quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Ouviram do Ipiranga...

Mais do que política, crise de Estado

Parece ficção, mas não é. É a realidade concreta, difícil de compreender e impossível de ligar todas as pontas. A confusão só aumenta. O fato mais nítido, no entanto, é que o processo destrutivo da autoestima nacional é devastador: não há heróis que possam ser insuspeitos; sistema político e até órgãos de controle são abraçados por séculos de tradição patrimonialista e clientelista. É incrível que tudo venha a estourar nesta quadra de tempo em que vivemos; somos testemunhas de uma história de decomposição.

Mais que política, a crise parece de Estado: para onde se olhar, haverá buracos. A grande reforma do País será, um dia, tapá-los. Hoje, não há liderança para isso. Desta vez, nem o supremo STF escapou de menção; e o até então insuspeito Ministério Público entrou na roda. As vestais ficam assim acuadas, pois de seu ventre saiu a serpente; mais duro golpe contra a Lava Jato. É evidente que as novas gravações da JBS abalam o moral das investigações – ainda que não as liquidem.


Políticos de quase todas as colorações já tentam jogar pela janela a água suja do banho com a criança. Nada apagará provas, diálogos e depoimentos, mas os que buscavam desculpas terão argumentos para tergiversar: Rodrigo Janot que agora se explique! O processo de afastamento do presidente Michel Temer, por exemplo, já pouco provável diante da força do convencimento fisiológico, fica ainda menos tangível. O governo que, ofegante, via os preços de apoios dispararem, respirará aliviado.

Ainda assim, o impacto é menor do que gostariam os envolvidos. Na sociedade, não há áudios que eliminem impressões ou que desfaçam a certeza de que o sistema ruiu. Nem há vergonha que baste: no mesmo dia em que o imbróglio do MPF-JBS é divulgado, a Polícia Federal expõe fotos de um bunker, onde, supostamente, mais um ex-auxiliar do presidente da República escondia malas de dinheiro; tantas a não poder carregar. A mente do povo cria nexos, confusão alguma deletará imagens como aquelas nem o sentido de tudo. Isto ficará.

Carlos Melo 

Motivos de fúria

Eu queria acordar num país normal, onde as piores notícias fossem “normais”: uma inundação, um terremoto, uma praga de gafanhotos, aquilo que os angloparlantes definem nas apólices de seguro como “acts of God”, atos de Deus, e que a gente aceita, porque não há outra coisa a fazer a não ser aceitar e tentar retomar a vida. Há alguma coisa no íntimo de cada um de nós que está pronta, desde o começo dos tempos, para lidar com essas grandes tragédias. Sabemos que o mundo é assim, e que elas sempre aconteceram; sabemos que nada que se pudesse ter feito alteraria o curso dos acontecimentos. O que não nos mata nos fortalece, diz o ditado, e ainda que eu duvide muito dessa afirmação, entendo que, ao descobrirmos a fragilidade da vida, realinhamos as nossas prioridades e nos resignamos ao inevitável.

Mas não há nada na estrutura psicológica dos seres humanos que prepare quem quer que seja para um noticiário como o do Brasil: crianças mortas em tiroteios, a Olimpíada roubada, um tarado com 17 passagens pela polícia solto no mundo, sete máquinas de dinheiro funcionando ininterruptamente durante um dia inteiro para contabilizar o dinheiro encontrado na casa de um homem que, até ontem, era um dos esteios da República.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Não há nada na estrutura psicológica de um ser humano que o faça aceitar a imagem das malas e caixas de papelão de Geddel. A reação normal de qualquer pessoa diante dessa evidência é uma reação de violência, um “mataesfola” não muito diferente do sentimento que está por trás dos atos mais bárbaros. Tão ruim quanto a confirmação da sórdida canalhice dos canalhas é a constatação de que, no fundo, não evoluímos tanto assim desde que saímos das cavernas.

Uma má notícia “normal” desperta a nossa solidariedade, e o que há de melhor em nós; sentimos aflição e desespero, mas sentimos também amor e compaixão. Uma má notícia como as que estamos lendo e ouvindo <italic>nonstop</italic> neste país, porém, tem o efeito contrário: passamos os nossos dias lutando contra o troglodita linchador que resiste aos séculos no nosso âmago, e chegamos à noite extenuados, envenenados tanto pelo noticiário quanto pelos sentimentos tenebrosos que descobrimos no fundo do coração.______

Como são grotescas as personagens do nosso noticiário! Ainda não houve uma só gravação que viesse à tona em que se percebesse um mínimo de honradez ou de caráter, uma pista longínqua de que ali haveria uma pessoa decente pega por acaso numa situação esquerda. Todos, sem exceção, falam como cafajestes. São rudimentares na linguagem, na moral, nas ideias.

Que pobre diabo é esse Joesley, esse Eike sertanejo, deslumbrado com o poder e consigo mesmo, certo de que é alguém porque tem dinheiro, convencido de que está manipulando as marionetes enquanto é triturado pela sua própria incompetência e cuspido pelas engrenagens da História.

Que figura sinistra é Geddel, o grande amigo, o homem da confiança de todos os governos, a figura imprescindível, para quem não há prisão nem tornozeleira.

Que indivíduo repulsivo é Temer, com a sua fala macia, as suas mesóclises e a sua sordidez; que tipo patético é Aécio, que messias tosco e desencaminhado é o Lula.

E o elegante Nuzman, salvo de ser a principal manchete do dia pela dinheirama obscena de Geddel? Subitamente os seus R$ 480 milhões em diversas moedas viraram troco.

Como gostam de guardar dinheiro em casa. Nós aqui depositando qualquer sobrinha na poupança e pagando pão e chiclete com cartão porque nos esquecemos, mais uma vez, de passar no caixa eletrônico, e eles nadando em notas.

Cora Rónai

Quando as árvores choram

Era menino quando descobri os livros de Monteiro Lobato. Em O poço do Visconde, Lobato denunciava o que na época se chamava “imperialismo americano”. Segundo se afirmava, não havia petróleo no país. Lobato garantia que sim, tanto no livro infantil como em O escândalo do petróleo e do ferro. Participou da luta em defesa do petróleo brasileiro. Até recentemente, a participação da Petrobras era obrigatória em todo poço no pré-sal – se a estatal não entrasse no negócio, não se explorava naquele ponto. Pois bem. O governo atual permitiu que o pré-sal seja explorado por empresas estrangeiras, sem a participação da Petrobras – a estatal pode entrar ou não. Não sou economista, posso estar dizendo burrice. Mas me admira saber que uma luta de décadas, capitaneada pelo escritor que tanto admiro, tenha sido extinta. Acabou. Sou contra teorias conspiratórias e a Lava Jato demonstrou o índice de corrupção altíssimo do país. A questão do pré-sal, porém, permaneceu viva. Qual a força desses interesses? Em uma penada, o presidente permitiu que empresas privadas explorassem minérios na Amazônia, numa área antes acessível só a estatais. A sociedade gritou, a Justiça reagiu e o governo recuou, por enquanto. Por que o presidente tentou fazer isso? Achou que ninguém ia perceber?

Sou bobo, é claro. Sempre me pareceu óbvia a necessidade da preservação da Amazônia. A diversidade biológica da região é um patrimônio da humanidade. A maior parte das pessoas que conheço pensa o mesmo. Mas são, como eu, bobas. Acreditam em ideais, em um mundo melhor, essas bobagens. A palavra “bobagem” grita no meu ouvido quando tento imaginar que os responsáveis pelas grandes decisões pretendem melhorar o país. Já vimos um ministro da Cultura, Marcelo Calero, cair porque foi contra a construção de um prédio na zona histórica de Salvador, Bahia. Pediu demissão após sofrer pressões enormes para autorizar a obra.

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Fico mais bobo ainda porque essas grandes decisões são tomadas com pouca ou nenhuma discussão com a sociedade. Basta uma assinatura para áreas indígenas serem abolidas, espécies serem condenadas à extinção. Já estive na Amazônia. É admirável. Penso naquilo transformado num local desértico sob o sol ardente. A exploração de minérios costuma destruir o meio ambiente local. E daí se árvores forem explodidas? E daí, se árvores choram? Sinceramente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem uma vantagem: fala o que nos parece um horror. Ele perguntaria que diferença faz árvore e bicho, se afinal já existe a Disney World. Todo mundo acharia um absurdo, mas o tema entraria na ordem do dia. Aqui, tentam fazer na surdina.

Qual é a próxima? Já temos um Rio de Janeiro afundado em dívidas, sem dinheiro para garantir serviços ao cidadão, muito menos investir. Até famílias de policiais fluminenses têm dificuldade para botar comida na mesa, porque eles trabalham sem receber, muitas vezes. Em São Paulo, temos próximo ao aeroporto de Guarulhos e na Avenida Roberto Marinho grandes pilares de um futuro Veículo Leve sobre Rodas, abandonados há anos. Quanto custaram? Que será feito com eles? Ninguém dá satisfação. As leis trabalhistas em mudança, vem aí a reforma da Previdência. Dizem que é melhor. Sou bobo, nem tenho como opinar. Só me pergunto: melhor para quem? Será sempre necessário que um lado perca para o outro ganhar? Quem pagou a Previdência quase a vida toda, por exemplo, ganha? Ou chora, como as árvores destruídas da Amazônia?

O grande Lobato deixou outro livro infantil sobre o qual poucos falam, hoje em dia. Em A chave do tamanho, a esperta boneca Emília consegue minimizar o tamanho dos seres humanos. Passam a viver escondidos em baldes, com medo até do antigo gatinho de estimação, transformado em fera. Em certo momento, Emília se encontra com os grandes líderes do período. E os vê como são: uma espécie de minhoca branca. Eu me pergunto quando vejo essa enxurrada de assinaturas: não há nenhuma preocupação com a posteridade, afinal? Com um mundo melhor onde questões da ordem do dia, como a preservação do planeta, sejam respeitadas? Óbvio, a preocupação não existe. Mas quem hoje toma e apoia essas decisões deixará um legado. A resposta está em A chave do tamanho. Vistos à distância, terão a pequenez das minhocas da boneca Emília.

Gente fora do mapa

Que público mais atento!

Fim de jogo!

O dia 6 de setembro de 2017 tem tudo para passar à História como o que selou o destino do mais popular e carismático líder político brasileiro desde Getúlio Vargas, o presidente da República que em agosto de 1954 matou-se com um tiro no peito para não ser derrubado por um golpe militar.

Em menos de duas horas, ficou-se sabendo que o ministro da Fazenda e da Casa Civil dos governos do PT, Antonio Palocci, “o Italiano”, detonou o “pacto de sangue” firmado por Lula com a construtora Odebrecht. E que Lula e Dilma foram denunciados outra vez, desta vez por obstrução de Justiça.

A Lula, segundo Palocci, a Odebrecht pagou propinas num valor de R$ 300 milhões – parte para financiar suas atividades, parte para a compra de uma nova sede do Instituto Lula, e o resto para satisfazer qualquer outro desejo dele. Como o de concluir um museu em sua homenagem. O pacote incluía o pagamento de R$ 200 mil por palestra.


Depois de disparar uma flecha no próprio pé com o caso da polêmica delação do Grupo JBS, Rodrigo Janot, Procurador Geral da República, disparou outra em Lula e Dilma – essa por conta da manobra esperta de 2015 que tornaria Lula ministro-chefe da Casa Civil do segundo governo Dilma.

A manobra tinha como objetivo proteger Lula, que corria o risco de ser preso a qualquer momento por ordem do juiz Sérgio Moro. Como ministro de Estado, Lula só poderia ser processado pelo Supremo Tribunal Federal. Escaparia assim da órbita de Curitiba, etrerno pavor dos acusados por corrupção.

Preso há um ano, condenado uma vez, Palocci finalmente cedeu às pressões dos seus advogados e contou o que sabe em depoimento a Moro. Se não contou tudo, contou o suficiente para enterrar Lula que em breve deverá ser condenado pela segunda vez. É réu em pelo menos mais quatro ações penais.

Revelou, por exemplo, que Lula acompanhou cada passo do andamento das operações de repasses ilícitos da Odebrecht. E que na véspera de deixar o governo no final de 2010, apresentou Dilma a Emílio Odebrech para comprometê-la com o acerto que ele tinha com a construtora.

Quanto ao sítio de Atibaia, em São Paulo, onde a familia Lula da Silva desfrutou dos fins de semana, sim, foi mais um "agrado" da Odebrecht feito a Lula, afirmou Palocci. Como foi também o apartamento defronte ao que Lula mora em São Bernardo do Campo, usado por ele Por vários anos, a Odebrecht tapou buracos financeiros do Instituto Lula.

O depoimento de Palocci a Moro não fez parte de nenhuma delação premiada, porque delação ainda não há. Certamente Palocci guardou revelações inéditas para oferecer mais tarde em troca de melhor prêmio por delatar. Está ansioso por isso. Moro ouvirá Lula na próxima semana.

O que Palocci disse a Moro já é suficiente para que ele seja apontado no futuro como o maior algoz de Lula, aquele que desrespeitou o pacto de silêncio dos líderes do PT empenhados em preservar a imagem do demiurgo da esquerda. Algoz de Lula, mas também de Dilma, cuja fantasia de vestal Palocci rasgou.

A Lula e aos seus advogados só resta esgrimir com o surrado argumento de que Palocci mentiu para livrar-se da cadeia, o que desqualificaria a princípio toda e qualquer delação. Ao PT, resta procurar outro candidato para disputar a vaga de Temer, algo que ao fim e ao cabo não fará, refém que é de Lula.

Game over. Fim de jogo.

O pilar da economia


A miséria é uma indústria que dá dinheiro, ela é um dos motores da economia
Ricardo Seitenfus, representante especial da secretaria da OEA no Haiti, entre 2009-2011

Do matrimônio PT-PMDB resta muito patrimônio

Quando o brasileiro acha que já viu tudo, a Polícia Federal apreende R$ 51 milhões entesourados num apartamento, convertido em caverna de Ali-Babá, em Salvador. Normalmente, a diferença entre o dinheiro miúdo e o dinheiro graúdo é que o segundo fala mais alto. Mas a fortuna atribuída a Geddel Vieira Lima permanece, por enquanto, muda. Ninguém se animou a reivindicar a propriedade da dinheirama.

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Michel Temer é um azarado. Num instante em que o presidente aproveita a erosão da delação da JBS para fazer pose de limpinho, seu ex-ministro, correligionário de três décadas, é acusado pela força-tarefa da Lava Jato de plantar bananeira dentro do cofre da Caixa Econômica Federal.

É natural essa timidez em assumir o butim, o maior já apreendido no Brasil. Trata-se de uma conquista coletiva. Suspeita-se que o grosso tenha sido amelhado em trambiques na Caixa. Geddel foi vice presidente da instituição no governo de Dilma. Indicou-o o então vice-presidente Temer.

PT e PMDB tocam o Brasil há 14 anos. O matrimônio acabou. Mas ficou o patrimônio. Se há dúvidas quanto à quantidade e à identidade dos assaltantes, há uma sólida certeza sobre o assaltado. Nesse roubo, você, caro contribuinte, entrou novamente com o bolso.

'Fraterno amigo presidente'

Como diriam na Bahia, é dinheiro pra Geddel. R$ 51 milhões equivalem a 102 Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) – agora rebaixado a “deputado da nécessaire”, pela comparação de sua humilde valise de R$ 500 mil com as malas e caixas milionárias apreendidas pela Polícia Federal num apartamento em Salvador. A grana que, de tão volumosa, levou um dia para ser contada pertence ao primeiro ministro a ocupar a Secretaria de Governo de Temer, o ex-deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), diz a PF.

Geddel e Loures foram contemporâneos no Palácio do Planalto, mas com status distintos. O ex-ministro cultiva laços com Temer há mais de 20 anos, desde quando lideravam a bancada do PMDB na Câmara. Já Loures começou a secretariar Temer quando este era vice decorativo. Ressalvado que correlação não implica causalidade, a diferença na ordem de grandeza das apreensões é proporcional à longevidade das relações de cada um com o chefe.

E que grandeza: R$ 42.643.500,00 + US$ 2.688.000,00. Para se ter ideia do que é preciso para amealhar tantas notas quantas a polícia achou no "bunker do Geddel", o PCC precisa explodir 116 caixas eletrônicos para chegar nesse montante – e apenas se todas as máquinas retiverem o máximo de R$ 440 mil que podem armazenar. Como se vê, roubar banco parece ser mais trabalhoso.


Como é possível arrumar tanto dinheiro vivo? Se não é fácil, é corriqueiro. Só nos primeiros sete meses deste ano, o Coaf foi comunicado pelos bancos sobre 638 mil movimentações em espécie superiores a R$ 100 mil. Dá mais de 3 mil transações dessa monta por dia – somando mais de R$ 100 bilhões por ano. Quem fiscaliza tudo isso? Exato.

Foi exagero dos policiais chamar o apartamento de “bunker”. É o oposto, tão desguarnecidos estavam os R$ 51 milhões. Precursor de Maluf no governo paulista, Adhemar de Barros também guardava dinheiro em casa de terceiros, mas usava um cofre. As milhares de cédulas de R$ 100 e R$ 50 atribuídas a Geddel estavam metidas em sete caixas de papelão e oito malas sem rodinha. Evocam uma esteira de aeroporto do interior, não uma fortaleza.

Tanto descaso com dinheiro, mesmo que seja alheio, não combina com a descrição feita por Temer do seu então braço direito no governo. Em entrevista à Rádio Metrópole, de Salvador, em 2016, o presidente sintetizou assim sua relação com o subordinado no Planalto: “Me ajuda muito. Geddel – você o conhece aí da Bahia, não é? – faz um trabalho excepcional, é de uma velocidade de raciocínio, é de uma velocidade de ação que ajuda muitíssimo”. Dá para imaginar.

Menos de dois meses após a entrevista, o “trabalho excepcional” chegava ao fim. Acusado de pressionar o ministro da Cultura para aprovar um prédio – no qual tinha apartamento em “andar alto” – em área tombada de Salvador, Geddel caiu. Endereçou o e-mail de demissão ao “meu fraterno amigo presidente Michel Temer”. A fraternidade continuou.

Geddel foi preso há dois meses, acusado de pagar para que nem o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, nem seu operador financeiro, Lúcio Funaro, fizessem delação premiada. A delação de Funaro serve de base para um novo pedido de investigação de Temer.

O vídeo de um apressado Rocha Loures arrastando a mala com R$ 500 mil de propina não sensibilizou 342 deputados a abrirem investigação contra o presidente. E 15 caixas e malas abarrotadas de reais? Sensíveis que são a imagens de numerário, nem assim é provável que suficientes deputados mudem de opinião. Só lhes importa agora ir à revanche contra o acusador de Temer.

O jogo virou. Acusadores viraram acusados. Sorte de Geddel. Sorte de Temer. Se é que sorte tem a ver com isso.

Paisagem brasileira

Paisagem com casario, Cardarelli

Pacto com o sangue alheio

O depoimento de Antonio Palocci ao juiz Sérgio Moro teve o impacto que se imaginava e que vinha provocando pesadelos em Lula e no resto da quadrilha desde que o nominado “Italiano” nas listas de propina se tornou inquilino de uma cela. No ponto mais contundente de suas revelações, Palocci afirmou que Lula tinha um “pacto de sangue” com Emilio Odebrecht. O pacotaço da propina incluiu um terreno para o Instituto Lula, o sítio em Atibaia e mais a bagatela de R$ 300 milhões para a viva alma muito viva desfrutar enquanto debochava da cara dos brasileiros decentes. “Lula sabia que se tratava de dinheiro sujo”, declarou o Italiano, incorrendo em uma obviedade, pois ninguém colocaria esta dinheirama à disposição sacrificando um patrimônio amealhado com o suor do próprio rosto.

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Além de discorrer sobre o pacto feito com o sangue dos brasileiros decentes, Palocci se dispôs a detalhar os encontros que teve com Lula para combinar de que forma poderiam criar obstáculos para a Lava Jato, mas Moro preferiu deixar para outra ocasião para não se desviar do foco da ação alvo do depoimento. O Italiano ainda tem muita bala na agulha. Agora, em vez de tentar transformar um caseiro em bode expiatório para esconder suas falcatruas, está disposto a entregar o Amigo que jura não ser dono de triplex, nem de sítio, mas que se achava dono da casa da Casa da Mãe Joana em que tanto lutou para transformar o país.

Como mesmo quadrilheiros podem ter bom senso, Palocci disse ter alertado Lula: “Nosso ilícito com a Odebrecht já está monstruoso. Se nós fizermos esse tipo de operação, nós vamos criar uma fratura exposta desnecessária”, referindo-se à aquisição clandestina, pela empreiteira, de um terreno para o Instituto Lula. Mas o ex-presidente embriagado de poder fez ouvidos moucos, afinal, sempre julgou estar acima da lei. Há muito percebeu que não está, mas fingirá não saber disso – e de coisa alguma – mesmo depois de embarcar no camburão.

O sujo falando do mal lavado

Ninguém aguenta mais tanto roubo. Isso deixou de ser corrupção, isso é roubo. É assalto aos cofres públicos para enriquecer os petistas
Geddel Vieira Lima quando participou de um protesto contra a corrupção e o governo petista em agosto de 2015

Somos muito mais ricos do que pensamos

Era uma manhã de sol do verão europeu. O céu azul de Lisboa chegava a ser ostensivo. Nem a nuvem mais persistente poderia ameaçar aquela imponência. Me vesti com roupas claras, passei filtro solar numa sarda desenfreada que vem crescendo na minha bochecha, entre as demais pintas que se espalham por essa cara branca. Sim, achei que podia ser câncer de pele, mas a dra. Sílvia disse que está tudo bem. E, se ela diz, eu acredito, é assim há 20 anos.

Caminhei feliz por entre aquelas cores gratuitas e vibrantes que tornavam o dia uma verdadeira pintura. Até aquele horroroso prédio da Polícia Judiciária – nada harmônico com os ares de Lisboa – parecia simpático naquele início de dia. Desci a Duque de Loulé com os olhos apertados contra o sol e virei à esquerda na Gonçalves Crespo, como de costume.

Ao chegar ao escritório, abri a cortina branca e olhei para os transeuntes da Rua Luciano Cordeiro. São quase sempre os mesmos. O chinês do restaurante, o nosso vizinho de sala, a Dona Múmia e o garçom da Camacha. Sentei-me à frente da minha mesa, fiz as contas do fuso horário, liguei para minha mãe para ouvir sua voz e, na sequência, mandei uma mensagem para minha Tia Regina, desejando boa semana.

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Não sei bem por que, naquele momento, achei que deveria contar aquela esquisitice para a Tia Rê. Sim, ela é médica e já trabalhou como legista, mas não sei explicar o que me levou a desejar uma boa semana a ela dizendo que minha janela do escritório dá para uma rua que é caminho para o instituto médico legal de Lisboa, o que faz com que eu seja agraciada várias vezes por dia com carros funerários parados na minha frente. Não era uma mensagem muito usual para uma manhã de segunda-feira.

Como se aquilo não bastasse, disse ainda que aqui em Lisboa há algo bastante peculiar, que é o fato de os carros funerários frequentemente serem todos de vidro, o que nos permite ver o caixão inteiro e ficar imaginando quem estará lá dentro. Observo o tipo de madeira, as flores que acompanham o caixão, o semblante do motorista.

Tia Rê me conhece bem o suficiente para saber que eu não me incomodo com isso, já que, desde os meus 16 anos, cismei de gostar de passear em cemitérios, o que faço com frequência até hoje. Na minha despedida de solteira, sábado passado, depois de muitas garrafas de vodca, minhas amigas queriam me convencer a ir para uma balada no centro e eu só dizia que queria pular o muro do Cemitério do Araçá. Felizmente fomos ao Mc Donald’s. Mais tranquilo.

Mas, enfim, disse à minha tia que, de fato, era uma coisa esquisita aquela dinâmica de começar a semana num dia ensolarado com 3 carros funerários passando pela minha frente em menos de 15 minutos. Era um desabafo um pouco sem cabimento, mas eu sabia que podia dizer isso a ela.

Alguns minutos depois, o celular vibrou com a resposta da minha tia. Foi como se as palavras da minha madrinha – falante e geminiana como eu – entrassem na minha sala com ainda mais força do que aqueles raios de sol desenfreados do verão. Li e reli a frase sintética, impressionada com seu conteúdo.

Tia Rê não é de florear muito seu discurso. Fala o que dá na telha, o que deve e o que não deve. Não fica investindo muito na poesia, mas a poesia, por vezes, investe nela. Era exatamente o caso daquela resposta.

“Querida Rú, fique contente por ver os carros funerários. Se há caixão, é porque houve vida.”

Li de novo. Sorri. Era uma carga realmente gigantesca de intensidade em tão poucas palavras, escolhidas sem grande esforço.

Fiquei pensando naquilo o dia todo. Toda perda só existe porque houve um ganho. Toda saudade só existe porque já houve presença.

Toda morte só existe porque já houve vida. De fato, nós somos muito mais ricos do que pensamos. Só não costumamos estar muito atentos a isso.

A Colômbia venceu o Brasil

A Colômbia tinha tudo para dar errado. Por mais de quatro décadas esteve encharcada de sangue por uma guerra responsável por 260 mil mortes, 60 mil desaparecidos e mais de sete milhões de desplazados – colombianos forçados a abandonar seus lares. Mas não deu, ao contrário: deu certo.

A Medellín dos tempos do narcotraficante Pablo Escobar deu lugar a uma cidade pacífica, que diminuiu a violência em 83%. A economia colombiana cresce de forma sustentada há anos, e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia definiram em seu congresso desse final de semana que o “marco é a democracia liberal”, diferenciando-se, assim, do bolivarianismo de Chávez/Maduro e do próprio modelo cubano da ditadura de partido único.

Para coroar o processo de paz, a última guerrilha, o Exército de Libertação Nacional, fundado por padres católicos, assinou o cessar fogo com o governo. Foi um ato de homenagem ao Papa Francisco que chegou nesta quarta-feira à Colômbia.


Este sucesso vem ao caso para tentar entender como um país que já foi dominado pelo tráfico de drogas (e armas) e teve um terço do seu território controlado por narcoguerrilheiros deu a volta por cima, enquanto o Brasil, com problemas bem menores, patina em todos os campos e anda de lado, quando não para trás, no combate à violência, na economia, na política e nos valores.

A resposta é clara. Com todos seus percalços, a Colômbia teve rumo - a busca da paz e do fim da violência - e uma liderança forte, o presidente Manoel de Los Santos, na condução de um projeto vitorioso. Ao Brasil, faltam essas duas condições: uma direção clara a ser seguida e um condottieri capaz de unir a nação e levar o país ao século vinte e um.

Nem sempre foi assim. No passado tivemos Getúlio Vargas com seu projeto nacional-desenvolvimentista e Juscelino Kubitscheck com seu Plano de Metas, responsável pela modernização e industrialização do país. Mesmo no regime militar, não padecemos de rumo e de liderança. No campo situacionista o “milagre econômico” de Delfim Neto e do general Ernesto Geisel com seu projeto da “distensão lenta, gradual e segura” e um modelo estatista.

E no campo oposicionista lideranças como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, entre outras, uniram o país em torno de uma frente democrática. Eles nos conduziram na travessia para a democracia pela via pactuada, cujo corolário foi a Constituição de 1988.

Com o Plano Real, o Brasil voltou a ter um norte. E a mão forte de FHC no comando de um ousado projeto de estabilização da economia, de reformas e de modernização do Estado. Projeto interrompido no segundo governo Lula, quando o petista prefere surfar nas ondas fáceis do boom das commodities. A tentação populista levou Lula a engavetar as reformas necessárias e negligenciar a tarefa de preparar o Brasil para o ingresso no terceiro milênio.

A falta de rumo assumiu ares de tragédia nos anos Dilma Rousseff, com lideranças alternativas ao populismo irresponsável sendo ceifadas pela Lava-Jato, que atingiu quase todos os partidos. Desde então, dá-se volta em círculos e vive-se a mais grave crise de abstinência de ideias e de líderes.

No campo da esquerda arcaica suas forças sequer fizeram conversão democrática. Estão anos luz atrás até mesmo das Farc colombianas. O farol guia é o modelo Cubano, o chavomadurismo, ou os dois. Suas cabeças pararam no século 19, incapazes que são de entender o capitalismo do século 21 – o do conhecimento -, como apropriadamente os definiu professor emérito de Filosofia, José Arthur Gianotti, em recente entrevista.

A alternativa que apresentam para a mais grave crise da nossa história republicana é o retorno ao populismo do século passado por meio do sebastianismo lulariano. Na linha regressista, sua contraposição é o Bolsonarismo, uma caricatura dos linha-dura da ditadura militar.

De onde se espera é que não sai nada.

O campo democrático encontra-se atomizado, com o governo Michel Temer capturado pelo Centrão, ainda que, aos trancos e barrancos tenha dado passos na agenda reformista.

A força da qual poderia sair alguma luz – o PSDB – encontra-se dilacerada por seu drama hamletiano de ser ou não ser governo. E também por disputas pessoais intransponíveis. As mais recentes assombram os brasileiros pela falta de grandeza. Não desprovido de razão, Gianotti vaticina que, como partido, “o PSDB morreu”.

O centro democrático marcha celeremente a ter quatro ou cinco candidatos a presidente em 2018, dando, assim, chances ao azar. Neste quadro, a ideia generosa de Fernando Henrique Cardoso de uma candidatura agregadora corre sério risco de pregar no deserto.

É possível evitar o apocalipse now de 2018, mas desde que surjam ideias e lideranças capazes de responder à agenda do novo século. Por aí é possível construir uma candidatura viável.

Se isso não acontecer passaremos mais quatro anos sentindo inveja dos colombianos.