quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Presidente Papelão

 

Ao invés de comemorar o fato do Brasil ter um imunizante seguro e eficaz para combater a pandemia, ele ironiza a vacina. Enquanto brasileiros perdem vidas e empregos, Bolsonaro brinca de ser Presidente

João Dória, governador de São Paulo

Os brutos também amam o mimimi

A palavra mimimi ainda não está nos dicionários. Pelo menos não nos aurélios e houaisses, mas a culpa pode ser das minhas edições, tão antigas que ainda impressas em papel. Mimimi é um desafio à morfologia, ciência que, em linguística, significa o estudo da estrutura e da formação das palavras. De onde veio mimimi? Desconhece-se uma raiz que a justifique. Pode ter vindo de mi, a 3ª nota da escala musical, donde mi-mi-mi seria uma sequência de mis. Mas não deve ser o caso —é raro alguém sair solfejando em meio aos selvagens bate-bocas em que hoje é usada a palavra mimimi.



Foi com ela que, de maneira avassaladora nos últimos tempos, bandeiras como o combate ao racismo, ao feminicídio, à homofobia, ao genocídio, às armas que levam ao homicídio e a outros cídios passaram a ser classificadas por certos grupos. Mimimi é sinônimo de chororô, vitimismo maricas, coisa de fracos, choro de perdedor. Tornou-se não apenas uma forma de negar aos humilhados e ofendidos o direito de se defenderem como de ridicularizá-los, reduzindo seus argumentos a uma palavra cômica.

Mas, quando se pensava que o mimimi não teria lugar no universo da macheza e do triunfalismo, eis que a menção a um inesperado cídio —o suicídio— acusa uma brecha nessa carapaça de invencíveis e inexpugnáveis.

Um colunista sugeriu candidamente a Jair Bolsonaro que, para o bem do Brasil, se matasse. Mera ironia, sabendo-se que é o que Bolsonaro sugere todo dia ao povo brasileiro, ao induzi-lo a contrair o coronavírus desprezando a máscara, o álcool gel, o distanciamento, a vacina. É claro que, sendo Bolsonaro um macho full-time, ex-soldado, ex-atleta e ex-humano, a dita sugestão nem o abalou. Mas abalou seus apoiadores. "É um crime!", gritaram. "Uma covardia!". "Não se induz um homem ao suicídio!". "E se ele aceitar a sugestão??".

Surpresa! Os brutos também amam o mimimi.

Perigoso Exército de Incapazes

“Parece que está chegando a hora de a sociedade brasileira se desfazer desses mitos salvadores e devolver seus militares a seus quartéis e suas funções constitucionais. Assumir de uma vez por todas, com coragem e com suas próprias mãos, a responsabilidade de construir um novo país que tenha a sua cara, e que seja feito à imagem e semelhança, com seus grandes defeitos, mas também com suas grandes virtudes.”

No último dia do ano de 2020, o professor de economia política internacional da UFRJ, José Luís Fiori publicou um artigo de grande repercussão, onde diagnostica o avançado processo de destruição física e moral do país nestes últimos dois anos e defende a tese de que o gigantesco fracasso do governo de Jair Bolsonaro é indissociável das Forças Armadas brasileiras.

Uma semana depois da publicação do artigo do professor Fiori, o próprio Bolsonaro confirmou o diagnóstico ao declarar publicamente que “o Brasil quebrou e ele não pode fazer nada”, uma das confissões mais sinceras de que se tem conhecimento da parte de um governante que reconhece seu próprio fracasso e ao mesmo tempo se declara incapaz de enfrentar a destruição provocada pelo seu governo, durante o tempo em que – em vez de governar – ele se dedicava pessoalmente a atacar pessoas e instituições e debochar do sofrimento e da morte dos seus próprios concidadãos. A declaração foi feita no mesmo dia, aliás, em que o general da ativa e ministro da saúde Eduardo Pazuello, anunciava ao país a ausência de um plano da vacinação.

De fato, desde que foi eleito, Jair Bolsonaro nunca fez questão de esconder ou omitir a sua dívida com as Forças Armadas – “o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, afirmou o presidente capitão ao então General Eduardo Villas Boas se referindo à sua eleição.

Nos últimos dois anos essa dependência se intensificou. No interior do governo a ruptura do bolsonarismo com o lavajatismo jurídico, a perda de força relativa do olavismo ideológico, somado às tensões com parte da grande imprensa e o desconforto de parcela do empresariado, criaram um ambiente de reacomodação de forças que resultou na ampliação dos espaços ocupados pelos militares no governo. A cada novo embate ideológico derrotado, a cada nova suspeita de corrupção e ilícitos envolvendo o clã Bolsonaro e a cada novo erro de política pública por parte dos civis, os militares avançaram pelo menos uma casa no tabuleiro. Sendo assim, ora sob efeito da adesão irrestrita ora sob o argumento da redução de danos, os militares se posicionaram como fiadores e tutores do governo Bolsonaro.



Esse movimento não sofreu nenhuma resistência efetiva por parte dos setores da sociedade civil e paulatinamente foi sendo normalizado e naturalizado. Enquanto parcela dos atores políticos à esquerda acreditou no mito de que os militares brasileiros seriam nacionalistas ou estatistas, parcela dos atores políticos à direita reiterou a ideia de que os militares seriam politicamente imunes à corrupção e tecnicamente superiores em matéria de gestão. Ledo engano. Essa mitologia tem sua origem no reconhecido papel exercido pelos militares na formação do Estado e no desenvolvimento da industrialização ao longo do século XX. Mas os militares de ontem não se equivalem aos de hoje.

Desde a vitória liberal-conservadora, ainda no período da ditadura, o que impera nas Forças Armadas em matéria de geopolítica é a defesa do alinhamento automático ao governo norte-americano. Essa escolha desobrigou boa parte dos nossos militares de se empenhar na formulação de estratégias nacionais, liberando tempo e energia para que se concentrassem prioritariamente em interesses corporativos da caserna. Para além de “neoliberais” ou “neodesenvolvimentistas” os militares brasileiros tornaram-se corporativistas.

É com esse espírito que parte significativa dos militares têm avançado dentro do governo Bolsonaro. A atual Esplanada dos Ministérios tem sido ocupada por um número exorbitante de fardados no primeiro escalão do governo, são 11 dos 23 ministros.

Vejamos alguns dos problemas nos ministérios encabeçados por militares. Como é possível confiar na superioridade ética e moral de uma Casa Civil que conduz reuniões ministeriais tão desqualificadas quanto aquela de 22 de abril do último ano? Como crer na competência estratégica de um Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que não identifica drogas em aviões da FAB e em um ministro que se deixa gravar em conversa particular pela imprensa? Como acreditar no espírito republicano de uma Secretaria de Governo que admite interferências na Polícia Federal ou em um ministro da Secretaria Geral que acolhe interesses pessoais da família presidencial? Como é possível sustentar a vocação nacional de uma pasta de Ciência e Tecnologia em desmonte acelerado e que se posiciona de maneira pouco estratégica em um tema crucial como o da tecnologia 5G? Como defender o espírito inovador de uma área de Minas e Energia impactada por desmontes e apagões? Como apostar em Transparência em um governo movido a fake news? Como admitir que a área de Infraestrutura tenha posições tão refratárias contra investimentos públicos? Como aceitar uma vice-presidência que se responsabiliza pelas relações com a China e pela Amazônia no período em que o país mais tem esgarçado o diálogo com o país asiático e tem batido recordes de desmatamento e queimadas?

Por todos esses motivos não é mais possível isentar as alas militares da responsabilidade e da cumplicidade com o desastre protagonizado por Bolsonaro. O caso do atual ministro da saúde, general Eduardo Pazuello, é dos mais emblemáticos na desmistificação da suposta aura de competência política, intelectual e administrativa dos militares.

Pazuello entregou o comando da 12º Região Militar, mas se recusa a ir para a reserva, criando uma indesejável mistura entre Forças Armadas e Poder Executivo. O general não domina nem mesmo os saberes que deveriam compor seu repertório militar, não entende de geografia (ao tratar da propagação da pandemia, associou o inverno no hemisfério Norte do globo à região Nordeste do Brasil), não entende de Estado (afirmou que não conhecia o SUS), não entende de planejamento (deixou de coordenar as ações dos entes federativos), não entende de distribuição (deixou mais de 6,8 milhões de testes contra a COVID-19 vencerem em estoque) e não entende de logística (atrasou a definição sobre a compra de seringas, agulhas e insumos para a vacina).

O problema se agrava quando observamos os demais escalões do governo. Estima-se que haja mais de 8450 militares da reserva e 2930 militares da ativa atuando em diversas áreas e níveis hierárquicos do governo, com ênfase nos setores de planejamento, orçamento e logística dos ministérios. Algumas áreas sensíveis passam por intenso processo de militarização. Na gestão socioambiental há mais de 90 militares alocados em áreas como Funai, Ibama, ICMBio, Sesai, Incra, Mapa, Funasa, FCP, além do Ministério do Meio-Ambiente e do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. No Ministério da Saúde apenas durante o período de pandemia, foram nomeados pelo menos 17 militares.

O quadro não é diferente nas empresas estatais e autarquias, há uma plêiade de militares nomeados em boa parte delas: Amazul, Caixa, Casa da Moeda, Chesf, Correios, CPRM, Dataprev, EBC, Ebserh, Eletrobras, Emgepron, EPL, Finep, Imbel, INB, Infraero, Nuclep, Petrobras, Serpro, Telebras, Valec. Em muitas dessas empresas a tônica segue na contramão da linha geral da política econômica do próprio governo. Ao invés de desinvestimentos, algumas foram brindadas com capitalização; ao invés de privatização, indica-se que algumas devem passar apenas por fusões.

Tal presença já garantiu aos militares importantes acordos internacionais de defesa, ratificando o alinhamento automático com os EUA, além da ampliação do orçamento do Ministério da Defesa e do fortalecimento de projetos e empresas a ele vinculadas. Mais ainda, não faltam ganhos corporativos para as armas: privilégios previdenciários, como aposentadoria integral e sem idade mínima, reajustes reais do soldo de cerca de 13%, o que não ocorreu com o salário mínimo, e aumento de adicionais, bonificações e gratificações diversas. Em empresas estatais, por exemplo, o pagamento de jetons para militares subiu cerca de 9,7% em 2020, para não mencionar ganhos adicionais e cumulativos com cargos de confiança e adjacências. A amplitude dos ganhos corporativos e em proventos pessoais indica que os militares não retornarão para os quartéis de maneira automática ou voluntária, qualquer que seja o próximo governo.

O quadro deveria causar preocupação, inclusive, dentro das próprias Forças Armadas. Pois a boa reputação e a confiança de que desfrutam os militares na opinião pública rivaliza a cada dia com as digitais impressas pelos fardados nos erros do governo. Além disso, ao aceitarem o desgoverno da atual política externa os militares se colocam em posição subalterna para a interlocução com EUA, China, União Europeia e até mesmo com alguns países vizinhos.

Sendo assim, em tempos nos quais se debatem as possibilidades de construção de uma frente ampla ou popular, a defesa de um Legislativo “livre, independente e autônomo” e a reconstrução de um Estado que promova “a vida, a saúde, o trabalho e os direitos”, a consolidação de uma “democracia viva e forte” no Brasil passa por um pacto que assegure o retorno dos militares aos quartéis para o exercício das suas funções constitucionais. Um Brasil verdadeiramente democrático deve dispensar definitivamente a tutela das fardas.

Brasil orgulhoso

 


Bolsonaro tem roteiro para o golpe

A democracia começa a ter um sério problema quando os vencidos numa eleição contestam os seus resultados. Embora sejam muitas as condições que asseguram a estabilidade do sistema, a escolha dos governantes pelo voto —com as instituições garantindo a lisura do jogo— e a aceitação do desfecho por todos os competidores formam o alicerce da ordem democrática.

Em 2014, um desatinado Aécio Neves se recusou a ouvir a voz das urnas favorável a Dilma Rousseff e abriu caminho para a crise política que culminaria com a ascensão da extrema direita ao poder quatro anos depois.

É cedo para dizer como estará o país em 2022. A pandemia e a crise econômica, agravadas por um assombroso desgoverno, tornam fútil qualquer exercício de previsão eleitoral. Mas, hoje como hoje, pelo menos um candidato ao Planalto parece ter um plano pronto.



Prevendo o fracasso provável de sua gestão sem rumo e sem compromisso, Jair Bolsonaro trata de reduzir a frangalhos o processo eleitoral. Para tanto, lança suspeitas descabeladas sobre a lisura do registro e da contagem de votos depositados na urna eletrônica. E quer fazer crer que, não fosse a fraude, teria saído vitorioso já no primeiro turno. Nunca apresentou nem sequer um fiapo das provas que alega ter. Pode parecer mais uma de suas efervescências, como a campanha contra as lombadas nas rodovias, mas não é.

Insuflar a desconfiança no mecanismo democrático de escolha dos governantes faz parte da caixa de ferramentas dos políticos populistas, a fim de se manter no poder a qualquer custo, mesmo sem votos para tal. É assim que alimentam seus seguidores sempre prontos a consumir receitas conspiratórias da política. Foi o que fez Donald Trump, é o que faz o seu adepto Bolsonaro.

Só que o brasileiro não se limita àquela manobra mambembe. Enquanto dissemina suspeitas vazias, trata de agradar aos militares —com gestos de apreço, cargos em diversos escalões do governo e atendimento de demandas corporativas—, na expectativa de ter ao seu lado, na hora certa, as Forças Armadas. Eis aí um sistemático investimento em cooptação, cujo retorno ainda se desconhece, mas que a nação deve temer.

Em recente entrevista ao jornal Valor, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) fez um apelo à autonomia das instituições representativas e ao imperativo político de desvincular as três Armas deste governo. Ele sabe o que diz: o roteiro para o golpe é cristalinamente claro. Pode resultar num circo de horrores, como o que se instalou em Washington na semana passada. Mas pode também acabar numa tragédia nacional.

Brasil é motivo de escárnio do mundo

Enquanto em vários países as pessoas já estão sendo vacinadas, no Brasil não se sabe nem se haverá uma campanha para incentivar a imunização ou se prosseguirá a política subterrânea de boicote.

O Brasil está aparecendo aos olhos do mundo como um pária, incapaz de oferecer uma solução de esperança às pessoas amedrontadas com a pandemia. E isso apesar de ser um dos três países com mais vítimas fatais e com o maior número de infectados.

É um país que o próprio presidente confessa que está quebrado economicamente e, em suas reuniões de Governo, em vez de buscar soluções rápidas para combater a pandemia, única forma de fazer frente à dura situação econômica e aos milhões de desempregados que crescem a cada dia produzindo um rio de pobreza, parece se divertir com o desconcerto que criou com o negativismo
sobre a vacina.


No mundo inteiro, dos reis aos chefes de Estado de todas as cores políticas, dos Estados Unidos ao Vaticano, os líderes das nações estão demonstrando seu empenho em combater a epidemia, e estão se vacinando em público diante das câmeras de televisão. No Brasil, chegou-se à situação de escárnio em que o Governo decretou sigilo de cem anos sobre o cartão de vacinação de Jair Bolsonaro. Embora ele já tenha anunciado que não se vacinará, algo inédito no mundo, tenta-se impor o silêncio sobre se, afinal, o presidente se vacinará ou não. Quem são, então, os covardes?

Enquanto em vários países de todos os continentes as pessoas já estão sendo vacinadas, no Brasil ainda não sabemos quando começará a imunização. Reinam o caos e o silêncio sobre o assunto no país. E o pouco que se sabe é que as autoridades ainda não decidiram quase nada. Como se já não fosse pouco, o que começam a oferecer é uma ofensa. Trata-se da vacina que até hoje oferece o menor índice de imunidade, 50,38%, enquanto as de outros países chega a 75%. Ainda não sabemos se para economizar dinheiro as autoridades decidiram oferecer só uma dose em vez de duas, como nos outros países. Não sabemos se a maioria da população será vacinada, ou se apenas alguns poucos serão. Não sabemos se haverá uma campanha para incentivar as pessoas a se vacinar ou se prosseguirá a política subterrânea de boicotá-la para que se vacine o menor número possível de pessoas.

Tudo isso foi alimentado depois que o presidente Bolsonaro teve o descaramento de zombar do crescente número de vítimas e respondeu a um jornalista: “E daí? Não faço milagres”. Ou quando tachou de covardes e maricas os que temiam o vírus. Ou quando disse que atletas como ele eram imunes à epidemia. Ou que importava pouco ou nada que morressem idosos e enfermos, já que “todos nós vamos morrer”. Ele só estava interessado em que não morressem os mais fortes para assegurar a força de trabalho.

Tudo o que envolveu a política sobre a pandemia desde o início, com a atitude suicida do presidente, foi único no mundo, onde todos os chefes de Estado se preocupam em como melhor salvar vidas, sobretudo as dos mais frágeis. Na verdade, a política do Brasil desde o início da pandemia de covid-19 foi minimizar, negar, boicotar até os ministros da Saúde e criar um clima nacional de desinteresse pelas vítimas que iam se amontoando.

Obrigou assim os profissionais de saúde a serem heróis que se destacaram diante da covardia do Governo e foram dos que mais morreram no mundo.

Tudo isso por interesses mesquinhos da baixa política de Bolsonaro, que não queria que os governadores adversários iniciassem a vacinação antes que ele tomasse a decisão. Perderam-se assim meses preciosos.

Um dia a história contará a atitude de Bolsonaro e suas hostes de zombar da pandemia como um dos maiores casos de aberração política já conhecidos.

Na já épica reunião do Presidente com seus ministros em abril, entre risos e brincadeiras, o ministro do Meio Ambiente propôs aproveitar a pandemia, com o país preocupado e distraído com seus mortos, para deixar “passar a boiada” na Amazônia. Existe zombaria maior da dor do país?

Tudo isso me fez lembrar da cena que Santiago H. Amigorena narra em seu livro "O Gueto Interior", quando os chefões nazistas se reuniam para discutir qual seria o método mais econômico para matar milhões de judeus. Pensaram que o fuzilamento seria muito lento e caro, então decidiram que era melhor o extermínio nos campos de concentração, nas câmaras de gás ou com trabalhos forçados e pesados, quase sem alimentá-los, o que os levava em seguida à morte.

Existe hoje no mundo uma política de socorro às pessoas, pela qual seus líderes se esforçam em busca de programas para salvar vidas, melhorar suas condições econômicas e garantir seus direitos fundamentais.

É triste constatar, mas tudo leva a crer que o presidente brasileiro dorme tranquilo, sem pensar em como salvar vidas e melhorar a terrível desigualdade social do país. Sua única obsessão parece ser trabalhar para que os brasileiros, principalmente os mais necessitados, continuem aparecendo para o mundo como um rebanho sem pastor, enquanto continua brincando com os mortos da pandemia e usando Deus como seu talismã para fazer os mais pobres e necessitados se esquecerem de sua vida dura e sacrificada.

Em vez de seu lema “Deus acima de todos”, poderia trocá-lo por: “Aqueles que sofrem dor física e moral acima de tudo”.

Penso nos milhões de brasileiros sem cultura e sem recursos econômicos abandonados à própria sorte enquanto seu presidente alardeia ser atleta e imortal e brinca de Deus.
Triste Brasil.

Uma grave ameaça contra o País

Sem enfrentar de forma minimamente responsável a pandemia de covid-19, o governo de Jair Bolsonaro parece não medir esforços para causar danos ao País em outras áreas. Como revelou o Estado, há no Congresso dois projetos de lei orgânica das Polícias Civil e Militar, alterando sua estrutura e organização, além de restringir o poder dos governadores.

Em tempos normais, projetos dessa natureza – que nada solucionam, apenas desorganizam e destroem – seriam relegados ao esquecimento. No entanto, aliados do governo Bolsonaro têm apoiado e impulsionado sua tramitação, numa demonstração de que, para Jair Bolsonaro e seus apoiadores, não há limites para o desastre.

Sob o pretexto de dar prioridade à segurança pública e de uniformizar a estrutura das Polícias estaduais – o que já seria bastante frágil do ponto de vista constitucional –, as propostas de lei orgânica não trazem nenhuma melhoria funcional. Antes, favorecem e fortalecem o vírus do corporativismo dentro dessas instituições.



Os dois projetos de lei promovem o oposto daquilo que se espera de uma reforma do poder público: aumento da eficiência e da transparência, melhores mecanismos de controle, maiores incentivos à atuação dentro da lei. Do ponto de vista constitucional, administrativo e funcional, as propostas são um evidente retrocesso.

O maior problema dos dois projetos sobre as Polícias não é, no entanto, sua disfuncionalidade, por mais grave que ela seja. O grande perigo é a finalidade dessas propostas e que tanto faz brilhar os olhos de Jair Bolsonaro: a tentativa de subordinar as forças de segurança estaduais a interesses políticos do governo central. Tanto é assim que uma das medidas propostas é a criação de um esdrúxulo Conselho Nacional de Polícia Civil, subordinado à União.

O assunto é especialmente grave, com muitas consequências para o funcionamento das instituições e a normalidade da ordem pública, a afetar diretamente a população. Está em curso uma clara tentativa, por parte do presidente Bolsonaro, de apropriação político-ideológica das Polícias Militar e Civil.

O objetivo da manobra não é apenas aumentar a influência do bolsonarismo sobre o braço armado do Estado, o que já seria deletério e inconstitucional. Num Estado Democrático de Direito, a polícia não serve a interesses políticos. No entanto, o que se vê no comportamento de Jair Bolsonaro é a tentativa de subjugar politicamente soldados e policiais, desprezando a hierarquia e os caminhos institucionais.

Em entrevista ao jornal Valor, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) destacou o caráter inédito dessa movimentação presidencial junto às tropas. “O ministro (da Saúde) é militar. Os secretários são militares. (...) E o mais perigoso: se você olha a agenda do Bolsonaro, ela é em grande parte dedicada a solenidades de formação de policiais militares. Eu fui governador por 12 anos. Não me lembro de nenhum presidente ter sequer cogitado vir ao Ceará para uma formatura de policial. Ele corteja as Polícias Militares ainda mais que o Exército. Eu ontem conversava com Antonio Anastasia (PSD-MG), que também foi governador, se ele lembrava de algo assim e ele disse: ‘Não, nunca’. Bolsonaro está cortejando esse grupo, visivelmente.”

Em artigo no Estado (Lei marcial cabocla, 2/1/21), Miguel Reale Jr. chamou a atenção para a gravidade do comportamento de Jair Bolsonaro. “Se juntarmos a acusação infundada de fraude em urnas eletrônicas, sem a mínima comprovação, com a principal atividade desenvolvida por Bolsonaro, então se acende a luz amarela do perigo. E qual é essa atividade? O presidente tem comparecido a solenidades de graus inferiores das Forças Armadas (sargentos da Marinha) e das Polícias Militares”, escreveu. Com vários exemplos, o artigo de Reale Jr. mostra o papel relevante de forças estaduais em movimentos sediciosos da história nacional.

As Polícias Militar e Civil estão a serviço da população. Que o Congresso desfaça as tentativas de transformá-las em ameaça contra o País e lembre ao presidente Bolsonaro que aqui há lei e instituições democráticas. Há limite.

A responsabilidade do governo nas mortes pela Covid-19

Fora a vacina, não há tratamento precoce para a Covid-19. Quando o presidente Jair Bolsonaro diz que há, mente, e sabe que mente. Como mentem todos os seus acólitos que repetem o que ele diz. Simples assim. Mas parece que não cansam de mentir.

As mais recentes digitais da mentira governamental responsável por tantas mortes estão em ofício encaminhado à Prefeitura de Manaus, na última sexta-feira, onde o Ministério da Saúde pede para visitar as Unidades Básicas de Saúde da cidade.

Qual seria o propósito da visita? Difundir “o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença". Mas tratamento com base no quê? Está dito no ofício publicado pelo jornal Folha de S. Paulo:

"Aproveitamos a oportunidade para ressaltar a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo ministério, tornando, dessa forma, inadmissível, diante da gravidade da situação, a não adoção da referida orientação".

As medicações defendidas pelo governo não têm eficácia no tratamento do vírus. Mas, e daí? Na nota informativa 17/2020, o Ministério da Saúde sugere um combinado de cloroquina ou hidroxicloroquina com azitromicina.

O ofício enviado à Prefeitura de Manaus é assinado por Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde. Ela tornou-se conhecida em 2013 por ter hostilizado cubanos que participavam do curso do programa Mais Médicos.

Em julho de 2020, Mayra escreveu nas redes sociais que os governadores e prefeitos de São Paulo eram os responsáveis pelas mortes por coronavírus que aconteceram em suas regiões por dificultarem "o acesso às medicações para tratamento da doença."

Bolsonaro avalizou, ontem, a posição de Mayra e culpou o governador do Amazonas e o prefeito de Manaus pelo aumento de mortes por lá:

“Mandamos o nosso ministro da Saúde [ao Estado]. Estava um caos. Não faziam tratamento precoce. Aumentou assustadoramente o número de mortes. E mortes por asfixia, porque não tinha oxigênio. Deixaram o oxigênio acabar”. 

Mito que faz gelar




É um sujeito perto de quem cada qual se sente esfriar no seu calor humano. A presença dele faz baixar alguns pontos o valor da vida
Aníbal Machado, "Cadernos de João"

Fábula

Há entre os índios da América do Sul a seguinte lenda:

Dizem que no princípio Deus criou os homens de tal maneira que eles não precisavam de trabalhar, não precisavam de habitações , nem de roupas, nem de comida, viviam todos até aos cem anos e não conheciam quaisquer doenças.

Passou-se algum tempo, e quando Deus olhou para ver como os homens viviam, viu que eles, em vez de se alegrarem com a sua vida, cada qual preocupado apenas consigo próprio, andavam desavindos uns com os outros e tinham organizado uma vida com a qual não só não se alegravam, como a maldiziam.
Então Deus disse para consigo: isto é porque vivem separados, cada qual para si. E para que não fosse assim, Deus fez com que os homens não pudessem viver sem trabalhar - para não sofrerem com o frio e a fome, teriam que construir habitações , cavar a terra, cultivar e colher frutos e cereais.

O trabalho vai uni-los - pensou Deus -, um sozinho não consegue cortar e transportar a madeira e construir uma casa, sozinho não pode preparar as ferramentas, semear e colher, fiar, tecer e costurar roupas. Eles compreenderão que quanto mais unidos trabalharem , mais produzirão e melhor viverão. E isso há-de uni-los.

Passou mais algum tempo, e Deus veio uma vez mais ver como viviam os homens.

Mas os homens viviam pior do que antes. Trabalhavam juntos - não podiam deixar de o fazer - mas não em comum. Estavam divididos em pequenos grupos , e cada grupo procurava roubar aos outros o seu trabalho, e todos se estorvavam uns aos outros , gastavam tempo e forças na luta, o que era mau para todos.

Tendo visto que assim também não estava bem, Deus decidiu fazer com que as pessoas não conhecessem a hora da sua morte e pudessem morrer em qualquer momento. E anunciou-lhes isso. 

Sabendo que qualquer um deles pode morrer em qualquer momento, pensou Deus, não vão, pelos cuidados da vida que pode acabar a qualquer momento, zangar-se uns com outros e estragar as horas de vida que lhes estão destinadas.

Mas não foi isso que aconteceu. Quando Deus voltou para ver como viviam agora os homens, viu que a vida deles não tinha melhorado.


Os mais fortes, aproveitando-se do facto de que as pessoas podiam morrer em qualquer momento, submetiam os mais fracos, matando alguns e ameaçando os outros de morte. E estabeleceu-se uma vida em que só os fortes e os seus descendentes não trabalhavam, e viviam entediados com a ociosidade. Os fracos trabalhavam para além das suas forças e sofriam por falta de descanso. Uns e outros receavam-se e odiavam-se mutuamente. E a vida dos homens tornara-se ainda mais infeliz.

Ao ver isto, Deus, para remediar as coisas, decidiu usar um último meio: enviou à humanidade toda a espécie de doenças, compreenderiam que os saudáveis tinham de ter pena dos doentes e ajudá-los para que , quando eles próprios adoecessem, os saudáveis os socorressem.

E Deus deixou outra vez os homens. Mas quando voltou para ver como eles viviam agora, viu que desde que ficaram sujeitos às doenças , a vida dos homens se tornara ainda pior. As mesmas doenças que, na ideia de Deus , deviam unir os homens , tinham-nos dividido ainda mais. Aqueles homens que obrigavam pela força os outros a trabalharem , obrigavam-nos também pela força a cuidar deles na doença e por isso não se preocupavam eles próprios com os doentes. E aqueles que eram forçados a trabalhar para os outros e a cuidar dos doentes , estavam tão extenuados pelo trabalho, que não podiam cuidar dos seus próprios doentes e deixavam-nos sem ajuda. E para que a vista dos doentes não perturbasse os prazeres dos ricos , criaram umas casas onde os doentes sofriam e morriam sem a simpatia daqueles que tinham pena deles , mas entregues nas mãos de pessoas contratadas, que tratavam os doentes não apenas sem piedade, mas até com repugnância. Além disso, como o maior parte das doenças era considerada contagiosa, receavam o contágio e não se aproximavam dos doentes e afastavam-se mesmo de quem tratava deles.

Então Deus disse para consigo: se nem mesmo este meio consegue levar os homens a compreenderem onde está a sua felicidade, deixá-los aprender à sua custa, pelo sofrimento. E Deus deixou os homens entregues a si próprios.

E deixados entregues a si próprios, os homens viveram muito tempo sem compreenderem que podem e devem ser felizes. Só nos últimos tempos alguns deles começaram a compreender que o trabalho não deve ser um espantalho para uns e uma escravidão para os outros , mas deve ser uma ocupação comum e feliz para todos, que una todas as pessoas; começaram a compreender que com a constante ameaça da morte para cada um de nós, a única coisa racional para qualquer pessoa consiste em passar alegremente , em concórdia e amor , os anos , os meses, as horas e os minutos concedidos a cada qual; começaram a compreender que a doença não só não deve ser motivo de divisão, mas , pelo contrário, deve ser motivo de amor e de união entre todos.

Lev Tolstoi, "Os últimos escritos (1882-1910)"

Pensamento do Dia

 


O ano da desigualdade

O sarrafo deixado por 2020 é baixíssimo. Foi um ano contudo em que — como resposta à peste — criaram-se soluções para proteger a sociedade. Estado de calamidade. Orçamento de Guerra. Auxílio emergencial. Uma cadeia de calor. Ante exigências de exceção, respostas excepcionais rapidamente formuladas e viabilizadas por meio da atividade legislativa. Dois mil e vinte acabou. Levou consigo, formalmente, o estado de calamidade. Parece ter levado também o bom senso, já que se fala, como se o vírus não mais houvesse, em retomada da agenda de austeridade fiscal; e sobre nós baixa novamente o teto de gastos.

O vírus permanece, no entanto. O estado de calamidade na vida dos brasileiros permanece. Tudo indica que se alargará, sem o auxílio emergencial; cujo fim terá por efeito empurrar as pessoas à busca de emprego. Não há emprego. Há a segunda onda.

A fotografia perversa não nos autoriza ao otimismo: temos um estado de calamidade de súbito sem reconhecimento oficial, um encilhamento fiscal num país que precisa de indução da economia popular (ou será a fome), um vírus de circulação recrudescente, um Parlamento paralisado por disputa interna de poder e um governo calamitoso, cujo líder populista-autoritário — a só pensar em reeleição — fortalece-se no caos.



Sou a favor do teto de gastos. Considero importantes as amarras de uma âncora fiscal. Mas em condições normais. Não é o caso.

O sarrafo legado por 2020 é baixo, mas 2021 salta sem qualquer colchão — sem qualquer rede de amparo. A pobreza aumentará. A miséria se radicalizará. Tudo o mais constante, sem respostas organizadas pelo Estado, 2021 será o ano do agravamento da desigualdade num país já barbaramente desigual.

Há muito escuto sobre crescimento econômico em K num Brasil minado pela pandemia. Aí está. A perna que ascende sendo a dos mais ricos — para os quais, o palestrante Guedes tem razão, a ereção já é em V. A que desce, a do tombo dos mais pobres. Dois mil e vinte ecoará longamente na vida dos ferrados. O mundo real se imporá; ao qual se reagirá com improviso e populismo.

Sem estado de calamidade formal, prorroga-se o estado de calamidade real em que prospera um governo calamitoso; em que os pobres serão mais desprovidos e em que avançará um presidente-candidato que se alimenta de crise. Estão dados os gatilhos para respostas economicamente populistas. Em vez de discutir-se a revisão, a flexibilização, do teto de gastos, movimento necessário face à peste, investe-se nas circunstâncias inseguras para sua violação. Questão de tempo até que o governo abra o tesouro e gaste sem planejamento para enfrentar um surto de miséria que ajudou a encorpar.

Países não quebram. Mal governados, porém, pioram a vida dos seus. Mal governados, aí sim, quebram, depauperam, mesmo matam, os seus — os mais pobres. É o que produz Jair Bolsonaro por meio de rara combinação de irresponsabilidade e incompetência, conjunto potencializado pela febre reacionária do fenômeno que encarna.

O que produz Bolsonaro: sustentação, alongamento, do estado de calamidade informal — devastador de pobres — de que depende a competitividade de um governo, de um governante, calamitoso.

O Brasil não está quebrado, mas a economia não reagirá enquanto não houver vacinação. E quem é nosso principal agente antivacinação? Bolsonaro. Aquele que, se vitimizando, diz que nada consegue fazer. Consegue, sim. Deformar. Destruir. Mesmo sem trabalhar: corrompe. Nunca trabalhou, o dilapidador. E queria conseguir mais? Alguém capaz de declarar que o país está quebrado, admitindo a inação-impossibilidade do próprio governo, logo após dezessete dias fritando ao sol em férias, cujo auge consistiu naquela encenação de mergulho nos braços do povo.

Neste período de vadiagem, em que o presidente reforçou seu compromisso de boicotar o Programa Nacional de Imunização, de cuja eficiência depende a liberação da economia com que diz se preocupar, o Brasil não pagou uma dívida de US$ 292 milhões para aporte de capital no Novo Banco de Desenvolvimento, instituição financeira do Brics de que é sócio. Calote. O governo caloteiro, porém, botou a culpa no Congresso. É, de novo, expressão do tal “não consigo fazer nada”. A operação da velha forja de inimigos artificiais de que Bolsonaro precisa para cultivar suas milícias e disfarçar suas incapacidades.

Lembro que este é o presidente que, assim que assumiu, disparou que o Brasil era ingovernável. A culpa sendo sempre dos outros. Do establishment etc. Uma mentira muito influente, que circula mesmo ante os fatos. Por exemplo: a Câmara, que criminaliza (mas desde a qual construiria tremenda empresa familiar), votou com seu governo em 74% de suas matérias de interesse. Fato. A Câmara é governista. Contra o governo, joga o próprio governo.

A incompetência — tanto mais em meio a um estado de exceção — pode ser muito lucrativa. Gera oportunidades — também políticas — a um autocrata. Bolsonaro é um irresponsável. Não tem a menor ideia do que seja a Presidência da República, mas não ignora o alcance da palavra do presidente difundindo-se no zap-profundo. Países não quebram. Mas instituições são corrompidas desde dentro. Países não quebram. Quebram as gentes. Matam.

Climate War: 'Estamos perdendo a guerra climática?'

 

Vídeo lançado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) questiona se governos e empresas estão agindo para defender ou para destruir a Amazônia, massacrando os povos nativos que habitam o bioma há séculos. Em formato de paródia dos noticiários cinematográficos produzidos durante a Segunda Guerra Mundial.

O Brasil de Bolsonaro afunda

Os sinais estão espalhados por todos os lados. Só não vê quem não quer. O Brasil de Jair Bolsonaro desmorona. Todos os erros cometidos ao longo dos dois primeiros anos de seu mandato começam a ser cobrados. O problema é que a conta será paga por todos, inclusive por aqueles que têm pavor da figura presidencial, como você e eu.

Na terça-feira, o francês Emmanuel Macron expressou um sentimento com que a maioria dos líderes europeus concorda, o Brasil de Bolsonaro não é um país confiável. Como não se obtém um compromisso em favor do meio ambiente e da Amazônia, muito menos medidas nesse sentido, Macron propôs um boicote à soja brasileira. E sugeriu que se plante soja em solo europeu. Para Macron, continuar dependendo da soja brasileira seria “endossar o desmatamento da Amazônia”. 

Talvez o presidente francês não ignore que os grandes produtores de soja brasileiros não cortam uma árvore nativa nem acendem um palito de fósforo nas florestas brasileiras há pelo menos 20 anos. Que os incêndios e as derrubadas de matas são feitas hoje em dia por madeireiros, garimpeiros, grileiros e pequenos produtores rurais, muitos deles de assentamentos de sem-terra. Mas há um símbolo nisso que precisa ser mantido.

Macron ataca esse símbolo, a política governamental brasileira que aceita e incentiva esses desmatadores, mesmo que sua contribuição para a economia nacional seja mixuruca perto da riqueza que geram os grandes produtores rurais. Estes, que já estavam sob enorme pressão graças a nosso bolsonarismo ambiental, agora ouvem do presidente de um dos dois maiores países agrícolas da Europa que é hora de reagir contra a soja nacional.

O relatório anual da Human Rights Watch (HRW), divulgado ontem, também ataca o frouxo combate do governo brasileiro ao desmatamento e às queimadas. Para os terraplanistas que cercam ou seguem cegamente sua excelência, a entidade deve ser ignorada porque é uma “ONG esquerdista”. Sobre Macron, devem fazer referência a sua mulher, como as que o nosso misógino presidente um dia fez, por isso ele também não deve ser levado em conta.

Agora, perguntem aos produtores rurais o que eles acham disso. O Ministério da Agricultura divulgou uma nota vaga dizendo que Macron estava enganado, que a soja brasileira é produzida de modo sustentável. Não foi assinada pela ministra Tereza Cristina e não se referiu ao relatório da HRW.

De outro lado, a Ford anunciou sua saída do Brasil. As razões devem ser as alegadas, por reposicionamento global da empresa, pelo movimento do mercado etc. Mas é evidente que o ambiente de negócios sob Bolsonaro não estimula qualquer argumento contrário. Macron, que está do outro lado do Atlântico, percebeu que este não é um país sério. Imagine, então, o que pensam os dirigentes da montadora que operam aqui dentro.

Se até o Banco do Brasil, joia do Estado nacional, orgulho provinciano de muitas gerações de brasileiros, anunciou um plano de demissão voluntária para acertar suas contas, pense como estão os outros bancos, as outras empresas que operam em solo pátrio, debaixo da incompetência governamental que conhecemos. Quem puder pular fora vai pular. Mesmo com algum prejuízo, a contabilidade mais adiante pode comprovar o acerto da saída.

Além das muitas deficiências nacionais (falta de infraestrutura, sobretudo ferroviária, produtividade baixa, barafunda tributária), o país agora vive sob o comando de um alucinado que só se ocupa de política. Pior, do lado escuro e sombrio da política. O mesmo relatório da Human Rights Watch acusou nominalmente Bolsonaro por tentar sabotar as medidas contra a Covid-19. A ONG afirma ainda que o governo mais espantoso que o país já viu incentiva a violência policial e desrespeita os direitos das mulheres, dos índios e de pessoas com deficiência.

O Brasil de Bolsonaro afunda no modo acelerado. Tudo o que ele puder fazer para jogar o país para baixo, vai fazer. A herança que deixará será maldita, essa sim. Para lá de maldita.

Não estamos quebrados, mas perdidos

A fala do presidente Bolsonaro de que o Brasil está quebrado e de que ele não consegue fazer nada em termos de alocação de recursos repercutiu muito. Apesar de reconhecer que a situação econômica e fiscal embute riscos relevantes, discordo do comentário, pois julgo que há muito a ser feito.

O Brasil avançou em várias frentes nos últimos 40 anos, tais como: a construção de uma democracia sólida; um Congresso e um Judiciário independentes e capazes de evitar equívocos do Executivo; a universalização do atendimento gratuito no sistema público de saúde - quase três bilhões de atendimentos anuais desde procedimentos ambulatoriais até cirurgias de alta complexidade; a estabilização econômica - com inflação baixa e estabilidade monetária; e a modernização do setor de commodities, com o país tornando-se um dos maiores exportadores de produtos agropecuários e minerais.

Todavia, não é possível festejar essas conquistas, pois vários países com estágios de desenvolvimento mais atrasados no fim dos anos 1970 avançaram muito mais. Cerca de 60% da população brasileira nasceu depois do início da década de 1980 e não viveu os anos de crescimento pujante. O crescimento médio do PIB desde então foi inferior a 2,5% ao ano, com uma expansão per capita muito reduzida.

As distorções domésticas são vergonhosas. Enquanto uma parte diminuta da sociedade vive em condições compatíveis às dos países desenvolvidos, a maior parcela vive as agruras do subdesenvolvimento, com elevada deficiência nos sistemas, por exemplo, de educação - quase 50% dos brasileiros com 25 anos ou mais têm, no máximo, ensino fundamental completo - e de saneamento - 30% dos domicílios não têm rede geral nem fossa séptica.



O destaque negativo continua sendo a baixa qualidade do ensino, refletindo a pouca relevância atribuída ao tema por parte da sociedade. A inoperância do Ministério da Educação (MEC) durante a pandemia comprova a inépcia operacional dos seus dirigentes. Apesar de não ter responsabilidade direta pela gestão do ensino básico, o MEC tinha por obrigação propor ações para minimizar os custos da ausência de aulas presenciais para crianças e jovens e do pouco ou nenhum acesso ao aprendizado remoto pelos alunos das escolas públicas.

A perda de um ano de aprendizado prejudicará a produtividade da mão de obra nos próximos muitos anos. O aumento do capital humano será fundamental para o crescimento do país a partir de agora, pois o bônus demográfico - aumento da força de trabalho - está praticamente exaurido. Não consigo desenhar um ciclo de forte expansão dos investimentos no longo prazo, mesmo com um ambiente favorável de juros baixos, sem que haja um maior foco no ensino básico - infantil, fundamental e médio.

O atual governo carece de um planejamento mínimo e de uma capacidade de negociação para construção de uma estratégia de convencimento da sociedade. Mesmo com um diagnóstico correto, a área econômica enfrenta grande dificuldade para operacionalização das suas propostas. Em parte, isso se deve à indefinição do governo sobre suas prioridades, fora a retrógrada agenda dos costumes e a equivocada demanda pelo voto impresso. À luz da atuação do Ministério da Saúde, que parece reagir apenas às repercussões na mídia e ao embate com o governo de São Paulo, o combate à pandemia não parece ser uma prioridade.

Apesar da relevância de uma reforma administrativa, a opção do governo e da maioria dos líderes partidários de não incluir os atuais servidores civis e militares na atual proposta torna pouco útil sua tramitação para efeito da melhoria das contas públicas nesta década. Assim, a busca pela aprovação no Congresso de uma reforma tributária seria uma melhor alternativa.

Os últimos governos não foram capazes de organizar um debate profundo sobre uma reforma ampla desse código. Isso facilitou a proliferação de alterações que distorceram ainda mais o sistema de impostos, visando, por exemplo, a proteção da indústria nacional. Essas intervenções prejudicam a utilização eficiente dos recursos domésticos escassos, privando os consumidores do acesso a produtos de melhor qualidade e mais baratos. Ao tornar o sistema tributário extremamente complexo, o oferecimento desorganizado de subsídios e abatimentos fiscais nas últimas décadas gerou um enorme número de pendências jurídicas e de custos fiscais inacreditáveis, traduzidos pela ampliação dos valores e do número de precatórios.

Passados mais de dois anos de mandato, o atual governo também não foi capaz de apresentar uma proposta de reforma tributária completa. O governo encaminhou para o Congresso apenas uma primeira fase dessa proposta em meados de 2020, com a garantia de que logo enviaria as demais. Isso ainda não ocorreu. Fora a cansativa cantilena, não houve nenhum esforço consistente de convencimento dos parlamentares. Em um cenário em que todos são a favor da reforma, mas contra revisões que reduzam seus privilégios tributários, essa dinâmica não é alentadora, como comprovado pela reação de alguns setores contra o recente anúncio do governo de São Paulo sobre a redução de incentivos fiscais.

Apesar de não estar quebrado, o país tampouco está uma maravilha. A esperança dos brasileiros é de que um ou dois governos inertes não alteram as perspectivas de longo prazo de um país. Não será apenas uma ou duas décadas que mudarão os desígnios do Brasil. Todavia, 40 anos de expansão do PIB muito inferior à média dos demais países emergentes deixam muitas marcas, ainda mais quando os próximos anos não parecem auspiciosos.

O país parece perdido no atual ambiente de picuinhas políticas, de embates entre os representantes dos três poderes, do suposto excessivo foco do presidente nas eleições de 2022 e da falta de uma agenda que seja mais do que discursos cada vez mais vazios. O Brasil não precisa de milagres, mas sim do empenho do governo e das lideranças políticas visando a aprovação no Congresso de um conjunto sólido de ajustes e reformas em 2021 e 2022. Pensando bem, isso seria quase um milagre.