quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Discurso de ódio e hipocrisia

O escrutínio das causas que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff ainda não mereceu consideração nas avaliações internas do seu partido. Depoimentos só foram prestados e confissões só foram ouvidas em processos de colaboração premiada. O que mais aparece no noticiário é uma vitimização atacando o que denomina “discurso de ódio”, ante o qual o partido e suas iniciativas seriam vítimas indefesas e consternadas.

Entre as vantagens que advêm dos meus 73 anos, incluo, sem dúvida, o acompanhamento ao vivo da política nacional durante largo período de tempo. A isso agrego o fato de ser colunista de jornais ao longo das últimas três décadas e meia. Se houve um traço nítido na ação política do PT durante esse período, foi, precisamente, a incitação ao ódio em pluralidade de formas e expressões.

Quase como parte de minha atividade cotidiana acompanhei o surgimento e o crescimento desse partido, mas qualquer um que já tenha idade para estacionar em vaga de idoso também assistiu a tudo. Observei a natureza das ações, o trabalho de organização dos movimentos sociais, o lado trotskista que reconhecia a centralidade da política, e o diálogo com organizações da luta armada (as tais frentes de “libertação nacional” em países da América do Sul, na América Central e na África).


Em todas as atividades compareciam, sempre, os elementos apontados por José Hildebrando Dacanal em “A Nova Classe - o governo do PT no Rio Grande do Sul. São eles: 1) a culpa é do sistema; 2) a sociedade tem que se revoltar; 3) os que se revoltarem votarão em nós; 4) a solução virá com a revolução socialista que nós faremos”. Cada passo dessa sequência não envolve qualquer generosa declaração de amor, mas exige a construção do antagonismo e a percepção do ódio como instrumento de luta.

Coerentemente, então, foram décadas de louvação a um homicida furioso como Che Guevara, para quem “O ódio é o elemento central de nossa luta! Ódio é tão violento que impulsiona o ser humano além de suas limitações naturais, convertendo-o em uma máquina de matar com violência e a sangue frio”. Não pensava diferente outro ícone frequentemente lembrado. Carlos Marighella, em seu minimanual do guerrilheiro urbano alerta que o guerrilheiro somente poderá sobreviver se estiver disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados à repressão e se for verdadeiramente dedicado a expropriar a riqueza dos grandes capitalistas, dos latifundiários, e dos imperialistas. Não, a adoção de modelos não é uma tarefa inconsequente.

Como produto, a violência foi se tornando rotineira. Todo um divisionismo foi minuciosamente semeado entre raças, etnias, sexos, gerações, grupos e classes sociais. Gradualmente, num crescendo, desencadearam-se as invasões de propriedades rurais seguidas de corredor polonês para retirada dos proprietários, as destruições de patrimônio, as invasões de parlamentos e prédios públicos, os enfrentamentos às autoridades policiais, os trancamentos de rodovias e queimas de pneus, as destruições de lavouras, os black blocs, as campanhas pela mudança de nomes de ruas e todas as ações voltadas para o quanto pior melhor.

Não preciso que alguém me descreva os danos causados pelo ódio dentro de uma sociedade. Eu vi isso acontecer. Eu o rejeitei então e o rejeito agora. Ele não se confunde com a indignação contra a injustiça, contra o mal feito, nem com a denúncia do malfeitor. O que refugo, por absolutamente hipócrita, é a denúncia do “discurso de ódio” formulada como escudo protetor de quem dele se serviu para suscitar tanta divisão, antagonismo e malquerença no ambiente social e político brasileiro!

Percival Puggina

Ou a 'honestidade' encarcerada

Um homem sobrevive graças à sua retidão. Um homem que engana os outros sobrevive graças à sorte de ser poupado
Confúcio, "Analectos"

PM Juliane, morta por ser policial: um ataque aos direitos humanos

Seis rosas brancas estavam enfileiradas à frente do porta-retrato, colocado no caixão lacrado. A foto mostrava um sorriso sincero de ponta a ponta do rosto negro, de cabelos curtos, brinco na orelha e uma camiseta cinza. A expressão era uma das marcas da PM Juliane dos Santos Duarte. Aos 27 anos, ela morreu após desaparecer de um bar em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, e seu corpo ser encontrado quatro dias depois.

Juliane era negra, lésbica, moradora da periferia de São Bernardo do Campo – onde foi enterrada na tarde desta terça-feira, no Cemitério Municipal Vila Euclides. Para ela, não existia tempo ruim. Segundo amigos, colegas de trabalho e quem conviveu com a jovem, seu astral era contagiante. Apesar do jeito tímido e de ser mais retraída, fazia questão de ver quem estava à sua volta feliz. Assim como ela sempre estava, conforme quem a conheceu.

“O sorriso dela iluminava por onde passava, sempre estava feliz. Era um sorriso largo, lindo. As pessoas a conheciam pela felicidade da Ju. Não à toa muita gente a chamava de 'sorriso”, conta Laisla Carvalho, de 24 anos, ex-namorada da policial. Elas namoraram por seis meses em 2008 e voltaram a se falar em abril deste ano.

Desde aquela época, Juliane já tinha traçado um sonho de vida: ser PM. Passou pela GCM (Guarda Civil Metropolitana) de São Bernardo do Campo e conseguiu entrar na corporação em 2016. No reencontro com Laisla, fez questão de compartilhar a conquista. “Ela me falou: olha, consegui chegar à PM. Era o sonho dela ser polícia, proteger o próximo. Foi um sonho que a levou da gente”, disse.

A alegria do dia a dia era contagiante no grupo de amigas. A soldado costumava dançar sertanejo, andava de skate e tocava instrumentos, entre eles violão, bongo e triângulo. Era comum se reunir para tocar um som em casa, jogar vídeo-game e comer.

“Ela era animada demais! Nos conhecemos ainda na adolescência, morávamos perto uma da outra. Quando nos juntávamos, ela não gostava de lanche, tinha que ser prato feito, comida, senão nem gostava”, conta Renata Fernandes, 29 anos, amiga que formava um trio extremamente unido junto de Juliane e Carla, outra vizinha.

Juliane era lésbica e costumava vestir roupas estereotipicamente masculinas. Segundo amigas próximas, nunca pediu para ser tratada como “ele”, uma referência de se identificar como um homem trans. “Nunca fez questão de ser ‘ele’, era ‘ela’. A Ju era lésbica, não queria ser tratada como homem, apesar de vestir roupas mais masculinas”, conta Renata.
Sonho de ser ‘polícia’

Renata foi quem aproximou Juliane da PM e tornou o sonho realidade. Ela trabalhava como estagiária no CPAM 1, na Vergueiro, região centrão de São Paulo, e incentivou a amiga. Juliana seguiu os rumos e virou soldado, trabalhando na 2ª Cia do 3º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), com base na Vila Guarani, zona sul de SP. Renata não seguiu, mas tenta fazer concursos para voltar à PM.

Segundo quem convivia com ela no dia a dia, mesmo que de modo afastado, a mesma alegria e empenho eram vistos. “Estava sempre animada”, comentou uma cabo da 2ª Cia, durante o velório. O tenente-coronel Márcio Necho da Silva, comandante da área, definiu Juliane como uma “policial exemplar”.

“A Juliane era um destaque positivo dentro da equipe que trabalhava. Uma policial educada, solícita, companheira, prestativa, sempre ativa. O comportamento dela era exemplar”, declarou o tenente-coronel, explicando que ela estava há um ano no 3º BPM/M.

Cerca de 100 policiais acompanharam a cerimônia de velório e enterro de Juliana. Estavam presentes representantes da Polícia Militar (Rota, Tropa de Choque, Corregedoria, Rocan, Gate, Coe, do canil), da Polícia Civil, Polícia Rodoviária e GCMs de São Paulo e São Bernardo estiveram presentes na cerimônia.

Pensamento do Dia


Democracia à mão armada

Já que em reforma pra valer ninguém fala mesmo, lá vai só pra você saber como é.

O voto distrital sozinho só barateia o custo das eleições. O que é decisivo é armar a mão dos eleitores para depois das eleições. Lei de iniciativa popular todo mundo ja tem. Mas retomada de mandato (recall) e referendo das leis aprovadas pelos legislativos por iniciativa popular é o que realmente as faz valerem exatamente como você as fez. Primarias diretas, eleições de retenção de juízes, defesas contra arrochos tributários, tudo o mais pode ser conseguido brandindo essas duas armas. O sistema tem de ser o distrital puro (misto é tapeação) só para garantir que elas sejam usadas com absoluta legitimidade e segurança para o regime.

A delimitação do distrito eleitoral é função do número de eleitores dividido pelo número de representantes que se quer ter em cada instância de poder. Mas a fidelidade dessa representação é tudo. Tem de ser pessoa a pessoa. A unica base aferível para isso é o endereço do eleitor. Cada município pode definir quantos legisladores quer ter e qual o tamanho dos seus distritos eleitorais desde que siga a regra básica de quantidades equivalentes de moradores em cada um. O distrito é então desenhado sobre o mapa e daí por diante só o censo poderá levar a alterações. Os eleitores podem mudar de distrito mas o distrito só mudará de desenho se o censo demonstrar que houve grandes alterações na equivalência do numero dos seus habitantes.

Em eleições estaduais cada distrito será uma soma de distritos municipais. Nas federais uma soma maior. 513 congressistas daria distritos de mais ou menos 400 mil habitantes neste Brasil de 207 milhões. Nos EUA, com 325 milhões e 435 deputados, cada distrito federal tem aproximadamente 700 mil habitantes. Os candidatos só podem concorrer por um distrito e cada distrito só elege um representante. Assim todos saberão o nome e o endereço de cada um dos seus eleitores. Não tem enganação.

No Congresso americano os deputados não representam um estado mas sim “o distrito numero tal”. Não ha vice nem “suplente”. Se alguem renunciar, morrer ou tiver o mandato retomado o distrito convoca nova eleição e elege o substituto. Não tem data marcada, nem para isso, nem para deseleger representantes ou funcionários eleitos. E quase todos os que têm função de fiscalização ou contato direto com a população como fiscais, auditores, promotores, xerifes, policiais e outros são diretamente eleitos.

A maioria das cidades americanas não tem mais prefeito ou vereador. Nos sistemas de City Council ou de City Manager, as variantes mais usadas, elege-se um conselho de cinco a sete membros chefiados por um CEO ou “gerente”, com metas precisas para entregar e demissível a qualquer momento. Como tudo que é importante será mesmo proposto por lei de iniciativa popular e/ou aprovado em referendo, os corpos legislativos, lá, são, cada vez mais, meras oficinas de acabamento técnico das leis.

Um recall, um referendo ou uma lei podem ser propostos por qualquer cidadão. Ele terá de passar uma lista no distrito afetado e colher assinaturas válidas numa quantidade pre-determinada (em geral de 5% a 7%) a serem aferidas pelo Secretário de Estado municipal ou estadual, funcionário que se dedica exclusivamente a organizar essas “eleições especiais” que acontecem a toda hora. Uma vez qualificada a proposta, haverá uma campanha de esclarecimento contra e a favor e então, ou a proposta constará da cédula da próxima eleição, ou será convocada uma “eleição especial” só no distrito afetado para um “sim” ou um “não”.

Nas cédulas das eleições majoritárias – presidenciais, estaduais ou municipais – aparecem dezenas de proposições geradas por esse sistema nas quais votarão apenas os eleitores dos distritos afetados. É nelas, também, que estarão os nomes dos juizes de cada comarca, coincidentes com um ou mais distritos eleitorais, com a pergunta: “O juiz fulano deve permanecer mais quatro anos na função”? Cada eleitor, portanto, preenche alguns quesitos e deixa outros em branco. O resultado será conferido a partir do seu endereço, daí as apurações lá demorarem tanto.

Cada cidadão, enfim, tem um poder decisivo sobre o seu pedaço mas ninguém tem poder sozinho sobre o todo. A constituição federal define o regime e as atribuições de cada ente federativo e de cada um dos tres poderes, e só. Os direitos do cidadão e seu respectivo custo fica para as constituições estaduais e municipais que são revistas a cada 10 anos.

Nas ex-colônias inglesas da América, Ásia, África e Oceania, independente do grau de desenvolvimento, o distrito básico é o bairro que elege o schoolboard de cada escola publica. Esse “conselho diretor” de entre cinco e sete membros constituído por pais de alunos é quem contrata (e demite) o diretor da escola e aprova ou não o seu currículo e o seu orçamento anual. Nos Estados Unidos as escolas têm a prerrogativa de emitir títulos de divida para financiar projetos novos desde que atendam à regra nacional para isso, que torna obrigatório, para a emissão de qualquer divida pública, um projeto mostrando quanto se quer arrecadar, em quanto tempo se dará o resgate, quanto vai custar e quem vai pagar. O projeto vai então a votação direta da comunidade afetada. O resgate normalmente é feito mediante um aumento temporário do IPTU somente dos moradores do bairro beneficiado. O estado só interfere para prover mais verba para escolas de bairros sem condição de se auto-financiar. O mesmo esquema é usado em obras como construção ou reforma de estradas, pontes e prédios públicos, aumentos de salário para esta ou aquela categoria de funcionários e etc, tanto nos estados quanto nos municipios. O resgate sempre é amarrado a algum mecanismo adstrito à comunidade beneficiada como pedágios, taxas adicionais temporárias nos combustiveis ou no imposto local de bens de consumo. Nem pensar em criar ou aumentar impostos sem consulta direta, no voto, a quem vai paga-los.

Na democracia à mão armada os reféns são “eles” e a corrupção e a miséria praticamente desaparecem.

Não há vida por ordem alfabética

A vida não está por ordem alfabética como há quem julgue. Surge... ora aqui, ora ali, como muito bem entende, são miga­lhas, o problema depois é juntá-las, é esse montinho de areia, e este grão que grão sustém? Por vezes, aquele que está mesmo no cimo e parece sustentado por todo o montinho, é precisamente esse que mantém unidos todos os outros, porque esse montinho não obedece às leis da física, retira o grão que aparentemente não sustentava nada e esboroa-se tudo, a areia desliza, espalma-se e resta-te apenas traçar uns rabiscos com o dedo, contradanças, caminhos que não levam a lado nenhum, e continuas à nora, insistes no vaivém, que é feito daquele abençoado grão que mantinha tudo ligado... até que um dia o dedo resolve parar, farto de tanta garatuja, deixaste na areia um traçado estranho, um desenho sem jeito nem lógica, e começas a desconfiar que o sentido de tudo aquilo eram as garatujas
António Tabucchi, "Tristano Morre"

A fome global por areia

A areia fina faz cócegas entre os dedos, ondas acariciam suavemente a praia. Um sonho de verão que muitas pessoas querem desfrutar. Mas esse idílio não é mais uma obviedade, seja no Mar do Norte, na Sardenha, em Zanzibar ou em Cingapura. As costas são cada vez mais danificadas em todo o mundo. A razão para isso é a fome global de areia.

"Areia de construção é uma importante matéria-prima", explica Harald Elsner, especialista em Geologia Econômica do Instituto Alemão de Geociências e Recursos Naturais (BGR), em Hannover: "Concreto pronto, pedras de concreto, material de enchimento, tijolos, asfalto, cimento – areia está por toda parte."

Representantes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) estimam em mais de 40 bilhões de toneladas o consumo anual de areia e brita no mundo.


A areia de quartzo ou areia industrial também é importante. Ele é utilizada na indústria do vidro, do plástico ou na indústria química: "Ou seja, para todos os fins com maior valor agregado, que são necessários especialmente nos países industrializados", diz Elsner.

Ao contrário de alguns relatos, a areia industrial não é usada na produção de células solares ou outros eletrônicos. O silício necessário para tal é obtido a partir de cascalho de quartzo, como explica o geólogo.

"Mesmo assim, areia é indispensável", enfatiza Elsner sobre a importância do recurso natural. Só na Alemanha, cerca de 100 milhões de toneladas da matéria-prima são extraídas anualmente. Com uma boa atividade na indústria da construção, podem ser extraídas ainda mais, acrescenta o geólogo. "Temos sorte de termos tantas fontes de areia."

Na Alemanha, há recursos suficientes para atender às necessidades. Graças às fontes de areia, algumas das quais podem ser rastreadas até a Era do Gelo, o país não precisa importar essa matéria-prima – o que não seria apenas caro, mas também ruim para o meio ambiente.

Por quanto tempo nossas fontes de areia ainda vão ser suficientes? "Até agora ninguém conseguiu calcular isso seriamente", responde Elsner.

Geologicamente, as reservas ainda devem durar vários milhares de anos. Devido às áreas já construídas, não conseguimos chegar a todas as fontes. Mas, de acordo com Elsner, os depósitos acessíveis também devem ser suficientes por muitas décadas, se não séculos.

Essa constatação agrada particularmente à indústria da construção, que é fortemente dependente de areia e brita. Assim, há estimativas de que a economia alemã pararia numa semana, caso a indústria da construção civil não produzisse mais areia e cascalho.

Segundo Elsner, em 2016, foram vendidas na Alemanha areia e brita no valor de 1,6 bilhão de euros. Sem contar os dez milhões de toneladas de areia industrial no valor de 212 milhões de euros – e os produtos resultantes.

Para manter casas modernas e boas estradas, a importância da areia não deve ser subestimada. O mesmo acontece em outros lugares do mundo: constrói-se por toda parte – com mais altura, mais extensão, mais qualidade.

"Acreditamos que a China consuma, por uma margem considerável frente a outros países, a maior quantidade de areia", estima o especialista do BGR. Em seguida, vêm os principais países industrializados: EUA, Taiwan, Hong Kong, Cingapura – e na Europa principalmente a Alemanha.

Em muitos países, no entanto, não é tão fácil obter a necessária areia de construção: por exemplo, a areia do deserto não é adequada para a construção civil. Com a ação dos ventos, os grãos são demasiadamente lisos e finos para se aglutinarem.

Embora dois empresários do estado alemão da Turíngia tenham desenvolvido um método para produzir concreto polimérico a partir de areia do deserto, que pode então ser usado para a construção de casas, o material ainda não é adequado para a produção em massa.

Assim, países como Dubai ou Abu Dhabi importam milhares de toneladas de areia todos os anos para realizar seus projetos construtivos – mesmo que estejam cercados por ela. A valiosa areia de construção é, em parte, importada por navio da distante Austrália.

Com vista a saciar a fome da indústria da construção em Cingapura e proporcionar superfície de terra suficiente para os arranha-céus, o Estado insular importa areia, por exemplo, dos países vizinhos. Até agora, as ilhas indonésias foram as mais danificadas. Mais de 20% delas já desapareceram.

Em 2007, no entanto, o governo indonésio deu um basta e parou de fornecer areia para Cingapura. Mas isso não diminuiu o crescimento da cidade-Estado. O mesmo se aplica às costas africanas: em Zanzibar, as praias paradisíacas estão desaparecendo, para que haja areia suficiente para projetos construtivos no continente.

Até agora, as praias alemãs não foram afetadas por esse furto de areia. No entanto, há outro aspecto desse apetite mundial: a areia não é apenas um material de construção, mas também fornece habitat. E ele é ameaçado repetidamente a cada ano. Por exemplo, ilhas alemãs, como Sylt, sofrem com as tempestades de inverno. Depois de um fim de semana ventoso, podem faltar até 100 mil metros cúbicos de areia na costa oeste da ilha – isso corresponde a cerca de 725 campos de vôlei de praia.

Para proteger a ilha das forças da natureza, todos os anos após a temporada de tempestades, cerca de um milhão de metros cúbicos de areia são bombeados do leito marinho para a praia. O próprio marketing da ilha chama isso de "bizarro". Mas o método funciona. Por cerca de 40 anos, os habitantes de Sylt, no Mar do Norte, vêm protegendo assim a sua ilha da perda de terra para o mar.

"Essa é uma questão de custo", diz Harald Elsner, que tem certeza de que hoje, sem essas medidas, restaria apenas uma pequena parte da ilha. Em Sylt, no entanto, a terra é tão valiosa que esse esforço vale a pena – diferente das ilhas da Indonésia, que não foram protegidas da persistente fome de areia.

Na Itália, cada grão é valioso. Todos os anos, os turistas levam para casa toneladas de areia, pedras e conchas como suvenires da ilha da Sardenha. No entanto, isso é proibido por lei – além dos danos de longo prazo ao meio ambiente, a infração pode custar aos viajantes até 3 mil euros. "Então, por favor, deixe a areia no lugar dela", diz um recente apelo da embaixada alemã em Roma.

Apesar de todos esses desenvolvimentos globais, o especialista em areia Harald Elsner acalma os ânimos. Trata-se basicamente de um recurso finito, mas ele aponta: "Espalhar o pânico em torno da areia na Alemanha não é apropriado, ainda que uma observação do mercado global de areia seja certamente de interesse".
Deutsche Welle

O topo do pau-de-sebo

Quem quiser chegar ao fim da eleição sem se desmoralizar totalmente é melhor tratar de ser sincero. Não procure dar implicação moral ou ideológica ao que for mera ambição. Falso escrúpulo, dissimulação, pode fazer um honesto detestável e um desonesto tolerável. Procure ter uma fé, um ponto no futuro e busque atingir a imaginação do eleitor sem querer manipulá-lo pela mentira ou o medo. A maior fatalidade do Brasil atual é o sucesso do excesso. Não pode ser presidente da República quem consegue se convencer de qualquer coisa; pior ainda se for incapaz de deixar de estar certo de muita coisa.

Se fosse um campeonato de futebol antigo, poderíamos dizer que Geraldo, o tranquilo, venceu o torneio no início ao atuar como um jóquei cuidadoso: só bem montado que se deve galopar. Mais do que conseguir tempo de TV, dividiu com o eleitor a responsabilidade de escolher sua base de apoio congressual desde o 1.º turno. Sem nuance indefinível, claro e aberto, organizou seu time diferente de governos que fizeram sua maioria depois de eleitos. Sua decisão muda a tradição de aderir ao vencedor quando a vitória, no oba-oba, abre o armazém alfandegário da fisiologia parlamentar.

Jair, o incoerente, montou uma equação inverossímil ao mostrar como é falso defender hierarquia e ordem e fazer o cardeal ser vice do vigário. Luta num ringue fictício, pois seu perfil é igual ao esquerdista que combate. Seu adversário real é o tucano, de quem sequestrou os eleitores, mas poderão sair do cativeiro libertados por Ana, a vice certa. Quando ficar claro que sempre foi governista, com o mesmo padrão de voto da esquerda no Parlamento, o galo de briga perderá a espora. Está se salvando até agora porque seus críticos se esquecem de que até para insultar é preciso ter alguma classe. O sentimento de violência que o fez candidato não se combate com destempero.

Luiz, o mesmo, “nada aprendeu e tudo repete”. Imagina curar com eleitor a ferida que deve ser tratada com advogado. Vê triunfo em ter levado com ele o guarda-roupa do partido, deixando seus amigos nus, sem os deixar usar as próprias roupas. Quer deixar peladas as instituições, acusadas de serem incapazes de vestir com dignidade algum argumento em relação a ele. Deseja recuperar para si os bens do poder sem perceber a consequência que foi obtê-lo a qualquer preço. Faz do seu candidato um homem sem vontade à espera do maná que é o voto dos alcançados pela bolsa-tudo, a majestosa mendicância administrativa que mudou o papel das instituições públicas e produziu a crise. Tranca a rua para aliados, dando um ar de ninharia à responsabilidade da esquerda para com o País.

Ciro, o traído, provou o fel do desleal. Deve se sentir como o velho político inglês George Canning: “Dê-me o inimigo declarado, ereto, valoroso. Posso enfrentá-lo com bravura, talvez responder ao golpe. Mas, Deus meu, de todas as pragas que tua cólera pode enviar, salva-me, oh Deus, salva-me do amigo perigoso”.

Marina, a mística, se movimentou no bosque de suas preferências e colheu um homem cordato e experiente para vice. Não está fechado seu caminho para crescer, pois sabe como ninguém expressar uma imagem, embora não saibamos bem o que fará com o Graal quando o encontrar. É popular sem ser demagógica, e já revelou, quando foi atacada por mentiras divulgadas por Dilma na eleição passada, que não sacrifica seus ideais à brutalidade das intrigas políticas.

O eleitor, o personagem central da eleição, parece satisfeito com sua insatisfação vendo as coisas ocorrerem totalmente desprovidas de medida. Desconfiado, não deixa nenhuma virtude se impor dominado por um amorfismo moral sem precedentes. Vivemos o tempo de uma geração fraca e indolente incentivada pela adulação da política e da internet. Todos acham que alguém lhes deve algo. Ninguém tem vergonha de pedir tanta atenção, exigir tanto. Não há necessidade de querer dar nomenclatura ou elaboração conceitual à sociedade da intriga, da superficialidade. Resuma sem solenidade, como me disse um amigo: “WhatsApp, Facebook, bicho mais fuxiqueiro que existe”.

Há uma disfunção afetiva, psicológica, relacional no ar. Não basta indignação, opinião ou raiva, é preciso ter domínio técnico da questão, conhecimento cronológico do encadeamento dos fatos para compor uma lógica sustentável, coisa impossível após a internet e as redes sociais, que impuseram ao mundo uma insatisfação com a presença humana que se torna cansativa por ser verdadeira. O meigo virtual pode ser um monstro presencial, e vice-versa. O que colocará dentro da urna, se decidir ir até lá? Enfim, até agora é um país de cidadãos bebês, transferidores de culpa, que escolherá o presidente.

Uma eleição sob o império e a aflição do distraído, pulverizado, do cansado, da ação rude, que só aceita o caminho da violência, imprecaução, imprudência. Seu objetivo não é a consequência nem a persistência, são a pressa e o improviso. Cabeça de celular. A facilidade de carregar tudo na palma da mão reduziu o assunto à superficialidade da palma da mão. Seu ego é um aplicativo, seu desejo, um chip do vale do suplício. A fofoca interessa mais que o declínio da pátria. E, sem paciência para o entendimento, prefere a grosseria, mais compreensível para ele. Nem a Bíblia anda lendo: “Quanto fardo enfadonho Deus impôs aos filhos do homem”. Andar, suar e chorar enquanto semeia e prospera. Assim sempre foi a vida.

Se o cidadão não refizer seus vínculos emocionais, seu padrão de decisão é o estado de desespero. Esta é uma eleição de temperamentos. De um lado, a algazarra, a barulheira do impróprio. Do outro, a calma, a reflexão. A luz do exorcista contra a sedução do feiticeiro. O que falta ao Brasil não é ousadia, é sobriedade. Enérgico sim, farsesco não. Nem todos podem alcançar o poder. O que sai da urna é uma elite. Qual deve ser a sua cara refletida nela, nobre eleitor?

Imagem do Dia

Rio Taki (Japão)

Refém dos móveis e utensílios

Se você pensa que, pelo fato de ser possuidor de uma alma imortal e saber quem foi Aristóteles, isto o faz dono do seu nariz, engana-se. No futuro, todos viveremos em casas “inteligentes”, que nos obrigarão a levar uma vida intoleravelmente saudável, mesmo que à custa da nossa felicidade. Neste momento, por exemplo, entre as paredes do seu próprio lar, pode haver máquinas “lendo” os móveis e utensílios à sua volta e tomando decisões por você.

Uma reportagem a respeito numa revista de compras me deixou assustado. Já existe um sofá que controla o tempo que você passa diante da TV, corrige a sua postura e não o deixa cochilar além do tempo regulamentar para cochilos, sabia? Nunca mais você chegará da rua, chutará para longe os sapatos e se aboletará no sofá com a TV ligada, pouco ligando para o que estiver passando. É como ter de novo 13 anos e uma mãe de chinelo na mão.

Já há também móveis que executam funções obedecendo ao comando de voz. Um deles é outro sofá —a tecnologia adora sofás—, que abre ou fecha à sua ordem verbal. Enquanto o sofá o obedecer, acho que estará tudo bem. Só temo que, um dia, ele adquira vontade própria e, ao ouvi-lo ordenar “Abra!”, responda malcriado, “Abra, você!”.

Mas nada supera o sistema armado para descobrir se você está de acordo com seu peso, idade e exigências médicas. O vaso sanitário, baseado no que você despeja nele, analisa a qualidade da sua alimentação. Faz isto confrontando o peso registrado na sua balança com os dados sobre seu desempenho cardíaco e grau de sedentarismo fornecidos pela sua roupa “inteligente”. Cruzando esses números com os de sua ficha médica, o vaso remete as informações para sua geladeira. Esta confere o estoque de alimentos saudáveis e, se não ficar satisfeita, dispara uma lista de compras para o supermercado.

Pronto. Você viverá para sempre. Só que refém da sua privada.

Lula já constrói sua 'candidatura' a cabo eleitoral

O PT ensaia uma coreografia grandiosa para o registro da candidatura de Lula na Justiça Eleitoral. Será na próxima quarta-feira (15). Nesse dia, haverá manifestações nas principais capitais. Três marchas de movimentos sociais devem chegar a Brasília no início da semana. A multidão gritará ‘Lula livre’. Mas o PT já não cultiva a ilusão de que a cela de Curitiba será aberta antes da eleição. Embora seus dirigentes não admitam publicamente, o que está em curso é a montagem da ‘candidatura’ de Lula ao posto de cabo eleitoral, não mais à Presidência da República. O enquadramento de Lula na Lei da Ficha Limpa é tratado internamente como fava contada.

Para vitaminar o poder de transferência de votos de Lula, o petismo aposta na comoção. Na noite desta terça-feira, o PT levou às redes sociais um vídeo que insinua o que está por vir (assista). O mote para a elaboração da peça foi um conjunto de frases pronunciadas por Lula defronte do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo em 7 de abril, dia em que se entregou à Polícia Federal. “Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia misturada com as ideias de vocês”, disse o condenado, antes de ser conduzido para a cela especial de Curitiba. “Minhas ideias já estão no ar… Agora vocês são milhões de Lulas”.

Lula e seus operadores mantêm em pé o plano de empurrar a impugnação da candidatura presidencial para uma data tão próxima do dia da eleição quanto possível. Consumado o indeferimento do registro no TSE, o partido recorrerá —primeiro à própria Corte eleitoral; depois, ao Supremo. Assim, a golpes de barriga, o PT espera esticar a corda até meados de setembro. Nesse intervalo, enverniza-se a pose de vítima de Lula.


Simultaneamente, alimenta-se o noticiário com matéria-prima para a mistificação do preso. Coisas como o estado de saúde dos seis militantes que dizem fazer greve de fome em Brasília e as evoluções da chapa tríplex (Lula—Fernando Haddad—Manuela D’Ávila), a ser convertida em chapa convencional (Haddad—Manuela) depois que a Justiça interromper, finalmente, a pantomima.

O poder de transfusão de votos de Lula será aquilatado pelas próximas pesquisas eleitorais. Em sua última sondagem, divulgada em junho, o Datafolha informara o seguinte: 30% do eleitorado dizia que votaria com certeza em um nome apoiado pelo pajé do PT. Outros 17% afirmavam que talvez votariam. Uma terceira fatia do eleitorado, estimada em 51%, declarava que não votaria num poste de Lula.

Além de elevar o índice dos eleitores que se deixam influenciar por Lula, o PT tenta reduzir as taxas de migração de votos do seu líder preso para candidatos de outros partidos. Segundo esse Datafolha de junho, 17% dos eleitores de Lula manifestavam a intenção de votar em Marina Silva se a candidatura do petista fosse barrada. Outros 13% prefeririam Ciro Gomes. Fernando Haddad, o poste de Lula, herdaria apenas 2% do eleitorado do padrinho. Até Jair Bolsonaro beliscaria uma fatia maior do cesto de votos de Lula: 6%.

Todos juntos pela impunidade

A compra de voto sempre existiu, mas cresceu quando o Partido dito dos Trabalhadores (PT), para exercer o poder com “governabilidade” (kkkk), se aliou ao Partido Liberal (PL), que depois viraria Partido da República (PR) (snif), propriedade privada de Valdemar Costa Neto, o Boy. A compra de apoio das miríades de pequenas bancadas com representação no Congresso, equivocadamente alcunhada de mensalão, explodiu quando Roberto Jefferson, à época e até hoje presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em entrevista a Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo, expôs as entranhas de um Congresso apodrecido. E denunciou a compra dos próceres que se dizem “representantes do povo”.


Antes, o factótum de Lula, José Dirceu, propusera ao poderoso chefão uma aliança do PT com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), já sob a batuta de Michel Temer. Mas o padim tinha outros planos, que não incluíam sócios poderosos, e preferiu alugar bancadas menores para somar seus votos em plenários fragmentados a ter sócios com mais cacife. Aí, criou-se a incorporação do “toma lá, dá cá” contemporâneo ao maquiavelismo renascentista do “dividir para reinar”. Realizado com a lavagem de dinheiro de campanhas publicitárias, aplicada pelo mineiro Marcos Valério a serviço do tucano Eduardo Azeredo em Minas, o esquema gerou as denúncias da polícia e os indiciamentos do Ministério Público, levados às varas da primeira instância e, mercê do envolvimento de poderosos criminosos de colarinho branco protegidos pela prerrogativa de foro, ao degrau mais alto: o Supremo Tribunal.

Essa história foi contada em detalhes pelo citado mandachuva do PTB, Roberto Jefferson, no livro Nervos de Aço, publicado em 2007. Nele o chefão petebista afirma que o PT não queria compartilhar um projeto de poder e optou por comprar apoio fragmentado para ampliar a base do Congresso. No mensalão parlamentares foram alugados e pagos diretamente para a patota de Lula e Dirceu não ter de repartir o poder com sócios de organizações criminosas rivais. E para compensar eventuais insatisfações José Dirceu e sua quadrilha criaram o esquema de repartição de recursos, como descreveu Jefferson no livro citado, leitura obrigatória.

O mesmo chefão da sigla fundada por Getúlio Vargas e, depois, presenteada pela ditadura à sobrinha-neta do caudilho, Ivete Vargas, relatou que o esquema das comissões parlamentares de inquérito (CPIs) é sempre o mesmo: “Oferecem-se algumas cabeças à guilhotina e não se mexe nas estruturas viciadas da corrupção”. Os verbos estão no presente porque o esquema continua. No caso, as cabeças eram a dele e a de Dirceu.

O causídico acendeu o pavio e ateou fogo no esquema de compra de votos, rompendo a blindagem que se mantinha antes sob a vigilância de Márcio Thomaz Bastos, à época ministro da Justiça de Lula. Não é razoável admitir que esse escândalo de compra de votos, com dinheiro indo de um lado para outro, não tenha sido descoberto pelo Ministério Publico, pelo Banco Central, etc… E teria acabado em pizza, como sempre ocorrera antes, se não tivesse esbarrado com um grupo de ministros do STF sob a presidência de Joaquim Barbosa, que chegou ao ápice da carreira jurídica por indicação de Frei Betto e José Dirceu a Lula, encantado com a possibilidade de nomear um afrodescendente para a cúpula da Justiça. Mas não atendia aos esquemas negociados nos gabinetes oficiais por Márcio Thomaz Bastos, advogado do ex-sindicalista à época da ditadura militar.

Com a blindagem rompida, Márcio Thomaz Bastos passou a atuar como bombeiro. Livrou Lula e Luiz Gushiken e diminuiu a pena de Dirceu. E a culpa foi empurrada para o pelotão dos mercenários, que tiveram suas penas turbinadas. Marcos Valério, até hoje preso, foi condenado a 40 anos de prisão e a banqueira bailarina mineira Kátia Rabello, que não tinha a menor noção do que se passava, a 16. Alguma carga do navio tinha de ser, afinal, jogada ao mar. No caso, o sacrifício foi dividido apenas entre os profissionais contratados. Marcos Valério, o “carequinha”, como o chamava Jefferson, foi atirado na cova dos leões. Sua condenação serviu de aviso aos navegantes: o bote salva-vidas do PT não tinha lugar para náufragos sem carteirinha do partido ou de sindicatos. Só que a condenação do chamado “operador” arrombou a caixa de Pandora, sem que eles percebessem. E de nada adiantou o poderoso chefão voltar ao plano original da aliança com o então PMDB, sacramentada na chapa vencedora de 2010 e 2014, Dilma-Temer, pois a aliança derreteu-se na Lava Jato.

Só os ingênuos mais tontos ou os que se fazem de bobos para se dar bem não perceberam naquela troca a permanência da única lei cujos efeitos nunca prescrevem na Justiça brasileira: a de que “quem tem padrinho não morre pagão”. Foi assim que, na Presidência, o poste de Lula, dona Dilma, indultou e, em seguida, o misericordioso clube do Batman do Cerrado perdoou os irmãos de opa. As condenações da dita Ação Penal 470 são os melhores exemplos da inutilidade e da iniquidade da lei e da ordem na República do faz de conta chamada Brasil. A banqueira bailarina e a fina-flor do mecenato cultural das lavanderias de dinheiro sujo ainda purgaram uns aninhos de pena no inferno prisional tupiniquim, mas nele o único que ainda apodrece ali é o “carequinha”. José Dirceu e Pedro Corrêa são exceções que confirmam a regra, de vez que cometeram a suprema arrogância de continuar as práticas criminosas morando na cadeia e nem o supremo cinismo de Dilma os inseriu na lista dos indultados. Logo, porém, interviria a mão grata do ministro do STF Dias Toffoli, que soltou, sem tornozeleiras, um condenado a 30 anos e meio de prisão, mostrando que seu José tem um figurão com um baita martelo à mão para chamar de seu.

A sociedade do PT com o PMDB, que perdeu o pê, não impediu a entrada em cena da Operação Lava Jato, de Sergio Moro, que há quatro anos puxa o fio da meada desse esquema, definido recentemente por Raquel Dodge como o maior escândalo de corrupção de que há notícia no Brasil – e, sem favor nenhum, um dos maiores da História mundial. Diante da mudança de parâmetro, com empreiteiros na cadeia, para a qual antes só eram mandados pretos, pobres e prostitutas, os mercenários adotaram as Leis de Murici, em que “cada um cuida de si” e “farinha pouca, meu pirão primeiro”, partindo para a delação premiada e, com isso, evitando a “valerização”. Ou seja, o precedente de Marcos Valério ecoou no pelotão dos mercenários. Estes logo entenderam que teriam de evitar o efeito Orloff, aquele do “eu sou você amanhã”. No rastro do pioneiro Paulo Roberto Costa surgiram delações premiadas de Pedro Barusco, Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez, Marcelo Odebrecht e tantos outros mais.

Esta é a história da nossa Realpolitik sem pudor, que hoje se mantém firme na coligação do “Centrão” com Alckmin e nas propostas de governo do PT de Lula. Os petistas, com aquela cara lustrada a óleo de peroba, propõem: “Temos que caminhar para transformar o STF em efetiva Corte Constitucional, com competências limitadas ao controle de constitucionalidade das leis. Faz-se necessário instituir tempo de mandatos para os membros do STF (…). E revisar as leis aprovadas para combater a corrupção e o crime organizado”. O candidato do partido que assim pretende evitar voos de morcegos é o presidiário Luiz Inácio Lula da Silva, a transmitir sermões da cadeia para seus devotos. E é usado numa sórdida campanha de desmoralização das instituições do Estado de Direito. É de dar engulhos na estátua da Justiça à porta do STF!

E Alckmin agora assume o bastão na corrida da impunidade, com o maior tempo de TV e rádio da campanha, mercê da coligação de suspeitos e insuspeitos (de vez que já foram condenados) na Lava Jato, como relatou recentemente a Folha de S.Paulo num título-síntese: Farol do ‘Centrão’, Valdemar foi de FHC a Lula, do mensalão à Lava Jato.

Neste ano, o sonho nas noites de verão era o de que a eleição ungisse o profeta da faxina geral da República imoral. Mas nem um “santo” (codinome do candidato tucano na lista de propinas da Odebrecht) encontrará um pretendente comprometido em combater a corrupção como a Nação deseja. Aí a candidata da Rede, Marina Silva, tem razão ao alertar que todos sinalizam que farão “o diabo” para fechar a caixa de Pandora aberta pela Lava Jato o mais rapidamente que puderem. Ora, se o farão!