sábado, 4 de abril de 2015

Cada país tem o Judas que merece


As 10 coisas que aprendi com os petistas na internet

A grande web é uma arena de gladiadores e um tratado sociológico sobre a vergonha alheia. Aqui aprendemos, como em nenhum outro lugar, como se comportam os partidários das mais diferentes tribos e escolas de pensamento. Uma, em especial, se destaca nesses tempos de crise – a dos petistas. Eis uma classe entregue a desconstruir adversários e críticos, abraçando o governo da maneira mais desavergonhada possível, reinventando-se através das desculpas mais esfarrapadas do mundo.
Nessa grande escola que é a internet, essas são as dez coisas que eu aprendi com os petistas nos últimos meses.

1) Quem não é petista, é tucano

Não importa quem você é ou o que você defende: se você não é petista, você é tucano. Não há outra opção disponível. Ataque um descaso do Partido dos Trabalhadores e espere: será apenas uma questão de tempo para que um ataque ao PSDB apareça na sua frente como se esse fosse um argumento. E aqui não importa se você reside num estado ou numa cidade governada por tucanos. Quem ataca Lula e Dilma automaticamente defende Geraldo Alckmin, Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso. É uma determinação implícita nos debates, um contrato que você assinou se responsabilizando sem saber.

2) Quem não é petista não gosta de pobre viajando de avião

Por alguma razão inexplicável, quem não é petista não gosta de pobre viajando de avião. Não me pergunte por quê, mas alguém que não apoia o atual governo só pode assumir essa posição porque perdeu sua escrava doméstica; não consegue alugar seus apartamentos graças ao sucesso do “Minha Casa, Minha Vida“; não gosta de negros cursando o ensino superior (mesmo que você seja negro); e se irrita porque é obrigado a ficar mais tempo preso no trânsito com seu carro, engarrafado no meio de um monte de veículos populares guiados por domésticas, cabeleireiras, pedreiros e porteiros (o que lembra a velha máxima “congestionamento é progresso”, dita por Paulo Maluf em certa ocasião). Como disse Rui Costa, o atual governador petista da Bahia, “o antipetismo é a insatisfação da classe média”. Para ele, “o Brasil está vivendo um segundo período de fim da escravidão“, com a derrota de “pessoas [que] veem como um absurdo o porteiro chegar de carro ao trabalho e se incomodam ao ficar atrás de um agricultor ou uma empregada doméstica em uma fila de aeroporto; acham que pobre não pode ter carro, não pode andar de avião, não pode entrar em uma universidade”. Não há outra razão possível – quem ataca o PT é rico e não gosta de pobres. Simples assim.

3) Você protesta contra o governo porque nunca leu um livro de história na vida

Você não votou na Dilma porque nunca leu um livro de história na vida (certamente não os do Mario Schmidt). É duro ter que dizer isso, mas você certamente é um iletrado que ignora o fato irrefutável de que por 500 anos o Brasil foi governado pela direita (somos um país tão conservador que já eramos de direita antes mesmo da direita nascer). Na última campanha presidencial, conforme apontado por diversas pesquisas de opinião, a candidata petista liderou com folga entre aqueles com escolaridade até a 4ª série, mas viu um cenário radicalmente oposto entre aqueles com ensino superior, que apoiaram em massa o candidato da oposição. Na dúvida, os mais escolarizados fugiram dos livros de história.

4) Quem não é petista, nem tucano, defende a ditadura militar

Se você não é petista, só há um caminho possível além de ser tucano – você é um defesor da Ditadura Militar. Não, não há outra razão. Dilma combateu os militares, se você não gosta dela, logo os defende. O caminho é muito claro: você não gosta do PT porque provavelmente é um fascista. E nem adianta olhar pro lado, tô falando com você mesmo, que esconde pôsteres do Mussolini no quarto. Você que quer a instauração de um regime racial, que toma as ruas com as cores do país para protestar contra o governo. Você é um radical de ultradireita que se cumprimenta dizendo “anauê” para sua trupe.

5) Você não pode reclamar dos bilhões desviados pela corrupção porque fura fila na padaria

Você não tem o direito de reclamar dos casos de corrupção cometidos pelo governo. Por duas razões. A primeira porque o PT não criou a corrupção, logo não faz sentido acusar o partido de nada – além disso, o PT é o único partido que manda investigar. A segunda, porque você fura a fila da padaria, já buzinou perto de um hospital e já estacionou em local proibido. E nem adianta dizer que você nunca fez nada disso, porque o jeitinho está na alma do brasileiro. Antes de reclamar dos bilhões de reais desviados pelo PT, pense naquele dia em que você colou fazendo uma prova de geografia na oitava série. Além disso, lembre-se do primeiro argumento dessa lista: o PSDB já esteve envolvido em casos de corrupção. Todos os seus argumentos contra o PT são inválidos, tucanalha!

6) O processo constitucional de impeachment é golpe

Se você toma as ruas reclamando de um governo envolvido em esquemas de corrupção – do zagueiro ao ponta-direita – pedindo a investigação da presidente, se ousa pronunciar a palavra impeachment, só o faz porque é automaticamente um golpista. Isso mesmo. O impeachment é um processo regulado no Brasil pela lei 1.079/50, um artifício democrático e constitucional, não presente em regimes ditatoriais (você já viu algum ditador saindo do cargo porque sofreu um processo de impeachment?). Ainda assim, caso você ouse pronunciá-lo, pedindo apuração dos fatos, você é um defensor da ditadura. Ok o governo se aproximar de regimes ditatoriais (como Cuba e Venezuela), oferecendo ajuda econômica e política. Ok os petistas terem pedido a saída de quase todos os presidentes eleitos no país desde a redemocratização. O culpado é você, que exige a independência do Judiciário e do Legislativo, que pede por investigações e o cumprimento da lei.

7) Dilma não pode sair porque seu vice, eleito pelos petistas, não presta

Além de golpista, aprendemos com os petistas que você também não tem consciência política - afinal, se sai a Dilma entra o Michel Temer no lugar, e quem em sã consciência gostaria disso? Todo mundo que votou na Dilma votou no Temer também (afinal de contas, não existe um candidato único à presidência, mas uma chapa-presidencial), mas você não tem consciência aqui por querer que seu vice tome o poder. Quem elegeu Michel Temer vice-presidente de um país onde os vices assumiram o poder em 1/3 das ocasiões desde a redemocratização, ignorando o fato de que ele poderia assumir o poder a qualquer momento, podem lhe ensinar agora como ser um eleitor mais consciente.

8) Quem vaia Dilma é machista

Se você vaia a presidente, se bate panelas quando ela aparece na televisão, se por algum motivo não gosta dela, só o faz porque é um machista (mesmo que você seja uma mulher). Não adianta ignorar a realidade. O machismo é um sentimento inconsciente que expressamos muitas vezes sem querer, homens e mulheres. Faz parte da nossa cultura. Se você não gosta de uma presidente mulher é porque têm ódio de mulheres - provavelmente não se sente tão à vontade vendo mulheres alcançando posições de destaque na sociedade. Toda oposição à Dilma é uma apologia ao machismo. Esqueça o noticiário, esqueça os casos de corrupção, esqueça a economia, busque um psicólogo.

9) Todos os problemas do país serão resolvidos com uma reforma política

Todas as soluções para o país estão na Reforma Política proposta pelos movimentos sociais e sindicais de esquerda – afinal, eles representam a sociedade, não é mesmo? É ela quem irá estabelecer a paz mundial, curar todas as doenças, devolver o poder ao povo brasileiro. Quer combater a corrupção? Os petistas têm a solução: acabem com o financiamento privado de campanha. Depois da proibição, segundo os simpatizantes do partido que mais recebe doações de empresas privadas no país, não mais haverá caixa 2 (um crime que remete a um dinheiro que já não é contabilizado de forma legal, mas tudo bem), não mais obras superfaturadas no país, não mais escândalos em ministérios e nas estatais. Sem dinheiro privado de campanha, como num passe de mágica, os políticos brasileiros não terão mais incentivos para o roubo e as aproximações com empresários corruptos. A verba de dinheiro público aos partidos irá aumentar substancialmente – com o dinheiro dos pagadores de impostos, claro – mas esse é o preço que se paga para combater uma chaga tão dura na sociedade brasileira. Ok, não há qualquer indício que a corrupção diminua no país com a medida, mas pelo menos o partido que manda investigar está mandando investigar.

10) 2 milhões de pessoas tomaram as ruas no dia 15/03 porque a Globo ordenou

Por fim, aprendi com os petistas na internet que dois milhões de pessoas tomaram as ruas do país em protesto contra o governo porque a Globo convocou. Sim, caros leitores: se a maior emissora do país registra em sua programação o maior protesto da história do Brasil é porque ela claramente está se opondo ao governo e convocando as pessoas para o ato. E o brasileiro é como um zumbi: ele viu os protestos sendo noticiados na televisão no domingo de manhã, vestiu sua camisa verde e amarela e tomou conta das ruas sedento por carne humana. Grave bem, tudo que acontece de errado nesse país é culpa da Globo. Não há razões para descontentamento. O brasileiro é um povo alienado porque a Globo o coloca contra o governo. As milhões de pessoas que tomaram as ruas provam isso. O fato do PT ter ganho as últimas quatro eleições presidenciais, num período em que a Globo permaneceu líder de audiência, é um mero acaso, um acidente. Nos últimos treze anos ela não teve força suficiente para mudar a vontade de um povo soberano que não é bobo e que grita “abaixo a Rede Globo”. Agora, como mágica, tudo é diferente. Esse é o Brasil.

Rodrigo da Silva 


A fúria de Lula

A fúria de Lula tem um motivo: acha que Dilma vai inviabilizar a sua candidatura em 2018. Ele não aceita a evidência: seu tempo acabou!

A Folha informa na edição desta quinta que o ex-presidente voltou a reclamar de Dilma Rousseff em conversa com sindicalistas no encontro de terça-feira. Já havia feito o mesmo com dirigentes petistas na segunda. Ele estrila para que ela saiba, não para que não saiba.

O chefão decadente criticou a coordenação política do governo, a cargo de Aloizio Mercadante, no que está certo (é ruim de doer mesmo), mas o fez, não duvidem nunca, por motivos errados. Os sindicalistas, por sua vez, se queixaram da falta de diálogo com o governo, e o Babalorixá de Banânia não se fez de rogado: tornou-se o porta-voz da chiadeira no discurso que fez:

“Dilma, se estiver ouvindo, gostaria de dizer o seguinte. Você precisa lembrar sempre que quem está aqui é o seu parceiro, nos bons e nos maus momentos. A gente não quer ser convidado só para festa, não. A gente quer ser convidado para discutir coisas sérias, para fazer boas lutas e boas brigas.”

As palavras fazem sentido. Prestem atenção ao “se estiver ouvindo”. Poderia ser substituído por sua “teimosa”, “cabeça-dura”, “desobediente”. Lula tem dito por aí que Dilma está isolada no Palácio, que tem de andar mais e se aproximar dos movimentos sociais. Ou por outra: ele quer que ela cole justamente nos setores que pretendem mandar às favas o ajuste fiscal.

Isso é o que Lula diz. E o que ele não diz? O homem quer voltar, sim, e acha que a ainda aliada está obstruindo o seu caminho. Não é só ele. Boa parte da máquina petista e da máquina sindical pensa a mesma coisa. Ou, na expressão de um petista graúdo, conversando com um de seus pares: “Ela [muitos “companheiros” só se referem a Dilma por “ela”] vai conseguir o que a direita não conseguiu; vai quebrar as pernas do PT”.

Lula diz por aí que, no primeiro ano de seu primeiro mandato, viveu circunstâncias até piores do que as de Dilma, mas as venceu “conversando com a sociedade”. É claro que se trata de uma mentira. Entre outras delicadezas, o chefão se esquece de que ele e o PT não tinham a memória de 12 anos de poder, com todos os seus descalabros.

Um dos luminares petistas lembra que o partido não dispõe hoje, e não disporá nos próximos três anos e pouco, de uma alternativa a Lula para disputar a sucessão de Dilma e que ouvi-lo antes de tomar decisões seria uma espécie de obrigação da presidente. Com ironia, comentou com um interlocutor: “Só faltava agora ela estar preocupada com a própria biografia. Há outras prioridades”.

Dilma tem, sim, de se preocupar com as ruas. Mas quem mais a ameaça hoje é Lula, que não aceita o óbvio: seu tempo acabou!

 Reinaldo Azevedo

'Cada brasileiro necessita fazer uma autocrítica de suas ações'

Enquanto a vara de marmelo verga sobre o lombo de corruptos e corruptores, na Polícia Federal e no Ministério Público Federal, e enquanto no PT e arredores desejam transformar Joaquim Levy em bode expiatório (se não der certo o ajuste, a culpa é de Levy...), ocupo-me de outro assunto. Já me referi aqui a alguns ensinamentos que recebi do meu pai, que foi meu primeiro professor. Meu pai dedicou sua vida ao ensino e à educação e, claro, fez votos de pobreza. Comecei com ele, embora nem sempre lhe tenha sido fiel, a exercitar-me no que se chama “senso ético”. Sem este, a erudição ou a cultura valem pouco. 

A propósito, quando prestei vestibular para a Faculdade de Direito da UFMG, deparei-me, na prova de redação, com o difícil tema “A alma de toda a cultura é a cultura da alma”, que nunca soube a quem creditar – se ao professor responsável pela prova, de cujo nome não me lembro, ou se a um dos nossos clássicos. Afinal, já se foi mais de meio século, numa velocidade vertiginosa, e da qual só agora me dou conta...

O tema (ou enunciado) foi um óbice a boa parte dos colegas vestibulandos. Saí-me relativamente bem na prova graças aos ensinamentos que recebi quando criança, ensinamentos que nem sempre – devo confessar – me proporcionavam alegria ou prazer. Ao contrário, ainda adolescente, sentia-me pressionado a absorvê-los. Anos depois, quando a maturidade já batia às portas, mudei o enfoque...

Agora, diante do que acontece a boa parte dos nossos representantes, no município, no Estado e na Federação, que, pelo que se constata diariamente, perdeu total e definitivamente o pudor, vem-me o desejo de me referir à fragilidade humana ou, para ser mais preciso, à instigante atração que o ser humano demonstra pela transgressão. Esse desejo se tornou mais concreto depois que li o artigo “Antes de ir para rua protestar”, do médico cardiologista e professor Cid Velloso, que foi reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, no período de 1986 a 1990.

“Cada cidadão brasileiro”, diz Cid Velloso, “necessita fazer uma autocrítica de suas ações, modificando atitudes indevidas e introduzindo processos educacionais nas escolas, na educação familiar, em seu espaço de trabalho, em sua roda de amigos e, enfim, em todas as suas atividades”. Depois dessa importante sugestão, Cid Velloso repete algumas das ações condenáveis e consideradas, por ele (e por quase todos nós), ainda hoje comuns e toleradas: a sonegação de impostos; as infrações diárias no trânsito, como a ultrapassagem do sinal vermelho, o estacionamento em local proibido e a fila dupla; os “gatos” (ligações irregulares) feitos em redes de TV, água, luz e telefone; a aceitação de pagamento menor a médico, livrando-o do Imposto de Renda; a não exigência de nota fiscal nas compras usuais; a compra de recibos falsos a profissionais da saúde; a aquisição de DVDs e CDs piratas; as manobras, em viagens, para enganar fiscais da alfândega; e a declaração de valores menores na escritura de compra de imóveis etc.

A lista dessas pequenas falcatruas é de fato infindável, leitor, mas, se começarmos por nós a transformação, o país, com certeza, não submergirá. Para fortalecer a tese, lembro-o de uma das crônicas do memorável João Ubaldo Ribeiro, que, ao se decidir pela procura do responsável por todos os males deste nosso pobre país, para lhe exigir melhor comportamento, olhou-se no espelho e, enfim, o encontrou…

Acílio Lara Resende

Os indignados e os que ainda não entenderam


O Brasil vai como quem resvala rampa abaixo sobre um skate. É a crise. Em relação a ela, existem duas atitudes principais. A primeira, amplamente majoritária, é a atitude dos que entenderam o que aconteceu e estão indignados. A segunda é a dos que ainda não entenderam.

Estou entre os primeiros. E realmente indignado porque não precisávamos estar passando por isso. Nosso país viveu um momento promissor nos primeiros anos da década passada. Após enorme esforço fiscal, o Brasil derrubara a inflação, havia recuperado a credibilidade internacional, passara a atrair investimentos, construíra alguns fundamentos para a Economia, a arrecadação crescera e o governo ampliara a destinação de recursos para uma série de programas sociais. As condições para tanto foram obtidas a duras penas desde o governo Itamar Franco, com medidas de austeridade e privatizações que o PT combateu furiosamente. Seriam necessárias muitas outras providências, é verdade, mas nunca houve (e não sei se um dia haverá) apoio político, no Brasil, para fazer todo o dever de casa.

Mas íamos bem. Tanto assim que Lula e seus companheiros se convenceram de que governar o Brasil era uma barbada. A China vendia tudo barato e comprava montanhas de qualquer coisa. Jorrava dinheiro nas contas públicas. Obama dizia que Lula era "o cara" e o cara era o pai dos pobres, aqui e mundo afora. O Brasil virou um programa de auditório onde se atirava dinheiro ao público. Havia bastante. Dava para comprar todos que quisessem se vender. Uma parte da grana ia para os programas sociais e outra, muito maior, para os programas socialites, via contratantes de obras e serviços, e financiamentos do BNDES.

De formiga da revolução social, o petismo passou a cigarra das prodigalidades. Em vez de investir na qualidade da educação das classes de menor renda, preferiu remunerar a ociosidade. Em vez de estimular o mérito, favoreceu a mediocridade com leis de cotas. Em vez de gastar recursos públicos em infraestrutura, "conquistou" em dois lances, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Em vez de diminuir o tamanho o Estado, agigantou-o com novos ministérios para usufruto da base de apoio. Para que o PT se exibisse como partido líder da esquerda continental, financiou de um modo escandalosamente secreto obras de infraestrutura que fariam muito bem, se feitas no Brasil. Bilhões de reais foram direcionados para os países do Eixo do Mal Latino-Americano (na expressão perfeita do Dr. Heitor de Paola).

A crise da economia mundial de 2006 pegou Lula em campanha para a reeleição e ganhou o apelido de "marolinha". E como tal, foi solenemente ignorada pela imprudência ufanista do presidente. Ele dava conselhos ao mundo sobre como acabar com a pobreza... A partir da metade do segundo mandato do estadista de Garanhuns, nos monitores dos analistas da realidade brasileira, as luzes amarelas se alternavam com as vermelhas. Mas nada importava. Era preciso eleger a senhora mãe do PAC, notória economista que pensou haver descoberto o segredo do bem estar geral: endividar a sociedade toda através do governo para manter as aparências e, adicionalmente, ampliar o endividamento das famílias. Se você examinar de perto, verá que não há muito espaço para geração de riqueza, poupança interna e investimento nessa inadequada concepção. Embora não conviesse ao Brasil reeleger Dilma, Dilma precisava ser reeleita. Paguemos todos, então, os custos das ilusões necessárias para produzir o absurdo e suspeitíssimo resultado eleitoral de 2014.

A notória falsificação, que já leva oito anos, enganou muitos, durante muito tempo. Não só no Brasil, diga-se de passagem. Agora veio a conta e levaremos alguns anos pagando. Quem sofrerá mais? Os pobres, justamente os mais vulneráveis e, por isso, os mais iludidos pela publicidade do governo. Mas não precisávamos passar por isso.

Percival Puggina

Anedota búlgara


Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade
Carlos Drummond de Andrade

Judas com nome e número no catálogo telefônico

Charge O Tempo 04/04
Nos tempos em que não existiam redes sociais, nem e-mails, nem televisão, durou séculos a moda, em todo Sábado de Aleluia, de a criançada e até os adultos “malharem o Judas”, ou seja, pendurar bonecos nos postes, vibrando-lhes pauladas e pedradas para queimá-los depois.

O singular naquelas brincadeiras era menos desagravar a morte de Jesus do que caracterizar os bonecos como pessoas de que as comunidades não gostavam, de preferência políticos, governantes, nas escolas, professores, e até jogadores de futebol do time adversário.

A pantomima é para ser encenada hoje, mas sem o brilho de antanho, já que atualmente, através dessas maquininhas diabólicas, consegue-se atingir, criticar e desmoralizar muito mais gente com um simples digitar de teclas. Paciência, o mundo anda para a frente, apesar de às vezes como caranguejo.

Mesmo estando em baixa a prática de malhar o Judas, no interior e nas capitais, dezenas de bonecos foram parar no alto dos postes. A pergunta é quem representavam.

Com todo o respeito e evitando fulanizações constrangedoras, dividiu-se o país, mais ou menos como nas duas manifestações de 13 e de 15 de março: na primeira data, a metade menor foi para as ruas em apoio ao PT, às centrais sindicais e ao governo. Dois dias depois a metade maior protestou contra os donos do poder, a alta do custo de vida, a redução de direitos trabalhistas, a corrupção desenfreada e a necessidade de mudanças nos serviços e nas instituições públicas.

Ontem, terá sido a mesma coisa, com a criançada, espontaneamente ou induzida, malhando um Judas do gênero feminino. Com o apoio de boa percentagem de adultos.

As lições que vêm das ruas costumam sobrepor-se às dos mestres, doutos ou acadêmicos. Refletem o sentimento popular que raríssimas vezes surge na contramão. Valeria à pena que não fosse desconsiderado esse momento, no palácio do Planalto. A opinião pública insurgiu-se contra o governo, como as mais recentes pesquisas de opinião vem demonstrando.

O recém nomeado ministro da Comunicação Social acaba de anunciar novos propósitos a desenvolver, entre eles o de integrar o poder público com os anseios da população. Seria bom que tivesse mobilizado suas câmeras e seus observadores para elaborar conclusões deste Sábado de Aleluia. O Judas, agora, tem nome e número no catálogo telefônico.

Anões políticos

Uma crise gigante gerida por anões políticos – eis em síntese a encrenca em que está metido o país. O PT, partido que se quer hegemônico, não dispõe de um só quadro, dentro ou fora do Congresso, capaz não apenas de enfrentar a crise, mas, sobretudo, de compreendê-la. Seus nomes do passado lá ficaram.

Lula e José Dirceu, seus expoentes, envolveram-se com o Código Penal e são incapazes não apenas de convencer, mas até mesmo de falar ao público. Lula atém-se a ambientes fechados e impermeáveis ao contraditório, enquanto José Dirceu é refém de advogados criminalistas. O PT mergulhou em profundo autismo.

No Congresso, o ambiente é lastimável. Ter como líder na Câmara alguém da estatura intelectual de Sibá Machado (AC), cujas relações com a lógica e o verbo atormentam taquígrafos, repórteres e colegas de ofício, resume a ópera. Diante de Sibá, Dilma tem a eloquência de um Cícero ou Vieira.

E há ainda figuras patéticas como a deputada gaúcha Maria do Rosário, que chega ao requinte de divergir de si mesma, poupando a oposição de fazê-lo. Ao que parece, não se percebe.

Opõe-se, por exemplo, à redução da maioridade penal para 16 anos, alegando que “cadeia não conserta ninguém”, ao mesmo tempo em que se empenha em agravar delitos (isto é, propor mais cadeia) para temas de sua cartilha do politicamente correto, como homofobia, feminismo e outros.

O que se deduz é que tem duas concepções de cadeia: a regenerativa e a vingativa. A primeira, quando se trata dos seus, é ineficaz e deve ser evitada, mas a segunda, destinada a seus adversários, não: deve ser intensificada. Crime, para ela – e nisso exprime o próprio PT -, não é questão moral, mas ideológica.

No entorno da presidente, há nada menos que nove articuladores políticos - e nenhum articula nada. O espetáculo patético dos dois ministros – Miguel Rosseto (da Secretaria Geral da Presidência) e José Eduardo Cardozo (da Justiça) -, escalados para falar da manifestação do dia 15 de março, não merecia sequer o panelaço com que foram brindados.

Um disse uma coisa e outro o seu contrário. Rosseto viu as passeatas como coisa dos eleitores de Aécio e da elite branca (da qual, aliás, a exemplo do comando de seu partido, faz parte), o que as tornaria banais.

Cardozo captou-lhes a gravidade, embora não saiba como lidar com elas. A má fé cínica e a obtusidade córnea de ambos (para citar a expressão de Eça de Queiroz) sugere que se poupem panelas e protestos. Não merecem sequer vaia.

Em tal contexto, não espanta que um tecnocrata, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afeito à ditadura das planilhas e dos números, desponte como único interlocutor político disponível junto ao Congresso. Na ausência de um negociador dentro do governo, foi pessoalmente conversar com os senadores sobre o ajuste fiscal.

Não lhe pareceram à altura da missão nomes como o já mencionado Sibá Machado ou Pepe Vargas (ministro das Relações Institucionais) ou o senador pernambucano Humberto Costa (líder naquela casa), entre outras eminências partidárias disponíveis.

O PT se opõe ao ajuste antes de mais nada porque não o compreende, assim como não compreende a crise que ele próprio fabricou. Se não a percebe, como vencê-la? Lula diz aos quatro ventos que a crise tem nome: Dilma. Nesse caso, tem também autor: Lula, que a inventou e a entronizou na Presidência.

Não bastasse, há os escândalos que não param de vir à tona – na Petrobras, na Receita, no BNDES, em toda parte. A reação do partido, na falta de argumentos, não muda: evoca a conduta de adversários no passado, na tentativa de banalizar o que fez.

É como se um homicida, flagrado, evocasse Caim para dizer que assassinato é coisa antiga e que não foi inventado por ele. A corrupção do passado – a tal “senhora idosa” a que se referiu a presidente - não absolve nem atenua a do presente. Mais: se o partido a conhece tão bem – e não hesita em atribuí-la também aos tucanos -, por que não a puniu nestes 13 anos de mandato?

A omissão, se efetiva, acresce aos delitos do presente mais um: o crime de prevaricação.

Tais contradições escapam ao tirocínio médio dos petistas incumbidos de gerir a crise. O nanismo mental não as enxerga, o que não impede que prosperem e agravem o quadro.

O resultado está parcialmente expresso nas pesquisas de opinião e nas multidões nas ruas. A propósito, a manifestação popular convocada pelo presidente do PT, Rui Falcão, para o dia 31 de março – e reverberada por Lula -, em defesa da Petrobras e contra o golpe militar de 51 anos atrás, simplesmente não aconteceu. O PT perdeu não apenas o juízo, mas também o povo.