Parte da esquerda politicamente correta teme ser acusada de fazer justamente aquilo que condena em Jair Bolsonaro: incitar, ou ao menos compactuar com a formação de aglomerações de pessoas durante a pandemia. Se dá crime de responsabilidade para Bolsonaro, como tantos gostam de repetir, dá para a oposição também – e esse é o argumento que, na superfície, sustenta a posição de quem é contra o comparecimento a essas atos, que continuam sendo convocados pela web por torcidas e outros grupos não ligados oficialmente a partidos e suas entidades.
Por trás disso, nas profundezas das discussões, está o receio concreto de integrantes da oposição de cair numa armadilha bolsonarista. Consideram que os confrontos deste início de semana em SP, no Rio e em Curitiba mostraram claramente de que lado estão as PMs: do governo federal, que vem falando a sua linguagem nas questões de segurança e lhe dando melhor remuneração. O temor, portanto, é de que os inevitáveis enfrentamentos com as polícias descambem para atos de provocação, violência e perda de controle das manifestações. Há quem acredite inclusive na possibilidade de haver elementos infiltrados jogando pela radicalização e liderando saques, atos de destruição de patrimônio e agressões.
Um cenário desses no domingo de protestos da oposição pode ser tudo o que Jair Bolsonaro deseja como pretexto para obter apoio de setores conservadores para o uso das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem durante manifestações. Ou até para coisa pior, usando-as para justificar medidas de força e sabe-se lá mais o que. O discurso do presidente de satanização da esquerda e suas declarações recentes não dão margem a enganos. A iniciativa de Bolsonaro de anunciar que, neste domingo, seus aliados não devem ir às ruas, deixando-as para os adversários, também deixou muita gente com a pulga trás da orelha.
Na prática o governo está morrendo de medo que seus opositores consigam colocar muita gente nas ruas – diferentemente do movimento bolsonarista, unido e barulhento, mas pouco expressivo em números. Do outro lado, a oposição está morrendo de medo de não conseguir encher as ruas na pandemia e ainda perder o controle dos protestos.
E agora? Vamos ou não vamos? É o que boa parte dos mais consequentes se indaga. Um difícil dilema para quem vê o país derreter e esperou tanto para ver surgir expressão mais concreta da insatisfação popular, ingrediente básico de qualquer movimento político contra o governo. Afinal, panelas fazem barulho e manifestos agregam forças políticas, mas não têm o poder de cassar presidentes.
Helena Chagas
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