sábado, 17 de novembro de 2018

À falta do que fazer, há quem ....

Foi uma semana surpreendente. Pelo menos para mim.

Confesso que estava curiosa com a aparência do ex-presidente Lula depois de sete meses de prisão. Pois não é que ele está muito bem? Corado, meio gordinho, com a voz firme e forte, só o cabelo mais branco, o que é natural na sua idade. E com a mesma garra de sempre…

A segunda surpresa veio com o nome do novo chanceler. Foi uma surpresa e tanto! Ao lado do presidente-eleito no momento em que esse anunciou seu nome, chamou minha atenção sua postura entre o solene e o grave, digna de um quadro a óleo para a galeria de chanceleres do Itamaraty. Claro que não é igual, mas que parece muito com o Barão do Rio Branco quando ainda Juca Paranhos, parece.



Suas primeiras palavras como chanceler foram impactantes. Ele se comprometia a trilhar, na chefia do Itamaraty, “uma política efetiva, em função do interesse nacional, de um Brasil atuante, um Brasil feliz, um Brasil próspero”. Modesto, não acham?

Atuante e próspero, pode até ser. Temos como chegar lá. Mas feliz? Isso já não é prometer muito? Será que ele levou em conta que para ser feliz o Homem precisa de Saúde, ou pelo menos médicos que possam ajuda-lo a recuperar ou manter sua saúde; um Teto para viver com sua família em segurança, com água na torneira e esgoto sanitário nas ruas onde vive; Creches para receber seus filhos para que o casal possa trabalhar tranquilo; Escolas onde suas crianças possam aprender a ler para furar o bloqueio da ignorância e atingir a luz; Empregos, pois sem empregos, cadê o dinheiro para viver?; Justiça para todos, sem preconceitos, sem distinção alguma.

A mim me parece uma tarefa mastodôntica. Quem sabe Ernesto Araujo, um vitorioso, consegue? Afinal, ele conseguiu o impensável: embaixador sem embaixada, jovem ainda, recém-promovido a ministro de primeira classe, agradou ao presidente-eleito e seus filhos, sem exceção. É ou não é uma grande vitória?

A outra grande surpresa ligada ao novo chanceler encontrei em seu blog Metapolítica 17. Copio aqui: “You are your brain, diz o título de um desses livros mecanicistas que se publicam obrigatoriamente às dezenas todos os anos e que as pessoas compram porque os vêem na livraria. (Às vezes acho bom que as livrarias estejam acabando, porque as livrarias ultimamente selecionam e, ao selecionar, endossam o que há de pior na mínima denominação comum do materialismo. Sem livrarias, as pessoas vão chegar aos livros por outros caminhos, e deixarão de ler besteira só porque o livro aparece em destaque numa estante. O cânone materialista implícito que as livrarias aplicam dará lugar à plena liberdade e à livre concorrência das ideias.)

Tive que ler várias vezes. Custei a compreender e muito menos a acreditar no que lia. Mas como está em seu blog e não houve desmentido, aí vai a douta opinião do chanceler Ernesto Araujo sobre livrarias.

A terceira e mais aflitiva surpresa veio com a decisão de Cuba, com plenos motivos, de retirar do Brasil os seus médicos. É surpresa assustadora, para ser digerida aos poucos: como ficaremos sem eles? Acho que isso nem Deus sabe…
 Maria Helena RR de Sousa

687ª noite

Como eu já disse, morreram vinte e dois prisioneiros de guerra americanos em Hiroshima. O vigésimo terceiro, que sobreviveu, foi linchado pela multidão enfurecida. Os japoneses caminhavam como zumbis procurando seus entes queridos entre as ruínas e nuvens de fumaça cancerígena. Surpreendentemente, os sobreviventes sentiram pouca dor. Um escritor disse que foi como se o grande terror do desconhecido houvesse cancelado o terror do sofrimento. Nus ou com roupas em frangalhos, não sabiam para onde se dirigir, pois todas as placas haviam desaparecido. Era impossível dizer quem era homem e quem era mulher. Os que saíram de casa vestindo roupas brancas apresentavam menos ferimentos do que os demais, uma vez que as cores escuras tendem a absorver a luz termonuclear. Amigos não se reconheciam, pois muitos haviam perdido seus rostos. Outros tinham gravada nas faces as impressões de suas mãos ou de seus narizes. Algumas pessoas perdiam as mãos ao acenarem pedindo ajuda. Saía fumaça dos ferimentos quando imersos em água. Outros cem mil japoneses morreriam graças aos ferimentos e à radiação. Até hoje crianças nascem cancerosas em Hiroshima e Nagazaki. Os filhos das mulheres grávidas durante o ataque nasceram deformados.
Fausto Wolff, "A milésima segunda noite"

Paisagem brasileira

Ilha de Paquetá (1907, RJ),  Carlos Balliester

Celular poderia durar 12 anos se sua vida não fosse encurtada de propósito

Meias que se esgarçam no primeiro uso, lâmpadas com vida útil de apenas 1.000 horas e máquinas de lavar roupa que funcionam pouco mais de cinco anos. A obsolescência programada afeta produtos de múltiplos setores, entre os quais estão os têxteis, os eletrodomésticos e, também, os smartphones, que em muitos casos ficam mais lentos e começam a falhar dois anos depois de comprados.

“No momento, absolutamente todos os fabricantes de telefones celulares adotam essa prática. Quando o celular fica mais lento ou certos aplicativos não funcionam, o usuário já começa a pensar que é normal", afirma Benito Muros, presidente da Fundação Energia e Inovação Sustentável Sem Obsolescência Programada (Feniss). Atualmente, a vida útil de um telefone, observa ele, é de dois anos. Depois disso, é comum que eles comecem a dar problemas e Muros explica que o reparo pode custar até 40% do que se gastaria na compra de um novo. "Se a obsolescência programada não existisse, um telefone celular teria uma vida útil de 12 a 15 anos", diz.

A Autoridade Garantidora da Concorrência e do Mercado da Itália (AGCM, na sigla em italiano) impôs há duas semanas uma multa de cinco milhões de euros (222 milhões de reais) à Samsung e outra de dez milhões à Apple por forçarem os clientes a realizar atualizações de software que tornam os telefones celulares mais lentos. Ambas as empresas foram acusadas pela AGCM de adotar "práticas comerciais desleais" que causaram "avarias graves [nos dispositivos] e reduziram significativamente seu funcionamento, acelerando assim a sua substituição por produtos mais novos".

Essas multas representam "um começo para falar sobre obsolescência programada", explica Enrique Martínez Pretel, membro do Conselho Geral de Associações de Engenharia de Informática da Espanha e CEO da empresa de especialistas em informática Evidentics. Mas esta soma "não é nada para essas empresas": "A Apple ganhou 16,04 bilhões de euros (70 bilhões de reais) somente no quarto trimestre de 2014, o ano em que saiu o iPhone 6, que é o dispositivo sobre o qual se impôs a multa".

Na Espanha, o Decreto Real 110/2015, de 20 de fevereiro, relativo aos resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos, inclui entre as obrigações dos fabricantes que estes dispositivos sejam projetados e produzidos de modo que sua vida útil seja prolongada o máximo possível. A Comissão Europeia propõe que em 2020 a informação de durabilidade seja obrigatória para os fabricantes, de acordo com Martínez Pretel.

Enquanto em países como a Itália e a França já são promulgadas leis para a proibição total destas práticas, na Espanha não há nenhuma legislação que penalize a obsolescência programada. Em 2016, o Partido Socialista propôs em seu programa eleitoral "proibir e penalizar de forma estrita as práticas de obsolescência tecnológica forçada dos produtos por parte das empresas". A Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade, em abril de 2017, uma proposta de lei do Grupo Parlamentar Socialista que instava o Governo do Partido Popular a proibir a obsolescência programada.

A França foi o primeiro país europeu a introduzir medidas para erradicar esse tipo de práticas que não podem ser mantidas porque exigem o uso de recursos naturais finitos, geram grandes quantidades de resíduos e uma perda econômica para o consumidor, além de ter consequências negativas para a saúde pública e o meio ambiente", explicou a porta-voz socialista da área de consumo, Begoña Tundidor.

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Falta combinar com os eleitores

Há dois grandes obstáculos à expansão da economia brasileira. No macro, é o desajuste das contas públicas, com os déficits anuais e a dívida crescente. No micro, é o ambiente de negócios desfavorável à atividade das empresas.

Dentro do primeiro, o maior problema está na previdência, pública e privada, que gera déficits e desigualdades. No segundo, o principal entrave está no sistema tributário. As empresas pagam impostos elevados e gastam muito tempo, energia e dinheiro para pagá-los corretamente.

Há provas. Hoje, de cada 100 reais que o governo federal gasta, 50 vão para pagamento de aposentadorias e pensões. Há sete anos, eram 32 reais, ou 32% da despesa geral. E o sistema previdenciário não arrecada o dinheiro necessário para o pagamento dos benefícios. Resultado: o governo gasta cada vez mais com aposentadorias (e, portanto, cada vez menos com todos os demais serviços e investimentos) e usa a receita de outros impostos para financiar as aposentadorias.

No lado micro, a prova cabal está no extraordinário estudo do Banco Mundial, Fazendo Negócios, cuja versão 2018 foi divulgada ontem. Trata-se de avaliar a facilidade (ou dificuldade) para fazer negócios honestamente.



O Brasil até que melhorou. No ano passado, entre 190 países, estava na posição 125º, ou seja, na parte baixa da tabela. Na última versão, subiu para 109º, tendo melhorado na maior parte dos quesitos, como mais facilidade para abrir empresas. Mas no item “Pagando impostos”, não houve qualquer avanço. O Brasil continua na posição 184ª. Considerando que os seis últimos são países sem relevância, pode-se dizer com todas as letras: o Brasil tem o pior sistema tributário do mundo.

Mas o pior de tudo é que nada disso é novidade. Qualquer pessoa que lida com negócios sabe o inferno que é pagar impostos corretamente. Mais ainda, os temas, macro e micro, estão colocados há bastante tempo, de modo que as diversas soluções estão disponíveis.

Por exemplo, tem uma reforma da previdência prontinha para ser votada na Congresso. Não é a ideal, mas quebra um bom galho – garante uma economia de uns R$ 500 bilhões em dez anos. Está lá também um projeto de reforma tributária que simplifica bastante o sistema, reunindo vários impostos numa única guia.

Por que não se resolve?

Porque nos tem faltado um governo com clara maioria eleitoral e que tenha assumido essa agenda de reformas.

O governo Temer tentou boa parte dessa agenda e, de fato, avançou em pontos como o teto de gastos públicos e a reforma trabalhista. Mas faltaram votos e moral para continuar o serviço.

O futuro governo Bolsonaro tem os votos e promete colocar os corruptos à parte. Além disso, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, tem colocado uma agenda que faz inteiro sentido.

Primeiro de tudo, buscar o equilíbrio das contas públicas, começando pela principal fonte de desequilíbrio, o gasto previdenciário.

Tudo depende disso. Por exemplo: não adianta nada cortar todos os gastos se a previdência continua gerando déficits. Não adianta nada privatizar estatais e resgatar parte da dívida pública, o que permitiria reduzir juros, se a estrutura básica de gastos continuar gerando déficits. Seria matar uma dívida e começar outra.

Tem que ser tudo combinado. Por exemplo, começar o ajuste fiscal, com a reforma da previdência que está aí, e apoiar esse esforço com privatizações.

Tudo considerado, a agenda econômica do futuro governo está correta.

Porém, ah!, porém, essa agenda não foi claramente apresentada aos eleitores. Os milhões que votaram em Bolsonaro votaram pela reforma da previdência, essa que está no Congresso e que Paulo Guedes quer aprovada?

Ainda dá tempo. O presidente eleito tem a força das urnas. Mas ele precisa ir a público e dizer que tais e tais reformas são necessárias para a retomada do crescimento. Dizer claramente e convencer seus eleitores, e a sociedade, que esse é o caminho. Sem isso, não formará maioria no Congresso para votar as reformas.

Saída para o 'Mais Médicos' é menos politicagem

Bolsonaro declarou guerra aos médicos cubanos já na campanha. Disse que, eleito, enviaria todos de volta para Cuba com “uma canetada”. Foi com uma canetada também que Dilma criou o Mais Médicos em 2013, levando o programa à vitrine de sua campanha à reeleição no ano seguinte. Agora, com outra canetada, Havana antecipou-se a Bolsonaro, rompendo o acordo que mantinha no Brasil quase 8,4 mil médicos, algo como 45% dos profissionais arregimentados pelo Mais Médicos.

A polêmica ferve nas manchetes. Bolsonaro troca farpas com Cuba. O PT sobe no caixote para atacar o capitão. Em meio a tantos protagonistas, um personagem central fica em segundo plano: o brasileiro pobre dos fundões do país ou da periferia das grandes cidades. Para 28 milhões de pessoas, clientes potenciais dos médicos cubanos, pouco importa se o jaleco é vermelho ou verde-amarelo. O essencial é que ele esteja presente sempre que a dor apertar.

Em sua manifestação mais recente, Bolsonaro disse: “Nunca vi uma autoridade no Brasil dizer que foi atendida por um médico cubano. Será que nós devemos destinar aos mais pobres profissionais sem qualquer garantia de que sejam realmente razoáveis?” Ora, nunca viu nem verá. Dilma, quando precisou, tratou-se no Sírio Libanês. Bolsonaro, socorre-se no Albert Einstein. O brasileiro paga a conta.

Dilma sabia que o Mais Médicos era um remendo que não resolveria o problema. Bolsonaro sabe que a saída atabalhoada dos médicos cubanos, sem uma substituição simultânea da mão de obra, é um desastre que agravará o drama. E os brasileiros afetados pelos programas que começam e terminam assim, em ritmo de truque cinematográfico, sabem que a única saída para garantir mais médicos é menos politicagem.