sexta-feira, 8 de dezembro de 2023
A confusão é geral
Há, por toda parte, uma incompreensão absoluta, um mal-estar indisfarçável, uma desconfiança geral e, enquanto os povos se olham com animosidade, os indivíduos se entreolham com desconfiança. Ninguém acredita em ninguém. As palavras, dia a dia, perdem o seu sentido natural, etimológico, e as próprias ações humanas vão indo pela mesma trilha. O que era bom ontem, hoje não o é mais; o que era mal passou a ser bom. A virtude ingressou no rol das coisas imprestáveis e a honestidade é atributo dos ‘trouxas”.Benedito Carneiro Bastos Barreto (Belmonte)
Cabe a Lula e moderados encontrar o idioma para tratar com a oposição
Os estudos sobre o populismo de extrema direita têm crescido na mesma medida do reconhecimento de sua presença perturbadora nas democracias atuais.
Os especialistas divergem tanto em identificar suas causas quanto ao seu poderio de destruir os sistemas democráticos. Concordam, porém, que líderes populistas promovem a polarização política afetiva e dela se nutrem. O que, por sua vez, torna mais crispada a livre competição por votos e mais difícil a construção posterior de convergências que facilitem a vida dos eleitos.
A profunda fenda política aberta pela vitória de Bolsonaro e ampliada sob o seu infausto mandato é o tema da obra "Biografia do Abismo", do cientista político Felipe Nunes e do jornalista Thomas Traumann, a caminho das livrarias.
Nutridos por uma fartura de pesquisas, sustentam que nos últimos anos a natureza da polarização mudou.
A extrema direita bolsonarista alçou ao topo do embate político a defesa de valores próprios da vida privada —modelos de família, crenças religiosas, educação dos filhos— em detrimento de questões socioeconômicas mais aptas e gerar convergências, como o papel do Estado e o combate à pobreza. Facilitou assim a decantação de identidades políticas de natureza afetiva e, por isso mesmo, virtualmente irredutíveis e inegociáveis.
A explosão do uso e abuso das redes sociais, onde as informações circulam a jato em grupos homogêneos de opinião, só reforçou o processo pelo qual a polarização foi dando lugar ao enrijecimento de posições que os autores denominam "calcificação política". Ela teria extravasado da velha disputa pelos corações e mentes do eleitor para invadir relações pessoais e familiares, entre colegas de trabalho e até nas escolhas de onde fazer compras.
Entre os petistas raiz teria ocorrido algo semelhante, de tal forma que, segundo os autores, o conflito calcificado poderá ter vida longa.
Se depender da extrema direita, a tendência se manterá, pois só a beneficia. Mas, a julgar pelas sondagens, nada indica que os eleitores de Bolsonaro sejam todos feitos da mesma matéria rija e impermeável. Ou que o petismo puro-sangue seja majoritário. Até porque o seu mentor maior sempre foi pragmático e afeito a buscar consensos.
Assim, dependerá dele e dos moderados que se agrupam em torno do seu governo reconhecer as diferenças no campo adversário e encontrar o idioma comum do reconhecimento e do diálogo.
Em alguns casos, isso poderá levar à ampliação de espaços na administração federal. Ou, como se viu há pouco, à nomeação de um procurador-geral de passado conservador.
Os especialistas divergem tanto em identificar suas causas quanto ao seu poderio de destruir os sistemas democráticos. Concordam, porém, que líderes populistas promovem a polarização política afetiva e dela se nutrem. O que, por sua vez, torna mais crispada a livre competição por votos e mais difícil a construção posterior de convergências que facilitem a vida dos eleitos.
A profunda fenda política aberta pela vitória de Bolsonaro e ampliada sob o seu infausto mandato é o tema da obra "Biografia do Abismo", do cientista político Felipe Nunes e do jornalista Thomas Traumann, a caminho das livrarias.
Nutridos por uma fartura de pesquisas, sustentam que nos últimos anos a natureza da polarização mudou.
A extrema direita bolsonarista alçou ao topo do embate político a defesa de valores próprios da vida privada —modelos de família, crenças religiosas, educação dos filhos— em detrimento de questões socioeconômicas mais aptas e gerar convergências, como o papel do Estado e o combate à pobreza. Facilitou assim a decantação de identidades políticas de natureza afetiva e, por isso mesmo, virtualmente irredutíveis e inegociáveis.
A explosão do uso e abuso das redes sociais, onde as informações circulam a jato em grupos homogêneos de opinião, só reforçou o processo pelo qual a polarização foi dando lugar ao enrijecimento de posições que os autores denominam "calcificação política". Ela teria extravasado da velha disputa pelos corações e mentes do eleitor para invadir relações pessoais e familiares, entre colegas de trabalho e até nas escolhas de onde fazer compras.
Entre os petistas raiz teria ocorrido algo semelhante, de tal forma que, segundo os autores, o conflito calcificado poderá ter vida longa.
Se depender da extrema direita, a tendência se manterá, pois só a beneficia. Mas, a julgar pelas sondagens, nada indica que os eleitores de Bolsonaro sejam todos feitos da mesma matéria rija e impermeável. Ou que o petismo puro-sangue seja majoritário. Até porque o seu mentor maior sempre foi pragmático e afeito a buscar consensos.
Assim, dependerá dele e dos moderados que se agrupam em torno do seu governo reconhecer as diferenças no campo adversário e encontrar o idioma comum do reconhecimento e do diálogo.
Em alguns casos, isso poderá levar à ampliação de espaços na administração federal. Ou, como se viu há pouco, à nomeação de um procurador-geral de passado conservador.
Uma história de envergonhar
Gabriela Torquato Fernandez, presidente do Instituto XP, órgão dedicado à educação financeira, passou nesta semana por um monstruoso constrangimento. Numa escala de um voo de trabalho, no aeroporto de Campina Grande (PB), o raio-x acusou a presença de metal em seu corpo e mostrou o que era evidente à simples constatação visual: Gabriela é portadora de uma prótese. Duas funcionárias disseram que ela deveria retirá-la para ser submetida à inspeção. Gabriela explicou sua condição, mas elas foram inflexíveis —eram "ordens". Foi então encaminhada a um reservado para realizar a operação, que, mesmo em sua casa, não é das mais simples.
Gabriela teve má formação congênita. Nasceu sem os ossos do quadril do lado esquerdo e sem o membro inferior. Sua prótese fica em contato direto com a pele, que tende a se ferir e sangrar, e é amarrada na cintura. Sem ela, Gabriela tem certa dificuldade de se equilibrar. O auge da humilhação foi ao voltar ao saguão carregando a enorme e pesada prótese, para que ela passasse pelo raio-x, direto na esteira imunda porque não cabia na bandeja.
Tudo isso aconteceu no domingo último, 3 de dezembro —por acaso, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. A rigidez desumana de certas normas e o despreparo de funcionários para lidar com situações incomuns parecem ser nossas especialidades.
É terrível imaginar quantos brasileiros já não foram submetidos a tais humilhações por serem "diferentes". A própria Gabriela às vezes tem vontade de pedir desculpas por sua deficiência —que não a impede de ser uma das mais reconhecidas profissionais do país numa atividade de crescente importância.
Gabriela tem 31 anos. Usa prótese desde um ano de idade. Passa grande parte do ano em viagens no exterior e já embarcou e desembarcou em aeroportos de todos os continentes. "Só vivi semelhante experiência uma vez, na Etiópia", disse.
Gabriela teve má formação congênita. Nasceu sem os ossos do quadril do lado esquerdo e sem o membro inferior. Sua prótese fica em contato direto com a pele, que tende a se ferir e sangrar, e é amarrada na cintura. Sem ela, Gabriela tem certa dificuldade de se equilibrar. O auge da humilhação foi ao voltar ao saguão carregando a enorme e pesada prótese, para que ela passasse pelo raio-x, direto na esteira imunda porque não cabia na bandeja.
Tudo isso aconteceu no domingo último, 3 de dezembro —por acaso, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. A rigidez desumana de certas normas e o despreparo de funcionários para lidar com situações incomuns parecem ser nossas especialidades.
É terrível imaginar quantos brasileiros já não foram submetidos a tais humilhações por serem "diferentes". A própria Gabriela às vezes tem vontade de pedir desculpas por sua deficiência —que não a impede de ser uma das mais reconhecidas profissionais do país numa atividade de crescente importância.
Gabriela tem 31 anos. Usa prótese desde um ano de idade. Passa grande parte do ano em viagens no exterior e já embarcou e desembarcou em aeroportos de todos os continentes. "Só vivi semelhante experiência uma vez, na Etiópia", disse.
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