domingo, 29 de abril de 2018

Gente fora do mapa

O Brasil refém do STF

Em 2008, sem conseguir avançar na ideia da trieleição, Lula, hoje preso por corrupção e lavagem de dinheiro, inventou Dilma Rousseff e, com ela, um tormento sem fim. A presidente deposta foi um pesadelo para o país – e para seu padrinho – durante os cinco anos e meio de mandato. E continua a distribuir estragos.

Não só além das fronteiras, em viagens pagas pelo governo, portanto pelos impostos dos brasileiros, para denegrir as instituições nacionais, incluindo o STF, que com ela foi para lá de generoso. Mas também internamente.

Desta vez, em Minas Gerais, domicílio que escolheu para disputar uma vaga ao Senado. Novamente, garante ela, ungida por Lula antes de ele iniciar o cumprimento de sua pena de 12 anos e um mês.

A candidatura da ex caiu como bomba por lá, detonando a aliança já acertada entre o PT e o MDB em torno da reeleição do governador petista Fernando Pimentel – seu amigo do peito. Como a composição reserva ao MDB as vagas ao Senado, simplesmente não cabe Dilma.

Tê-la na disputa foi o estopim para que o presidente da Assembleia mineira, o emedebista Adalclever Lopes, abrisse o processo de impeachment de Pimentel, que, em dezembro, já havia se tornado réu no STJ. Mesmo que não avance, o pedido de cassação revigora as baterias da oposição cinco meses antes do pleito.

Eleita com a popularidade do padrinho e os milhões acumulados em propinas – o marqueteiro João Santana e agora o ex-ministro Antonio Palocci que o digam -, Dilma age como se fosse imbatível e imprescindível ao partido que preferia não ter de lidar com ela.

No máximo, o PT imagina que ela poderia puxar votos como candidata a deputada. Ainda assim, com o incomodo de ter de explicar seus anos de desgoverno e o estado calamitoso em que deixou o país.

O pepino Dilma faz parte da decisão kafkiana de cassar o mandato e não penalizar o deposto com a inelegibilidade de oito anos prevista na Constituição. Uma trama urdida pelos então presidentes do STF, Ricardo Lewandowski, e do Senado, Renan Calheiros.

Um caso sui generis em que, com o aval da Suprema Corte, se alterou a Constituição sem os dois terços exigidos nas duas casas legislativas em dois turnos.

É o que ocorre quando o STF age por decisão monocrática, como a que devolveu elegibilidade ao senador cassado Demóstenes Torres, ou de colegiado reduzido, como o da trinca da Segunda Turma, que decidiu retirar da Lava-Jato os trechos da delação da Odebrecht que têm a ver com Lula.

No caso do político goiano, o STF passou por cima da decisão e da prerrogativa do Senado de cassar e punir seus integrantes. No outro, operou no sentido de obstruir a justiça, em absoluto contrassenso.

Absurdos assim dão ânimo às Dilmas da vida, embalam esperanças de corruptos e povoam os sonhos dos que estão na cadeia – Lula à frente.

Mary Zaidan

Corte sem classe

Desgraçadamente, o STF vem se transformando em uma corte penal, e corte penal de segunda classe
Carlos Velloso , ex-presidente do STF
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Mais Sêneca e menos ansiolíticos

Cultive o espírito porque obstáculos não faltarão. O conselho de Confúcio poderia ter sido assinado por qualquer um dos filósofos estoicos. Devemos a Woody Allen uma versão moderna dessa máxima: “Se quer fazer Deus rir, conte a ele seus planos”. Um poeta espanhol a finalizou com um verso lapidar sobre o inexorável julgamento do tempo: “A pessoa só compreende depois que a vida era algo sério”.

Esses são, em termos gerais, os três vértices do estoicismo antigo, que parece ressurgir em nossos dias. É uma miragem? As sociedades modernas se encontram dominadas pela rentabilidade tecnocrática da selfie, a autoindulgência (todos nós merecemos, especialmente se pagarmos) e o capricho. Significa fabricar um ego frágil e injustificadamente vaidoso. Uma situação que pode ser supostamente remediada com uma boa dose de estoicismo. Uma vez que não podemos controlar o que nos acontece e vivemos totalmente voltados para fora, atemorizados e estressados, uma vez que somos mais circunstância do que nunca, talvez essa antiga filosofia possa nos ajudar, ela que inspirou Marco Aurélio, imperador de Roma, um homem que, por sua posição, conheceu o estresse melhor do que ninguém.

Mais Séneca e menos ansiolíticos

Mas nesse deslocamento, nessa busca de inspiração no passado greco-latino, corre-se o risco de confundir, e isso de fato ocorre, estoicismo com voluntarismo, tão vigente e puritano. A cultura do esforço e a busca do sucesso dominam as sessões de coaching, que é, segundo seus proponentes, a arte de ajudar outras pessoas a cumprir seus objetivos e a “preencher o vazio entre o que se é e o que se deseja ser”. Não existe maior traição ao legado estoico. O voluntarismo resseca a alma e uma das finalidades do estoicismo é recriá-la. O que chamamos “desafios” e “metas” não são outra coisa a não ser viseiras que não nos permitem ver mais do que um único aspecto da realidade e a pessoa acaba batendo o avião contra a montanha, como aquele piloto da companhia Germanwings. fez nos Alpes da Suíça em 2015.

Essas metas nos trabalham por dentro e parecem projetadas para excluir a contemplação e a observação atenta e desinteressada. Contra a tirania da meta, os estoicos pretendiam se livrar de paixões muito urgentes e monopolizadoras. De fato, um dos sinais distintivos foi considerar a poesia como meio legítimo de conhecimento. A lírica nos mantém em uma atitude aberta e nada sabe de metas e objetivos. A poesia era aos estoicos, especialmente a de Homero, genuína paideia. Entender isso significa ganhar uma liberdade interior, não estar eternamente abduzidos pelo circo e as telas, uma independência moral, não a opinião geral e a gritaria do Twitter e transcender a dependência da pessoa em relação a sua parte animal (a suposição de que o homem é esse ser singular que, como dizia Novalis, vive ao mesmo tempo dentro e fora da natureza). Com esse “cuidado de si”, que Marco Aurélio chamava meditações, era possível conseguir uma autarquia ética que teria uma importância decisiva no pensamento político grego.

Alguns exemplos de estoicismo moderno não estão muito longe. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein conta que quando jovem experimentou essa sensação de que “nada poderia acontecer com ele”. Era uma forma de dizer que, não importa o que acontecesse (uma bala perdida, um câncer), saberia aproveitar a experiência. Uma atitude que lhe permitiu assumir o posto de vigia em meio ao fogo cruzado durante a Primeira Guerra Mundial. Encontramos algo parecido na francesa Simone Weil, sempre se arriscando, seja na fábrica da Renault ou nos hospitais de Londres, com a humildade como valor supremo, que faz com que a chama do divino não se apague.

Curiosamente, a atitude desses dois grandes filósofos, nos quais revivem os velhos ideais greco-latinos, contrasta com algumas obsessões atuais. Do medo ao próprio corpo, que requer um exame contínuo, à obsessão pela segurança (to feel safe, to feel at home). Como se um scanner e um refúgio pudessem outorgar essa tranquilidade, como se fosse preciso se trancar para sentir-se seguro. Enquanto um mandatário recente se perguntava quanto dinheiro precisava para sentir-se seguro e, ao não encontrar o número, passou a acumular capital, Wittgenstein se expunha na trincheira e Weil na coluna de Durruti, o anarquista que combateu na guerra civil da Espanha.

O estoicismo implica, como disse a espanhola María Zambrano, a recapitulação fundamental da filosofia grega. Nesse sentido foi e é tanto um modo de vida como um modo de se estar no mundo. Zenão de Cítio, natural da colônia grega do Chipre, figura como fundador da escola. Tinham algo em comum com os cínicos, especialmente a vida frugal e o desprezo pelos bens mundanos, e refletiram sobre o destino e a relação entre natureza e espírito. Existiu um estoicismo médio (platônico, pitagórico e cético), mas os que deram fama à escola foram seus representantes romanos: um imperador, um senador e um escavo. Todos eles surgiram, como agora, sob a sombra do Império. Aquele império era militar, o de hoje é tecnológico. Imaginem Zuckerberg abraçando o estoicismo; pois bem, foi isso que fez o imperador Marco Aurélio. Sêneca nasceu na periferia do Império, na Hispânia, mas foi uma figura fundamental da política em Roma, senador com Calígula e tutor de Nero. Epíteto chegou à cidade sendo um escravo. Quando foi libertado fundou uma escola e apesar de, seguindo o exemplo de Sócrates, não ter escrito nada, seus discípulos se encarregaram de transmitir seu legado.

Moralistas e contemplativos, todos eles defenderam a vida virtuosa, a imperturbabilidade e o desapaixonamento, sentimentos todos eles bem pouco rentáveis a uma sociedade do entretenimento. O estoicismo conquistou grande parte do mundo político-intelectual romano,se tornou uma regra de ação e sua influência chegaria a grandes filósofos como Plotino e Boécio. Não descreveremos sua lógica refinada, mas vale a pena lembrar que a subordinavam à ética. Ao contrário de hoje, pelo menos no mundo financeiro, onde o algoritmo domina a moral. Nela se destaca sua doutrina dos indemonstráveis, provavelmente de origem indiana.

Concebiam a alma como uma lousa onde as impressões eram gravadas. Delas surgem as certezas (se a alma aceitar a impressão) e os interrogantes (se for incapaz de localizá-la). Para os estoicos, o mundo era, como para nós, substancialmente corporal, mas sua física não nega o imaterial. Concebe a natureza como um contínuo dinâmico, coeso pelo pneuma, um sopro frio e quente, composto de ar e fogo. Herdaram de Heráclito o fogo como princípio ativo e primordial, de onde surgiu o restante dos elementos e para onde retornaram. Como o humor e o pranto, o pneuma não se movimenta e sim se “propaga”, contagiando com alegria e doença.

Hoje não seria exagerado colocar em prática alguns de seus princípios. O imperativo ético de viver conforme a natureza, que nosso planeta agradeceria. O exercício constante da virtude, ou eudemonia, que permite o desprendimento. E, por fim, o que Nietzsche chamou o amor fati, a aceitação e querença do próprio destino, remédio eficaz para tudo aquilo que produz desassossego. Não dá para dizer que esses princípios proliferam em nossos dias. Se um velho estoico pudesse vir ao nosso tempo, veria, nas grandes desigualdades propiciadas pela economia financeira, um descuido de si, um esquecimento dessa autonomia moral que evita que surjam emoções como o medo e a vaidade, que criam a cobiça. Emoções contrárias à razão do mundo que, em nosso caso, é a razão do planeta.

Outro lado

Há quase um ano, a população do Distrito Federal sofre racionamento de água potável. A inauguração de um novo reservatório passa agora a sensação de fornecimento abundante pelos próximos 30 anos. Mas as mudanças climáticas podem deixar o novo açude vazio por falta de chuva; a falta de saneamento pode contaminar a água; e o aumento do consumo per capita, aliado ao aumento da população, pode provocar escassez, mesmo com maior oferta. A perenidade na disponibilidade depende também da educação do consumidor, para que ele entenda a dimensão planetária da crise hídrica e pratique um padrão austero de consumo. O problema da água tem duas pontas: hídrica e educacional.

Todos os demais problemas e desafios do Brasil passam por duas pontas.

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O emprego só será criado se, de um lado, a economia fizer investimentos; mas emprego de qualidade exige educação do candidato. O aumento da riqueza nacional depende da retomada do crescimento econômico, mas, sem educação, a produtividade não aumenta, e a pobreza social continua; e se a educação não for de qualidade para todos, o problema da concentração da renda continuará. Hoje temos o oitavo PIB do mundo, mas, por falta de educação, a produtividade é baixa e estamos no 81º lugar na renda per capita e temos a décima pior concentração de renda. Graças sobretudo à educação, a Coreia do Sul tem o 14º PIB, mas é o 30º em renda per capita e tem a décima melhor distribuição de renda entre 157 países. O desemprego, a pobreza, a concentração de renda são problemas com duas pontas; a educação é uma delas.

A violência precisa ser enfrentada com polícia, Justiça e cadeia, mas isso não resolverá o problema. Há 30 anos Darcy Ribeiro dizia: “Ou fazemos escolas hoje ou teremos de fazer cadeias amanhã”. Só por meio da educação para todos será possível oferecer a mesma oportunidade a cada brasileiro, sem necessidade de artifícios de sobrevivência fora da lei. A corrupção, que é praticada por doutores instruídos, precisa ser combatida com o fim do foro privilegiado e da impunidade para eleitos, mas o mundo mostra que a corrupção cai substancialmente nos países onde todos os eleitores têm acesso à boa educação.

Todo problema tem duas pontas, e uma delas é a educação. Nisso está a dificuldade: porque o problema da educação também tem duas pontas. A ponta dos educadores, como fazer a escola ideal; e a ponta educacionista, como fazer todas as escolas com a mesma qualidade. Para cuidarmos do problema da educação, os eleitores e eleitos precisam antes ser educados. Esse paradoxo — para educar o Brasil, é preciso que o Brasil já esteja educado — só será resolvido quando for eleito um presidente estadista, capaz de ser educador de todo nosso povo, transmitindo de forma convincente a mensagem de que a solução de cada problema passa pela educação; convencendo o povo a aceitar fazer, ao longo de décadas, o esforço nacional necessário para garantir educação de qualidade para todos os brasileiros.

Gente fora do mapa

... en la oscura noche

Cargos e homens

Dia desses lia um jornal lá do distante Irã, do qual sou assinante. Trata-se de um país praticamente "demonizado" no Ocidente, alvo de cotidianas acusações de extremismo político e religioso. Um jornal iraniano seria, assim, o último lugar para buscarmos alguma notícia positiva sobre o Papa - sim, sobre o líder da Igreja Católica.

No entanto, lá estava a matéria - longa, por sinal. Ecoava suas falas e preocupações sobre a humanidade, tão permeada por guerras e injustiças. Destacava sua preocupação para com o sofrimento cruelmente imposto a tantos refugiados pelo mundo afora. Realçava seus pronunciamentos em defesa da preservação do meio-ambiente.

O jornal iraniano, quem diria, falava de Jesus - a ser visto, nas palavras do Papa Francisco, na face de cada criança inocente que padece em função das guerras da Síria, do Iraque e do Yemen.

Li e reli, bem mais de uma vez, a longa matéria. Demoradamente, sobre ela meditei - e dela retirei várias reflexões. Uma delas, aquela relativa ao tratamento dispensado pela imprensa aos ocupantes de cargos e funções públicas.



Vivemos na era do "marketing político", das "assessorias de comunicação" e das "pesquisas de opinião pública" - tudo isso quase sempre custeado com recursos públicos. Se o noticiário é favorável ao homem público, ponto para sua assessoria - e, se desfavorável, parta-se para a desconstrução da imagem do veículo que o publicou.

Em meio a este fenômeno, e talvez por conta dele, agiganta-se a mediocridade do "politicamente correto" e da cultura das "composições a qualquer custo", ao preço da perda da personalidade dos homens públicos.

Pois é: eu não consigo imaginar qual pesquisa de opinião pública realizada no Irã daria ao Papa Francisco respaldo para que suas palavras lá encontrassem eco. Não imagino no mundo uma assessoria de imprensa diligente a ponto de conseguir fosse publicado em um jornal iraniano longa série de elogios às suas atitudes. E no entanto, a desmentir todas as probabilidades, lá estava a matéria, reluzente e cintilante.

Talvez, diante de um povo tão perplexo, sofrido e carente de justiça, devêssemos, enquanto autoridades, à vista deste episódio, prestar menos atenção às assessorias, reclamar menos da imprensa e, principalmente, recordar que um cargo não faz um homem, e sim o inverso.

Pedro Valls Feu Rosa

A arte de roubar

O que se pode esperar de bom de uma eleição para presidente da República em que todos os candidatos, com a exceção de um só, vão fazer as suas campanhas com dinheiro que roubaram diretamente de você? Eis aí uma das mais espetaculares safadezas que estão sendo praticadas neste exato momento pelos políticos brasileiros ─ da extrema direita à extrema esquerda, na cara de todo mundo e em plena luz do dia. Não é pouco: o Tesouro Nacional vai doar aos políticos, para suas “despesas de campanha” deste ano, um presente extra de 1,7 bilhão de reais, já separados no orçamento de 2018. É uma aberração que tem a coragem de chamar-se “Fundo de Defesa da Democracia”, ou algo assim. Vem se somar ao “Fundo Partidário”, vigarice antiga criada para dar aos partidos políticos, a cada ano, quantias desviadas dos impostos e destinadas a ajudar na sua “manutenção”. No ano passado, com um projeto de lei relatado na Câmara pelo deputado Vicente Cândido, do PT, e gerido no Senado por ninguém menos que o senador Romero Jucá, fizeram uma mágica que multiplicou dramaticamente, numa tacada só, os valores que a população deste país será obrigada a entregar aos políticos no decorrer de 2018. É uma conquista notável para os anais da arte de roubar. Quatro anos atrás a mesada anual das gangues que fazem o papel de “partidos” no Congresso Nacional era de 300 milhões de reais. Foi aumentando, aumentando ─ e agora, diante da necessidade de “defender a democracia”, está reforçada por estes novos 1,7 bi. A desculpa é que há eleições este ano e as doações de “caixa 2”, imaginem só, foram proibidas pelos nossos tribunais superiores. É mais ou menos assim: como está teoricamente mais difícil praticar crime eleitoral, chama-se o público para fornecer o dinheiro que os criminosos desembolsavam até agora. Brilhante.


Era para ser pior. Os partidos queriam 3,5 bilhões de reais. O PT, então, exigia até 6 bi, ao fixar o valor do “Fundo” numa porcentagem do orçamento da União. De um jeito ou de outro, é bom para as “orcrims”, bom para os políticos e ruim para você. Este dinheiro, obviamente, não é inventado ─ tem de sair de algum lugar, e este lugar é o seu bolso. Também não pode ser duplicado. Se foi para os partidos é porque não foi para ninguém mais; no caso de 2018, quase 500 milhões de reais foram desviados das áreas de saúde e educação para o cofre dessas figuras que estão se propondo a salvar o Brasil. O fabuloso “Estado” brasileiro, essa entidade sagrada para o pensamento da esquerda nacional, não tem dinheiro para comprar um rolo de esparadrapo. Mas tem, de sobra, para dar a qualquer escroque que consegue o registro de uma candidatura. Claro que tem. O dinheiro não é “do Estado”, ou “do governo”, ou “do Temer”. Isso não existe. Estado nenhum tem dinheiro; quem tem o dinheiro que eles gastam é você. É de você que eles roubam, e são justamente os mais pobres que ficam com o prejuízo pior. Quando se tira dinheiro dos ricos e dos pobres ao mesmo tempo, quem é que sofre mais?

A isso o PT e a esquerda em geral dão nome de conquista democrática popular ─ é o prodigioso “financiamento público das campanhas eleitorais”, que segundo o seu evangelho elimina a influência “das grandes empresas” nas eleições, etc, etc. É um espanto, pois o PT foi o mais voraz de todos os tomadores de dinheiro de empreiteiras de obras e outros magnatas que jamais passou pela política brasileira. Agora, está avançando também em cima dos impostos pagos pela população ─ e faz isso com o apoio apaixonado dos seus piores inimigos na cena política, os famosos “eles” amaldiçoados pelo ex-presidente Lula há mais de 30 anos e acusados de criar todas as desgraças do Brasil. Até o momento só o candidato João Amoedo, do Partido Novo, se recusou a receber essa propina: o partido deixou parados no banco os 2 milhões e pouco de reais que o Fundo depositou em sua conta. Porque nenhum outro fez a mesma coisa? Não perca o seu tempo ouvindo explicações complicadas. Não fizeram porque não quiseram fazer; o que querem mesmo é o dinheiro. É uma atração e tanto. Derruba até figuras com os teores de pureza revolucionária da candidata Manuela D’Ávila, que faz cara de horror diante da hipótese de sujar as mãos com essas sórdidas questões financeiras. Prefere enfiar as mesmas mãos diretamente no seu bolso ─ como se assim o dinheiro roubado ficasse limpo. Da direita velha nem adianta falar; roubar é o seu destino. Mas quando a jovem de esquerda age igual, e nem se dá o trabalho de disfarçar, é que a coisa está realmente preta.
J.R. Guzzo

IR poupa super-ricos e prejudica salários médios e baixos

Na parcela mais rica da população brasileira, para cada R$ 1 de rendimento taxado pelo Imposto de Renda (IR), outros R$ 2 ficam isentos. Já entre quem ganha entre um e dois salários mínimos, o cálculo é inverso – para cada R$ 1 de renda isenta, outros R$ 7,60 são tributáveis pelo Imposto, seja direto na fonte ou posteriormente, através da declaração ao fisco. Os dados são resultado de um levantamento da Agência Pública feito a partir da base de dados da Receita sobre as declarações do IR do ano passado.

O grupo mais rico, segundo as categorias de renda da Receita, é de pessoas que recebem mais de 320 salários mínimos mensais. Em 2016, ano de apuração da última declaração do Imposto de Renda, isso representou um rendimento de ao menos R$ 281 mil por mês (salário mínimo de R$ 880).

Estão nesse grupo cerca de 25 mil pessoas que, juntas, concentraram mais de R$ 28 bilhões de rendimentos em 2016. Cada pessoa nessa faixa recebeu, em média, mais de R$ 11 milhões em rendimentos e possui cerca de R$ 52 milhões em bens e direitos.

Já a média de bens de quem ganha entre um e dois salários mínimos é de R$ 106 mil por pessoa. Esse grupo é 52 vezes mais numeroso que o dos mais ricos: são mais de 1,3 milhão de brasileiros ganhando entre um e dois salários mínimos formalmente. O levantamento desconsiderou quem ganha menos de um salário mínimo, segmento isento do Imposto de Renda.

O Imposto de Renda atinge proporcionalmente menos rendimentos dos mais ricos porque os rendimentos desse grupo vêm de fontes não tributáveis pelo IR, como lucros e dividendos distribuídos aos sócios de empresas.

Do grupo de 25 mil pessoas que declaram rendimentos acima dos 320 salários mínimos, 19 mil acusaram recebimentos de lucros e dividendos. Ao todo, essas pessoas informaram mais de R$ 746 milhões em rendimentos, e a maior parte desse bolo, 64%, foi isenta do IR.

Na avaliação do professor da Faculdade de Economia da USP Rodrigo De Losso, é correto que lucros e dividendos sejam isentos do Imposto de Renda. “A pessoa jurídica, que gerou esses lucros e dividendos, já foi previamente tributada. Depende do regime da empresa, mas, no regime de lucro real, a empresa é tributada em 34%. Ou seja, o imposto já foi pago; se ele pagar de novo, você vai incorrer em retributação”, pondera.

Na visão de De Losso, sócios de empresas, que podem retirar seus rendimentos através de lucros e dividendos, correm riscos que trabalhadores assalariados não correm. “Uma vez que ele se torna sócio, ele provavelmente irá pagar menos impostos [nos rendimentos], mas irá correr em uma série de riscos. O sócio está sujeito às condições de mercado e à faturação da empresa, por exemplo. O fato de ser sócio não traz só benefícios”, avalia.

A análise da professora de direito tributário e finanças públicas da FGV-SP Tathiane Piscitelli é oposta: não é correto isentar lucros e dividendos com a justificativa de que as empresas já são taxadas. “Esse argumento é verdadeiro para aquela pessoa que tem uma pessoa jurídica pequena, como o advogado que tem cinco funcionários e o que ele recebe de distribuição de lucros é realmente o salário. Isso não vale para os grandes acionistas, que recebem através das empresas, mas não necessariamente foram onerados verdadeiramente por isso. É óbvio que o custo da empresa impacta na distribuição do lucro, mas não é uma tributação na pessoa [do acionista]”, avalia.

De acordo com Tathiane, a legislação permite que exista uma tributação da renda de lucros e dividendos, como forma de redistribuir a carga tributária entre a população. “Isso vai desincentivar o empreendedorismo e penalizar pequenas empresas? É muito simples: basta prever um limite de isenção. O que não dá é a pessoa receber de distribuição de lucro R$ 300 mil por mês e ter zero tributado na pessoa física”, questiona.

Para o professor de economia da Unicamp Francisco Lopreato, não faz sentido utilizar a carga tributária das empresas para justificar a isenção no rendimento de acionistas. “Uma coisa é a empresa, o lucro das empresas, outra é o acionista, a pessoa física. O sistema tributário de outros países permite isso [a tributação dos lucros e dividendos], que torna o sistema menos regressivo”.

Segundo o professor, o sistema tributário como um todo precisa ser reformadopara incorrer em menos desigualdades. “A maior parcela da nossa arrecadação tributária é em cima de mercadorias, os impostos indiretos, enquanto os impostos sobre renda e propriedade tornam o sistema brasileiro bastante regressivo. A forma da divisão do IR torna o sistema mais ou menos igualitário até por volta de 40 salários mínimos. Acima dessa faixa, ele privilegia pessoas com altos rendimentos”, conclui.

A isenção da distribuição de lucro e dividendos foi instituída no Brasil em 1996, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).