quinta-feira, 4 de junho de 2020

General 'terrivelmente democrata'

É ofensivo às Forças Armadas, em particular ao Exército Brasileiro, alguém dizer que vai haver ruptura e que vai haver golpe. Isso é ofensivo, não é aceitável. A minha geração é radicalmente democrática. A minha responsabilidade de estar no governo é de não fazer feio, de corresponder à confiança e história que eu tenho no Exército
General Luiz Eduardo Ramos,ministro da Secretaria de Governo

A estupidez

Em 1976, Carlo Cipolla (1922-2000), historiador e economista, escreveu precioso ensaio em inglês, língua que, segundo ele, era a única a permitir a apreciação de sua obra. Somente em 1988, aceitou a ideia da versão italiana, Allegro ma non tropo, que torna disponível a primeira edição de As Leis Fundamentais da Estupidez Humana (Ed. Planeta, 2020) traduzida da versão original. (ATENÇÃO: qualquer semelhança com fatos, situações e pessoas é mera coincidência)

Primeira Lei: “Todo mundo subestima, sempre e inevitavelmente, o número de indivíduos estúpidos em circulação”. Este número é uma constante de estúpidos, a fração B.

Segunda Lei: “A probabilidade de uma pessoa ser estúpida independe de qualquer outra característica dessa pessoa”. Constatação subversiva: os homens não nascem iguais. Sem conversa mole de “padrões culturais”. O ser nasce estúpido por obra da Providência. E as pesquisas comprovaram (é evidência científica!) que a constante B’ está presente nas pessoas, independente de sua condição social. Na Universidade, por exemplo, a fração B’ está presente entre o pessoal da limpeza, PhDs e vencedores dos prêmios Nobel.

A Terceira Lei: “Estúpida é a pessoa que provoca perdas para outras pessoas ou grupo de pessoas enquanto não obtém nenhum ganho e ainda pode incorrer em perdas”. Esta, para mim, é a “Lei de Ouro da Estupidez”. Para compreendê-la é preciso atentar para o conceito de perdas e ganhos e, especialmente, para as quatro categorias em que se divide a humanidade: os inteligentes, os vigaristas, os otários e os estúpidos. O cara pode ser vigarista e em certas situações agir como otário; o mesmo acontece como o otário, o inteligente, mas retornam à posição de origem. O estúpido se basta no dano que causa, inclusive, a ele.

O leitor vai ficar intrigado, e continuar, até compreender que as pessoas sensatas e racionais têm dificuldade de entender irracionalidade e a estupidez.

Daí a Quarta Lei: “As pessoas sempre subestimam o poder de causar danos de indivíduos estúpidos e esquecem que, sob qualquer circunstância, lidar ou se associar a pessoas estúpidas resultam em custo incalculável”.

A Quinta Lei (“O estúpido é o tipo mais perigoso de pessoa”). Para mim é mais um corolário do que lei. O leitor decide.

Ia esquecendo: o livro tem dois capítulos: “Estupidez e poder” e “O poder da estupidez”. Desnecessário abordar. Conhecemos bem este assunto. E cada caso é um caso.

O pior dos exemplos

Três meses depois da chegada da Covid-19, o país continua tateando em relação a tudo o que é importante para enfrentá-la. Muitos estados e municípios ensaiam a flexibilização do distanciamento social sem a segurança mínima que só a capacidade de rastrear os atingidos é capaz de dar. A única preocupação do presidente na matéria parece ser a de empurrar para governadores e prefeitos a imensa conta da catástrofe sanitária e econômica em curso.

Ou é ilusão, ou má-fé da parte dele. A sua responsabilidade é inequívoca e se desdobra em muitos planos: na falta de coordenação da política sanitária que caberia ao ministério cujo titular mudou três vezes em um mês; na hostilidade gratuita à Organização Mundial da Saúde, apartando o país das redes internacionais de cooperação nessa área literalmente vital; na demora em adotar medidas de proteção aos mais pobres e vulneráveis, aos empregados com carteira, aos pequenos empreendedores e às milhares de empresas necessitadas de apoio —iniciativas cujo porte mesquinho foi em parte corrigido pelo Congresso; na ausência, enfim, de qualquer noção do que fazer nos próximos meses, para não falar no próximo ano.


Como se fosse pouco, Bolsonaro comportou-se por palavras e atos como o principal agente desorganizador dos esforços para conter o impacto destrutivo do novo coronavirus. Desinformou os brasileiros e incentivou o desrespeito ao isolamento social, que até o momento é o único redutor comprovado da velocidade da contaminação.

Recente pesquisa nacional de opinião realizada pelo DataPoder360 mostra a população dividida ao meio entre os que se sentem e os que não se sentem seguros para sair de casa e retomar as suas atividades. Sintomaticamente, entre os 28% que apoiam Bolsonaro chega a 73% a proporção daqueles que acham seguro abandonar o distanciamento social. No grupo dos que o desaprovam, são apenas 37%.

À parte isso, estudo ainda inédito dos pesquisadores Ivan F. Fernandes, Gustavo A. Fernandes e Guilherme A. Fernandes —“Ideologia, isolamento e morte: uma análise dos efeitos do bolsonarismo na pandemia de Covid19”— mostra que a votação de presidente no primeiro turno, por município, tem correlação negativa com a taxa de isolamento, e correlação positiva com mortes por Covid-19. Ou seja, ali onde ele teve mais votos, o isolamento é menor e, em decorrência, maior o número de óbitos.

Embora os resultados não permitam dizer que as atitudes de Bolsonaro explicam o descaso de seus eleitores com a própria saúde e a dos outros, na melhor das hipóteses as suas bravatas o estimulam.
Maria Hermínia Tavares

Imagem do Dia


Balanço da trágica parceria entre Bolsonaro e o coronavírus

O coronavírus matou até ontem no Brasil 32.548 pessoas – 1.349 delas nas últimas 24 horas, uma a cada 64 segundos, um novo recorde. Dos 5.570 municípios brasileiros, 4.496 têm menos de 32.550 habitantes, segundo o IBGE.

É como se em pouco mais de dois meses tivesse sido dizimada a população de Exu em Pernambuco, ou de Três Marias em Minas Gerais, ou de Itatiaia no Rio, ou de Ilha Solteira em São Paulo, ou de São Pedro das Missões, no Rio Grande do Sul.

O número de infectados pelo vírus está próximo dos 600 mil. É como se todos os habitantes de Joinville, em Santa Catarina, tivessem ficado doentes. Ou de Londrina, no Paraná. Ou de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Ou de Macapá, capital do Amapá.

O Brasil é segundo país do mundo em número de casos da doença. Só perde para os Estados Unidos. E o quarto em número de mortos, atrás dos Estados Unidos, Reino Unido e Itália. Enquanto nesses países diminui o número de casos novos, aqui aumenta.

O que o presidente Jair Bolsonaro chamou de gripezinha, destinada a matar 800 pessoas, deverá custar a vida de cerca de 50 mil até o próximo dia 20, segundo estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E o pior não terá passado


“A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todos”, disse o presidente. Uma pesquisa realizada pela Associação Paulista de Medicina com 2.808 profissionais, apontou que 84,5% dos médicos acreditam que o pior ainda está por vir.

Quando vier, o país estará mais exposto do que jamais esteve desde quando foi dada a largada para o confinamento social. Sob a pressão de Bolsonaro, de empresários e de prefeitos, governadores por toda parte relaxaram as medidas de isolamento.

O resultado será colhido em breve. E se for o previsto pelos cientistas, ou as medidas serão restabelecidas ou haverá o caos desejado pelo presidente. Ele sempre afirmou que o vírus só será vencido depois de contaminar 70% da população. Estupidez pura!

São muitos os candidatos a dono de uma das alças dos caixões dos mortos pela pandemia. Mas uma delas, por merecimento, com toda certeza é de Bolsonaro. O Brasil é o único país do mundo que trocou duas vezes de ministro da Saúde em menos de 60 dias.

Criou-se, ontem, a figura do ministro interino oficial da Saúde para elevar o status do general Eduardo Pazzuelo que sucedeu a Nelson Teiche, que por sua vez sucedera a Luiz Henrique Mandetta, demitido por Bolsonaro porque estava muito bem no cargo.

A levar-se em conta sua nova condição de ministro interino oficial da Saúde, o general seria o quarto em dois meses. Porque sucede também a ele mesmo que até então era apenas ministro interino. Mais uma contribuição de Bolsonaro à administração pública.

Presidentes que se merecem

Donald Trump é o primeiro presidente que não tenta unir os americanos - ele nem faz de conta de querer isso. Em vez de nos unir, ele tenta nos dividir. Estamos sofrendo as consequências de três anos desse esforço deliberado. Estamos sofrendo as consequências de três anos com um líder imaturo
General Jim "Mad Dog" Mattis, ex-ministro da Defesa de Trump

Pandemia deve derrubar a classe média brasileira

Há dez anos, o Brasil estava prestes a ultrapassar a França como a quinta maior economia do mundo. Impulsionado pelas altas receitas de energia e matéria-prima da mineração e da agricultura, o país viveu um boom econômico que elevou 30 milhões de brasileiros para a classe média. O Brasil continuava a ter aquele um terço extremamente rico e aquele terço extremamente pobre da população – mas, de repente, o avanço social parecia possível. Sobretudo as pequenas e médias empresas e o setor de serviços serviram como trampolim social – e garantiram um rápido aumento do poder aquisitivo.

O mercado de 210 milhões de brasileiros consumidores ávidos, que, na dúvida, preferem gastar a economizar, atraiu todos os fabricantes de bens de consumo do mundo. Em média, os brasileiros compravam mais celulares, televisores, geladeiras, cosméticos e produtos de higiene pessoal do que os indianos, russos e sul-africanos. Este consumo também levou às altas taxas de crescimento da última década: dois terços do crescimento do Brasil foram dependentes do consumo – pouco veio das exportações ou dos investimentos.

Mas desde 2015 o motor de crescimento da economia brasileira vem estagnando e encolhendo: o país caiu para o 12º lugar em termos de potência econômica. E a tendência é descendente. Os brasileiros estão empobrecendo novamente, em vez de ascender. Há seis anos, sua renda média era 9% superior à renda média global, mas ao final do ano será quase 20% menor, prevê a Economist Intelligence Unit. O declínio da sociedade é particularmente evidente em uma comparação com a China: em 2016 a renda per capita (medida pelo poder aquisitivo) ainda era a mesma na China e no Brasil. Hoje é 30% menor no Brasil do que na China.


De acordo com as últimas previsões, o declínio continuará e será exacerbado pela pandemia. Uma razão para isso é o rápido aumento da taxa de desemprego. De acordo com estimativas do Banco Safra, a taxa real de desemprego já está em torno de 16% – e não os 12,9% oficialmente divulgados. Isso porque as estatísticas oficiais não levam em conta aqueles que, sem esperança de achar algo, não estão mais à procura de trabalho.

Além disso, a dívida dos cidadãos voltou a aumentar. Nos últimos dois anos, os brasileiros têm usado as baixas taxas de juros para contrair empréstimos. Sua dívida é quase metade do que eles ganharam nos últimos 12 meses (46%). Este também é o nível mais alto desde 2005, quando as pesquisas começaram.

O governo brasileiro teve considerável dificuldade em chegar às pequenas e médias empresas (PMEs) durante a crise: embora o governo queira dar às PMEs 40 bilhões de reais para garantir que elas não demitam seus funcionários, ainda não fez os investimentos necessários. Ao todo, 1,4 milhão de empresas deveriam ser favorecidas, e 12 milhões de empregos, mantidos. Mas, até agora, só 1% do empréstimo pôde ser sacado. A maioria das pequenas e médias empresas não se enquadra no programa de apoio – são pequenas demais para um faturamento anual de 360 mil reais ou mais. As grandes empresas recebem crédito dos bancos estatais, as empresas de médio porte ficam pelo caminho.

Isso também faz com que a renda dos brasileiros encolha. Segundo o Sebrae, as PMEs brasileiras respondem por mais da metade do total de empregados (52%) e produzem um quarto do PIB do país.

O instituto Ibre/FGV acaba de analisar os últimos dados do Fundo Monetário Internacional. Segundo estes números, a renda per capita dos brasileiros deve cair pelo menos 6% neste ano, para cerca de 13.600 dólares por habitante. A previsão sombria: a década de 2011-2020 é provavelmente a que os brasileiros perderam mais renda nos últimos 120 anos.
Alexander Busch

Bolsonaro não pode se eximir de responsabilidade nas mortes

‘Eu lamento todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”, disse o presidente Jair Bolsonaro, na manhã de terça-feira, ao responder a uma apoiadora que pedira uma palavra para as famílias que perderam parentes em consequência da Covid-19. Naquele dia, o Brasil romperia a marca dos 30 mil óbitos.

Os números trágicos da Covid-19 no Brasil — que já é o segundo país com maior número de casos, atrás dos EUA —, porém, estão longe de ser uma fatalidade. Refletem a sucessão de equívocos do governo Bolsonaro, e também de governadores e prefeitos, no enfrentamento do novo coronavírus.

Bolsonaro tratou uma das mais letais pandemias da História como “gripezinha”, que não apresentaria maiores riscos para pessoas jovens e saudáveis. A doença infectou mais de 550 mil e pôs o país entre os quatro com maior número de mortes (atrás de EUA, Reino Unido e Itália). Em óbitos diários, o Brasil assumiu indesejável liderança.

Desde o início, Bolsonaro adotou discurso divergente do Ministério da Saúde de seu próprio governo. Enquanto a pasta defendia o isolamento para atividades não essenciais, o presidente criticava as quarentenas e dizia que as medidas de restrição eram um exagero.


A gestão do Ministério da Saúde durante a pandemia é talvez o melhor retrato do modo errático como Bolsonaro conduziu o combate à doença. Em plena fase de aceleração, demitiu o ministro Luiz Henrique Mandetta — cujo trabalho era aprovado pela população, segundo pesquisas de opinião — e levou o substituto, Nelson Teich, a pedir exoneração com menos de um mês no cargo. Os dois não resistiram às interferências de Bolsonaro em assuntos técnicos, como a liberação do novo protocolo da cloroquina, contra todas as evidências científicas, que apontam ineficácia do medicamento contra a Covid-19 e aumento do risco de mortes.

Com a efetivação ontem de Eduardo Pazuello como ministro interino da pasta, após 18 dias no cargo, o Brasil passou a ter três ministros da Saúde em menos de dois meses. Quando Mandetta saiu, o país registrava 1.924 mortes. Na terça, eram 31.199, o que representa um aumento de mais de 1.500%.

Evidentemente, governadores e prefeitos, que protagonizam o combate mais direto à pandemia, com autonomia dada pelo STF para decretar medidas de restrição, também têm suas digitais nesses números. Mesmo podendo contratar sem licitação numa situação de calamidade, não conseguiram adequar suas redes para receber a avalanche de doentes. Mas Bolsonaro não pode se eximir de responsabilidade, e muito menos falar em destino. Se o governo tivesse um discurso coeso, se a gestão da Saúde não enfrentasse tantos solavancos, se o país mantivesse uma política sanitária consistente, e mais comprometida com a Ciência, talvez o panorama hoje não fosse tão sombrio.

Medo das ruas

É uma grande ironia que, depois de tanto tempo de apatia, os primeiros lampejos de manifestações anti-bolsonaristas de rua venham ocorrendo sob o signo do medo – e dos dois lados, se é que são apenas dois. Depois da forte adesão de entidades da sociedade aos manifestos em defesa da democracia nos jornais e na Internet, e do protesto das torcidas na Paulista que acabou reprimido pela PM de São Paulo, há novas manifestações oposicionistas convocadas para diversas capitais no próximo domingo. Sua organização, porém, está cercadas de dúvidas e sentimentos contraditórios.



Parte da esquerda politicamente correta teme ser acusada de fazer justamente aquilo que condena em Jair Bolsonaro: incitar, ou ao menos compactuar com a formação de aglomerações de pessoas durante a pandemia. Se dá crime de responsabilidade para Bolsonaro, como tantos gostam de repetir, dá para a oposição também – e esse é o argumento que, na superfície, sustenta a posição de quem é contra o comparecimento a essas atos, que continuam sendo convocados pela web por torcidas e outros grupos não ligados oficialmente a partidos e suas entidades.

Por trás disso, nas profundezas das discussões, está o receio concreto de integrantes da oposição de cair numa armadilha bolsonarista. Consideram que os confrontos deste início de semana em SP, no Rio e em Curitiba mostraram claramente de que lado estão as PMs: do governo federal, que vem falando a sua linguagem nas questões de segurança e lhe dando melhor remuneração. O temor, portanto, é de que os inevitáveis enfrentamentos com as polícias descambem para atos de provocação, violência e perda de controle das manifestações. Há quem acredite inclusive na possibilidade de haver elementos infiltrados jogando pela radicalização e liderando saques, atos de destruição de patrimônio e agressões.

Um cenário desses no domingo de protestos da oposição pode ser tudo o que Jair Bolsonaro deseja como pretexto para obter apoio de setores conservadores para o uso das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem durante manifestações. Ou até para coisa pior, usando-as para justificar medidas de força e sabe-se lá mais o que. O discurso do presidente de satanização da esquerda e suas declarações recentes não dão margem a enganos. A iniciativa de Bolsonaro de anunciar que, neste domingo, seus aliados não devem ir às ruas, deixando-as para os adversários, também deixou muita gente com a pulga trás da orelha.

Na prática o governo está morrendo de medo que seus opositores consigam colocar muita gente nas ruas – diferentemente do movimento bolsonarista, unido e barulhento, mas pouco expressivo em números. Do outro lado, a oposição está morrendo de medo de não conseguir encher as ruas na pandemia e ainda perder o controle dos protestos.

E agora? Vamos ou não vamos? É o que boa parte dos mais consequentes se indaga. Um difícil dilema para quem vê o país derreter e esperou tanto para ver surgir expressão mais concreta da insatisfação popular, ingrediente básico de qualquer movimento político contra o governo. Afinal, panelas fazem barulho e manifestos agregam forças políticas, mas não têm o poder de cassar presidentes.
Helena Chagas

Brasil da sacanagem


Profeta Messias

Em 1999, o então deputado Jair Bolsonaro revelou seu plano para o Brasil: “Só vai mudar, infelizmente, quando partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo o trabalho que o regime militar não fez. Matando uns 30 mil (...) Se vai morrer alguns inocentes? Tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente”.


Ontem (02) o país ultrapassou as 30 mil mortes pelo coronavírus. Horas antes, o capitão declarou: “Eu lamento todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”. 

Alvoroço no Alvorada

Agora esse homem deu até de usar gravata ostentando o símbolo de suas loucuras. Pequenos fuzis em verde e amarelo, como tão bem registrou o genial repórter fotográfico de Brasília e da história, Orlando Brito. Outro dia mesmo, Brito, mais de setenta anos, foi ao chão, teve os óculos quebrados por essa turba que surrupia as cores e símbolos nacionais para enaltecer o obscuro, para tentar que o Brasil novamente anoiteça sem liberdade. Outro repórter, Dida Sampaio, derrubado e chutado.

Não era sem tempo que alguns dos principais meios de comunicação do país deixassem de presenciar essa cena macabra ocorrendo sob o brilhante céu da Capital da República, onde diariamente – além de registrarem esses descalabros – ao tentarem fazer perguntas, recebem de volta ironias, provocações e ameaças que vêm aumentando em escalada, sem que providências sejam tomadas para garantir minimamente sua presença no local. Essa semana muitos deram um basta.

Mas o homem não para. A cada dia mais violento, ameaçador, faz desse show matinal material para os vídeos que planta na internet para serem dispersados por uma equipe que coordena milhares de robôs e gente que se diz “patriota”, entre outros que, coitados, acreditam que os robôs sejam gente de verdade. Nessa semana vimos bem a cara de alguns desses seres digitais capturados na realidade da rede de uma parcela da Polícia Federal que se esmera pela independência. O homem chiou, os olhos chisparam, mais disparates foram ditos, feitos, anunciados e ordenados em ameaças, inclusive de grave descumprimento da ordem constitucional.

A cada alvorecer mais preocupante, os dias nacionais quando já acordamos em sobressaltos, como se já não bastassem os milhares de mortos, os números que diariamente sabemos no crepúsculo dos dias em meio à pandemia, ao desencontro de ações, dos conflitos entre regiões, do vazio verde-oliva ocupado na Saúde por patentes e coturnos.

A vestimenta da Alvorada traz detalhes que acabam passando, como se lei não tivéssemos mais: talvez vocês não tenham reparado ainda que o homem da gravata com fuzis agora aparece cercado por seus seguranças ostentando máscaras de proteção com a sua figura carimbada, em um personalismo que conhecemos no século passado durante a ascensão do mal do fascismo e nazismo. O “e daí?” usado alegremente na máscara da deputada que já estaria cassada em momentos normais. E naquela reunião do dia 22 de abril que agora, perplexos, assistimos, vários ministros e autoridades regurgitaram suas ignorâncias em alto e bom som, sem que tenham sido presos. Aliás, o que é compreensível, se ali tivesse havido voz de prisão entre uns e outros não sobraria quem apagasse a luz daquele salão.

O alvoroço não é pouco, e se distribui muito além da alvorada e do Alvorada, das manhãs, tardes e noites, causando inquietação no nosso sono das madrugadas, do Planalto às planícies; entre os Poderes, agora em isolamento social, engaiolados em lives e encontros digitais, reuniões extemporâneas, declarações e notas de repúdio em redes e folhas de papel que não duram minutos respirando até que outras tenham de substituí-las.

Fosse só o homem, mas ele tem os filhos enumerados, porque agora é moda, além do banheiro, o ir lá fazer 01, 02, que já era bem ridículo como expressão. Temos por aqui mais zeros, sempre à esquerda, nunca nos lugares onde no mínimo deveriam estar trabalhando, mas tentando desgovernar juntos, como clones do sobrenome que precisamos urgentemente, e antes que seja tarde, parar.

Nosso alvoroço – dos que prezam pelas liberdades individuais e pelo respeito – tem de começar a ser sentido lá no Alvorada.

Nossa alvorada haverá de ser muito melhor. Do jeito que está, sujeita a trovoadas, poderá nos levar a uma noite terrível. Mais terrível dos que os pesadelos que atormentam nosso sono buscando sobreviver, além da pandemia, além deles, e de todo o atraso e violência que claramente representam.

A falta que faz liderança

Vamos pegar o bastão deixado pelo general Hamilton Mourão, que se converteu na voz política pública entre os militares. Ele encerra seu mais recente artigo, aqui no Estadão, dizendo agora ser mais importante do que nunca a “necessidade de uma convergência” em torno de uma agenda mínima de reformas. Mas, para isso, é preciso refletir sobre o que está acontecendo no Brasil.

Neste exato momento, fora a tripla crise de saúde, economia e política, o que está acontecendo é um seriíssimo embate entre a farda e a toga. O pessoal da farda (incluindo os que acabaram de trocá-la pelo paletó e gravata ou pelo pijama) está convencido de que, se houve “extremismos”, “exageros retóricos” e “falas impensadas” contra instituições, isso empalidece diante do que o pessoal da toga no STF impôs para cercear os poderes do presidente da República – uma usurpação acompanhada igualmente por falas irresponsáveis e desonestidade intelectual.


No mínimo desde o julgamento do mensalão o pessoal da toga andava dividido, mas se uniu ao entender que o pessoal da farda dá suporte a um presidente que pensa dispor de poderes imperiais, desrespeita limites entre Poderes estabelecidos na Constituição, age por interesses políticos próprios e pessoais para solapar instituições e só não jogou o País ainda numa irrecuperável crise institucional pois eles, os da toga, baseados em princípios e doutrinas, foram capazes de esclarecer e impor limites (como no caso de medidas de combate à covid-19).

Não há saída à vista para esse embate pois ele é a expressão de duas fortes forças políticas que ocuparam duas instituições. Não é só entre o pessoal da farda no palácio que reina a sincera convicção de que o pessoal da toga expressa um “establishment” (sim, é essa palavra meio fora de moda que se usa para falar do STF) que se articulou para defender privilégios que vão de ganhos da magistratura a benefícios fiscais e proteções a setores empresariais, passando pelo funcionalismo público. A luta do “establishment”, portanto, é para impedir a reforma do Estado representada por Bolsonaro e sua eleição.

No outro lado, figuras do STF sempre atentas aos ventos das redes sociais e opiniões publicadas encaram Bolsonaro e o que ele significa como um perigo real para as instituições democráticas e o estado de direito. Consideram suas ações políticas e o endosso explícito que concede a movimentos contra o Congresso e o Judiciário como ações políticas que não são apenas arroubos retóricos. São, nesse entendimento, parte do aberto intuito de destruir as normas mínimas do confronto político, da civilidade e do próprio jogo democrático.

Os bombeiros de sempre, de um lado e de outro, conseguem debelar incêndios pontuais. Mas não têm a capacidade de resolver a situação de fundo que resulta agora num precário equilíbrio. A saber: a “via jurídica” para destronar Bolsonaro, uma possibilidade com a qual uma parte do STF flerta, passa por uma PGR que não vê condições técnicas de denunciar o presidente. A rota para derrubar o presidente via TSE depende desse órgão alterar jurisprudência – fora o tempo que isso leva.

Bolsonaro e sua turma de aloprados não dominam as ruas, não dispõem de apoio nas Forças Armadas para levar adiante uma “revolução” que só existe na cabeça de malucos nos quais o entorno do presidente presta muita atenção. Talvez entendam que vociferar contra o STF nada vai produzir de prático, a não ser dar tempo para alternativas políticas “de centro” (que podem incluir facilmente o Centrão) se articularem e solidificarem.

Em outras palavras, ninguém tem forças para vencer ninguém. As crises econômicas e de saúde demonstraram fartamente a “necessidade da convergência” à qual o general Mourão se refere, mas também como diminui o espaço político para essa convergência. O maior efeito da demonstração da crise está, porém, em outro aspecto.

Para a tal “necessária convergência” precisa-se de liderança. Quem?

Bolsonaro governa para a banda podre do sistema

É compreensível o sentimento antissistema que ajudou a eleger Jair Bolsonaro. Desigualdade e pobreza persistentes, setor público ineficiente e abarrotado de privilégios, serviços públicos precários, ricaços que pagam pouco imposto e pobres que pagam muito etc. Isso sem falar na corrupção, cometida pelos mesmos que, em discursos, louvam a democracia, a ética e o bem comum.

Bolsonaro chegou ao poder, ao menos em parte, levado por esse sentimento antissistema, prometendo acabar com “o que aí está”, tirar o poder das elites (econômica, política, cultural etc.) que se encastelaram e desfrutam de privilégios. Na prática, contudo, governa para as elites. Ou melhor, para uma parcela delas: a parte mais inescrupulosa, para a banda podre que não aceita nenhum limite à sanha acumulativa de dinheiro e poder.


Entre os empresários, o apoio não vem daqueles que buscam adequar suas empresas ao mínimo de boas práticas, ética e sustentabilidade, e sim dos mais ávidos pelo lucro imediato.

Basta comparar a postura de Luiza Trajano, de cooperação com o esforço de distanciamento social ao mesmo tempo em que preserva os empregos de seus funcionários, com a de Luciano Hang, que ao primeiro anúncio de quarentena, gravou vídeo em que ameaçava os empregos de milhares de funcionários.

Na religião, o bolsonarismo não é representado por líderes que buscam com humildade viver sua fé e seu compromisso moral, mas pelos pastores mais estridentes e fanatizadores, sedentos de dízimo e de poder.

No agronegócio, os representantes de um agro tecnológico e sustentável já percebem o buraco em que o Brasil se meteu. Bolsonaro governa para o que há de mais retrógrado no agronegócio, os interesses predatórios que querem matar índio e desmatar a Amazônia para transformar em pasto.

No jornalismo, mesma coisa. Profissionais que buscam objetividade de apuração são hostilizados, ao mesmo tempo em que o presidente recomenda “jornalistas” que não veem problema em distorcer o quanto for necessário para melhor bajulá-lo e garantir sua fama junto aos apoiadores.

Na política, Bolsonaro se aproxima do que há de mais abertamente fisiológico e aproveitador, entregando o FNDE e o Banco do Nordeste às legendas do centrão, numa negociação com zero conteúdo propositivo.

Em todos os casos, a lógica é uma só: o bolsonarismo é a lei do autointeresse acima de qualquer consideração institucional, social, legal ou ética.

Há, e não é de agora, uma hipocrisia no discurso de qualquer elite. Um descompasso entre aquilo que pregam e a maneira como de fato se comportam. Esse descompasso gera indignação. De que adiantam discursos certinhos e polidos, com belos ideais, se a prática é desonesta?

O problema é que, para fazer discurso e prática coincidirem, o bolsonarismo não busca melhorar a prática; ele só abriu mão do discurso.

Assim, a prática piora ainda mais, se tornando ainda mais exploratória. O ambientalismo do sistema era da boca pra fora? Então agora vamos desmatar sem disfarces.

A preocupação com a democracia e com os vulneráveis dos políticos de sempre não casava bem com a política fisiológica de jogo de interesses? Então agora o presidente admite não estar nem aí.

O único aspecto do sistema que querem mudar são os limites que esse sistema interpunha à busca desenfreada de seus interesses.

Ao altruísmo hipócrita, preferem o egoísmo desavergonhado. “Ao menos é autêntico.”
Joel Pinheiro da Fonseca

O mundo ajuda. Já por aqui...

Se a gente somar Estados Unidos, União Europeia e China, isso dá cerca de 60% do PIB mundial. Portanto, se a economia sai do buraco e começa a melhorar nesses três lugares, o mundo todo pega carona. Esses três, por exemplo, são os principais parceiros comerciais do Brasil.

A China já deu a crise de saúde por controlada. Entrou antes, saiu antes. Teve uma perda de 6,8% no PIB do primeiro trimestre e luta para salvar alguma coisa neste segundo. Nos Estados Unidos, a queda trimestral foi de 5% e na União Europeia, de 3,8%. No Brasil, caiu apenas 1,5%, sempre na comparação com o trimestre anterior, feitos os ajustes. O vírus chegou aqui depois, e a economia sofreu efeitos disso somente numa parte de março. Ou seja, o baque maior é agora, como indica a queda brutal da produção industrial em abril.

Mas nos Estados Unidos, União Europeia e China, a conversa já é de recuperação, considerando-se que as taxas de contágio estão contidas. A UE, por exemplo, sob liderança de Alemanha e França, anunciou um programa de 750 bilhões de euros para apoiar os países mais pobres da área. A China tem programas de tamanho parecido.

E os Estados Unidos? A crise de saúde ainda está lá — em estágio mais grave do que nas outras potências — e a ela se somam os protestos que já alcançaram mais de 350 cidades.


Mas como nas outras regiões, estão em andamento programas enormes de ajuda a empresas e pessoas, de modo que os mercados já antecipam a recuperação esperada para o segundo semestre. O enfraquecimento global do dólar indica que investidores estão perdendo o medo. Sabem como é: ao menor sinal de perigo, se dá a corrida para a segurança e qualidade, ou seja, ativos em dólar. A moeda americana se fortalece, as demais se desvalorizam.-

Passado o medo, o jogo se inverte. O real, que se aproximava dos R$ 6/dólar, voltou para perto dos cinco. Ainda é alto, mas faz sentido: a taxa de juros está muito baixa e vai cair ainda mais. A Bolsa brasileira segue as internacionais, entre outras coisas porque ficou duplamente barata. O preço das ações caiu muito em reais e mais ainda em dólar.

Tudo considerado, daqui em diante é provável que a economia global, liderada pelos três grandes, seja um fator de ajuda. O que nos traz de volta a nós mesmos — à nossa capacidade de lidar com a crise de saúde, com seus efeitos na economia e com o processo de recuperação.

E aqui mora o problema. O presidente Bolsonaro atrapalha de todos os lados. Sabota o isolamento social e, pois, o controle das taxas de contágio. Os programas econômicos de ajuda às empresas estão atrasados. Os 600 reais foram para muitas pessoas que não precisavam e não chegaram a muitos necessitados.

Claro que tem aí um problema moral, das pessoas que fraudaram os dados para receber a renda. Mas é certo também que houve e há incompetência no desenho e operação dos programas.

Para completar, o presidente estimula manifestações que pedem intervenção militar e ele mesmo acredita ter o poder de recorrer às Forças Armadas para defender seu governo mesmo quando este sai fora da lei. 

Em vez de um país concentrado no combate ao vírus e pensando na retomada, o tema político dominante acaba sendo o papel dos militares. E um t ema que já foi resolvido na Constituição de 88: as Forças Armadas não constituem um poder, muito menos um poder moderador. Não têm a autoridade legal para decidir intervir neste ou naquele poder, fechando o Congresso, o STF ou prendendo o presidente. Toda a autoridade está depositada nessa combinação de Executivo, Legislativo e Judiciário. E quem manda por último é o Supremo.

Muitos dizem que é incrível que se tenha voltado a esses temas. Mas o caráter autoritário do presidente e de seu entorno mais próximo sempre esteve presente. Confundiu um tanto quando se juntaram no governo nomes como Paulo Guedes e Sergio Moro e, depois, Luiz Henrique Mandetta, respeitados e certamente democratas. O trabalho de Rodrigo Maia, avançando com a pauta reformista, também contribuía para dar bons sinais.

Contribuía.

E assim estamos na terceira recessão dos anos 2000. 

Pensamento do Dia


Todos os homens são iguais perante um vírus. Ou talvez não

Dia 82

“Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos e defesas inalienáveis perante um vírus e durante uma pandemia”. Podia ser assim a adaptação livre aos tempos da Covid-19 de uma das frases mais importantes de sempre em matéria de valores fundamentais (a da Declaração de Independência dos Estados Unidos, proferida paradoxalmente muito antes de se abolir a escravatura naquele país). Mas o que é uma verdade no papel e à face da lei – todos têm os mesmo direitos, proteção e deveres durante uma pandemia – não é autoevidente na prática. Muito pelo contrário.


A Covid-19 quando chega não é igual para todos. Nem aqui, nem em lado nenhum. São os mais pobres os mais afetados pelas pandemias, sempre. Ao longo dos tempos sempre foi assim. Noutros séculos, eram as condições higiénicas e de salubridade das casas que ditavam a maior propagação das pestes nos bairros mais desfavorecidos. Quando vivem 10 numa casa de uma divisão, quando não há sistemas de esgotos, quando os ratos coabitam com os humanos, é fácil de perceber que uma epidemia tem condições favoráveis à sua propagação.

Hoje continuam a ser as condições e a qualidade de vida que separam os mais pobres dos mais ricos, e que expõem estes a maiores riscos. Por todo o mundo, há bairros da lata sobrelotados – onde vivem mil milhões de pessoas, uma em cada 7 seres humanos no planeta – que são verdadeiras incubadoras de Covid. E é nesses bairros mais pobres que ela mata mais, claro está. A Covid-19 aumentou rapidamente em áreas urbanas em expansão no Brasil, Nigéria e Bangladesh exatamente por causa disso. E, na maior parte dos casos, ela mata e simplesmente não se sabe, porque não há acesso a testes nem a cuidados de saúde elementares. E os enormes tumultos nos EUA que surgiram depois do assassínio de George Floyd são sintoma de uma panela de pressão que vinha de trás e que a Covid-19 só veio agravar mais: a discriminação racial e a desigualdade social e a frustração, raiva e desalento que trazem consigo.

Em Portugal, também a Covid-19 é um enorme segregador social. Há os que conseguem fazer teletrabalho, confinar, comprar todo o tipo desinfetante e máscaras para toda a família. E depois há os que não se podem dar ao luxo de parar, os que têm de continuar a trabalhar sempre, na linha da frente, em profissões tantas vezes pagas com o salário mínimo: caixas de supermercados, funcionários da limpeza, recolha do lixo, operários fabris ou da construção civil. Há os que circulam em carros próprio, e há os que têm de andar em autocarros e comboios onde é impossível manter as ditas distâncias de segurança. Há os que têm a cabeça livre para se cuidar, e há os que estão tão soterrados de problemas e dívidas, sem dinheiro para alimentar os filhos, e não têm cabeça para mais nada. E há os que ficam fechados numa casa confortável, com várias divisões e computador ou tablet para todos, e há os que nem conseguem pagar a fatura da internet.

São os mais pobres os que mais sofrem com a Covid-19, não tenhamos dúvidas. Expõem-se a maiores riscos não por vontade própria, como acontece com os mais ricos – que desconfinam e arriscam almoçar e jantar fora, sair e passear – mas por necessidade e sobrevivência. Um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública publicado há mês e meio já o tinha concluído: quem ganha menos está exposto a maior risco de contágio da pandemia. Esta semana, foi o presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, que voltou a sublinhá-lo: os problemas económicos nos bairros mais carenciados impedem que muitos acedam por exemplo a coisas tão simples como as máscaras.

O que está a acontecer na região de Lisboa, onde se têm concentrado mais de 90% dos novos casos nos últimos dias, é sintomático. Não é de estranhar que existam focos muito ativos no Bairro da Jamaica, no Seixal, um conjunto de edifícios clandestinos e sem condições, onde mais de 70 famílias a aguardam um realojamento. Ou nos hostels que albergam refugiados, emigrantes e carenciados, como os casos da Morais Soares e de Caneças. Ou o que acontece na Azambuja, com vários focos, o mais recente no bairro social da Quinta da Mina, que envolve nove famílias, num total de 40 pessoas residentes num bairro construído ao abrigo do Plano Especial de Realojamento.

Onde há pobreza, há maior risco de Covid-19. Não vale a pena termos ilusões acerca disso. O que temos de decidir, como sociedade, é se queremos deixar estas pessoas à sua sorte ou tentar, no que nos compete, minimizar-lhes os riscos. Por exemplo, deviam ser fornecidas, gratuitamente, máscaras e luvas, tal como os desinfetantes para as mãos e para as superfícies; e reforçada a frequência dos transportes públicos, para que não se agrave a propagação.

Podemos não fazer nada e deixar andar, só não podemos depois fingir que não sabíamos que isto ia acontecer.

Era só o que faltava! O país está parado, à espera do golpe militar de Bolsonaro

Certas situações são realmente inadmissíveis. Basta analisar o Brasil. Quinto maior país em extensão, sexto em número de habitantes, é uma das dez maiores economias, possui o maior volume de água doce na superfície e no subsolo, condições de luminosidade e irrigação incomparáveis em termos de produção agrícola, riquíssimas jazidas minerais a serem exploradas, dispõe de uma indústria bastante diversificada e tem um potencial enorme para produção de energia renovável (hidrelétrica, eólica e solar).

Mesmo assim, o Brasil não decola e hoje os investimentos internos e externos estão suspensos, à espera do golpe militar pretendido por Bolsonaro.


Se ainda estivesse entre nós, o genial humorista Apparicio Torelli, conhecido como Barão de Itararé, estaria impressionado com o fato de o Brasil ter se tornado um país em que golpe militar é preparado às escâncaras e todos ficam esperando marcar a data. É claro que o Barão repetiria seu famoso bordão – “Era só o que faltava…”.

Realmente, qualquer um se espanta diante de uma maluquice dessas, com as atenções voltadas para um suposto golpe militar, cuja preparação há meses vem sendo divulgada pela família Bolsonaro, com elogios abertos ao regime militar de 1964 e até mesmo ao Ato Institucional nº 5.

De início, essas referências foram encaradas como se fossem folclóricas, eram levadas na brincadeira. No entanto, pouco a pouco o radicalismo foi prevalecendo, até começar uma organizada campanha visando a um novo golpe militar.

Ainda bem que a estratégia de Bolsonaro para se tornar ditador é infantil e inadequada. Ele resolveu trilhar o pior caminho, ao tentar “comprar” os militares em duas etapas – aumentando os soldos e deixando as Forças Armadas de fora da reforma da Previdência.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro foi progressivamente montando um governo militar. Segundo Levantamento do Ministério da Defesa, feito a pedido das repórteres Tânia Monteiro e Adriana Fernandes, do Estadão, os militares da ativa já ocupam quase 2,9 mil cargos no Executivo. São 1.595 integrantes do Exército, 680 da Marinha e 622 da Força Aérea Brasileira.

Deste total, 42% estão servindo a Bolsonaro, empregados na estrutura da Presidência, especialmente no Gabinete de Segurança Militar, um órgão que foi superreforçado no atual governo. Três oficiais ocupam o primeiro escalão: Walter Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), além do general Rego Barros, que é supostamente o porta-voz da Presidência. Dos quatro, apenas Heleno está na reserva.

À primeira vista, fica parecendo que Bolsonaro é um gênio, que estaria conseguindo emparedar as Forças Armadas, ao nomear esse número enorme de militares para funções civis. Mas não é bem assim, porque os militares estão percebendo que caíram numa armadilha e temem que o desgoverno de Bolsonaro desgaste a imagem das Forças Armadas.

O presidente, no entanto, ainda acha que realmente representa os militares, julgando (?) que estariam dispostos a intervir para transformá-lo em um novo ditador.

Mas não é assim que a banda militar toca. Os Altos Comandos vão deixar Bolsonaro se virar sozinho. Enquanto isso, a crise se perpetua e o país fica literalmente parado. Em matéria de novos investimentos, o país está zerado.

Uma ilha chamada Brasil

Está certo, temos problemas aos montes e não podemos mesmo nos dispersar muito cuidando de questões que ocorrem em outros países. Mas por vezes parecemos alienados, isolados do mundo, fechados num egoísmo absurdo que não permite que enxerguemos um pouco além do nosso próprio horizonte. Estou falando do assassinato estúpido do negro George Floyd por um policial branco em Minnesota e que há dez dias mobiliza todo o planeta em protesto contra o racismo. O que se viu no Brasil nestes dias? Muito pouco, ou quase nada.

Logo o Brasil foi se calar. Logo aqui, onde jovens negros são mortos por policiais diariamente sem direito à defesa e muitas vezes sem motivação e sem crime. As imensas manifestações pela morte de Floyd ganharam rapidamente os Estados Unidos e se espalharam pelo mundo. Muitos episódios emocionantes foram registrados por fotógrafos e cinegrafistas nesta jornada que não tem data para acabar. No Brasil, onde a polícia é muito mais violenta e onde os negros são mil vezes mais vitimados, não se viu nada, fora uma manifestação solitária em Laranjeiras e a convocação de outra para domingo que vem, na Candelária.

Em Brasília, o presidente da República brindou com dois puxa-sacos usando copos de leite. Disse estar fazendo campanha em favor dos produtores de leite. Pode ser, mas houve quem enxergasse no episódio um gesto em favor de supremacistas brancos. Logo depois, um dos seus blogueiros prediletos fez o mesmo brinde e, citando a live de Bolsonaro, levantou o copo e disse “entendedores entenderão”. Justamente o blogueiro Allan dos Santos, processado no Supremo Tribunal Federal por fake news. E houve também a noite das tochas em frente ao STF, em que milicianos lembravam a Ku Klux Klan.

Mais grave ainda, porque explícita, foi a declaração do presidente da Fundação Palmares sobre o movimento negro. Não que a estupidez de Sérgio Camargo pudesse surpreender alguém. Ninguém ignora que, embora negro, ele não esconde seu ódio a qualquer política ou movimento afirmativo. No auge das manifestações de repulsa ao assassinato de Floyd, Camargo foi ao Twitter e escreveu que “a influência do movimento negro sobre os negros é perniciosa e deletéria”.

No dia seguinte, conforme diálogo publicado pelo “Estadão”, Camargo reclamou com assessores do sumiço de seu celular corporativo. E logo encontrou um responsável pelo sumiço do aparelho. “Quem poderia ter feito isso?”, indagou. Ele mesmo respondeu: “Os vagabundos do movimento negro, essa escória maldita”. Esse é o presidente de uma “instituição pública voltada para a promoção e a preservação de valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”. E o que se viu no Brasil? Por ora quase nada, ou muito pouco.

Pau que dá em Chico não dá em Francisco

A apresentação das últimas manifestações contrárias ao governo como democráticas constitui um abuso, por ferirem, literalmente, pessoas e o patrimônio público e privado, todos protegidos pela Democracia. Imagens mostram o que delinquentes fizeram em São Paulo
Hamilton Mourão, vice-presidente

Descaso do Governo com o coronavírus abre caminho para levar agentes públicos aos tribunais

O Brasil chega a junho com mais de 31.000 mortes confirmadas por coronavírus e com governadores flexibilizando as medidas de isolamento, apesar de a curva de contágios permanecer ascendente. Ainda não é possível vislumbrar, ao contrário do que acontece em outros países, quando a pandemia finalmente perderá seu fôlego. Um horizonte mais palpável, porém, é o da responsabilização judicial e política de agentes públicos, como ministros, prefeitos e governadores, que pouco ou nada fizeram para evitar milhares de mortes. Sobretudo o presidente Jair Bolsonaro. Processos começam a ser movidos nas esferas penal, civil, administrativa e até mesmo o Tribunal Penal Internacional foi acionado. Paralelamente, os principais pedidos de impeachment movidos pela oposição contra o presidente colocam o coronavírus como uma das motivações para sua abertura.

A frente de responsabilização tomou fôlego diante da decisão do STF que estabeleceu critérios na aplicação da Medida Provisória 966, que previa que agentes públicos só poderiam ser punidos por atos cometidos no enfrentamento da pandemia ao agirem intencionalmente ou terem cometido erro grosseiro. "Os ministros, entretanto, entenderam que qualquer medida adotada durante a pandemia que não esteja amparada na ciência, nos organismos internacionais e que seja feita sem a atenção ao princípio da precaução poderá ser considerada um erro grosseiro. Dessa forma, estamos falando de muita facilidade para instaurar qualquer um desses mecanismos de responsabilização”, explica Eloísa Machado, professora de Direito da FGV São Paulo e uma das coordenadoras do Supremo em Pauta. O Supremo já recebeu mais de 2.700 ações relacionadas à pandemia de coronavírus, entre pedidos de habeas corpus, ações indiretas de constitucionalidade e mandados de segurança. Por ora, os questionamentos estão relacionados ao sistema carcerário, direitos dos trabalhadores, calendário eleitoral, administração pública, pagamento de dívidas dos Estados à União, entre outros.


Para Machado “há elementos na conduta do presidente da República que já poderiam gerar investigações criminais e responsabilizações” em todos os âmbitos da Justiça, inclusive a abertura de um processo de impeachment. “O caminho está bastante avançado com relação a isso”, assegura. No âmbito penal, ela própria já assinou quatro notícias crime, endereçadas ao procurador-geral da República Augusto Aras, comunicando que Bolsonaro poderia ter cometido o delito de incitação ao descumprimento de medida sanitária preventiva, ao desrespeitar as medidas de isolamento decretadas por gestões estaduais e municipais. As ações foram movidas pela Coalizão Negra por Direitos juntamente com o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADU), mas acabaram arquivadas por Aras. “Estamos agora aguardando um recurso que está no Conselho Superior do Ministério Público”.

Há também a possibilidade de responsabilização administrativa, que poderia condenar ministros, governadores e prefeitos por improbidade administrativa, com penas de inelegibilidade ou ressarcimento ao erário público, segundo Machado. No caso do presidente, a improbidade administrativa se configura como crime de responsabilidade e poderia gerar uma responsabilização política, através de um impeachment.

Por fim, há ainda a possibilidade de abertura de processos na área civil, “onde todos os governantes podem ser responsabilizados a pagar indenizações por danos morais e materiais que tenham causado durante a pandemia”, explica Machado. Lígia Bahia, doutora em Saúde Pública e professora da UFRJ, ajudou a elaborar uma nota do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) que indica que ações por danos morais e coletivos serão movidas. Elas se basearão principalmente num estudo feito nos Estados Unidos de que o atraso em determinar medidas de distanciamento social custaram ao menos 36.000 vidas. “Entidades científicas e de defesa de direitos estão reunindo evidências e provas para a demonstração das consequências dessas irresponsabilidades, visando subsidiar iniciativas aptas a exigir a apuração de atos de improbidade e a reparação do dano coletivo. Todos têm direito de nascer, viver e morrer com dignidade. Vidas perdidas têm responsabilidades atribuíveis”, afirma a nota da entidade.

Machado lembra que a Constituição de 1988 “proíbe uma lei de anistia impedindo a responsabilização nacional por esses crimes”. Contudo, caso nenhuma das instâncias funcionem, o Estado brasileiro poderia ser responsabilizado em cortes internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA ou em comitês da ONU, e condenado a pagar indenizações para as vítimas da negligência do Governo ―como já ocorreu após as denúncias dos crimes da ditadura militar.

Já o Tribunal Penal Internacional (TPI) poderia condenar o próprio Bolsonaro caso entenda que ele cometeu um crime contra a humanidade no âmbito do enfrentamento da pandemia. A corte já recebeu duas denúncias ―uma do grupo Engenheiros pela Democracia e outra da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia― acusando o presidente de querer cometer um genocídio por suas atitudes ao longo da crise sanitária. “Há estudos que mostram que houve um aumento do descumprimento do isolamento após as falas de Bolsonaro de que a medida não adiantava de nada. Esse e outros elementos vão construindo uma possível tese de responsabilização e que pode gerar o entendimento de que houve uma política mais ampla de extermínio”, explica Machado.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em 11 de março que o coronavírus era uma pandemia —ou seja, uma doença que já havia se espalhado por todos os continentes. Naquele dia, o Brasil contava com 52 casos registrados em alguns poucos Estados. A primeira morte só seria confirmada dias depois, em 17 de março. Enquanto países como Itália e Espanha contavam seus mortos, o Brasil estava em situação mais confortável, com tempo para analisar o que havia dado certo em outros países e evitar seus erros. “Estávamos à frente pelo menos duas semanas em relação aos demais países da Europa e Américas, ampliando a capacidade laboratorial, leitos, EPIs e respiradores. No entanto, como dizia o poeta e conterrâneo Carlos Drummond de Andrade, ‘no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho", escreveu Wanderson de Oliveira, secretário nacional de Vigilância em Saúde até o dia 25 de maio, em sua carta de despedida.

A “pedra no meio do caminho”, no caso, era Jair Bolsonaro. O atual presidente da República é visto por governadores, parlamentares, médicos, cientistas e organizações da sociedade civil, dentro e fora do Brasil, como principal responsável pelas mortes que poderiam ter sido evitadas ao longo de quase três meses de pandemia. Durante essas semanas, Bolsonaro taxou a doença como mera “gripezinha”, encorajou as pessoas a desrespeitarem as medidas de distanciamento social e a ocuparem as ruas, fez pouco caso do número de mortos, entrou em choque com governadores, estimulou manifestações contra as medidas o isolamento social, boicotou o trabalho dos últimos dois ministros da Saúde, promoveu a cloroquina como cura do novo vírus apesar das escassas evidências científicas, circulou por ruas e causou aglomerações... Em suma, o discurso sempre foi o de que a economia não poderia parar. Entre os principais atingidos pelo coronavírus, o Brasil é hoje o único país que mantém a curva de contágios ainda em crescimento, como afirmou a OMS e reconheceu o Ministério da Saúde.

Ao fazer um balanço do combate ao coronavírus no país, Lígia Bahia explica que o Brasil viveu três ciclos, “cada um pior que o outro”. O primeiro ocorreu até a demissão do ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) em 16 de abril. “A reposta do Governo brasileiro sempre foi ambígua, porque primeiro a gente viu o presidente dizendo que era uma ‘gripezinha’ enquanto o Ministério da Saúde se preparava. Então, nessa fase, governadores e secretarias da Saúde eram os protagonistas junto com o Ministério da Saúde. Havia essa oposição da área da Saúde com o núcleo duro da Presidência”, argumenta. A segunda fase aconteceu ao longo do mês em que Nelson Teich ocupou a pasta da Saúde. “Houve então um alinhamento com a Presidência da República, mas que durou pouco, enquanto que governadores e Secretarias da Saúde tentavam reagir”, acrescenta.

O terceiro ciclo, continua Bahia, se iniciou com a demissão de Teich em 15 de maio e a entrada do general Eduardo Pazuello em seu lugar, interinamente, promovendo definitivamente o alinhamento da pasta com Bolsonaro. O principal resultado foi o “apagamento” definitivo dos setores técnicos da Saúde, explica a médica. “E agora os governadores já não conseguem reagir... Por mais que o Brasil seja uma federação, ele é super centralizado. Existe uma forte dependência dos recursos do Governo Federal, enquanto os poderes Legislativo e Judiciário estão focados em uma crise política sem precedentes. Então, esses governadores já não estão resistindo às pressões da área econômica e estão flexibilizando o isolamento”, explica Bahia. “Hoje temos um país que vai reabrir em plena curva de crescimento dos casos. Vai ser uma loucura”.

A comunidade médica e científica é unânime ao afirmar que as principais vítimas da covid-19 são idosos e pobres, como os dados vêm confirmando. Em uma das ocasiões em que foi questionado sobre as mortes, Bolsonaro respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. "Bolsonaro entende que pessoas vão morrer de qualquer jeito e que tudo bem se morrem algumas a mais. É a ignorância em seu estado mais brutal”, afirma Bahía. Nessa mesma linha opina Izabel Marcílio, médica infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, referência no tratado da covid-19. “Não vejo que exista uma política de extermínio, mas certamente é isso que acarreta. Ao mesmo tempo, dizer que o Governo é negacionista é simplificar demais. É um eufemismo para tamanha irresponsabilidade e tamanho absurdo que estamos vivendo”.

Para além do descaso de Bolsonaro, as especialistas apontam que outras autoridades também cometeram erros ao longo da pandemia —e, eventualmente, também podem ser responsabilizadas por eles. “O ministro Mandetta estava agindo como médico e se preocupou estruturar o sistema de saúde, mas mesmo ele deixou de fazer muita coisa", explica a médica epidemiologista Izabel Marcílio. “Fomos protegidos pelo acaso pelo fato de o vírus ter começado na China, depois ter migrado para a Europa e para os Estados Unidos... A declaração de emergência internacional foi em janeiro. Tivemos muito tempo, entre um e dois meses, para se preparar”.

Ela lembra que o programa da Saúde da Família é bastante presente nos territórios. Esses profissionais da saúde, argumenta, poderiam ter sido mais bem aproveitados em suas regiões para identificar as pessoas com comorbidades e orientar a população sobre o que fazer. "Dava para, em janeiro, ter treinando essas pessoas, fornecido EPIs, comprado testes, ensinado a população como se isolar...”, explica.

Já Lígia Bahía aponta que, no momento em que possuíam mais força política, governadores que foram protagonistas na crise sanitária —como João Doria (PSDB) em São Paulo, Wilson Witzel (PSC) no Rio de Janeiro e Camilo Santana (PT) no Ceará— deixaram de aplicar o chamado lockdown, endurecendo as medidas de isolamento. Ela também destaca que nem todos os prefeitos e governadores fizeram oposição a Bolsonaro e muitos deles se alinharam ao mandatário durante a crise sanitária.

Como exemplo do descuido das demais autoridades, Marcílio lembra que o Governo Doria poderia ter aumentado as taxas de isolamento social ao ter restringido ainda mais atividades profissionais. Pelo decreto da quarentena, mais de 60% dos trabalhadores são considerados “essenciais” ―entre eles os da construção civil, um dos setores que mais emprega pessoas. A médica também cita como exemplo as mudanças no trânsito e no rodízio de carros que foram feitas na cidade de São Paulo pela gestão Bruno Covas para aumentar o distanciamento social. “Fizeram três tentativas em poucas semanas, obviamente não tinha ninguém por trás pensando”, afirma. "Se o poder central é péssimo, o poder estadual poderia ter feito melhor. E se este também não está funcionando, o município também poderia ter feito diferente”.

Para ela, o principal erro do Brasil no enfrentamento à pandemia está na comunicação. “O grande diferencial em países como Alemanha, a França e Nova Zelândia é que havia um discurso de acolhimento de dúvidas, dificuldades e medos, e que sabia orientar as pessoas em todos os sentidos. No Brasil, em nenhum momento houve uma comunicação efetiva das autoridades com a população.”