sábado, 10 de setembro de 2022
Reconstruir o país pelo equilíbrio
O aspecto que chama mais a atenção na comemoração dos 200 anos de Independência é a falta de uma celebração coletiva e plural da sociedade brasileira. O que sobrou são poucos festejos oficiais, sendo que Bolsonaro fez pior do que a ditadura militar: usa os recursos do Estado para dividir a nação e fazer campanha personalista em prol de sua reeleição.
A questão é que o sectarismo bolsonarista impede a reflexão sobre a trajetória passada e recente do país, destrói as instituições e enfraquece o sentimento de pertencimento nacional. Para sair dessa enrascada, o Brasil só vai ter um futuro melhor se incorporar mais grupos em sua governança, estabelecendo diálogo entre eles e criando um novo equilíbrio político.
Sair da situação sectária e sem diálogo em que estamos é fundamental para reconstruirmos as instituições políticas e as políticas públicas atingidas por Bolsonaro. Há uma longa lista de tarefas. Em primeiro lugar, setores governamentais foram, em maior ou menor grau, desmontados.
Esses são os casos do Sistema Único de Saúde (SUS), da política educacional, da longa tradição diplomática, da burocracia e da legislação ambientais, da área de cultura, da proteção das comunidades indígenas, dos serviços e programas de assistência social, dos programas habitacionais, do embrionário modelo do Sistema Único de Segurança Pública e das ações no campo dos direitos humanos. Quase todo o Estado brasileiro sofreu um processo de deterioração institucional.
Em cada uma dessas políticas públicas será necessário apaziguar o conflito gerado pelo bolsonarismo, retomar o diálogo com os atores estratégicos, trazer de volta o que havia de bom e corrigir o que precisa se adequar às novas demandas do século XXI. De todo modo, o objetivo é sair da lógica das guerras culturais e estruturar os programas governamentais de forma profissional, baseando-se em evidências e no expertise de técnicos governamentais e especialistas que trabalham há anos com o assunto.
Isso não quer dizer que as políticas públicas sejam marcadas apenas por consensos. Há divergências e um leque de alternativas para resolver problemas públicos relevantes. Por esta razão será necessário reconstruir o Estado por meio do diálogo e adotando como mantra a noção de equilíbrio, que significa aqui fazer mudanças incrementais que não levem a um jogo de soma-zero no qual o “vencedor leva tudo”.
A reconstrução do país passa também pela recuperação de instituições fundamentais à democracia brasileira. O federalismo foi uma das estruturas centrais do Estado brasileiro mais atingidas pelo autoritarismo bolsonarista. É preciso voltar a um modelo intergovernamental mais cooperativo, com diálogo, atuação conjunta e respeito às autonomias subnacionais. Alianças com governadores e prefeitos vão ser fundamentais para colocar novamente nos trilhos e aperfeiçoar as políticas de saúde, assistência, educação e meio ambiente.
Ademais, é fundamental que haja contrapontos ao governo federal, pois a Federação é um dos contrapesos democráticos da República, de maneira que o presidente deverá procurar um equilíbrio federativo frente às visões e posições regionais.
Trazer de volta a independência do comando do Ministério Público Federal é outra tarefa fundamental para o próximo quadriênio. Se é verdade que o MPF cometeu alguns abusos nos últimos anos, mais fortemente na gestão de Rodrigo Janot, e que existem ações corporativas da instituição que precisam ter maior accountability, também é correto dizer que não é possível que o Procurador Geral da República seja um advogado de defesa do presidente - para isso já há a AGU. Novamente a palavra de ordem é equilíbrio, com o concomitante fortalecimento do controle e da responsabilidade.
As relações do Executivo com o Supremo Tribunal Federal nunca estiveram tão deterioradas. Obviamente que o modelo decisório do STF precisa ser aperfeiçoado, aumentando a quantidade e a celeridade das decisões colegiadas, dando mais segurança jurídica e protegendo os próprios ministros da crítica mais destemperada sobre suas decisões.
Independentemente disso, a afronta autoritária de Bolsonaro contra a Justiça é perigosíssima e deixou um legado maldito: há hoje mais apoio no Congresso para se aprovar uma emenda constitucional que aumenta o número de ministros de 11 para 15 vagas. Essa ampliação seria a antessala para um regime mais autocrático caso haja a reeleição. E mesmo se outra candidatura for vencedora, uma alteração dessa magnitude é uma distorção institucional. A sociedade tem de se posicionar contra essa medida.
O presidencialismo de coalizão é mais um dos abatidos pelas ações bolsonaristas. Num primeiro momento, o presidente não quis fazer nenhuma negociação contra o Congresso Nacional, adotando uma visão antipolítica (e autoritária) quase ingênua, que se transformou em ilusão quando percebeu que sofreria um impeachment se não tivesse apoio parlamentar. Daí em diante, Bolsonaro fez um pacto macabro com o Centrão baseado em dois elementos perversos para a vida republicana do país.
O primeiro foi a entrega de uma quantia inédita de recursos diretos aos parlamentares via emendas, parte delas referentes ao Orçamento secreto, cujo valor é de quase R$ 20 bilhões ao ano. O resultado disso foi, de um lado, a destruição institucional do relacionamento entre essas verbas e as políticas públicas, uma vez que uma enorme quantidade de dinheiro foi extremamente pulverizada e passa por fora dos programas governamentais estruturados nacionalmente, tornando mais irracional o gasto público. Além disso, por outro lado, a transparência governamental das despesas foi fortemente reduzida, fazendo com que muitos prefeitos digam que nunca houve tanta corrupção em transferências federais como há agora com o Orçamento secreto.
Para evitar o impeachment, Bolsonaro foi parceiro no aumento de poder de agenda do presidente da Câmara. Arthur Lira está atropelando os ritos legislativos mais do que Eduardo Cunha tinha feito, o que parecia algo impossível de ocorrer. Claro que esse poderio serve a ambos: Lira aprova o que quer para criar aliados de longo prazo, enquanto adicionalmente passa medidas que interessam ao Executivo, a fim de garantir a reeleição do presidente e dos parlamentares aliados. Foi dessa maneira que emenda constitucional foi aprovada em duas semanas, que o princípio republicano sobre medidas que podem ser feitas pelo governo num período eleitoral foi dinamitado. Esta é a segunda forma bolsonarista de implodir as bases democráticas do presidencialismo de coalizão: transformar o jogo legislativo num atropelo de normas básicas republicanas.
O Brasil tende a sair muito dividido dessas eleições gerais. A Câmara Federal provavelmente terá uma composição majoritária de centro-direita, mas com maior peso da centro-esquerda do que na legislatura atual e com alguns partidos centristas dispostos a negociar para contrabalançar o poder do Centrão comandado por Arthur Lira. Não haverá nenhum presidente eleito com maioria imediata no Senado e aqui a negociação será ainda mais complexa.
No plano federativo, se um dos líderes da pesquisa vencer as eleições, seja Lula ou Bolsonaro, ele terá entre 12 e 15 governos estaduais eleitos por sua “oposição”. Seguir no roteiro bolsonarista de confrontar os estados - e muitas capitais - deverá produzir uma enorme dificuldade de governar o país.
O vencedor da eleição presidencial, quem quer que seja, terá uma sociedade extremamente dividida para governar. Não conseguirá melhorar a situação do país falando apenas para os seus eleitores. No caso dos líderes das pesquisas, ambos teriam governos muito atribulados se optarem pela sectarismo.
Seguindo esta linha, Bolsonaro seria candidato a repetir o que ocorreu com Dilma no segundo mandato, pois o Centrão atual (PP, PL e Republicanos) está preocupado em dominar as eleições municipais de 2024, e não segurará um presidente impopular e radical. Já Lula, se não ampliar rapidamente os apoios em direção ao centro e negociar sua agenda com vários grupos sociais, poderia ser vítima da instalação do semipresidencialismo.
A política do equilíbrio é a única forma de o novo presidente reconstruir o país depois do vendaval destruidor do atual período bolsonarista. Um bom exemplo inspirador para melhorar a governança do Brasil é o livro “A democracia equilibrista”, de Pedro Abramovay e Gabriela Lotta (Companhia das Letras). Nele, os autores mostram como o sucesso das políticas públicas depende muito da combinação entre os ditames da política e a visão dos especialistas. Ao combinar essas duas lógicas, os casos analisados pelo texto revelam como é preciso conciliar a legitimidade do voto e a da técnica, gerando diálogo e construção de consensos entre políticos e burocratas.
O argumento do livro segue tão bem a lógica da necessidade do equilíbrio que os prefaciadores são os ex-presidentes Fernando Henrique e Lula, que tanto competiram eleitoralmente. Se dois adversários podem concordar com o valor da compatibilização de posições diferentes, é porque chegou a hora de o país exigir do próximo governo temperança, parcimônia e muito diálogo. Fora desse esquadro, caminharemos para um novo século independente sem aprender com os fracassos mais recentes da nossa história.
A questão é que o sectarismo bolsonarista impede a reflexão sobre a trajetória passada e recente do país, destrói as instituições e enfraquece o sentimento de pertencimento nacional. Para sair dessa enrascada, o Brasil só vai ter um futuro melhor se incorporar mais grupos em sua governança, estabelecendo diálogo entre eles e criando um novo equilíbrio político.
Sair da situação sectária e sem diálogo em que estamos é fundamental para reconstruirmos as instituições políticas e as políticas públicas atingidas por Bolsonaro. Há uma longa lista de tarefas. Em primeiro lugar, setores governamentais foram, em maior ou menor grau, desmontados.
Esses são os casos do Sistema Único de Saúde (SUS), da política educacional, da longa tradição diplomática, da burocracia e da legislação ambientais, da área de cultura, da proteção das comunidades indígenas, dos serviços e programas de assistência social, dos programas habitacionais, do embrionário modelo do Sistema Único de Segurança Pública e das ações no campo dos direitos humanos. Quase todo o Estado brasileiro sofreu um processo de deterioração institucional.
Em cada uma dessas políticas públicas será necessário apaziguar o conflito gerado pelo bolsonarismo, retomar o diálogo com os atores estratégicos, trazer de volta o que havia de bom e corrigir o que precisa se adequar às novas demandas do século XXI. De todo modo, o objetivo é sair da lógica das guerras culturais e estruturar os programas governamentais de forma profissional, baseando-se em evidências e no expertise de técnicos governamentais e especialistas que trabalham há anos com o assunto.
Isso não quer dizer que as políticas públicas sejam marcadas apenas por consensos. Há divergências e um leque de alternativas para resolver problemas públicos relevantes. Por esta razão será necessário reconstruir o Estado por meio do diálogo e adotando como mantra a noção de equilíbrio, que significa aqui fazer mudanças incrementais que não levem a um jogo de soma-zero no qual o “vencedor leva tudo”.
A reconstrução do país passa também pela recuperação de instituições fundamentais à democracia brasileira. O federalismo foi uma das estruturas centrais do Estado brasileiro mais atingidas pelo autoritarismo bolsonarista. É preciso voltar a um modelo intergovernamental mais cooperativo, com diálogo, atuação conjunta e respeito às autonomias subnacionais. Alianças com governadores e prefeitos vão ser fundamentais para colocar novamente nos trilhos e aperfeiçoar as políticas de saúde, assistência, educação e meio ambiente.
Ademais, é fundamental que haja contrapontos ao governo federal, pois a Federação é um dos contrapesos democráticos da República, de maneira que o presidente deverá procurar um equilíbrio federativo frente às visões e posições regionais.
Trazer de volta a independência do comando do Ministério Público Federal é outra tarefa fundamental para o próximo quadriênio. Se é verdade que o MPF cometeu alguns abusos nos últimos anos, mais fortemente na gestão de Rodrigo Janot, e que existem ações corporativas da instituição que precisam ter maior accountability, também é correto dizer que não é possível que o Procurador Geral da República seja um advogado de defesa do presidente - para isso já há a AGU. Novamente a palavra de ordem é equilíbrio, com o concomitante fortalecimento do controle e da responsabilidade.
As relações do Executivo com o Supremo Tribunal Federal nunca estiveram tão deterioradas. Obviamente que o modelo decisório do STF precisa ser aperfeiçoado, aumentando a quantidade e a celeridade das decisões colegiadas, dando mais segurança jurídica e protegendo os próprios ministros da crítica mais destemperada sobre suas decisões.
Independentemente disso, a afronta autoritária de Bolsonaro contra a Justiça é perigosíssima e deixou um legado maldito: há hoje mais apoio no Congresso para se aprovar uma emenda constitucional que aumenta o número de ministros de 11 para 15 vagas. Essa ampliação seria a antessala para um regime mais autocrático caso haja a reeleição. E mesmo se outra candidatura for vencedora, uma alteração dessa magnitude é uma distorção institucional. A sociedade tem de se posicionar contra essa medida.
O presidencialismo de coalizão é mais um dos abatidos pelas ações bolsonaristas. Num primeiro momento, o presidente não quis fazer nenhuma negociação contra o Congresso Nacional, adotando uma visão antipolítica (e autoritária) quase ingênua, que se transformou em ilusão quando percebeu que sofreria um impeachment se não tivesse apoio parlamentar. Daí em diante, Bolsonaro fez um pacto macabro com o Centrão baseado em dois elementos perversos para a vida republicana do país.
O primeiro foi a entrega de uma quantia inédita de recursos diretos aos parlamentares via emendas, parte delas referentes ao Orçamento secreto, cujo valor é de quase R$ 20 bilhões ao ano. O resultado disso foi, de um lado, a destruição institucional do relacionamento entre essas verbas e as políticas públicas, uma vez que uma enorme quantidade de dinheiro foi extremamente pulverizada e passa por fora dos programas governamentais estruturados nacionalmente, tornando mais irracional o gasto público. Além disso, por outro lado, a transparência governamental das despesas foi fortemente reduzida, fazendo com que muitos prefeitos digam que nunca houve tanta corrupção em transferências federais como há agora com o Orçamento secreto.
Para evitar o impeachment, Bolsonaro foi parceiro no aumento de poder de agenda do presidente da Câmara. Arthur Lira está atropelando os ritos legislativos mais do que Eduardo Cunha tinha feito, o que parecia algo impossível de ocorrer. Claro que esse poderio serve a ambos: Lira aprova o que quer para criar aliados de longo prazo, enquanto adicionalmente passa medidas que interessam ao Executivo, a fim de garantir a reeleição do presidente e dos parlamentares aliados. Foi dessa maneira que emenda constitucional foi aprovada em duas semanas, que o princípio republicano sobre medidas que podem ser feitas pelo governo num período eleitoral foi dinamitado. Esta é a segunda forma bolsonarista de implodir as bases democráticas do presidencialismo de coalizão: transformar o jogo legislativo num atropelo de normas básicas republicanas.
O Brasil tende a sair muito dividido dessas eleições gerais. A Câmara Federal provavelmente terá uma composição majoritária de centro-direita, mas com maior peso da centro-esquerda do que na legislatura atual e com alguns partidos centristas dispostos a negociar para contrabalançar o poder do Centrão comandado por Arthur Lira. Não haverá nenhum presidente eleito com maioria imediata no Senado e aqui a negociação será ainda mais complexa.
No plano federativo, se um dos líderes da pesquisa vencer as eleições, seja Lula ou Bolsonaro, ele terá entre 12 e 15 governos estaduais eleitos por sua “oposição”. Seguir no roteiro bolsonarista de confrontar os estados - e muitas capitais - deverá produzir uma enorme dificuldade de governar o país.
O vencedor da eleição presidencial, quem quer que seja, terá uma sociedade extremamente dividida para governar. Não conseguirá melhorar a situação do país falando apenas para os seus eleitores. No caso dos líderes das pesquisas, ambos teriam governos muito atribulados se optarem pela sectarismo.
Seguindo esta linha, Bolsonaro seria candidato a repetir o que ocorreu com Dilma no segundo mandato, pois o Centrão atual (PP, PL e Republicanos) está preocupado em dominar as eleições municipais de 2024, e não segurará um presidente impopular e radical. Já Lula, se não ampliar rapidamente os apoios em direção ao centro e negociar sua agenda com vários grupos sociais, poderia ser vítima da instalação do semipresidencialismo.
A política do equilíbrio é a única forma de o novo presidente reconstruir o país depois do vendaval destruidor do atual período bolsonarista. Um bom exemplo inspirador para melhorar a governança do Brasil é o livro “A democracia equilibrista”, de Pedro Abramovay e Gabriela Lotta (Companhia das Letras). Nele, os autores mostram como o sucesso das políticas públicas depende muito da combinação entre os ditames da política e a visão dos especialistas. Ao combinar essas duas lógicas, os casos analisados pelo texto revelam como é preciso conciliar a legitimidade do voto e a da técnica, gerando diálogo e construção de consensos entre políticos e burocratas.
O argumento do livro segue tão bem a lógica da necessidade do equilíbrio que os prefaciadores são os ex-presidentes Fernando Henrique e Lula, que tanto competiram eleitoralmente. Se dois adversários podem concordar com o valor da compatibilização de posições diferentes, é porque chegou a hora de o país exigir do próximo governo temperança, parcimônia e muito diálogo. Fora desse esquadro, caminharemos para um novo século independente sem aprender com os fracassos mais recentes da nossa história.
Álibis políticos da corrupção
O destino político do Brasil tem sido hipocritamente decidido pelo retorno cíclico da suposta honestidade de alguns contra a suposta corrupção de outros. Em havido, até, governantes eleitos na presunção autoproclamada de que são honestos, de uma imaculada honestidade que salvará o país da suposta roubalheira dos demais. Corrupto é sempre o outro. Temos até corruptos bentos. Ninguém explica, porém, que corrupção é essa nem que honestidade é essa. E políticos provavelmente íntegros e melhores têm deixado de ser candidatos e até de ser eleitos porque não conseguem provar e convencer que não são desonestos. Coisas de um país do avesso.
Para entender esse país anômalo, cada vez mais rico e mais pobre ao mesmo tempo, cujas irracionalidades econômicas, sociais e políticas são produzidas, apoiadas e estimuladas pelo próprio governo, é preciso compreender sua estranha e persistente formação.
Sua base histórica é o município. Desde os primeiros anos da Conquista, tornou-se ele a base da estrutura política brasileira e fundamento da superestrutura da administração pública, mesmo quando ela se desdobrou nos poderes das províncias, dos estados e da nação. Criou uma cultura política.
No início, o rei, isto é, o Estado, que nada tinha, concedia terras de seu domínio e privilégios à pequena casta dos “homens bons”, os puros de sangue e de fé, sua qualidade. Eles tinham a obrigação de cristianizar o gentio em troca de seu trabalho, os chamados índios administrados. Em troca de nada obtinham trabalho criador de riqueza.
O serviço da Conquista era remunerado com o direito de saquear os nativos e a natureza, tudo juridicamente regulamentado. Saquear o outro, os sem qualidade social, e ter a terra era um direito de conquista, legitimado simbolicamente pelo rei em troca de tributos porque tinha ele, da terra, o senhorio.
A acumulação de bens originários dessa situação alterou as condições sociais, econômicas e políticas da formação brasileira. Deu origem ao nosso subcapitalismo, que nunca chega a ser capitalismo propriamente dito.
No entanto, a forma arcaica e anticapitalista de reproduzir essa estrutura persistiu porque esse sistema criou a legitimidade das diferentes modalidades de saque. Saquear o que é bem público, como a terra, tornou-se um direito. Não é estranho que a criminalidade fundiária persista como fator anômalo de acumulação não capitalista de capital.
Não é acidental que ainda persista o trabalho escravo no Brasil e persistam formas antissociais de sobre-exploração do trabalho, no trabalho doméstico, no mundo rural e até na indústria. E que persista a grilagem de terras públicas que deveriam ser destinadas a um programa de reforma agrária e de desenvolvimento do agronegócio familiar.
Sobretudo que persista a invasão das terras indígenas, o comprometimento das condições de vida dos povos originários que, em consequência, redunda em genocídio continuado. Tudo isso é corrupção. A Constituição e as leis nos dizem isso.
É verdade que o conceito de corrupção nunca foi empregado para designar os diferentes e sucessivos atos desse processo, ao longo de nossa história, ou para designar seus autores como corruptos. Porque essa era a naturalidade dos fatos.
Os beneficiários do saque prestavam um serviço à Coroa, e muitos ainda acham que o prestam ao Estado ao desmatar e se apropriar da madeira, escravizar trabalhadores para abrir novas fazendas, sonegar impostos para aumentar sua taxa de lucro, “limpar” de índios as terras indígenas. Muitos corruptos de hoje ainda acham que prestam um serviço ao desenvolvimento do capitalismo.
Essa imensa subversão fundamenta a atrasada concepção de política praticada por políticos. Apoia-se nas duplicidades próprias da cultura política brasileira. Uma coisa é o que vem a ser corrupção para os políticos e a disputa eleitoral. O que pode ser visto e compreendido pelo povo e fica oculto no jogo de palavras e nos ardis da linguagem da dominação política.
Outra coisa é o que vem a ser corrupção na concepção do povo e do eleitorado. A corrupção dos políticos que eventualmente se possa a eles atribuir tem códigos e tradições próprias. É ela um sistema, um crime no centro de crimes conexos.
O que o homem comum tem dificuldade para perceber é que em países como o Brasil há ladrões honestos, isto é, os que são corruptos nos procedimentos que redundam em seu enriquecimento pessoal, de família ou de grupo de interesse econômico e político.
No geral, o corrupto é tão virtuosamente corrupto que cria, até cientifica e tecnicamente, o álibi de sua corrupção, a máscara de honesto e santo de que carece para fazer com que sua corrupção pareça o contrário do que é.
Para entender esse país anômalo, cada vez mais rico e mais pobre ao mesmo tempo, cujas irracionalidades econômicas, sociais e políticas são produzidas, apoiadas e estimuladas pelo próprio governo, é preciso compreender sua estranha e persistente formação.
Sua base histórica é o município. Desde os primeiros anos da Conquista, tornou-se ele a base da estrutura política brasileira e fundamento da superestrutura da administração pública, mesmo quando ela se desdobrou nos poderes das províncias, dos estados e da nação. Criou uma cultura política.
No início, o rei, isto é, o Estado, que nada tinha, concedia terras de seu domínio e privilégios à pequena casta dos “homens bons”, os puros de sangue e de fé, sua qualidade. Eles tinham a obrigação de cristianizar o gentio em troca de seu trabalho, os chamados índios administrados. Em troca de nada obtinham trabalho criador de riqueza.
O serviço da Conquista era remunerado com o direito de saquear os nativos e a natureza, tudo juridicamente regulamentado. Saquear o outro, os sem qualidade social, e ter a terra era um direito de conquista, legitimado simbolicamente pelo rei em troca de tributos porque tinha ele, da terra, o senhorio.
A acumulação de bens originários dessa situação alterou as condições sociais, econômicas e políticas da formação brasileira. Deu origem ao nosso subcapitalismo, que nunca chega a ser capitalismo propriamente dito.
No entanto, a forma arcaica e anticapitalista de reproduzir essa estrutura persistiu porque esse sistema criou a legitimidade das diferentes modalidades de saque. Saquear o que é bem público, como a terra, tornou-se um direito. Não é estranho que a criminalidade fundiária persista como fator anômalo de acumulação não capitalista de capital.
Não é acidental que ainda persista o trabalho escravo no Brasil e persistam formas antissociais de sobre-exploração do trabalho, no trabalho doméstico, no mundo rural e até na indústria. E que persista a grilagem de terras públicas que deveriam ser destinadas a um programa de reforma agrária e de desenvolvimento do agronegócio familiar.
Sobretudo que persista a invasão das terras indígenas, o comprometimento das condições de vida dos povos originários que, em consequência, redunda em genocídio continuado. Tudo isso é corrupção. A Constituição e as leis nos dizem isso.
É verdade que o conceito de corrupção nunca foi empregado para designar os diferentes e sucessivos atos desse processo, ao longo de nossa história, ou para designar seus autores como corruptos. Porque essa era a naturalidade dos fatos.
Os beneficiários do saque prestavam um serviço à Coroa, e muitos ainda acham que o prestam ao Estado ao desmatar e se apropriar da madeira, escravizar trabalhadores para abrir novas fazendas, sonegar impostos para aumentar sua taxa de lucro, “limpar” de índios as terras indígenas. Muitos corruptos de hoje ainda acham que prestam um serviço ao desenvolvimento do capitalismo.
Essa imensa subversão fundamenta a atrasada concepção de política praticada por políticos. Apoia-se nas duplicidades próprias da cultura política brasileira. Uma coisa é o que vem a ser corrupção para os políticos e a disputa eleitoral. O que pode ser visto e compreendido pelo povo e fica oculto no jogo de palavras e nos ardis da linguagem da dominação política.
Outra coisa é o que vem a ser corrupção na concepção do povo e do eleitorado. A corrupção dos políticos que eventualmente se possa a eles atribuir tem códigos e tradições próprias. É ela um sistema, um crime no centro de crimes conexos.
O que o homem comum tem dificuldade para perceber é que em países como o Brasil há ladrões honestos, isto é, os que são corruptos nos procedimentos que redundam em seu enriquecimento pessoal, de família ou de grupo de interesse econômico e político.
No geral, o corrupto é tão virtuosamente corrupto que cria, até cientifica e tecnicamente, o álibi de sua corrupção, a máscara de honesto e santo de que carece para fazer com que sua corrupção pareça o contrário do que é.
Bondade passageira
Temos uma bondade frívola, distraída, relapsa. Fazendo as contas, somos bons, por dia, de quinze a vinte minutosNelson Rodrigues
O que ainda resta a um presidente fraco?
Duzentos anos da Independência do Brasil: momento singular e excepcional para qualquer estadista à frente da festa pretensamente cívica.
Mas, longe disso, o que se viu foi o presidente converter a celebração em atos eleitorais, aos sons e gritos do que lhe restou de apoiadores. Obviamente, o presidente-candidato cruzou várias linhas nas comemorações do 7 de Setembro. Recorreu, abusivamente, a recursos públicos para fazer campanha e demonstrar força política na sua cruzada pela reeleição.
Não surpreende. O presidente nunca compreendeu o sentido da posição que ocupa e o decoro que ela exige. Vê o seu lugar na política sob uma lógica expropriatória, como foi ao longo da sua carreira parlamentar e desde o seu primeiro dia na Presidência. "Passar a boiada", "não sou coveiro", "comprem suas armas! Isso também está na Bíblia...", "não vou cumprir (decisão do STF)" foram manifestações emblemáticas dessa lógica desapropriadora da coalizão no governo
Logo, o 7 de Setembro e os abusos do chefe do Executivo não são obra de um candidato débil, mas de um presidente fraco. Mas esse não é um lugar que o presidencialismo, em geral, reserva aos seus líderes. Com todos os poderes institucionais que conta, o presidente no Brasil é capaz de forjar escolhas que o tornem ator pivotal no governo e na sucessão presidencial.
Não foi o que vimos ao longo dos últimos três anos e meio. Bolsonaro fechou porta atrás de porta desde 2019. Desperdiçou a lua-de-mel com o Congresso, só viu na pandemia a oportunidade de radicalizar sua retórica contra instituições e atores políticos e, presidente minoritário, preferiu uma espiral de mudanças ministeriais que, longe de ampliar a sua coalizão política, o fez retornar às suas origens, a "velha política".
O Bolsonaro que chegou ao palanque em 7 de setembro deste ano é o presidente que se construiu fraco ao longo do mandato. Não é, certamente, um pato manco, expressão reservada aos presidentes que se mostram irrelevantes nas disputas, a despeito da posição institucional e dos poderes do cargo. A resiliente segunda posição de Bolsonaro ao longo dessa campanha, com 31% das intenções a um mês do pleito, segundo pesquisa do Ipec, sinaliza competitividade eleitoral. Mas a rejeição do candidato Bolsonaro entre quase metade dos eleitores (49%), mesmo após a ostensiva política distributiva para fins eleitorais,viabilizada pela Emenda Constitucional 123, dá a estatura da fragilidade do presidente.
Uma fragilidade que nos ajuda a entender não só o que foram os palanques do 7 de Setembro, mas também a dinâmica da disputa presidencial em curso. A estabilidade das intenções de voto já é a marca desta eleição. É inegável que esse resultado tem o mérito de Bolsonaro.
A estabilidade do quadro eleitoral cristaliza uma coalizão de veto ao presidente e ao seu governo que, democraticamente, espera as urnas para mostrar a sua força. Esse tipo de coalizão tem se tornado mais frequente em contextos de crises em camada, como a que marca o Brasil nos últimos anos. Talvez seja este o desafio desses tempos: entender como essas coalizões que se formam não em favor de algo, mas contra o que se entende por indesejável, realizam o potencial da democracia.
Mas, longe disso, o que se viu foi o presidente converter a celebração em atos eleitorais, aos sons e gritos do que lhe restou de apoiadores. Obviamente, o presidente-candidato cruzou várias linhas nas comemorações do 7 de Setembro. Recorreu, abusivamente, a recursos públicos para fazer campanha e demonstrar força política na sua cruzada pela reeleição.
Não surpreende. O presidente nunca compreendeu o sentido da posição que ocupa e o decoro que ela exige. Vê o seu lugar na política sob uma lógica expropriatória, como foi ao longo da sua carreira parlamentar e desde o seu primeiro dia na Presidência. "Passar a boiada", "não sou coveiro", "comprem suas armas! Isso também está na Bíblia...", "não vou cumprir (decisão do STF)" foram manifestações emblemáticas dessa lógica desapropriadora da coalizão no governo
Logo, o 7 de Setembro e os abusos do chefe do Executivo não são obra de um candidato débil, mas de um presidente fraco. Mas esse não é um lugar que o presidencialismo, em geral, reserva aos seus líderes. Com todos os poderes institucionais que conta, o presidente no Brasil é capaz de forjar escolhas que o tornem ator pivotal no governo e na sucessão presidencial.
Não foi o que vimos ao longo dos últimos três anos e meio. Bolsonaro fechou porta atrás de porta desde 2019. Desperdiçou a lua-de-mel com o Congresso, só viu na pandemia a oportunidade de radicalizar sua retórica contra instituições e atores políticos e, presidente minoritário, preferiu uma espiral de mudanças ministeriais que, longe de ampliar a sua coalizão política, o fez retornar às suas origens, a "velha política".
O Bolsonaro que chegou ao palanque em 7 de setembro deste ano é o presidente que se construiu fraco ao longo do mandato. Não é, certamente, um pato manco, expressão reservada aos presidentes que se mostram irrelevantes nas disputas, a despeito da posição institucional e dos poderes do cargo. A resiliente segunda posição de Bolsonaro ao longo dessa campanha, com 31% das intenções a um mês do pleito, segundo pesquisa do Ipec, sinaliza competitividade eleitoral. Mas a rejeição do candidato Bolsonaro entre quase metade dos eleitores (49%), mesmo após a ostensiva política distributiva para fins eleitorais,viabilizada pela Emenda Constitucional 123, dá a estatura da fragilidade do presidente.
Uma fragilidade que nos ajuda a entender não só o que foram os palanques do 7 de Setembro, mas também a dinâmica da disputa presidencial em curso. A estabilidade das intenções de voto já é a marca desta eleição. É inegável que esse resultado tem o mérito de Bolsonaro.
A estabilidade do quadro eleitoral cristaliza uma coalizão de veto ao presidente e ao seu governo que, democraticamente, espera as urnas para mostrar a sua força. Esse tipo de coalizão tem se tornado mais frequente em contextos de crises em camada, como a que marca o Brasil nos últimos anos. Talvez seja este o desafio desses tempos: entender como essas coalizões que se formam não em favor de algo, mas contra o que se entende por indesejável, realizam o potencial da democracia.
O silêncio cúmplice de Bolsonaro sobre mais um crime político
Por que Jair Bolsonaro foi o único candidato a presidente que não falou nada até agora sobre o bárbaro assassinato no Mato Grosso de um trabalhador petista por outro bolsonarista?
Por que o assassinato seria plenamente justificável? Por que se trata da luta “do bem contra o mal”, como ele diz? Por que o direito à vida é só para os que concordam com ele ou se resignam?
Na noite da última quarta-feira, em uma chácara do município de Confresa, interior do Mato Grosso, Rafael de Oliveira, 22 anos, desentendeu-se com Benedito Cardoso dos Santos, de 44 anos.
Rafael é bolsonarista, Benedito era petista. Cada um defendia seu candidato. Rafael exaltou-se, puxou uma faca e atingiu Benedito nas costas, nos olhos, na testa e no pescoço.
Com a primeira facada, Benedito caiu no chão. A partir daí, Rafael aplicou-lhe 15 facadas, todas no rosto. Não satisfeito, usou um machado para tentar decapitá-lo. Depois, fez um vídeo do corpo.
Foi preso e confessou o crime, mais um a chocar o país desde do início da campanha eleitoral. Bolsonaro silenciou. Ou melhor: em comício no Tocantins, chamou os petistas de “praga”:
“Essa praga sempre está contra a população. Esse pessoal só gera desgraça para o povo. Com a nossa reeleição, varreremos para o lixo da história esse partido dito dos trabalhadores, que na verdade é composto por desocupados”.
“Não podemos errar, sabemos que é uma luta do bem contra o mal. O lado de lá quer o comunismo, quer desarmar o povo de bem, quer a ideologia de gênero, quer liberar as drogas, quer legalizar o aborto e não respeita a propriedade privada”.
No comício-militar de 7 de setembro, na praia de Copacabana, Bolsonaro referiu-se a Lula como “o quadrilheiro dos nove dedos” e afirmou que é preciso “extirpar essa gente”.
Em julho último, o guarda municipal Jorge da Rocha Guaranho, bolsonarista, invadiu a festa de aniversário do tesoureiro do PT em Foz de Iguaçu, Marcelo Arruda, e matou-o a tiros.
Na manhã do dia seguinte, em conversa com devotos no cercadinho do Palácio da Alvorada, Bolsonaro definiu o crime como “uma briga entre duas pessoas”. Os dois não se conheciam.
“Vocês viram o que aconteceu ontem, né? Uma briga de duas pessoas lá em Foz do Iguaçu. ‘Bolsonarista não sei lá o que’. Agora, ninguém fala que o Adélio (Bispo) é filiado ao PSOL, né?”
Adélio foi quem esfaqueou Bolsonaro em Juiz de Fora no dia 6 de setembro de 2018. A justiça concluiu que ele agiu sozinho e que sofre de transtorno mental. Está preso até hoje em um manicômio.
O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, pronunciou-se na mesma linha de Bolsonaro sobre o assassinato do tesoureiro do PT:
“Vou repetir o que estou dizendo e nós vamos fechar esse caixão, tá? Para mim, é um evento desses lamentáveis que ocorre todo final de semana nas nossas cidades de gente que briga e termina indo para o caminho de um matar o outro”.
Bolsonaro só condenou o crime de Foz de Iguaçu quatro dias depois, ao saber que irmãos da vítima eram bolsonaristas. Telefonou para eles solidarizando-se, mas não para a viúva.
Um dos irmãos aceitou o convite de Bolsonaro para se reunir com ele em Brasília, mas não a sua proposta de defendê-lo em uma entrevista coletiva de imprensa no Palácio do Planalto.
Esse é o homem que procurou salvar a economia durante a pandemia da Covid-19 à custa das mortes dos que “tivessem de morrer”, porque não era “coveiro”. Morreram 680 mil pessoas.
Esse é o homem que se diz católico e evangélico ao mesmo tempo, vive rezando em igrejas e templos, e estimula a compra de armas para que os brasileiros “não sejam mais escravos de ninguém”.
Um terço dos eleitores aprova tudo o que ele diz e faz, e está disposto a reelegê-lo a qualquer preço. Esta campanha já é a quarta mais violenta desde o fim da ditadura militar de 64.
Segundo dados do Monitoramento de Crimes Políticos realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo, ela já ultrapassou em número de assassinatos as eleições de 1994, 2002, 2006 e 2014.
Por que o assassinato seria plenamente justificável? Por que se trata da luta “do bem contra o mal”, como ele diz? Por que o direito à vida é só para os que concordam com ele ou se resignam?
Na noite da última quarta-feira, em uma chácara do município de Confresa, interior do Mato Grosso, Rafael de Oliveira, 22 anos, desentendeu-se com Benedito Cardoso dos Santos, de 44 anos.
Rafael é bolsonarista, Benedito era petista. Cada um defendia seu candidato. Rafael exaltou-se, puxou uma faca e atingiu Benedito nas costas, nos olhos, na testa e no pescoço.
Com a primeira facada, Benedito caiu no chão. A partir daí, Rafael aplicou-lhe 15 facadas, todas no rosto. Não satisfeito, usou um machado para tentar decapitá-lo. Depois, fez um vídeo do corpo.
Foi preso e confessou o crime, mais um a chocar o país desde do início da campanha eleitoral. Bolsonaro silenciou. Ou melhor: em comício no Tocantins, chamou os petistas de “praga”:
“Essa praga sempre está contra a população. Esse pessoal só gera desgraça para o povo. Com a nossa reeleição, varreremos para o lixo da história esse partido dito dos trabalhadores, que na verdade é composto por desocupados”.
“Não podemos errar, sabemos que é uma luta do bem contra o mal. O lado de lá quer o comunismo, quer desarmar o povo de bem, quer a ideologia de gênero, quer liberar as drogas, quer legalizar o aborto e não respeita a propriedade privada”.
No comício-militar de 7 de setembro, na praia de Copacabana, Bolsonaro referiu-se a Lula como “o quadrilheiro dos nove dedos” e afirmou que é preciso “extirpar essa gente”.
Em julho último, o guarda municipal Jorge da Rocha Guaranho, bolsonarista, invadiu a festa de aniversário do tesoureiro do PT em Foz de Iguaçu, Marcelo Arruda, e matou-o a tiros.
Na manhã do dia seguinte, em conversa com devotos no cercadinho do Palácio da Alvorada, Bolsonaro definiu o crime como “uma briga entre duas pessoas”. Os dois não se conheciam.
“Vocês viram o que aconteceu ontem, né? Uma briga de duas pessoas lá em Foz do Iguaçu. ‘Bolsonarista não sei lá o que’. Agora, ninguém fala que o Adélio (Bispo) é filiado ao PSOL, né?”
Adélio foi quem esfaqueou Bolsonaro em Juiz de Fora no dia 6 de setembro de 2018. A justiça concluiu que ele agiu sozinho e que sofre de transtorno mental. Está preso até hoje em um manicômio.
O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, pronunciou-se na mesma linha de Bolsonaro sobre o assassinato do tesoureiro do PT:
“Vou repetir o que estou dizendo e nós vamos fechar esse caixão, tá? Para mim, é um evento desses lamentáveis que ocorre todo final de semana nas nossas cidades de gente que briga e termina indo para o caminho de um matar o outro”.
Bolsonaro só condenou o crime de Foz de Iguaçu quatro dias depois, ao saber que irmãos da vítima eram bolsonaristas. Telefonou para eles solidarizando-se, mas não para a viúva.
Um dos irmãos aceitou o convite de Bolsonaro para se reunir com ele em Brasília, mas não a sua proposta de defendê-lo em uma entrevista coletiva de imprensa no Palácio do Planalto.
Esse é o homem que procurou salvar a economia durante a pandemia da Covid-19 à custa das mortes dos que “tivessem de morrer”, porque não era “coveiro”. Morreram 680 mil pessoas.
Esse é o homem que se diz católico e evangélico ao mesmo tempo, vive rezando em igrejas e templos, e estimula a compra de armas para que os brasileiros “não sejam mais escravos de ninguém”.
Um terço dos eleitores aprova tudo o que ele diz e faz, e está disposto a reelegê-lo a qualquer preço. Esta campanha já é a quarta mais violenta desde o fim da ditadura militar de 64.
Segundo dados do Monitoramento de Crimes Políticos realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo, ela já ultrapassou em número de assassinatos as eleições de 1994, 2002, 2006 e 2014.
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