sexta-feira, 19 de abril de 2019

Pensamento do Dia


Bem feito!

A última canelada iliberal de Jair Bolsonaro causou reveses bilionários à Petrobras e terá um custo ainda maior em termos de perda de credibilidade.

Meu lado racional torce para que Jair Bolsonaro pare de sabotar seu próprio governo e faça o que precisa ser feito. Se o barco afundar, todos nos tornaremos náufragos. Meu lado sádico, contudo, não resiste a dizer “bem feito!” à turma do mercado e a todos aqueles que acreditaram que o capitão reformado seria capaz de tocar uma agenda liberal.

Bolsonaro passou 28 anos na Câmara onde, além de esmerar-se na arte de fazer comentários que chocam a sensibilidade das pessoas normais, não desperdiçou oportunidades de votar em propostas conservadoras, intervencionistas, corporativistas e outras que violam pressupostos básicos do liberalismo.


Dá para conciliar conservadorismo e liberalismo? No mundo sublunar, sim. As pessoas escolhem para si os mais absurdos “blends” de crenças. Um Datafolha de 2010 mostrou que, dos brasileiros que se diziam ateus, 7% acreditavam em Adão e Eva e 23% eram partidários da evolução “comandada por Deus”.

O princípio da não contradição não faz surgir um raio exterminador que fulmine quem assuma posições incongruentes. Mas é forçoso reconhecer que a confiabilidade dos que sustentam combinações malucas de crenças é menor do que a daqueles que conseguem articular ideias coerentes.

E não vejo como se possa, de modo consequente, ser liberal na economia, mas não em relação aos costumes —ou vice-versa. É no mínimo exótico achar que o indivíduo é o melhor juiz para escolher qual carreira ele deve seguir e onde vai vender seus produtos, mas não para decidir como e com quem vai fazer sexo consensual, que substâncias ingerirá e que livros poderá ler.

Autoengano parece-me a melhor explicação para a atitude dos liberais que apoiaram a eleição do mais iliberal dos candidatos.

Liquidação dos cínicos

Há ainda uma poda que é necessário fazer: eliminar da atual angústia que nos atormenta o cinismo que a macula e o parasitismo que a explora. A verdadeira razão e o verdadeiro instinto mandam curar as feridas. Só os mendigos profissionais deitam sal nas chagas para as avivar
Miguel Torga, "Diário V"

Rosáceas

A primeira vez em que as vi, acho que tinha uns 10 anos de idade. De lá para cá, nas incontáveis vezes em que estive em Paris, jamais deixei de vê-las. Não tenho religião — por escolha pessoal —, mas sempre senti algo dentro da Catedral de Notre-Dame, algo edificante, algo mais adequadamente definido na palavra inglesa uplifting. Já apreciei a beleza de muitas igrejas brasileiras e europeias, já me encantei com a mesquita de Córdoba, mas nada é comparável ao sentimento que evoca a majestosa catedral parisiense. Resgato esse sentimento agora não apenas por causa do incêndio que a devorou parcialmente nesta semana, mas porque pouco há de majestoso ou inspirador na atualidade.

Tenho lido e pesquisado sobre as relações entre as mudanças climáticas e as várias crises migratórias mundo afora, sobre as várias crises migratórias mundo afora e a ascensão do nacionalismo populista. O último relatório da ONU sobre o drama migratório global estimou em pouco mais de 40 milhões o número de pessoas desterradas e em mais de 20 milhões o número de refugiados.

Os desterrados são aqueles que deixam as regiões de origem em seus países e deslocam-se para outras ainda dentro das fronteiras. Os refugiados são aqueles que fogem de seus países para outros, geralmente mais desenvolvidos, onde esperam melhores condições de vida.


O dado perturbador é que a maioria acachapante dos desterrados e refugiados que a ONU contou em 2016 fugiu não de violência e conflitos como geralmente se supõe, mas de eventos catastróficos relacionados ao clima. Secas, inundações, temperaturas escorchantes e suas consequências, como a perda de lavouras e das condições de vida de muitos dos que dependem da produção agrícola de subsistência. Um estudo científico publicado em 2015 aponta a seca desastrosa que atingiu a Síria como fator de estresse para o conflito que mais tarde se daria.

A literatura sobre alterações climáticas e a deflagração de guerras e conflitos é vasta, e a correlação é bem estabelecida. Em alguns casos é possível ver mais do que meras correlações. Em alguns casos é possível afirmar que problemas climáticos causaram guerras e conflitos. Para acrescentar ofensa à injúria, alguns estudos mostram que o ponto em que estamos hoje não é o resultado acumulado de muitas e muitas décadas de descaso. O agravamento das mudanças climáticas é, na realidade, resultado dos últimos 25 a 30 anos.

Apesar dessas evidências e do temor que elas deveriam causar, vários líderes mundiais as ignoraram. Alguns, talvez, porque não viverão muito mais mesmo, caso do septuagenário que ocupa a Casa Branca. Outros pela mais profunda ignorância sobre qualquer tema, em particular sobre o complicado tema das mudanças climáticas. O ocupante do Palácio do Planalto, que em campanha ameaçou tirar o Brasil do Acordo de Paris, esvaziou o Ministério do Meio Ambiente, suspendeu contratos com organizações não governamentais ambientalistas e extinguiu secretarias que formulavam políticas públicas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas globais.

Por essa razão, inseriu no Ministério do Meio Ambiente representante da “nova direita” que anda fazendo estragos consideráveis na pasta pela qual é responsável. Não à toa, o Museu de História Natural de Nova York se recusou a prestar seu espaço para evento que homenagearia o presidente brasileiro em meados de maio, fato inusitado repercutido nas manchetes internacionais e locais.

É impossível afastar a angústia diante de tudo isso. Ainda que as besteiras de Damares Azul-Rosa Alves sirvam para que se possa rir um pouco — goiabeiras, mulheres submissas e coisa e tal. Portanto, pensem nas rosáceas. Elas sobreviveram às labaredas, vocês viram as labaredas? As belíssimas rosáceas do século XIII e suas pétalas divinamente coloridas por onde já atravessou a luz de tantos séculos continuam lá, não explodiram, não derreteram, como seria de imaginar.

A sobrevivência das rosáceas é uplifting, não porque acredito em milagres ou qualquer outra interpretação religiosa, intervenção divina ou seja lá o que for. A sobrevivência das rosáceas é uplifting porque ela simboliza a resistência do espírito humano que as concebeu e a capacidade que todos temos de apreciar a força e a beleza dessa resistência, mesmo que as circunstâncias sejam as mais violentas e cruéis.

Monica De Bolle

Bolsonaro, o amigo do amigo da imprensa

“Quero ser amigo da imprensa, mas fica difícil. Todo dia são três ou quatro fake news em cima da gente”. O presidente reclamou de uma revista, em transmissão ao vivo em rede social: “Mentira”. Os ataques de Bolsonaro a jornalistas costumam ser seriais e pessoais, contra repórteres com nome e sobrenome. Mas tudo mudou. Mesmo?

O socialista de direita Bolsonaro decidiu aparecer em sua melhor luz. Estava contente porque o Supremo Tribunal Federal resolveu superá-lo em trapalhadas, na pele do ministro Alexandre de Moraes. O juiz se expôs ao ridículo ao censurar uma revista e intimidar jornalistas e internautas que incomodaram o amigo do amigo Dias Toffoli, presidente do STF. “Minha posição”, disse Bolsonaro, “sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável”. “Nós precisamos de vocês(jornalistas) para que a chama da democracia não se apague.” Era uma festa pelos 371 anos do Exército.

Liberdade de opinião na família deixa o presidente em apuros. O filho e senador Flavio Bolsonaro apagou mensagem dirigida ao grupo islâmico Hamas: “Quero que vocês se EXPLODAM!!!” Outro filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, disse em vídeo de outubro do ano passado que, para fechar o STF, bastariam um soldado e um cabo.

“O pessoal até brinca lá. Se você quiser fechar o STF, não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é desmerecendo o soldado e o cabo, não. O que é o STF, cara? Tipo, tira o poder da caneta de um ministro do STF, o que ele é na rua? Se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor dos ministros?”, provocou Eduardo Bolsonaro. É importante lembrar.

O STF não mandou apreender os computadores do deputado nem entrou na casa dele. A presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Rosa Weber, reagiu com serenidade: “Soube da manifestação do filho do Bolsonaro e ele já foi desautorizado (pelo pai, então candidato) . De qualquer forma, nós juízes não nos deixamos abalar por manifestações inadequadas.”

A dupla de toga Moraes-Toffoli se deixou abalar. Jogou holofote sobre a revista "Crusoé", que nem ofendera ninguém. Criou um supremo mal-estar com a opinião pública, a Procuradoria-Geral e os colegas no STF. Agentes da Polícia Federal acordaram um aposentado que produz roupas para cachorros em São Paulo e protesta nas redes contra “a ditadura judicial”. Levaram o computador dele.

Bolsonaro expressa sem censura suas verdades mais íntimas. “Nazismo é de esquerda.” “Pode-se perdoar o Holocausto.” “O coronel Brilhante Ustra (torturador) é um herói.” “ (O ditador paraguaio) Stroessner foi um homem de visão, um estadista.” “Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê? (sobre o Museu Nacional incendiado). ” “A sociedade brasileira não gosta de homossexual.”

O presidente cita trecho bíblico: “Conheceis a verdade. E a verdade vos libertará”. A última “verdade” de Bolsonaro insulta a sociedade. “O Exército não matou ninguém”, disse sobre os 82 tiros disparados por soldados contra um carro de passeio. Matou sim. Fuzilou. E agora, são dois na conta do Exército e da Justiça Militar. O catador de papel Luciano Macedo, que correu para ajudar a família do músico Evaldo, não resistiu aos ferimentos e morreu. Deixa uma mulher grávida. Qual é a verdade que nos libertará?

Cristo do Brasil


Liberdade de imprensa piorou no Brasil em 2018

O Brasil, a Venezuela e a Nicarágua são os países latino-americanos onde a liberdade de imprensa piorou em 2018, segundo a classificação anual divulgada nesta quinta-feira (18/04) pela ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), que também alerta para a situação ruim no México e em Cuba.

Na 105ª colocação, o Brasil caiu três posições em relação ao ano anterior e está localizado perto da "zona vermelha", assim como a Venezuela e outros países onde a situação é "difícil" para a imprensa, como Burundi, Iraque e Turquia.

A deterioração do Brasil responde a um ano "particularmente agitado", com o assassinato de quatro jornalistas e a crescente fragilidade dos profissionais independentes que cobrem temas ligados à corrupção ou ao crime organizado, afirmou a ONG.

Para a RSF, a eleição do presidente Jair Bolsonaro, após uma campanha marcada pelo discurso do ódio, desinformação e desprezo pelos direitos humanos, "marca um período sombrio para a liberdade de imprensa" no Brasil.

As redes sociais, especialmente o Whatsapp, serviram para espalhar notícias falsas e desacreditar os veículos de imprensa críticos ao presidente, transformando os jornalistas em "alvos prediletos" dos seguidores de Bolsonaro.

Pela primeira vez em três anos, a Coreia do Norte não é a última colocada (posição 180) da lista, onde está agora o Turcomenistão. A Noruega está em primeiro lugar, seguida da Finlândia e da Suécia.

"Em essência, o clima no qual os jornalistas trabalham simplesmente se deteriorou em todo o mundo", disse Sylvie Ahrens-Urbanek, do escritório alemão da RSF. Segundo ela, a profissão está convivendo com um "clima de medo".

Ela considera especialmente alarmante a crescente retórica de ódio contra jornalistas na Europa e nos Estados Unidos, apesar de lembrar que o fenômeno é mundial. O ano de 2018 foi marcado em todo o mundo pela redução de onde se pode praticar o jornalismo com garantias.

Sobre a Venezuela, a "deriva autoritária" do governo de Nicolás Maduro aproxima o país da "zona negra", onde está o grupo em pior classificação, que tem na Eritreia, na Coreia do Norte e no Turcomenistão os últimos colocados.

Em 2018, a repressão da imprensa independente na Venezuela se intensificou, com prisões arbitrárias de jornalistas e violência das forças da ordem contra os repórteres.

As emissoras de rádio e televisão mais críticas ao governo tiveram suas licenças de transmissão cassadas, além de a imprensa estrangeira ter sofrido com prisões, interrogatórios e até expulsões da Venezuela.

Mas o país da América Latina que mais caiu no ranking de classificação foi a Nicarágua, descendo 24 posições, para o 114º lugar, em plena "zona vermelha", por conta da repressão à imprensa independente feita pelo governo de Daniel Ortega.

No contexto do agravamento da crise política no país e do aumento das manifestações contra o governo, a RSF diz que "o jornalismo é constantemente estigmatizado e atacado com campanhas de assédio e ameaças de morte, além de prisões arbitrárias".

"Durante as manifestações, os repórteres da Nicarágua consideraram que os opositores são frequentemente atacados e muitos deles foram forçados ao exílio para evitar a acusação de terrorismo e prisão", acrescenta.

O relatório também lembra que, pelo 22º ano consecutivo, o pior país para a imprensa na América Latina é Cuba, na 169º posição, apenas 11 colocações à frente do Turcomenistão.

A melhoria da cobertura da internet na ilha, que facilita o trabalho de "blogueiros" e alguns jornalistas independentes, não esconde que o regime, agora comandado por Miguel Díaz-Canel, segue controlando permanentemente a informação e usando a repressão, levando ao exílio as vozes mais críticas.

Na "zona vermelha" também se encontra o México, principal cemitério de jornalistas, dez deles assassinados em 2018, vítimas do crime organizado e de autoridades corruptas.

A autocensura, ligada à intimidação da classe política, cresceu em El Salvador, Honduras e Guatemala, enquanto que a situação está "alarmante" na Bolívia, 113ª da lista, por causa da censura imposta pelo governo de Evo Morales aos veículos de imprensa críticos.

O Chile, entretanto, caiu oito posições devido aos ataques sofridos para a proteção de fontes de jornalistas que trabalham nas reivindicações dos Mapuches ou a corrupção da classe política.
Deutsche Welle

A ordem é desconfiar

Desconfio dos discursos morais dos políticos, da religião. Se estudássemos as grandes frases morais de pessoas com poder, ao longo da História, veríamos que são muitas vezes prefácios a grandes tragédias
Gonçalo M. Tavares

Apesar de vocês

Não obstante o alarido do bolsonarês castiço que assola a República, a reforma da Previdência vai passar. Não porque o presidente Jair Bolsonaro esteja particularmente empenhado nisso. Não será uma obra dele nem de seus três auxiliares falastrões que por uma dessas conjunturas inusitadas são filhos com questões familiares um tanto mal resolvidas e detentores de mandato parlamentar. Se dependesse desses quatro, caminharíamos de modo irremediável para o “buraco” em que o general Rêgo Barros disse recentemente que cairemos caso a reforma não seja feita.</p>

Ela será feita, cedo ou tarde, de um jeito ou de outro, porque o mundo do dinheiro, dos negócios e da alta esfera política concorda com a fala do porta-voz. Funciona mais ou menos como a derrubada da inflação no governo FH e a manutenção da política econômica do antecessor na gestão Lula: ou é isso ou não tem governo. Quiçá país, na interpretação dos entendidos no assunto.

Prefeito do Rio por três vezes, Cesar Maia, pai do presidente da Câmara, aponta três eixos de sustentação efetiva do governo: Economia (Paulo Guedes), Justiça e Segurança (Sergio Moro) e administração substantiva (os militares do Planalto). Note agora o leitor que todos eles atuaram na última semana para desconstruir a barafunda que parecia levar a reforma a pique.

Moro e Guedes entenderam-se com Rodrigo Maia sobre a necessidade de a proposta da Previdência tramitar soberana, o vice-presidente Hamilton Mourão tranquilizou o PIB com encontro em São Paulo e o general Augusto Heleno certamente foi o autor oculto do apelo à “pacificação” feito por Bolsonaro em seguida a intenso tiroteio com o presidente da Câmara.

Os movimentos desse pessoal são o que realmente conta para medir a ampliação ou a redução de danos à reforma. O jogo aqui é de sobrevivência, uma vez que a aprovação do projeto é o primeiro passo, sem o qual não se vai a lugar algum. Sem ele, por exemplo, Moro não consegue nada com seu pacote de legislação anticrimes. Rodrigo Maia tampouco conseguirá imprimir relevância à sua terceira passagem pela presidência da Câmara (fundamental para o impulso do futuro) se a Previdência ficar empacada. Guedes também não levará adiante sua proposta de desvinculação constitucional das receitas da União.

Donde é de concluir que as coisas fluirão. A menos que o presidente da República resolva livrar-se de seus pilares, ou vice-versa, numa exacerbação de seu jeito rudimentar de ser, e, não sabendo exatamente do que se compõe a nova política, siga na trajetória malsã de negar-se ao exercício da boa política.

Nesta, já apontaram diversos autores credenciados, existe um caminho do meio a ser trilhado entre a hostilidade e a ilegalidade. Para tanto, porém, há que ter visão estratégica, inteligência, paciência, ponderação, noção dos limites do poder e, sobretudo, plano de voo claro e detalhado. E é aí que a fêmea da espécie dos suínos corre o risco de retorcer a própria cauda e pôr tudo irremediavelmente a perder.

Toffoli fez de Bolsonaro estadista por 49 segundos

Ao trocar o figurino de supremo moderador pelo papel de censor, o "amigo do amigo do meu pai" proporcionou a Jair Bolsonaro uma pose inusitada. Deu-se numa cerimônia de comemoração do Dia do Exército, no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo. Num discurso de pouco mais de seis minutos, o capitão reservou 49 segundos para executar a coreografia de um neo-estadista pró-liberdade de imprensa. Dirigindo-se aos "prezados integrantes da mídia", Bolsonaro propôs a superação das diferenças:


— Que pese alguns percalços entre nós, precisamos de vocês para que a chama da democracia não se apague. Precisamos de vocês cada vez mais. Palavras, letras e imagens. Que estejam perfeitamente irmanados com a verdade. Nós, juntos, trabalhando com esse objetivo, faremos um Brasil maior, grande e reconhecido em todo cenário mundial. É isso o que nós queremos. As pequenas diferenças fiquem para trás. O Brasil é maior do que todos nós juntos.

Atento à movimentação dos ventos, Bolsonaro percebeu que Dias Toffoli obteve o feito supremo de atrair para si a antipatia nacional. Nas redes sociais, habitat natural do presidente da República, a aversão ao "amigo do amigo do meu pai" reacendeu o pavio de sua inflamada militância. E o capitão não hesitou em converter Toffoli numa oportunidade a ser aproveitada.

A reconciliação improvável com a imprensa é mero degrau para atingir um posto de observação confortável, com vista para o processo de autocombustão de Toffoli. Em condições normais, Bolsonaro fará sua primeira indicação para o Supremo em novembro de 2020, quando o decano Celso de Mello completará 75 anos. A segunda indicação virá em agosto de 2021, com a aposentadoria compulsória de Marco Aurélio Mello.

O eventual impeachment de uma toga suprema encurtaria a ansiedade e aumentaria a cota de ministros afinados com os "novos tempos". Afastar ministro do Supremo é coisa inédita e difícil de acontecer. Mas se as trapalhadas de Toffoli servem para alguma coisa é para demonstrar que o impossível não passa de um vocábulo que carrega o possível dentro de si.