PT se mantém teimosamente coerente com o ranço populista que lhe é característico nas origens e na práxis. “Em nome do povo”, tudo se justifica. Até assaltar os cofres públicos porque, afinal, alegam, o produto desses assaltos, diligentemente investido em obras e programas sociais por quem pensa nos interesses populares em primeiro lugar, reverterá sempre em benefício dos mais necessitados.

Na prática, a teoria lulopetista é outra, como mostra a Operação Custo Brasil: o ministro do Planejamento de Lula, Paulo Bernardo, ora preso, foi responsável pelo esquema de propinas para roubar R$ 100 milhões, para si e para o PT. Aleluia! Os endividados funcionários públicos tomadores de crédito consignado foram roubados para a maior glória do PT.

Silêncio no sindicalismo

Mais de 800 mil servidores públicos federais foram vítimas de fraude no sistema de créditos consignados.

A imposição de taxa extra sobre cada pagamento realizado nos últimos cinco anos por funcionários endividados proporcionou ganho lotérico (mais de R$ 100 milhões) a pessoas vinculadas ao PT, na maioria emergentes do ativismo sindical. A polícia prendeu um ex-ministro de Lula e Dilma, Paulo Bernardo.

Roubados, também, foram mais de 500 mil sócios dos fundos de pensão de Petrobras, Caixa e Correios. Devem atravessar as próximas duas décadas com cortes na renda de aposentadorias e pensões. Os negócios suspeitos da última década corroeram o patrimônio de Petros, Funcef e Postalis, que somaram déficit de R$ 33,6 bilhões apenas no ano passado. Metade da conta será paga pela sociedade, via aportes extras das empresas estatais.

As estranhas transações foram realizadas por gestores vinculados ao PT de Lula e Dilma e ao PMDB de Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. A maioria teve origem no ativismo sindical e ascendeu no loteamento político.

Sindicalismo não é sinônimo de rapinagem. Porém, merece reflexão o fato de que nos últimos 12 anos os principais gestores dos fundos de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios tenham saído das fileiras do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Vieram dali, também, expoentes da burocracia do PT como Ricardo Berzoini, ex-presidente, e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do partido, arquitetos de outra iniciativa que redundou em fraude, a Bancoop.

A opção pela alavancagem de ativistas sindicais ao papel de gestores, no loteamento político das estatais e fundos de pensão, foi uma característica dos governos Lula e Dilma. Foi assim que Petrobras ganhou dois Josés (Dutra e Gabrielli).

As razões tiveram mais a ver com perspectivas de poder e negócios do que com ideologias. Havia um projeto de mando, desenhado desde os primórdios do PT e da CUT, por Luiz Gushiken, então presidente dos bancários de São Paulo.

Casta emergente no PT, os sindicalistas atuaram como força-tarefa, privilegiando algumas empresas no acesso às gôndolas de dinheiro público, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador, fonte dos recursos subsidiados do BNDES.

Exemplar é o caso de Marcelo Sereno, antigo dirigente do PT e chefe de gabinete da Casa Civil sob José Dirceu. Sereno é personagem recorrente nos escândalos da Loterj, mensalão, da Petrobras e dos fundos de pensão. Sua biografia une a direção da CUT-Rio, Dirceu, os ex-governadores Anthony Garotinho e Benedita da Silva, o presidente do PT-Rio Washington Quaquá, o deputado suspenso Eduardo Cunha e figuras como Ricardo Magro, dono de 21% do grupo Galileo.

Preso ontem, Magro está no centro de uma fraude a 350 mil associados da Petros e Postalis — negócio de R$ 80 milhões com debêntures de universidades, que prejudicou também 15 mil estudantes no Rio, na maioria pobres e dependentes do crédito governamental.

É notável o silêncio sobre as maracutaias no crédito consignado ao funcionalismo, na Petrobras e nos fundos estatais, entre outras. É a trilha sonora das fissuras na maior base sindical do PT: 46% dos vinculados à CUT pertencem ao setor público.

José Casado

O Brasil que faça o que tem de fazer

O que se deve fazer com a Lava Jato? Nada! Que ela continue. Desde que pautada pelos limites da lei. Desde que respeite as conquistas do estado de direito e desde que os inconformados com a legislação que temos sigam os caminhos previstos pela própria democracia para mudá-la, estaremos, como diria o otimista, no melhor mundo possível. O que não faz sentido, aí sim, é reduzir o país à Lava Jato. Isso seria um erro grave.

Apesar de tudo, estamos avançando. E é preciso não perder isso de vista. A aprovação do pacote fiscal, a renegociação da dívida dos Estados e a Lei de Responsabilidade das Estatais são avanços evidentes da gestão de Michel Temer que têm de ser celebrados. Há um sinal de que é possível dialogar com o Congresso que aí está. E não adianta pedir um outro porque é o que temos para o momento. Há uma alternativa: fechar o Parlamento e governar apenas com os homens virtuosos. Desde que o mundo é mundo, há gente tentando essa saída. Sempre deu errado.

Ninguém conseguiu imaginar nada melhor do que a democracia — que é, sim, mais ou menos corrupta; que é, sim, mais ou menos mentirosa; que é, sim, mais ou menos trapaceira. A única virtude da democracia, minhas caras, meu caros, está no fato de negociar, de se dispor a mudar, de aceitar a crítica, ainda que seja meio permissiva e, às vezes, francamente vagabunda.

Leio certas críticas ao governo Temer que são ditadas apenas pela paixão do maldizer. “Ah, ele governa com um monte de gente do PMDB…” É mesmo? Deveria convocar extraterrestres para compor o governo? “Ah, há investigados no seu ministério…” Por quê? Não havia antes? Essa crítica, está claro, não se fazia a Dilma.

O meu ponto de ancoragem do pensamento é outro: quero saber se o que está no poder é um núcleo duro de um sistema corrupto ou se as mudanças implementadas caminham para o progresso institucional. E, hoje, não tenho dúvida de que a segunda alternativa é a verdadeira, ainda que muita coisa não saia como quero e ainda que muita gente que compõe o primeiro escalão não seja do meu gosto pessoal.

O fato é que a Lava Jato não tem de parar. E o país também não. Há gente por aí que fala em refundar a República. Como não sei o que quer dizer, nem entro na porfia. Prefiro melhorar a República, aprimorando suas leis, suas instituições, mudando as coisas de acordo com as condições. Revoluções matam. Reformas aprimoram. A melhor forma de conservar um poste velho é mantê-lo sempre novo, evitando a ferrugem, renovando a pintura, fazendo a manutenção. Parece bobo, eu sei, mas nem é Reinaldo Azevedo. É Chesterton.

Gostem ou não, o fato é que, até aqui, Michel Temer voltou a conferir dignidade ao cargo de presidente da República e conseguiu, em menos de dois meses de governo, encaminhar questões que estavam encruadas nas mãos de Dilma, porque ela já não reunia condições políticas para exercer o cargo.

Que a República de Curitiba seja livre, nos limites da lei. E que a República Federativa do Brasil continue o seu passo.

A cultura da ocupação

O professor está em sala de aula. Tenta dar aula. A seu lado, malemolente, um jovem dança, sensualiza. Tem a expressão do descompromisso a serviço. É o invasor. Há música. Alta. Ainda assim, o professor insiste. É firme. Mantém a calma. Escreve no quadro-negro. Tenta trabalhar. Outros dois sujeitos aparecem. Invasores também. Tendo-se decerto na conta de heróis, apagam o que fora escrito, rabiscam palavras de ordem. O professor, porém, continua. Num canto, apresenta uma equação matemática. Que o jovem dançante, na segunda tentativa, afinal apaga. Aula encerrada.

Descrevi acima o vídeo recente em que o professor Serguei Popov, da Unicamp, vê-se impedido de lecionar pela performance de jovens marionetes. (Ao menos um deles, o dançarino indolente, que cursa licenciatura em Geografia, em breve será professor de seus filhos e netos, leitor; e não é exceção.) É preciso, pois, explicar as coisas à luz do que são: a inconsequência dos manipulados não os exime de responsabilidade sobre a violência que praticam. É preciso também, portanto, pesar-prezar valores: não interessa qual seja a reivindicação dos agressores; esta cultura da ocupação — a interdição dos espaços públicos para impor a agenda de grupos de pressão — é das mais nefastas manifestações da doença terminal brasileira, e tudo invalida. Tudo.

Protestar no Brasil, hoje, é ocupar — um eufemismo para invadir, tomar, interditar. O diálogo e o respeito ao próximo são ignorados no ato, mas se travestem de democratas os atores, de guardiões da liberdade. E não importa se — na sala do professor Popov, por exemplo — ao menos um aluno estivesse disposto a estudar. Não importa. Os democratas estão acima dessa coisa ultrapassada de indivíduo. São corajosos também, incensados como novidade, manifestantes românticos e radicais de uma nobre causa — contra a qual, aliás, não há quem esteja. (Ou alguém se opõe a melhores condições para o exercício da docência e da discência?)

Não é por acaso que a cultura da ocupação encontra sua mais influente aplicação em colégios e universidades. A ideia romântica radicalizada — a do estudante não apenas consciente, mas que lidera (pensa liderar), que bota a cara e interdita a escola (na verdade, somente empresta seu corpo ao projeto do partido, que, por sua vez, não reclamaria de ter um corpo, um jovem morto, para fazer de mártir) — é elemento-chave aqui. Há método, pedagogia, nessa opressão contra os interesses da maioria.

Num futuro não distante, todo mundo será manifestante — se quiser prosperar. Será abaixo-assinado — se quiser pertencer. Terá de ser militante — se quiser ter existência reconhecida

O cerceamento aos que querem produzir resultou na barbaridade de que estudantes, os que desejam estudar, tenham de marcar aulas secretas. A manipulação da juventude modelou até um coletivo surrealista, o dos estudantes grevistas. Eles tomam o colégio para si (ninguém entra, salvo se autorizarem), acampam em suas dependências (espécie de colônia de férias politizada), cozinham para si (ocasião em que mostram avançadas técnicas de cooperação) e tocam violão como expressão de que podem. (Os maiores tocadores de violão do país, aliás, estão fechados com eles.) Muito bem assessorados juridicamente, agem com autoritarismo, afrontam a vontade — da maioria, repita-se — de estudar, de trabalhar, desconhecem os deveres inerentes à liberdade, mas são reverenciados como defensores de direitos ameaçados (só têm direitos), bravos representantes de uma geração que finalmente assumirá as rédeas do próprio futuro.

Esta é a medida da falência política e educacional do país. Perdemos de todo a noção de individualidade — logo, de responsabilidade. Funcionamos sob a lógica do bando. Acomodamo-nos desta forma, tratando por peças respeitáveis no tabuleiro do jogo político aqueles que nos assaltam o direito de ir e vir. Tomam-se ruas, escolas, repartições e empresas tal e qual elevado exercício da liberdade de expressão — como se assim, num só golpe, não se sustasse igualmente o debate público. Lembremo-nos: a ocupação das ideias — o sequestro da palavra, da linguagem — sempre precede. O Brasil, faz tempo, é gerido pelo norte ideológico da guilda, pelos interesses de classe, pelo modelo black bloc de negociação — e esses gestores tomaram e corromperam também o sentido do que seja direito, liberdade, democracia.

Não gostou de algo, senhor taxista? Ora, tranque a cidade. Obstrua as principais vias. Impeça o cidadão de circular. Intimide a população. Terá o endosso do poder público, o exemplo esclarecido de professores-doutrinadores e estudantes profissionais. Terá também a chancela da intelectualidade neste Brasil dos abaixo-assinados de patota, sempre democráticos, mas de que não se pode querer ficar de fora; país em que a discordância individual — a intenção de não subscrever um manifesto (sempre pela liberdade) — transforma em pária e aproxima o degredo.

Num futuro não distante, todo mundo será manifestante — se quiser prosperar. Será abaixo-assinado — se quiser pertencer. Terá de ser militante — se quiser ter existência reconhecida.
Carlos Andreazza 

Caminho do marketing

Há muitos anos não temos nada de sequer parecido com “marketing político” no Brasil. O que temos hoje, franco e escancarado, é “marketing eleitoral”. Assim como, é claro, não temos partidos políticos – e sim partidos eleitorais. A política foi deixada de lado.

Mas abre-se agora a perspectiva de que deixemos de parte a sistemática do estelionato, que é o marketing eleitoral, para promover um retorno ao marketing político.

O marketing eleitoral é a hipertrofia da mentira sistêmica que caracteriza a publicidade, promovendo o casamento da baixeza ética com a alta tecnologia dos produtos. No marketing político, ao contrário, em vez de caríssima pirotecnia ilusionista, o que temos são pensamentos, projetos e sugestões dos eventuais candidatos.



Exemplo acabado e imbatível de marketing eleitoral foi Dilma Rousseff (em 2010, também, não só na imoralidade eletrônica de 2014). Marketing político, por sua vez, era o velho Brizola dando o seu recado diretamente para a câmera, dizendo em suas próprias palavras o que pensava do Brasil e do mundo.

O que abre a perspectiva de um retorno (em novo contexto, claro) ao marketing político são as novas regras do jogo eleitoral. Com as empresas proibidas de financiar campanhas, os velhos e riquíssimos marqueteiros, que sempre foram os donos do negócio, tiram o time de campo.

Alguns deles esperavam ansiosamente por isso. Cantei essa bola há tempos. Com o barateamento das campanhas, poderiam fazer o seu próprio discurso marqueteiro, dizendo que os “trabalhadores do marketing”, de um modo geral, não teriam boas condições de trabalho.

Ou seja: um discurso falsamente generoso para, mais uma vez, escamotear a verdade: o projeto de tirar o time de campo, antes de ser enfiado num camburão. Com os mais poderosos planejando atuar apenas no exterior (África e América Latina, que é onde a lambança vige). Mas eu dizia isso no ano passado. Agora, a realidade é outra.

Ao dizer que não vão se empenhar em campanhas se não ganharem muito dinheiro, os marqueteiros tiram a máscara: eles não têm nada a ver com política – e têm tudo a ver com negócios. Foi por isso mesmo que impuseram o marketing eleitoral no país, expulsando de cena o marketing político

Isso foi possível, repito, porque os políticos profissionais, em sua quase totalidade, deixaram a política de lado e passaram a pensar só em eleições. Agora, talvez comecem a perceber que, depois de anos marginalizada, pode estar chegando a hora da política cobrar seu preço.

As pedaladas, as campeãs e o assalto aos velhinhos

O assalto de R$ 100 bilhões aos velhinhos e outros clientes do crédito consignado ainda era o grande assunto do dia, turbinado pela prisão do ex-ministro Paulo Bernardo, quando foi noticiado o desastroso balanço da Petros, com déficit de R$ 23,1 bilhões. O buraco será coberto pelos mutuários, pelos aposentados e pela patrocinadora, a Petrobrás, empresa sob controle financeiro da União e, portanto, dos cidadãos brasileiros. A conta, portanto, vai também para eles. O tamanho do prejuízo pode ser inesperado, mas a condição miserável das fundações de previdência das estatais é bem conhecida. Também sujeitos ao jogo partidário, ao aparelhamento e ao loteamento, esses fundos de pensão têm perdido bilhões em aplicações mal feitas, frequentemente orientadas pelos interesses do grupo no poder. Exemplo: investimentos na Sete Brasil, criada para fornecer sondas à Petrobrás, impuseram perdas a todas as grandes fundações, assim como aos bancos federais.

Um caso ou outro poderia ser acidente. Mas os maus negócios dos bancos, a queima de recursos das fundações, a devastação das grandes estatais e a crise da Oi, sem condições de pagar R$ 65,4 bilhões de dívidas, trazem as marcas de um estilo de governo. Esse estilo foi implantado em 2003 e só interrompido, por enquanto provisoriamente, em abril deste ano. O escândalo do crédito consignado apenas acrescentou um toque de perversidade, um tempero especial, a uma longa história de bandalheiras.

Os R$ 23,1 bilhões perdidos pela Petros podem ser uma cifra assustadora, mas esse valor parece até modesto quando se pensa no balanço da Oi. A quebra, ou quase quebra, da operadora estabeleceu um recorde. Nenhum outro processo de recuperação judicial havia envolvido tanto dinheiro. Mas outros detalhes também tornam especial esse episódio. A Oi, uma das maiores empresas de telecomunicação do Brasil, é uma das mais discutíveis criações do governo petista.
O toque final de sua constituição dependeu de uma alteração legal promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Formatada para ser a grande companhia nacional do setor, capaz de enfrentar as multinacionais, essa operadora resultou em mais um fracasso, mais uma prova contra a política de criação de campeãs nacionais. Uma de suas poucas realizações notáveis foi a instalação de uma antena ao lado do sítio do ex-presidente Lula.

A nova ação da Polícia Federal, com prisão do ex-ministro Paulo Bernardo, condução de seu colega Carlos Gabas e visita à sede do PT em São Paulo, foi classificada por aliados da presidente Dilma Rousseff como tentativa de reforçar o processo de impeachment. A manobra seria destinada, além disso, a desviar a atenção das acusações a membros do governo provisório. Alegações como essas poderiam ter alguma respeitabilidade em outras circunstâncias. Mas é impossível, agora, levá-las a sério. Afinal, a Operação Custo Brasil, mais um desdobramento da Operação Lava Jato, só escancara mais detalhes de uma enorme sequência de crimes.

Alguns desses novos detalhes, como o desvio de dinheiro de clientes do crédito consignado, funcionários ativos e aposentados, são especialmente hediondos. Mas, além de mais escabrosos que outros, podem ser especialmente informativos. A denúncia vai além do assalto e aponta o PT como um dos beneficiários do dinheiro subtraído.
Cada novo capítulo da Operação Lava Jato confirma os vínculos entre aparelhamento, loteamento e corrupção nos governos entre 2013 e meados de abril de 2016. Esses governos foram guiados essencialmente por um projeto de poder. Todo o discurso a respeito de planos de integração social e de mudança econômica nunca foi mais que um esforço de construção de imagem. Esse esforço pode ter enganado parte do público brasileiro e, com certeza, uma parte considerável do público estrangeiro. Mas a chamada política social do PT nunca foi principalmente um instrumento de dominação, baseado muito mais na transferência de renda – um mecanismo de fácil manejo – do que na efetiva absorção dos pobres na economia moderna. Sem as transferências, a maior parte das famílias provavelmente voltaria às condições miseráveis.

Os aumentos do salário mínimo superiores aos ganhos de produtividade também proporcionaram alguma melhora do consumo, mas políticas desse tipo são insustentáveis. Depois de algum tempo, a inflação tende a anular seus efeitos.

Além disso, nenhuma economia administrada sem disciplina fiscal, uso criterioso de recursos e atenção ao investimento e à produtividade vai muito longe. A recessão brasileira, com mais de 11 milhões de desempregados, é mais uma prova dessa obviedade ignorada pelos petistas – principalmente pela presidente Dilma Rousseff e por seus incompetentes favoritos.

Não há como fixar uma linha divisória entre o estilo de ocupação do governo – aparelhamento, loteamento e apropriação partidária do Estado – e o desastre econômico. A mediocridade do primeiro mandato, com crescimento médio anual de apenas 2,1%, foi um claro prenúncio da recessão. Em 2014 a economia, já atolada na crise, cresceu 0,1%, enquanto a inflação bateu em 10,67%. A piora do quadro a partir daí foi um desdobramento normal, até porque a presidente rejeitou os esforços do ministro Joaquim Levy de reconhecer e enfrentar os problemas.

Quem vincula a Operação Custo Brasil ao processo de impeachment acerta, no entanto, pelo menos num ponto. Há um parentesco indisfarçável entre o projeto de poder do PT, os desmandos na administração direta e indireta, a desastrosa política econômica e as pedaladas fiscais. São estas, formalmente, a base do processo de impeachment. Mas só com muito esforço de abstração é possível separá-las do resto. O resto inclui, entre outros detalhes, o desemprego de mais de 11 milhões e o assalto aos velhinhos do crédito consignado. Esse jogo político é indivisível.

Rolf Kuntz

Golpe petista do consignado foi inspirado em 'Superman III'

Por incrível que pareça, o esquema de corrupção que lesou milhares de servidores públicos, pensionistas e aposentados, em créditos consignados no Ministério do Planejamento, foi inspirado no roteiro de “Superman III”, uma superprodução hollywoodiana de 1977. O filme começa com uma cena em que o vilão Ross Webster, interpretado por Robert Vaughn, conversa com um de seus assessores sobre o mistério de um desvio que está sendo aplicado na contabilidade da corporação, através da usurpação dos centavos das contas bancárias e que já desviara milhões de dólares.

Neste diálogo inicial, os personagens dizem que o golpe parece perfeito e eles jamais conseguirão descobrir que é o criminoso, a não ser que cometa algum erro…

Nesse exato momento eles escutam o barulho da derrapagem de um carro entrando no estacionamento da empresa. Chegam à janela e veem a Ferrari vermelha de um funcionário (Richard Pryor), manobrando para entrar na vaga. “É o golpista!”, dizem, e partem para detê-lo.

Richard Pryor no filme Superman III
O desvio dos centavos foi exatamente o que aconteceu no esquema montado pelo então ministro Paulo Bernardo para aproveitar o empréstimo consignado criado pelo então presidente Lula e pelo ministro da Previdência Amir Lando, senador pelo PMDB de Rondônia.

No roteiro da superprodução petista, de cada pagamento mensal dos empréstimos consignados (descontados em folha) a servidores ativos, aposentados e pensionistas, a insignificante quantia de R$ 1,00 seria destinada à empresa de consultoria Consist, que ficaria com 30 centavos e repassaria os restantes 70 centavos ao esquema de corrupção do PT.

De centavo em centavo, a galinha dos ovos de ouro do PT encheu a pança com mais de R$ 100 milhões, e o ministro Paulo Bernardo embolsou R$ 7 milhões pela excelência dos serviços prestados ao partido.

O esquema implantado por Paulo Bernardo no Planejamento com certeza foi disseminado por outros ministérios e órgãos da administração pública federal. Já há suspeitas de que o mesmo golpe foi aplicado no sistema de empréstimos com desconto em folha de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), conforme o jornalista Vicente Nunes noticiou no Correio Braziliense.

Não é por mera coincidência que o petista Carlos Gabas, ex-ministro da Previdência Social, está sendo investigado na Operação Custo Brasil, acusado de receber 5% da propina do esquema montado pela Consist no Ministério do Planejamento, sob o comando de Paulo Bernardo, que foi preso quinta-feira passada por ordem do juiz federal Paulo Bueno Azevedo.

Aposentados e pensionistas do INSS devem R$ 92,4 bilhões aos bancos, segundo o Banco Central. Nos 12 meses terminados em abril, esses empréstimos apontaram crescimento de 12,6%, o maior entre todas as modalidades acompanhadas pelo BC, e no Ministério do Planejamento os centavos continuam caindo na conta do PT.

Tecnologia que Brasil precisa perder: mamar nas tetas

A força-tarefa da Lava Jato está negociando uma cláusula que determina o repasse aos órgãos responsáveis pela investigação de até 20% do valor das multas pagas pelas empresas. A Folha de S. Paulo estrondou que o dispositivo consta dos acordos da Andrade Gutierrez — multada em R$ 1 bilhão — e da Camargo Corrêa, penalizada em R$ 700 milhões.

Cada uma delas terá que destinar à força-tarefa 10% da multa. Só esses acordos renderiam, ao longo dos próximos anos, R$ 170 milhões aos órgãos que cuidam das investigações, diz a Folha

O argumento da empresas é que as multas deveriam ser suportáveis para não quebra-las. Seria melhor para o Brasil que as multas tomassem da mão dos controladores das empreiteiras. 

Se as empreiteiras quebrarem, seus quadros técnicos vão se reaglutinar em outras organizações. Os mestres de obras e os operários, mesmo que de má qualidade, conforme afirmou Eduardo Paes, vão trabalhar sob outros comandos. O que será perdida é a tecnologia empresarial de operações estruturadas detidas pelos acionistas, aperfeiçoada ao longo dos anos e exportada para 24 países nos 4 continentes. Esta tecnologia é de fato melhor para o Brasil que se perca. Tem de ser perdida.

Por quê? Porque Marcelo Odebrecht não estava treinando peões ou se dedicando a cálculos estruturais. O comando estratégico era das operações estruturadas . Quem tinha o governo na folha de pagamento não necessitava qualidade de engenharia: podia se dar luxo de fazer obras a custos estratosféricos e com a mão de obra brasileira com a baixa qualidade conforme atestada tardiamente pelo contratante Eduardo Paes.

Acabando estas empreiteiras, nem a engenharia nem a mão de obra de baixa qualidade se perderá . O que perde é a tecnologia de operações estruturadas.Sem o foco nas operações estruturadas os novos empreiteiros poderão colocar para dirigir suas empresas pessoas que treinem a mão de obra brasileira da construção e de cálculos estruturais e não a das operações estruturadas. Em relação a qualidade da mão de obra brasileira do setor de operações estruturadas Eduardo Paes, que também teve contato segundo as empreiteiras nas delações, não fez qualquer comentário crítico.

Quando parar?

O Brasil está sendo lavado a jato. Não há semana, senão dia, em que um novo evento não mostre as entranhas fétidas dos últimos governos petistas, não envolvendo apenas o partido da presidente afastada, mas, também, outros partidos que se locupletaram no assalto ao Tesouro nacional.

Nesta última semana, foi a prisão do ex-ministro Paulo Bernardo e a busca e apreensão na sede nacional do PT em São Paulo, além do envolvimento de outros próceres e ministros do partido. Nas semanas anteriores, foi a cúpula mesma do PMDB e ministros recém-nomeados do governo Temer. A abrangência suprapartidária destas investigações e denúncias bem mostra que essas operações não estão a mando de partido nenhum, todos podendo ser igualmente atingidos.


Note-se que esta última operação, denominada Custo Brasil — poderia ser igualmente chamada de Custo PT —, já não se origina na denominada por Lula “República de Curitiba”, mas em São Paulo, envolvendo, além da Polícia Federal, a Receita Federal.

Isto significa que estamos diante de uma efetiva nacionalização da Lava-Jato, espraiando-se por outros estados e seguindo um mesmo padrão de moralidade pública e de operacionalidade. Nada indica que essa operação, desdobrando-se em novos braços, esteja com data definida de término.

A pergunta pelo término desta operação talvez seja uma questão mal formulada, embora possa ter um certo sentido. Mal formulada, porque ela nasce de uma exigência de moralidade pública e de luta contra a corrupção, liderada por setores do Judiciário, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Questão, porém, para alguns pertinente, pois para além do fato de toda operação deste tipo dever ter um término, ela pode talvez ter como consequência um enfraquecimento ainda maior do próprio sistema representativo.

Ocorre que a deterioração do sistema representativo não é um efeito da Operação Lava-Jato, mas a sua causa. Partidos políticos, parlamentares, ministros de Estado — e mesmo o ex-presidente Lula — e funcionários públicos e de estatais se aliaram a empresários inescrupulosos, notadamente de empreiteiras, porém não a eles restritos, para o saqueio da coisa pública. A República veio para eles significar cosa nostra.

O Estado brasileiro estava sendo corroído por dentro, aparelhado ideologicamente e partidariamente, quando uma sociedade atuante, graças à sua imprensa e aos seus meios de comunicação, começa a denunciar e noticiar a ruína que estava se aproximando perigosamente.

A atuação de juízes, promotores e policiais federais inscreveu-se, precisamente, neste processo de resistência, procurando reverter a desestruturação completa da coisa pública. Desrespeito à Lei Orçamentária e à Lei de Responsabilidade Fiscal, queda abrupta do PIB, inflação em alta e desemprego galopante são consequências desta República em crise.

Logo, exigir um término à Lava-Jato sem levar em conta as suas causas pode ser um contrassenso, na medida em que ela é efeito. O país deve, antes de tudo, criar condições e mecanismos que impeçam o desvirtuamento da atividade parlamentar e o aparelhamento do Poder Executivo. Ou seja, o Executivo e o Legislativo deveriam começar a tomar medidas políticas que atuem sobre as causas desta deterioração da coisa pública, tornando, neste sentido, desnecessária a própria Lava-Jato e os seus desdobramentos. Uma reforma política seria aqui prioritária.

Se não ocorrer, como tudo indica que não ocorrerá por atingir interesses incrustados nos partidos políticos, nada mais natural que as investigações em curso sigam o seu caminho. Em todo caso, os esquemas desvendados na Petrobras muito provavelmente existem em outras estatais. Outros ministérios continuam também a ser objeto de investigações. Se a faxina continua, é porque existe ainda muita sujeira a ser lavada.

Alguns economistas, que deveriam, aliás, rasgar os seus diplomas, fazem o cálculo de quanto o país estaria perdendo economicamente com a Lava-Jato. Deveriam calcular o quanto o país perdeu com os governos petistas, com a corrupção e o desvio de recursos públicos. Parece que a miopia ideológica não permite tal cálculo.

No que diz respeito a um eventual enfraquecimento do sistema representativo, cabe preliminarmente observar que a operação Lava-Jato e o seu imenso apoio na opinião pública mostram que determinadas instituições do Estado estão funcionando. A sociedade civil, por sua vez, tornou-se uma protagonista central neste processo de transformação política. De um lado, a representação partidária foi enfraquecida, de outro, certas instituições republicanas e a sociedade civil se fortaleceram.

Contudo, há uma certa apreensão em relação ao fato de que, consoante com a operação Mãos Limpas na Itália, o enfraquecimento dos partidos políticos poderia levar a aventuras políticas, mediante a eleição de um(a) aventureiro(a) em 2018. O risco existe e é próprio de qualquer sistema eleitoral. A vontade popular pode também optar pelo pior. Já o fez, aliás!

Veja-se a situação na qual nos encontramos, tendo se tornado necessário o próprio impeachment da presidente da República, no pleno respeito à Constituição brasileira. O povo poder fazer péssimas escolhas. É da vida política.

Ora, o que não se pode fazer é optar por frear a Lava-Jato e seus desdobramentos mediante novas leis que perpetuem o status quo político e partidário que está sendo, precisamente, submetido a um duro teste de moralidade pública. Não há indícios de que os partidos políticos estejam efetivamente aprendendo com essa nova cena pública brasileira.

A iniciativa cabe precisamente ao novo governo e à representação parlamentar que, com novos exemplos, possam mostrar um novo caminho a ser percorrido, tornando-se a moralidade pública uma bandeira política nacional.

Se isto vier a ocorrer, o término da Lava-Jato será uma consequência deste novo tratamento da coisa pública. Se tardar, ela tenderá a se perpetuar.

Denis Lerrer Rosenfield

Para a salvação da democracia

Ora a democracia cometeu, a meu ver, o erro de se inclinar algum tanto para Maquiavel, de ter apenas pluralizado os príncipes e ter constituído em cada um dos cidadãos um aspirante a opressor dos que ao mesmo tempo declarava seus iguais. Ser esmagada pelos condottieri que dispõem das lanças mercenárias ou pela coalizão dos que manejam o boletim de voto é para a consciência o mesmo choque violento e o mesmo intolerável abuso; um tirano das ilhas vale os trinta de Atenas e os milhares de espartanos. Pode ser esta a origem de muita reação que parece incompreensível; há almas que se entregaram a outros campos porque se sentiam feridas pela prepotência de indivíduos que defendiam atitudes morais só fundadas na utilidade social, na combinação política. E de facto, o que se tem realizado é, quase sempre, um arremedo de democracia sem verdadeira liberdade e sem verdadeira igualdade, exatamente porque se tomou como base do sistema uma relação do homem com o homem e não uma relação do homem com o espírito de Deus. Por outras palavras: para que a democracia se salve e regenere é urgente que se busque assentá-la em fundamentos metafísicos e se procure a origem do poder não nos caprichos e disposições individuais, mas nalguma coisa que os supere e os explique, aprovando-os ou reprovando-os.
Agostinho da Silva

Moradores da periferia transformam matagal em parque com pista radical, horta e academia


Moradores de um dos bairros mais pobres de São Paulo decidiram que não iriam se conformar com a falta de verde e o excesso de concreto da paisagem ao seu redor.

Com pás, enxadas e vassouras nas mãos, eles transformaram um matagal de 31 mil m² cheio de entulho em parque com pista de bicicross, horta e academia ao ar livre. E ainda não se deram por satisfeitos: agora, pretendem transformar uma área vizinha em um polo cultural - e tudo por conta própria.


A batalha pelo espaço de lazer começou em 2006, quando uma empreiteira derrubou sem autorização 30 árvores nativas do terreno localizado no Itaim Paulista, no extremo leste da metrópole. A intenção da construtora era transformar uma das poucas áreas verdes da região em um condomínio residencial.

Revoltados, os vizinhos fizeram um abaixo-assinado para pedir que a área virasse um parque - foram mais de 10 mil assinaturas. E conseguiram: a construtora foi multada e a prefeitura acatou a vontade popular.

Mas a história não acabou aí: os moradores não gostaram dos planos do município para o local. E antes mesmo da inauguração oficial do Parque Central do Itaim Paulista, em 2013, um grupo de praticantes de BMX Dirty (modalidade de bicicross com manobras em rampas de terra) ergueu uma radical pista profissional para a prática do esporte no terreno.

Toda a estrutura, com cerca de bambus e rampas de até 4 m de altura, foi feita com dinheiro do próprio bolso. E que fez o grupo pegar gosto pela transformação: desde então, construíram uma academia e iniciaram a implantação de horta e composteira (espaço para transformar lixo em adubo).
Trabalho em equipe

Os moradores contam que o maior desafio foi mostrar a relevância de ter uma área verde e, assim, ganhar a adesão da comunidade. Depois, dividir as tarefas e custos de forma justa, para quem ninguém ficasse sobrecarregado.

"Nós nascemos neste bairro, então nos conhecemos bem e temos carinho por ele. Isso facilitou muito e mostra que cada um pode fazer a diferença onde mora", disse o comerciante Everton Aranão, 28, que ajudou a fazer parte das mudanças no parque Central do Itaim Paulista.

Também foi preciso criar um sistema de zeladoria. Um exemplo é a pista de bicicross: sua manutenção semanal, feita com terra especial, é tarefa dos atletas que a utilizam.

Um cuidado que é reconhecido. A prefeitura, que segundo os moradores relutou em permitir e reconhecer a construção da pista, agora afirma que ela "tem padrão internacional e é muito utilizada pelos frequentadores".

A sequência de rampas atrai pessoas de todo o país e já foi palco até mesmo de campeonatos nacionais da categoria.
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