Na parcela mais rica da população brasileira, para cada R$ 1 de rendimento taxado pelo Imposto de Renda (IR), outros R$ 2 ficam isentos. Já entre quem ganha entre um e dois salários mínimos, o cálculo é inverso – para cada R$ 1 de renda isenta, outros R$ 7,60 são tributáveis pelo Imposto, seja direto na fonte ou posteriormente, através da declaração ao fisco. Os dados são resultado de um levantamento da Agência Pública feito a partir da base de dados da Receita sobre as declarações do IR do ano passado.
O grupo mais rico, segundo as categorias de renda da Receita, é de pessoas que recebem mais de 320 salários mínimos mensais. Em 2016, ano de apuração da última declaração do Imposto de Renda, isso representou um rendimento de ao menos R$ 281 mil por mês (salário mínimo de R$ 880).
Estão nesse grupo cerca de 25 mil pessoas que, juntas, concentraram mais de R$ 28 bilhões de rendimentos em 2016. Cada pessoa nessa faixa recebeu, em média, mais de R$ 11 milhões em rendimentos e possui cerca de R$ 52 milhões em bens e direitos.
Já a média de bens de quem ganha entre um e dois salários mínimos é de R$ 106 mil por pessoa. Esse grupo é 52 vezes mais numeroso que o dos mais ricos: são mais de 1,3 milhão de brasileiros ganhando entre um e dois salários mínimos formalmente. O levantamento desconsiderou quem ganha menos de um salário mínimo, segmento isento do Imposto de Renda.
O Imposto de Renda atinge proporcionalmente menos rendimentos dos mais ricos porque os rendimentos desse grupo vêm de fontes não tributáveis pelo IR, como lucros e dividendos distribuídos aos sócios de empresas.
Do grupo de 25 mil pessoas que declaram rendimentos acima dos 320 salários mínimos, 19 mil acusaram recebimentos de lucros e dividendos. Ao todo, essas pessoas informaram mais de R$ 746 milhões em rendimentos, e a maior parte desse bolo, 64%, foi isenta do IR.
Na avaliação do professor da Faculdade de Economia da USP Rodrigo De Losso, é correto que lucros e dividendos sejam isentos do Imposto de Renda. “A pessoa jurídica, que gerou esses lucros e dividendos, já foi previamente tributada. Depende do regime da empresa, mas, no regime de lucro real, a empresa é tributada em 34%. Ou seja, o imposto já foi pago; se ele pagar de novo, você vai incorrer em retributação”, pondera.
Na visão de De Losso, sócios de empresas, que podem retirar seus rendimentos através de lucros e dividendos, correm riscos que trabalhadores assalariados não correm. “Uma vez que ele se torna sócio, ele provavelmente irá pagar menos impostos [nos rendimentos], mas irá correr em uma série de riscos. O sócio está sujeito às condições de mercado e à faturação da empresa, por exemplo. O fato de ser sócio não traz só benefícios”, avalia.
A análise da professora de direito tributário e finanças públicas da FGV-SP Tathiane Piscitelli é oposta: não é correto isentar lucros e dividendos com a justificativa de que as empresas já são taxadas. “Esse argumento é verdadeiro para aquela pessoa que tem uma pessoa jurídica pequena, como o advogado que tem cinco funcionários e o que ele recebe de distribuição de lucros é realmente o salário. Isso não vale para os grandes acionistas, que recebem através das empresas, mas não necessariamente foram onerados verdadeiramente por isso. É óbvio que o custo da empresa impacta na distribuição do lucro, mas não é uma tributação na pessoa [do acionista]”, avalia.
De acordo com Tathiane, a legislação permite que exista uma tributação da renda de lucros e dividendos, como forma de redistribuir a carga tributária entre a população. “Isso vai desincentivar o empreendedorismo e penalizar pequenas empresas? É muito simples: basta prever um limite de isenção. O que não dá é a pessoa receber de distribuição de lucro R$ 300 mil por mês e ter zero tributado na pessoa física”, questiona.
Para o professor de economia da Unicamp Francisco Lopreato, não faz sentido utilizar a carga tributária das empresas para justificar a isenção no rendimento de acionistas. “Uma coisa é a empresa, o lucro das empresas, outra é o acionista, a pessoa física. O sistema tributário de outros países permite isso [a tributação dos lucros e dividendos], que torna o sistema menos regressivo”.
Segundo o professor, o sistema tributário como um todo precisa ser reformadopara incorrer em menos desigualdades. “A maior parcela da nossa arrecadação tributária é em cima de mercadorias, os impostos indiretos, enquanto os impostos sobre renda e propriedade tornam o sistema brasileiro bastante regressivo. A forma da divisão do IR torna o sistema mais ou menos igualitário até por volta de 40 salários mínimos. Acima dessa faixa, ele privilegia pessoas com altos rendimentos”, conclui.
A isenção da distribuição de lucro e dividendos foi instituída no Brasil em 1996, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
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