domingo, 9 de agosto de 2020

Brasil visto pelo mundo

 

O poder da cidadania

A cidadania é o princípio e o fim da democracia. A palavra vem do civis latino, equivalente do grego polites, o membro da polis, de onde deriva nossa “política”. De um modo geral, a cidadania é o conjunto de prerrogativas e responsabilidades dos membros de uma comunidade política.

O cidadão grego era alternadamente um soldado, servidor, legislador, juiz e administrador, dedicado em tempo integral ao interesse público. Mas a cidadania era o privilégio de uma minoria definida por gênero, raça e classe. Roma, em seus inícios, era similar, mas à medida que a cidade se alargava em um império, a cidadania foi gradualmente estendida. Indivíduos de diferentes etnias, culturas e religiões podiam se dedicar aos seus interesses privados em igualdade de condições sob leis comuns, mas em contrapartida eram alheios à deliberação e execução destas leis. Construída sobre estes protótipos, a cidadania nos Estados nacionais modernos herdou deles esta tensão entre proteção legal e participação política – entre o cidadão como recipiente passivo de garantias individuais e como membro ativo da gestão pública.




No pós-guerra, consolidou-se a concepção da cidadania composta por três categorias de direitos sucessivamente acumulados nos últimos três séculos: direitos civis (como propriedade ou liberdade de expressão), direitos políticos (de eleger e ser eleito) e direitos sociais (como educação, saúde ou previdência).

Os críticos deste modelo apontam sua excessiva ênfase nos direitos e a necessidade de suplementá-los com o exercício das responsabilidades e virtudes cívicas. Por outro lado, há os que acusam a insuficiência do mero reconhecimento formal da igualdade entre todos os cidadãos e demandam medidas especiais para incluir grupos vulneráveis. Correntes feministas, por exemplo, criticam estruturas de perpetuação da subordinação das mulheres e os multiculturalistas pedem mecanismos de legitimação das identidades culturais, religiosas ou étnicas minoritárias. Na era da globalização, há ainda quem demande uma cidadania “cosmopolita” que transcenda as fronteiras nacionais.

No século 21, enquanto crescem as apreensões dos ambientalistas em relação a um modelo econômico baseado na expansão contínua da produção e do consumo, o colapso das suas bases financeiras, em 2008, assim como o impacto das novas tecnologias sobre a cadeia de trabalho, engrossaram o coro dos descontentes com este sistema e com os mecanismos de representação política, desencadeando soluções populistas e autoritárias.

O choque da pandemia expôs e agravou as disfunções da democracia contemporânea, e, passado o pânico inicial, vai inflamar estes debates. Com os negócios parcial ou totalmente paralisados e as pessoas confinadas em suas casas aterrorizadas por um inimigo comum invisível, seria cínico duvidar da sinceridade de expressões generalizadas como “estamos todos juntos”. Mas o fato é que as disparidades no interior dos países e entre eles aumentarão, intensificando os conflitos políticos e sociais.

A antiga tensão no seio da cidadania parece mais retesada do que nunca. Para a tradição liberal individualista, a cidadania é primariamente um status legal de garantias das liberdades individuais que permitem aos indivíduos empreenderem e se associarem em busca de sua prosperidade privada. Por sua vez, a concepção cívica republicana vê a cidadania como um processo ativo de participação na esfera pública.

A pedra angular para a reconstrução do contrato social em nosso tempo é o reconhecimento de que estas duas concepções não são antagônicas, mas dialeticamente complementares. As liberdades passivas são a base da democracia, mas a participação ativa é a sua perfeição – se as primeiras estão na raiz da árvore da democracia, é a segunda que gera os seus frutos. Dito de outro modo: o modelo liberal é a saúde da democracia, mas o modelo republicano é a sua virtude. Uma nova concepção de cidadania que sirva de coração a uma democracia a um tempo sadia e virtuosa, próspera e justa é o maior desafio da política no pós-pandemia.

Ainda há esperança?

Espero que a gente tenha conseguido mostrar nesta pandemia que a ciência é necessária e que as pessoas levem isso em conta na hora de elegerem seus representantes
Ester Sabino,. professora da Faculdade de Medicina da USP

 

Amazônia em transe

Dirigentes de três dos maiores bancos brasileiros apresentaram, ao vice-presidente da República, um plano para a Amazônia. Mas um plano que está muito longe de reconhecer e enfrentar os aspectos mais graves da problemática realidade econômica e social da região, de seus habitantes e do país, no que a Amazônia nele é ou pode ser.

Convém lembrar que, na perspectiva do que já foi chamada de Amazônia Legal, aquela região constitui bem mais da metade do território brasileiro. As personagens e os destinatários da proposta, no entanto, nela correspondem a muito menos do que é a população da Amazônia problemática e em crise.


 


Nada diz de significativo aos nossos compatriotas indígenas e aos desvalidos da economia tradicional e camponesa, cuja situação de risco e abandono é o que tem motivado as restrições econômicas ao que da Amazônia devastada e excludente buscam os mercados dos países ricos. Das pranchetas do economismo ideológico nunca saiu nada socialmente inteligente, embora lucrativo para poucos a curto prazo e destrutivo para a nação a prazo longo.

Num país como este, suas peculiares características sociais e humanas são muito diferentes do que se pode ver, compreender e interpretar desde as estreitezas neoliberais e monetaristas de Chicago. A boa vontade dos bancos ganharia sentido se temperasse o poder dos economistas dessa corrente com o bom senso investigativo e interpretativo dos cientistas sociais, que há mais de meio século têm estudado sistematicamente a Amazônia e os problemas sociais dos amazônidas.

São esses cientistas que podem apontar na realidade social e econômica o que de fato é problema para o país. Além do que, sem ouvir e compreender as vítimas, dificilmente se chegará a uma proposta que convença os inquietos e desconfiados lá fora e aqui dentro. O Brasil está sendo colocado diante do falso dilema de civilização ou lucro.

Os que dizem agora que querem salvar a Amazônia, com as ciências sociais enxergariam uma Amazônia também indígena, cuja cultura é estigmatizada pelos leigos e improvisadores que menosprezam os seres humanos e suas alternativas para as estreitezas mentais do primado do lucro e da lucratividade. Os que menosprezam porque pensam o mundo e a vida na perspectiva estéril da mentalidade das classes ociosas, como as definiu Thorstein Veblen (1857-1929).

A proposta apresentada é para acalmar os que, nos países desenvolvidos, inquietam-se com os desdobramentos políticos na opinião pública interna de restrições significativas, de natureza social e moral, à importação de produtos originários de uma economia suspeita porque delinquente e socialmente incorreta.

Faltou na proposta o remédio para as ilegalidades na realidade amazônica, da grilagem ao trabalho análogo ao do escravo. Os poderes das economias dominantes têm medo das consequências políticas da consciência social crítica comprometida com a primazia da condição humana.

O que os proponentes, aparentemente, não perceberam é que as objeções e restrições aos produtos da Amazônia não têm a ver somente com queimadas e com o modo de produzir de uma economia retrógrada, ainda que aparentemente moderna.

Fala-se na necessidade de uma boa propaganda que diga ao mundo que o Brasil cuida do ambiente e cuida dos indígenas. A fumaça da floresta queimada e o grito dos que padecem os efeitos da predação e da iniquidade lucrativas dizem que não. O interesse pela Amazônia tem sido, historicamente, limitado aos imediatismos do capitalismo rentista. Não se trata de usar a terra e a natureza, mas de consumi-las, o que é a negação do próprio capitalismo.

O problema da Amazônia já havia chegado à consciência das pessoas esclarecidas de diferentes países há meio século. A questão indígena, a da violência fundiária e a ambiental brasileiras já estavam em debate na Europa e mesmo nos anos 1970, quando a voracidade da economia neoliberal tentou impor-se com base na falsa premissa de que a Amazônia estava disponível para ser ocupada predatoriamente.

Há décadas, indígenas brasileiros têm comparecido a debates, conferências e manifestações na Europa para expor a situação em que se encontram. O eminente e lúcido cacique Raoni Metuktire, do grupo linguístico kaiapó, tem sido ali recebido como herói da humanidade, com seu imponente e belo diadema plumário e seu solene batoque labial e ritual, impondo respeito e acatamento. Coisa que o governo atual não consegue.

Raoni é um dos melhores diplomatas populares brasileiros, porque entre os que têm poder tem o que falar e sabe falar a quem sabe ouvir O interlocutor do verdadeiro Brasil. Significativamente, foi depreciado pelo presidente brasileiro na assembleia-geral da ONU em 2019.

O maior inimigo do Líbano é seu governo

O Líbano já passou por muita coisa: guerra, crises, catástrofes. Mas o que aconteceu na terça-feira no porto de Beirute supera tudo o que os libaneses poderiam imaginar. A explosão deixou boa parte da cidade em ruínas, desalojou 300 mil pessoas e tirou delas a esperança de um país melhor. Uma esperança que era compartilhada sobretudo pelos jovens.

Apesar de tudo o que país já vivera até então, ninguém podia imaginar até que ponto a incompetência do governo libanês pode ser fatal e até onde vai o fracasso do Estado.

Mahmoud Rifai (Jordânia)


Desde então prosseguem as buscas por desaparecidos, muitas pessoas reviram elas mesmas os escombros nas suas ruas – tudo na ausência de um Estado que não merece esse nome. Nenhum pedido de desculpas por parte da elite política corrupta, ninguém renunciou até agora. Em vez disso, eles elogiam a resistência dos libaneses.

Pelo jeito ninguém se sente responsável pelo armazenamento, durante seis anos, do altamente explosivo nitrato de amônio no porto de Beirute, e isso em galpões deteriorados, próximos da população, no meio da cidade. Em vez disso, prenderam alguns funcionários do porto.

Como é comum nessa cidade do Mar Mediterrâneo, quando alguma coisa dá errado, ninguém é culpado.

Mas, por mais voltas que se dê, o fato é que essa explosão violenta é resultado da corrupção mesquinha de sucessivos governos libaneses. Ao longo de anos, políticos de todas as bancadas saquearam o país e o levaram à ruína.

Mesmo políticos adversários apoiaram uns aos outros nesse sistema corrupto com o propósito de enriquecer. Quando se tratava do próprio bem-estar, eles sempre estavam de acordo.

Essa catástrofe é o exemplo mais recente e mais terrível de que um governo depois do outro simplesmente ignorou sua tarefa mais básica de cuidar das necessidades e do bem-estar da população.

Há anos que falta luz por horas todos os dias – por quê? Porque a assim chamada máfia dos geradores – empresários ricos que ou estão eles mesmos na política ou têm ligações próximas com políticos – lucram quando a população repentinamente precisa comprar mais energia elétrica.

Ou as montanhas de lixo: há anos que se acumulam enormes lixões nas proximidades do aeroporto, nas praias há plástico por todos os lados, resíduos químicos não são corretamente tratados e oferecem riscos para a população. A isso soma-se o comércio, já há décadas, com lixo importado ilegalmente e que não é corretamente eliminado.

Quando, em outubro de 2019, os piores incêndios florestais em décadas se alastraram, o governo não tinha nenhum avião disponível para apagar as chamas: esqueceram de fazer a manutenção e de reabastecê-los. Dizer o que disso?

A crise econômica, a depreciação da moeda? Todos esses problemas foram criados domesticamente. Pois, no fim das contas, a elite governante nunca esteve interessada no país, mas apenas no próprio lucro às custas da população. E nunca um único deles teve que temer consequências.

Além de uma guerra civil, muitos libaneses tiveram que vivenciar, por anos, uma ocupação síria, duas guerras com Israel, várias crises econômicas, um enorme desemprego e atentados políticos. Desde outubro que manifestantes exigem a renúncia da classe política corrupta. "Todos, mas realmente todos" devem renunciar, exigem.

Em várias regiões do país, quem continua no poder são os mesmos senhores da guerra que conduziram a guerra civil, ao final selaram a paz, desde então enriquecem e insuflam os conflitos entre as confissões religiosas.

O trauma dos libaneses é profundo. "Se não são os nossos corpos que morreram, então são os nossos corações", escrevem muitos deles nas redes sociais. Quantas vezes um povo pode reconstruir seu país?

Enquanto o problema não for atacado na raiz, enquanto os mesmo senhores da guerra continuarem nos cargos, o risco de que o Líbano venha a passar de novo por uma situação tão ruim vai continuar.

Com certeza ainda não se sabe tudo sobre a catástrofe de terça-feira passada. Mas uma coisa deveria estar clara: aqueles que permitiram que uma quantidade enorme de material altamente explosivo ficasse durante anos armazenada no porto não podem agora ser os que vão esclarecer como isso se deu.

Isso deve ser o trabalho de uma investigação internacional, que deve expor toda a cadeia de responsabilidades. Este é o momento em que a impunidade deve finalmente acabar no Líbano. Este é o momento da justiça.

Brasil adoece enquanto Bolsonaro releva a pandemia e se mantém em eterno palanque eleitoral

O presidente Jair Bolsonaro não faltou ao seu estilo seco para falar da iminência das 100.000 vidas perdidas para a pandemia do coronavírus. Em live, já na quinta-feira, mencionou o número assombroso já se descolando dele. “A gente lamenta todas as mortes. Já está chegando ao número de 100.000, talvez hoje (em referência à quinta, quando somavam oficialmente 98.493 vidas perdidas). Vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar deste problema”, disse ele, ao lado do general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde. Ao invés de usar a pandemia de covid-19 para mostrar alguma capacidade de liderar e unificar um país Bolsonaro (sem partido), continua a se expressar com palavras duras, como “se safar”.

Depois de um ano e sete meses de Governo, o presidente só faz manter-se fiel ao seu personagem em eterno ritmo de campanha eleitoral, rebatendo qualquer possibilidade de crítica. Desde que o primeiro caso foi registrado no Brasil, em fevereiro, o mandatário oscilou discursos autoritários e negacionistas com raríssimos momentos de serenidade. Seu principal objetivo tem sido o de retirar de si sua responsabilidade na crise, transferi-la para governadores, prefeitos e para outras instituições, como o Supremo Tribunal Federal. Além disso, faz um movimento de tensionamento constante com os poderes, promove medicamento sem eficácia comprovada no combate à doença – a cloroquina –, debocha do distanciamento social e surfar na onda de aprovação entre os mais pobres trazida pelo auxílio emergencial de 600 reais.


Enquanto os números de infectados no Brasil dispararam — mais de 2,9 milhões de pessoas têm ou já tiveram a doença, segundo dados oficiais – o presidente testemunhou seu entorno adoecer. O Palácio do Planalto passou a ser chamado de “covidário”. Dos 3.400 servidores que frequentam a sede presidencial, 178 tiveram covid-19 até 31 de julho passado. Dos 23 ministros de Bolsonaro, 8 anunciaram terem sido infectados. Os mais recentes foram Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) e Walter Braga Netto (Casa Civil). Ambos têm gabinete no Planalto. Todos na sequência de Bolsonaro, que confirmou ter contraído o vírus no dia 7 de julho. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também teve a doença.

Se fosse um país, o Planalto teria a taxa de 5.235 contaminados para cada 100.000 habitantes. A taxa do Brasil é de 1.374. “Durante esse processo, o presidente não teve o interesse ou a capacidade de assumir que errou nesse negacionismo constante e teve de construir uma narrativa política de que foi impedido de atuar pelas instituições”, diz o cientista político e advogado Valdir Pucci, diretor da Faculdade Republicana. Contra Bolsonaro, há acusações no Tribunal Penal Internacional de Haia, queixas no STF e ao menos 40 pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados por causa de sua postura omissa na pandemia de covid-19.

Nem mesmo ter sido infectado pelo novo coronavírus fez com que o presidente arrefecesse a temperatura de seus discursos radicais. Em apenas uma ocasião desde que anunciou ter se curado da doença, em 25 de julho, Bolsonaro disse a apoiadores no Palácio da Alvorada que deveria manter distância deles e seguir usando máscara facial. Dias depois, entretanto, viajou para o Nordeste e para o Sul do país para inaugurar obras e promover aglomerações. Na ida a Bagé (RS), disparou mais uma de suas frases cortantes. Perguntado se havia negligenciado a doença, afirmou: “Eu nunca negligenciei. Eu sabia que um dia ia pegar. Infelizmente, acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta”. Suas frases de efeito para minimizar a doença ganharam as manchetes no mundo. “Não sou coveiro”, em abril quando o país ia em mais de 2.000 mil mortes. “E daí?”, quando o país superou 5.000 mortos no final daquele mesmo mês, e o famoso “é só uma gripezinha”, um mês antes.

Bolsonaro ficou preso à narrativa do enfrentamento e assim deve ficar até o fim de sua gestão, não apenas por causa da pandemia. “A estratégia política do Bolsonaro comporta a ideia de ter uma campanha eleitoral permanente. É parte do DNA do bolsonarismo. Principalmente para ter seus apoiadores fervorosos cada vez mais próximos”, diz o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper.

Não só o presidente, mas sua rede de apoio, e até uma fração da classe médica se lançaram a questionar a ciência, confundindo o Brasil num momento de fragilidade diante da doença, com a economia parada, e um futuro incerto. “Bolsonaro testa os limites das instituições e da sociedade civil”, diz o historiador Odilon Caldeira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e membro do Observatório da Extrema Direita. “Quando ele passa a radicalizar, ele tenta buscar um processo de naturalização de seu discurso”, completa.

Nessa cruzada, instalou interinamente o general Eduardo Pazuello no cargo de ministro da Saúde, depois da queda de braço com dois ministros médicos, que deixaram o posto por discordar dos protocolos de recomendação para o uso da hidroxicloroquina, como queria Bolsonaro, para o tratamento de pacientes com covid-19. O mandato de Pazuello, que deveria ser tampão, já chega aos três meses. Tempo suficiente para acomodar as demandas do presidente, como o próprio endosso à cloroquina, mesmo sem comprovação científica. Em suas aparições públicas, Bolsonaro não perde a chance de erguer uma caixinha do remédio para seus seguidores e até para as emas que vivem no Palácio da Alvorada. Incensa também o uso do vermífugo Ivermectina, outro medicamento sem comprovação de eficácia para os efeitos da covid-19.




Enquanto investe no marketing do confronto a quem o questiona, Bolsonaro abaixou a guarda em um campo sensível para os bolsonaristas radicais. Em sua relação com o Congresso Nacional durante a pandemia, o presidente fez acenos ao Centrão, um grupo fisiológico de partidos de centro direita. Começou a povoar os segundo e terceiro escalões do Governo com indicados por esse grupo de olho em dois movimentos. O primeiro é de impedir que prospere um dos mais de 40 pedidos de impeachment contra ele que tramitam na Câmara. O segundo, tentar preparar o terreno para a eleição da Mesa Diretora da Casa que definirá como será a segunda metade do mandato de Bolsonaro.

Apesar de estar distribuindo cargos, Bolsonaro não tem se deparado com dias fáceis no Legislativo. A sua base de apoio ainda não está organizada. Uma prova disso é que estão em tramitação no Legislativo, 43 vetos presidenciais, sendo que 19 deles se referem a leis ou trechos de leis voltadas para ajudar no combate da crise sanitária provocada pela covid-19. Entre esses vetos, que é quando um governante não concorda com o que foi aprovado pelos congressistas, estão um que trata da concessão de auxílio emergencial em dobro para mães que criam sozinhas seus filhos e outro que impede novas inscrições nos cadastros de empresas de análises de crédito enquanto a calamidade pública estiver vigente.

Entre quem acompanha o dia a dia do Congresso Nacional, a sensação é que o presidente está mais preocupado em garantir caixa para alçar sua popularidade acima dos 30% e reforçar seu discurso para a longínqua campanha eleitoral de 2022 do que em amenizar os efeitos humanos da pandemia. Uma das estratégias seria estourar os gastos públicos, confrontando o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, para garantir o programa que sucederá o Bolsa Família, o Renda Brasil.

Após pagar o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso de 600 reais até setembro, o presidente pretende estendê-lo a dezembro, ainda que em um valor inferior – de 200 reais. Uma alternativa para garantir mais recursos é aprovar a reforma tributária que enviou no fim de julho, e que sugere a recriação de um novo imposto. “A reforma tributária do Governo é uma simplificação malfeita com a volta da CPMF. A justificativa é a de irrigar os cofres para garantir o Renda Brasil e anabolizar a sua reeleição”, diz o professor Consentino, do Insper.