quarta-feira, 8 de agosto de 2018

PM Juliane, morta por ser policial: um ataque aos direitos humanos

Seis rosas brancas estavam enfileiradas à frente do porta-retrato, colocado no caixão lacrado. A foto mostrava um sorriso sincero de ponta a ponta do rosto negro, de cabelos curtos, brinco na orelha e uma camiseta cinza. A expressão era uma das marcas da PM Juliane dos Santos Duarte. Aos 27 anos, ela morreu após desaparecer de um bar em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, e seu corpo ser encontrado quatro dias depois.

Juliane era negra, lésbica, moradora da periferia de São Bernardo do Campo – onde foi enterrada na tarde desta terça-feira, no Cemitério Municipal Vila Euclides. Para ela, não existia tempo ruim. Segundo amigos, colegas de trabalho e quem conviveu com a jovem, seu astral era contagiante. Apesar do jeito tímido e de ser mais retraída, fazia questão de ver quem estava à sua volta feliz. Assim como ela sempre estava, conforme quem a conheceu.

“O sorriso dela iluminava por onde passava, sempre estava feliz. Era um sorriso largo, lindo. As pessoas a conheciam pela felicidade da Ju. Não à toa muita gente a chamava de 'sorriso”, conta Laisla Carvalho, de 24 anos, ex-namorada da policial. Elas namoraram por seis meses em 2008 e voltaram a se falar em abril deste ano.

Desde aquela época, Juliane já tinha traçado um sonho de vida: ser PM. Passou pela GCM (Guarda Civil Metropolitana) de São Bernardo do Campo e conseguiu entrar na corporação em 2016. No reencontro com Laisla, fez questão de compartilhar a conquista. “Ela me falou: olha, consegui chegar à PM. Era o sonho dela ser polícia, proteger o próximo. Foi um sonho que a levou da gente”, disse.

A alegria do dia a dia era contagiante no grupo de amigas. A soldado costumava dançar sertanejo, andava de skate e tocava instrumentos, entre eles violão, bongo e triângulo. Era comum se reunir para tocar um som em casa, jogar vídeo-game e comer.

“Ela era animada demais! Nos conhecemos ainda na adolescência, morávamos perto uma da outra. Quando nos juntávamos, ela não gostava de lanche, tinha que ser prato feito, comida, senão nem gostava”, conta Renata Fernandes, 29 anos, amiga que formava um trio extremamente unido junto de Juliane e Carla, outra vizinha.

Juliane era lésbica e costumava vestir roupas estereotipicamente masculinas. Segundo amigas próximas, nunca pediu para ser tratada como “ele”, uma referência de se identificar como um homem trans. “Nunca fez questão de ser ‘ele’, era ‘ela’. A Ju era lésbica, não queria ser tratada como homem, apesar de vestir roupas mais masculinas”, conta Renata.
Sonho de ser ‘polícia’

Renata foi quem aproximou Juliane da PM e tornou o sonho realidade. Ela trabalhava como estagiária no CPAM 1, na Vergueiro, região centrão de São Paulo, e incentivou a amiga. Juliana seguiu os rumos e virou soldado, trabalhando na 2ª Cia do 3º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), com base na Vila Guarani, zona sul de SP. Renata não seguiu, mas tenta fazer concursos para voltar à PM.

Segundo quem convivia com ela no dia a dia, mesmo que de modo afastado, a mesma alegria e empenho eram vistos. “Estava sempre animada”, comentou uma cabo da 2ª Cia, durante o velório. O tenente-coronel Márcio Necho da Silva, comandante da área, definiu Juliane como uma “policial exemplar”.

“A Juliane era um destaque positivo dentro da equipe que trabalhava. Uma policial educada, solícita, companheira, prestativa, sempre ativa. O comportamento dela era exemplar”, declarou o tenente-coronel, explicando que ela estava há um ano no 3º BPM/M.

Cerca de 100 policiais acompanharam a cerimônia de velório e enterro de Juliana. Estavam presentes representantes da Polícia Militar (Rota, Tropa de Choque, Corregedoria, Rocan, Gate, Coe, do canil), da Polícia Civil, Polícia Rodoviária e GCMs de São Paulo e São Bernardo estiveram presentes na cerimônia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário