quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Motivos de fúria

Eu queria acordar num país normal, onde as piores notícias fossem “normais”: uma inundação, um terremoto, uma praga de gafanhotos, aquilo que os angloparlantes definem nas apólices de seguro como “acts of God”, atos de Deus, e que a gente aceita, porque não há outra coisa a fazer a não ser aceitar e tentar retomar a vida. Há alguma coisa no íntimo de cada um de nós que está pronta, desde o começo dos tempos, para lidar com essas grandes tragédias. Sabemos que o mundo é assim, e que elas sempre aconteceram; sabemos que nada que se pudesse ter feito alteraria o curso dos acontecimentos. O que não nos mata nos fortalece, diz o ditado, e ainda que eu duvide muito dessa afirmação, entendo que, ao descobrirmos a fragilidade da vida, realinhamos as nossas prioridades e nos resignamos ao inevitável.

Mas não há nada na estrutura psicológica dos seres humanos que prepare quem quer que seja para um noticiário como o do Brasil: crianças mortas em tiroteios, a Olimpíada roubada, um tarado com 17 passagens pela polícia solto no mundo, sete máquinas de dinheiro funcionando ininterruptamente durante um dia inteiro para contabilizar o dinheiro encontrado na casa de um homem que, até ontem, era um dos esteios da República.

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Não há nada na estrutura psicológica de um ser humano que o faça aceitar a imagem das malas e caixas de papelão de Geddel. A reação normal de qualquer pessoa diante dessa evidência é uma reação de violência, um “mataesfola” não muito diferente do sentimento que está por trás dos atos mais bárbaros. Tão ruim quanto a confirmação da sórdida canalhice dos canalhas é a constatação de que, no fundo, não evoluímos tanto assim desde que saímos das cavernas.

Uma má notícia “normal” desperta a nossa solidariedade, e o que há de melhor em nós; sentimos aflição e desespero, mas sentimos também amor e compaixão. Uma má notícia como as que estamos lendo e ouvindo <italic>nonstop</italic> neste país, porém, tem o efeito contrário: passamos os nossos dias lutando contra o troglodita linchador que resiste aos séculos no nosso âmago, e chegamos à noite extenuados, envenenados tanto pelo noticiário quanto pelos sentimentos tenebrosos que descobrimos no fundo do coração.______

Como são grotescas as personagens do nosso noticiário! Ainda não houve uma só gravação que viesse à tona em que se percebesse um mínimo de honradez ou de caráter, uma pista longínqua de que ali haveria uma pessoa decente pega por acaso numa situação esquerda. Todos, sem exceção, falam como cafajestes. São rudimentares na linguagem, na moral, nas ideias.

Que pobre diabo é esse Joesley, esse Eike sertanejo, deslumbrado com o poder e consigo mesmo, certo de que é alguém porque tem dinheiro, convencido de que está manipulando as marionetes enquanto é triturado pela sua própria incompetência e cuspido pelas engrenagens da História.

Que figura sinistra é Geddel, o grande amigo, o homem da confiança de todos os governos, a figura imprescindível, para quem não há prisão nem tornozeleira.

Que indivíduo repulsivo é Temer, com a sua fala macia, as suas mesóclises e a sua sordidez; que tipo patético é Aécio, que messias tosco e desencaminhado é o Lula.

E o elegante Nuzman, salvo de ser a principal manchete do dia pela dinheirama obscena de Geddel? Subitamente os seus R$ 480 milhões em diversas moedas viraram troco.

Como gostam de guardar dinheiro em casa. Nós aqui depositando qualquer sobrinha na poupança e pagando pão e chiclete com cartão porque nos esquecemos, mais uma vez, de passar no caixa eletrônico, e eles nadando em notas.

Cora Rónai

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