quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Gente fora do mapa


Faxismo nunca +

O desejo de mudarmos era antigo, mas demorou muito até conseguirmos trocar a modesta casa térrea pelo primeiro andar quase a estrear que – palavras dos meus pais – mandava ventarolas. Um morador dos bairros acima da linha dos caminhos de ferro que cortava Luanda em duas não encontraria diferenças significativas entre a casa velha e a nova, nas ruas de terra batida por que ambas eram servidas nada podia merecer atenção, mas para nós a casa nova era o prenúncio de que a partir dali tudo nos iria correr bem.

Mudáramos há menos de um ano, eu saltava à corda perto da igreja que se ia construindo com as contribuições dos fiéis, quando a Editinha magricelas apareceu afogueada com a notícia, Houve uma revolução na metrópole. Nem eu nem os meus amigos nos distraímos da brincadeira, a capital do Império era, para nós, tão irreal quanto o céu que, mesmo baixo de nuvens escuras, continuava lá longe. Aos sábados de manhã, cantávamos hinos ao Império com o mesmo desprendimento com que entoávamos os cânticos da missa de domingo. Dali a menos de três meses, eu faria dez anos.


Nesse meu aniversário, enchi-me de alegria infantil com os dois dígitos que desenhariam a minha idade para o resto da vida. Forrámos o quintal com folhas de palmeira, comprámos um barril de cerveja para acompanhar o churrasco, pusemos merengues a tocar, a festa durou até de manhã. Ter-se-ão ouvido tiros também nessa noite, a revolução da metrópole, que não parara as nossas brincadeiras, trouxera já os movimentos independentistas para Luanda, os soldados portugueses desleixavam-se com canhangulos e liamba, os novos donos da cidade patrulhavam as ruas armados até aos dentes, mas a nossa vida parecia poder seguir quase igual, o meu pai continuava a transportar café para os navios que atracavam no porto, a minha mãe tomava conta de nós e da casa, íamos à escola, almoçávamos no Vilela aos domingos. E eu continuava a brincar na rua.

No dia em que a revolução fez um ano, corriam já, há muito, boatos de que os comunistas da metrópole queriam deixar os colonos morrer às mãos dos soldados independentistas, não interessava se homens, mulheres ou crianças, eram todos fascistas, colonialistas e imperialistas, ia haver maca da grossa. O martelar de caixotes tornou-se ensurdecedor, os mais previdentes encafuavam dentro deles os seus haveres, despachando apressadamente as suas vidas para fora dali, o ouro esgotou-se nas ourivesarias, a modista Clotilde ofereceu à lavadeira as peças de bordado inglês que guardava para o enxoval da filha, as escolas fecharam, deixou de haver quem fizesse pão, o carpinteiro António queimou a oficina para que ninguém se ficasse a rir dele, a lista dos desaparecidos lida na rádio antes e depois do Simplesmente Maria era cada vez maior, o recolher obrigatório não era suficiente para nos proteger. Mesmo assim eu rezava todas as noites para que o meu pai não nos conseguisse arranjar lugar na ponte aérea de que todos falavam, cheguei até a ajoelhar-me em frente ao altar da igreja nova, para sempre inacabada, pedindo a Deus que nos deixasse ficar no único chão que eu conhecia e de que era pertença. Deus não me ouviu, a mitificada capital do Império revelou-se uma desilusão que me deixou sem palavras e recebi um nome que nunca mais me largou: retornada. O Império apodrecido de cinco séculos ruía, finalmente, mas apanhava-me na queda.

Quando fiz onze anos já não tinha casa nem infância. Os sítios onde depois fui vivendo, quinze semanas com uns avós desconhecidos, em Trás-os-Montes, dezassete meses no quarto 315 do Hotel Paris, onde os meus pais desesperavam com a falta de futuro e a minha irmã estudava Introdução à Política para se envergonhar deles e dos outros retornados, onze anos num T1 do sétimo andar do Lote 11 do J. Pimenta, um bairro de retornados tão mal afamado que os taxistas se recusavam a fazer serviços para lá, nunca foram a minha casa. E quando a História deixou de me ferir, já não havia infância a que regressar.

Ainda éramos retornados quando a revolução celebrou o seu décimo segundo aniversário. Eu era das poucas moradoras do desalentado Lote 11 que continuavam os estudos. Teria, nas palavras dos meus pais, uma enxada para a vida. Nesse ano, o 25 de Abril calhou num dia quente, Cascais encheu-se de veraneantes e eu passei a tarde encostada ao muro da praia dos Pescadores, a fingir que estudava as maçadoras lições de Direito. Ao regressar a casa, parei no café do Bento para comprar tabaco. Sendo o único café do bairro, estava sempre cheio de retornados que ali matavam a amargura do desemprego ou da velhice empobrecida, bebendo cervejas e comendo petiscos à moda de lá. Lá era sempre África. Nesse, como em todos os outros feriados do 25 de Abril, alguns velhos retornados exibiam um fumo no braço, em sinal de luto por si próprios, em luto por aqueles que tinham deixado de ser quando foram arrancados de lá. Nunca soube de onde vinha nem para onde ia a Nampula, a cadela que andava por ali quase todos os dias e cuja cauda fazia de chicote sempre que alguém chamava pelo nome da cidade em honra da qual fora batizada. O mais certo era ser uma cadela vadia, alimentada de restos por todos. Também nunca soube quem, naquela tarde, a envenenou e a fez morrer ali, à nossa frente.

Dali a dois anos, os meus pais conseguiram mudar-se, por fim, do J. Pimenta, mas eu era já adulta. Tornara-se impossível pertencer a outra casa que não uma que eu própria criasse, e pouco depois vim para Lisboa. Por essa altura, alguém escreveu em letras enormes, no prédio que ainda hoje continua a desdentar o primeiro quarteirão da Avenida da República, junto ao Saldanha, 25 de abril sempre, faxismo nunca mais. Faltavam mais de vinte anos para que a economia de carateres dos contactos virtuais com que passámos a estar ligados ditasse um novo acordo ortográfico, ainda achávamos sem x e não dispensávamos a sílaba inicial ao conjugarmos o verbo estar. Mas talvez já tivéssemos começado a esquecer.

País pária

Sim, Bolsonaro sempre foi assim. Mas está a cada dia mais Bolsonaro, menos presidente da República. A diferença é que nos 28 anos como deputado federal, as barbaridades que dizia ou fazia poucas vezes eram levadas a sério. Como quando elogiou o torturador Coronel Brilhante Ustra. Ou disse que a deputada Maria do Rosário não merecia ser estuprada por ser feia.

Raramente seus arroubos autoritários tinham repercussão na vida política do país, eram inócuos. Seu desassombro deixa de ser uma qualidade quando coloca o país em situação embaraçosa diante do mundo civilizado, ou defende teses que, na pessoa física, poderiam causar apenas revolta, mas, na jurídica, criam crises políticas que vão se avolumando.

Cometeu a mesma afronta contra a ex-presidente do Chile, Michele Bachelet, atual Delegada dos Direitos Humanos da ONU, que já cometera anteriormente com o presidente da OAB Felipe Santa Cruz. Além da gravidade em si, de desrespeito a líderes de instituições reconhecidamente representativas, demonstra um desprezo alarmante pela vida humana.

Respondeu a críticas políticas não com argumentos e fatos, mas com a apologia ao extermínio dos adversários de sua ideologia. No caso de Bachelet, ainda demonstrou uma visão enviesada, pois creditou a seu pai uma ideologia revolucionária que os historiadores negam.


Essa divisão rasa de amigos e adversários, que são todos comunistas, assim como o PT tacha de direitistas os seus críticos, só demonstra visão política deturpada, que torna impossível uma composição mais ampla com a sociedade.

A inviabilidade de uma coalizão não restrita à direita radical coloca o governo no isolamento interno, da mesma maneira que, no plano externo, estamos nos tornando párias com os controversos posicionamentos sobre o meio-ambiente e os direitos humanos.

Para os interesses políticos imediatos de Bolsonaro, o isolamento no plano interno não é mau negócio, já que ele estimula o choque contra o PT. Mas, no externo, traz prejuízos econômicos concretos e nos coloca à margem do mundo ocidental, com exceção dos Estados Unidos. Suas atitudes cada vez mais desabridas o levam a situações extremas com frequência. Quando recebeu aquela desazada benção do bispo Macedo, da Igreja Universal, Bolsonaro chorou.

Recentemente, repetiu que às vezes acorda à noite, angustiado, como já fizera anteriormente, ao lembrar-se da facada que levou na campanha presidencial. O fantasma do drama vivido naqueles dias não abandona o presidente que, como já escrevi aqui, pode estar sofrendo de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), que ocorre em pessoas que sofrem situações com risco de morrer.

Como decorrência do TEPT a literatura médica registra transtornos de ansiedade, de humor, anorexia nervosa, paranoia, narcisismo. Muitos desses fatores estão presentes no cotidiano de Bolsonaro. A paranoia vem marcando a ação cotidiana do presidente. Os limites que lhe são impostos pela democracia o estão irritando, descobriu que não pode tudo.

Ameaçou não passar a presidência para o vice-presidente Hamilton Mourão enquanto estivesse no hospital, mas teve que recuar. Disse que poderia deixar um interino na Procuradoria-Geral da República (PGR), mas vai anunciar o substituto de Raquel Dodge nos próximos dias, alertado de que poderia cometer um ato de improbidade administrativa se se omitisse.

Os permanentes atritos internos e externos podem ser atribuídos a transtornos de humor. Descobriu que sua caneta Bic (que agora abandonou por ser francesa) tinha muito poder. Anunciou em altos brados que quem manda é ele, mais ninguém. Comparou-se ao Rei no jogo de xadrez. Disse que elegeu sozinho boa parte do PSL, partido pelo qual disputou a eleição, e que pode deixar a sigla a qualquer momento. Um narcisismo que cultiva cada vez mais.

Democrata em carne, osso e chumbo

Presidente Jair Bolsonaro, os chilenos não aceitam suas palavras. A ditadura que você endossa e reivindica torturou milhares de pessoas, incluindo o pai da Presidente Bachelet, que acabou perdendo a vida. Às vezes você parece um ditador vestido com um traje democrata
Jaime Quintana, presidente do Senado chileno

Sobre a má sorte amazonense

O presidente deveria compreender que “ser presidente” depois de ter sido capitão e parlamentar — num Brasil no qual liberais e patrimonialistas trocam de lugar e todos são legalistas, mandões e familialistas — requer paciência bíblica.

Veja-se o caso amazonense. Falar em queimadas numa área na qual “derrubar e queimar” foi parte de uma milenar agricultura —sem tomar contato com as obras de gente como Artur César Ferreira Reis e, principalmente, com o trabalho de Charles Wagley e de Eduardo Galvão, que estudaram a Amazônia — é um erro, já que — desde a Fordlândia e outros empreendimentos — a floresta não homogênea sempre foi vista como um obstáculo para a ambição dos que confiaram na ignorância, como um meio para domesticá-la ou destruí-la, como estamos testemunhando.

Os livros “Uma comunidade amazônica” e “Santos e visagens” — escritos, respectivamente, por Wagley e Galvão no curso de uma investigação pioneira baseada no método que os antropólogos chamam de “observação participante” — são imprescindíveis. Eles mostram como o estudioso, paradoxalmente, combina o olhar distanciado da observação com a visada íntima da participação. Algo difícil sem cometer os enganos constitutivos de toda ponderação humana, essas apreciações são sujeitas aos erros somente descobertos depois de um certo tempo. O que foi virtude numa etapa ou lugar, torna-se vício quando lido com outras lentes...


O primitivismo de assumir que os “índios” não cabem no mundo moderno porque têm muita terra e não dão lucro tornase uma prova de desumanidade diante da devastação que a cobiça como valor produz numa região que, por culpa nossa, é tão imensa quanto desconhecida. E que, ironicamente, não foi incendiada justamente porque foi habitada por povos tribais —pelos “índios”.

Com efeito, quando Wagley publicou seu livro, em 1953, sabia-se mais de melanésios, nativos do noroeste da América no Norte e de sociedades africanas do que sobre o Amazonas. Somente os latifundiários podem ser poucos com muita terra — aos índios, nativos e donos de direito dessas florestas caberia o ralo da história. Cândido Mariano da Silva Rondon, reitero, foi esquecido e lembrado por Larry Rohter, um jornalista americano que correu o risco de ser expulso do Brasil por uma reportagem que falava dos abusos etílicos de um ex-presidente da República!

Apoiado nesses livros, escrevi sobre uma noção amazônica intrigante. Um caçador ou pescador que vai além de um certo limite e tira muito do rio ou da floresta acaba ficando azarado ou “panema”. Ou seja, o sucesso exagerado leva ao infortúnio: a uma temporada na qual a atividade do intruso é marcada pelo azar.

Alfredo Augusto da Matta, meu ilustre tio-avô paterno, senador e médico pioneiro no estudo e tratamento de doenças tropicais, indexou a expressão no seu “Contribuição ao estudo do vocabulário amazonense”, publicado em 1931 em Manaus. Se fosse etnólogo, iria atinar ao conceito que liga o que a nossa onipotente pós-modernidade tecnóloga e consumista desligou: a ideia de limite na relação entre a sociedade com seus interesses e a “natureza” concebida como igualmente viva e dotada de um agenciamento capaz de vingar-se de quem caçava ou pescava mais do que seria preciso para a sua manutenção. E, além disso, não cuidando do destino final da transformação de caça e peixe em comida. Caso esses produtos fossem consumidos por invejosos, a “mãe” daqueles seres fariam com que o abusado ficasse “panema”.

É irônico que justo nessa Amazônia —na qual a tradição faz um enlace entre os seres vivos, todos merecedores de compaixão e solidariedade —, os agentes do progresso tenham optado pela devastação incontrolada, correndo o risco de ficar “panema”. Aqui, como depois aprendi com Eduardo Viveiros de Castro e seus seguidores, a humanidade engloba o que chamamos de “natureza”. Meu estudo, um exemplo modesto de análise estrutural, foi publicado na revista francesa de antropologia “L’Homme”, em 1967, graças à generosidade de Claude Lévi-Strauss e reproduzido no meu primeiro livro, “Ensaios de antropologia estrutural”.

Anotem: qualquer coisa em demasia produz “panema”. Tudo tem, como aprendi com um mestre apinajé, o seu contrário.

Mente autoritária e seus métodos

Governantes de mentes autoritárias gostam de estimular a confusão entre governo e pátria, procuram sequestrar os símbolos e as datas nacionais. Eles tentam transformar críticas feitas à sua administração em ataques ao país. Era assim na ditadura militar brasileira, principalmente no período mais violento da repressão aos opositores, o do general Emílio Garrastazu Médici. O sentimento de amor ao país, as alegrias com as vitórias até do futebol, os momentos cívicos eram manipulados para serem vistos como apoio ao governo. Criticar o regime era apresentado como equivalente a trair o país.

Governantes de mentes autoritárias gostam de mentir sobre o passado, alterar fatos históricos comprovados, apostando que se a mentira for repetida, se os livros forem refeitos, se houver uma versão oficial todos passarão a acreditar na narrativa falsa dos eventos. George Orwell tratou disso como literatura na obra-prima “1984”. O passado insistentemente reescrito, para apagar fatos e nomes incômodos.


Bolsonaro disse que a ditadura brasileira foi nota 10 na economia. A verdade: ela deixou o país com uma superinflação crônica e o mecanismo da correção monetária que levava os preços sempre para cima. Ainda que os índices mais altos tenham sido atingidos nos primeiros governos civis, foi a democracia que conseguiu desarmar a bomba inflacionária jogada no colo da população pela administração econômica do regime militar. Não foi a única bomba que eles deixaram: os militares endividaram o país junto a 800 bancos, e a governos estrangeiros, e deram o calote. Essa dívida foi renegociada e paga na democracia, nos governos Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula da Silva. Houve também, na gestão de Henrique Meirelles no Banco Central, a acumulação de reservas cambiais que hoje nos permitem olhar para a Argentina sabendo que a situação aqui é bem diferente.

O período conhecido como “milagre econômico” foi curto e o modelo era concentrador de renda. Só para se ter uma ideia do que foi deixado de lado: ao fim desse forte crescimento do PIB, em 1980, 33% das crianças de 7 a 14 anos estavam for ada escola. A universalização do ensino fundamental foi obra da democracia.

Em qualquer governo pode haver erros na condução da economia ou nas decisões sociais e políticas. E presidentes, mesmo democráticos, costumam reclamar das avaliações negativas. A diferença é que a crítica aos erros governamentais não é tratada como crime, nem traição à pátria. A ideia de que só os governistas eram patriotas era mais uma das mentiras da ditadura. Repetir isso num período democrático é restringir o espaço das ideias, é manipular símbolos nacionais, é estigmatizar quem não se perfila entre os admiradores do governante.

O Brasil está em uma administração que foi eleita democraticamente, mas que tem tentado reduzir o espaço democrático, de livre circulação das ideias, e quer, especialmente nesta semana, usar o sentimento de país para tentar alavancar o apoio ao governo. As críticas feitas pela alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, estão respaldadas na realidade. Qualquer órgão multilateral tem o direito de fazê-las.

O presidente brasileiro reagiu atacando pessoalmente Michelle Bachelet, querendo atingi-la no drama pessoal que viveu muito jovem ao perder o pai, um militar, torturado e morto por seus companheiros de armas. Uma dor que ela conseguiu separar da sua atuação na esfera pública. No período em que foi ministra da Defesa, e nas duas vezes em que foi presidente, não usou os poderes que teve para fazer qualquer vingança pessoal. O ataque de Bolsonaro ao pai de Bachelet foi criticado até pelo presidente do Chile, Sebastian Piñera, que é de direita.

É patológica a compulsão de Bolsonaro pelas ditaduras e sua admiração ilimitada pelos regimes tirânicos, como o de Pinochet. É doentio seu prazer em ferir pessoas atingidas pelos crimes das ditaduras latino-americanas, como fez com o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Mentir sobre o passado do Chile, ou do Brasil, na política ou na economia, não alterará a história real. Tentar apropriar para uma ideologia de extrema-direita os símbolos nacionais não dará certo agora, como não deu no passado. Os amigos e auxiliares que tenham qualquer influência sobre ele deveriam aconselhá-lo. O que ele falou sobre Michelle Bachelet jamais poderia ter sido dito. É sobretudo desumano.

Brasil do amanhã


À luz das queimadas

Fogo não apenas destrói, como gostam alguns, mas transforma em cinzas. A mais visível de suas qualidades é iluminar. E como ilumina! Basta seguir o clarão que faz nas florestas e campos amazônicos ou do Cerrado para se ver com mais claridade o que há por trás das queimadas.

Ninguém pense em encontrar a "soberania nacional", essa fica entre as cinzas. Nada mais fácil de se levar pelo vento.

O clarão ilumina a monstruosidade do que brasileiros fazem com sua própria terra, que "patrioticamente" defenderão a qualquer custo, e contra compatriotas da raça que forem. Expõe o pensamento da coivara mental. Incendeiam mentes.

O grande valor daquela região não está sobre a terra para produzir os alimentos para vender a granel, nem muito menos debaixo dela para estrangeiros esburacarem tudo, poluírem. darem os trocados e deixarem a sujeira para os que restarem cá limparem. O mais importante ali é o ar que permite purificação do carbono e auxilia as correntes de vento e chuvas. Por isso sua importância que dinheiro nenhum paga.

(Ou querem que Donal Trump ofereça um troco para a Amazônia desmatada completar o combo com a Groenlândia descongelada ?)

A luz do fogo clareou bem o arcaísmo de integrar para não entregar, pois a Amazônia é nossa. Sob essa bandeira de uma doutrina colonialista, lotearam grandes extensões depois derrubadas para plantações que não vingaram, cortaram árvores para as transamazônicas rodovias nunca acabadas, que mais serviram à grilagem e tráfico ilegal de madeira. Nada diferente do que portugueses começaram desde o litoral em 1500.

Nunca não houve governo interessado em verdadeiramente explorar a riqueza da floresta em pé. Prefiram como ainda preferem a floresta em toras. A riqueza farmacêutica, o lucro dos óleos aromáticos ou dos produtos exóticos, ou o turismo ecológico nunca foram implantados em larga escala, que podem fazer a independência econômica da região eternamente. Como os portugueses dos quinhentos, querem o lucro fácil da exploração mineral como em Minas Gerais levou o ouro para Portugal, que acabou na Inglaterra. Mas desta vez todo lucro em ouro deve parar em Fort Knox.

Agora que o Brasil tem seu próprio general George Custer, à moda caipira, querem de novo a Marcha para o Oeste. Só esquecem que o militar norte-americano, matador de índios, nunca se aventurou a destruir as florestas do Noroeste americano, que lá estão fagueiras e protegidas em grandes extensões, recobrindo reservas minerais que nem se imagina.

Aqui, bem aqui, se pode fazer toda desgraceira possível em nome da soberania. É só eleger alguém com cabeça de fósforo. 
Luiz Gadelha

Ribombo da mentirada

O silêncio da timidez é melhor que o barulho das mentiras
Congo Tales (Contos do Congo)

Bolsonaro se acha exemplo, falta informar de quê

O eleitor que enviou Jair Bolsonaro ao Planalto com a esperança de obter uma completa renovação dos costumes talvez não enxergue na sua Presidência um grande exemplo. Mas já se pode ver vários avisos ao redor. No penúltimo alerta, o capitão declarou não ver "nada de mais" na carona que o chanceler Ernesto Araújo deu em jato da FAB para sua mulher Maria Eduarda de Seixas Corrêa passar férias em Paris.

O brasileiro que está em dia com o Fisco e tem fome de limpeza precisa se benzer. Há no Planalto um inquilino de comportamento esquisito. Acha natural mobilizar um helicóptero da FAB para levar amigos e parentes ao casamento do filho. Considera normal quebrar lanças para dar ao mesmo filho o "filé mingnon" da embaixada em Washington. Se as luzes acendem sobre a movimentação bancária de outro filho, acha correto desligar o interruptor do Coaf. Ministro investigado? Normal. Ministro condenado? Nada de mais.



Foi nesse contexto que sobreveio a carona da mulher do chanceler. "Se um avião presidencial nosso vai para algum lugar a serviço, não vejo nada de mais levar alguém no avião. Não vejo nada de mais nisso aí", afirmou o capitão, antes de fazer uma concessão à dúvida: "Se está errado, se tiver alguma norma dizendo o contrário, eu vou conversar com ele".

Afora as regras do bom senso, há as normas contidas nos regulamentos da FAB (decreto 4.244/2002) e numa cartilha que o próprio Bolsonaro mandou distribuir dias antes da posse. Nela, está escrito que apenas ministros e membros do seu staff poderiam voar nas asas da Força Aérea.

Ernesto viajou em missão oficial. Sua mulher foi a passeio. Além da aeronave, Maria Eduarda dividiu com o marido, entre 20 e 25 de maio, o quarto de hotel. Tudo às expensas do erário. Assegura-se que madame tirou da própria bolsa a verba para a alimentação. Não há, por ora, vestígio de comprovantes.

Cabe perguntar: 
1) Num instante em que as finanças públicas se encontram no brejo, Ernesto não poderia ter embarcado num voo de carreira? 
2) Considerando-se que pernoitou numa hospedaria em que os preços variam conforme o número de ocupantes e as diárias oscilam de R$ 734 a R$ 2.250, Ernesto não teria molestado menos o bolso do contribuinte se estivesse sozinho?

Por um instante, Bolsonaro colocou-se dentro dos sapatos de Ernesto. Recordou o casamento do filho: "É a mesma coisa quando uma irmã minha, um primo, uns três ou quatro entraram em um helicóptero no Rio de Janeiro. Eu estava indo a um casamento e o helicóptero estava vazio. Eu apanhei para caramba de vocês. E o gasto ia ser feito". Meia verdade. O capitão foi num helicóptero. Os convidados, noutro. O gasto não deveria ter sido feito.

O capitão costuma fazer cara de enfado sempre que os repórteres desperdiçam o seu tempo com miudezas. "Nada de mais&..." "de novo?"; "se continuar, acaba a entrevista!" É como se dissesse: "Eu livrei o país da roubalheira do PT! Isso não basta?"

Se Bolsonaro ainda fosse um mero deputado do baixo clero, certos assuntos iriam para o gavetão das pequenas causas, repleto de velhas pendências. Por exemplo: a Wal do açaí, o auxílio-moradia para quem dispunha de imóvel próprio, a "rachadinha" na folha do gabinete do filho, as traficâncias radioativas do Queiroz...

O problema é que Bolsonaro agora é presidente da República. Seu comportamento diante de desvios hipoteticamente menores sinaliza o que será capaz de fazer diante de grandes escândalos. Presidente que não consegue enxergar essa obviedade costuma se deparar com uma grave incongruência: acha que é uma coisa e não se dá conta de que sua reputação é outra.

Bolsonaro imagina que chegou ao Planalto como exemplo. Falta esclarecer de quê. O capitão demora a notar. Mas a esperança que despertou na campanha presidencial é de vidro. E as pesquisas indicam que ela já trincou.

Guerra ao 'parlevu'

Em janeiro, Jair Bolsonaro assinou decreto sobre a posse de armas com uma caneta Bic e disparou enfáticas ameaças de que iria “usar a Bic” para fazer e acontecer. Agora, ao declarar guerra ao presidente francês Emmanuel Macron, anunciou que deixará de usar a Bic por ela ser francesa. Trocou-a pela Compactor, brasileira. Ao abandonar uma marca de caneta por ela representar a cultura de seu inimigo, embora a Bic esteja no Brasil há mais de 60 anos, Bolsonaro deveria estender esse boicote a outros produtos originários da França.


Não deveria, por exemplo, continuar indo ao toalete, ao lavabo e ao bidê. Seu —perdão— menu teria de cortar canapés, patês, baguetes, caviar, bombons, croissants, croquetes, omeletes, filés, suflês, purês, champignons e maioneses. E sua mulher, a bela, jovem, irresistível, incomparável e inútil Michelle, teria de deixar de usar sutiã, lingerie, robe, echarpe, maquiagem, bustiê, pompom, peruca, viseira, maiô, batom e bijuterias.

Bolsonaro teria também de suprimir palavras que simbolizam bem o seu estilo de governar: o deboche, a revanche, a chantagem, o complô. Seus filhos não poderiam mais usar boné, tomar champanhe ou ir a boates. Os desocupados que o aplaudem na porta do palácio —sua claque— seriam dispensados. Seus netos ficam proibidos de ter gripe ou coqueluche. E Bolsonaro deveria se preocupar com o Queiroz —seu ex-chofer. Mas o principal é que, como presidente, ele parasse de cometer gafes.

E é bom que Bolsonaro não brigue com a premiê alemã Angela Merckel. A caneta Compactor, que ele adotou, nasceu na Alemanha, fabricada pela Compaktor Fullhalterfabrik, e veio para o Brasil em 1952, produzindo canetas-tinteiro. Só aderiu às esferográficas —uma invenção da Bic —em 1984.

Mas, para que canetas? Para assinar qualquer coisa, basta a Bolsonaro enfiar um dedo na tinta e fazer um xis.
Ruy Castro

Pensamento do Dia


Populismo em verde e amarelo

Em agosto de 1992, Fernando Collor já estava com um pé fora do Planalto. A cada dia, apareciam novas provas de corrupção no governo. Nas ruas,
crescia o movimento a favor do impeachment.

Acuado, Collor resolveu transformar uma solenidade oficial em comício. Ao anunciar benesses para taxistas, ele apelou ao patriotismo e pediu ao povo que saísse de verde e amarelo no domingo.

“Vamos mostrar as cores que balançam o nosso coração”, bradou, entre juras de amor à “nossa pátria querida”. Deu tudo errado. Os brasileiros saíram de preto, em sinal de repúdio ao presidente.

Depois de 27 anos, Jair Bolsonaro repetiu Collor. Ontem ele incentivou a população a sair de verde e amarelo no 7 de setembro. “Eu lembro que lá atrás um presidente falou isso e se deu mal. Mas não é o nosso caso”, apressou-se. Ele reforçou o discurso com chavões como “Aqui é o Brasil” e “A Amazônia é nossa”.


Bolsonaro está com a popularidade em queda, mas ainda não é tão rejeitado quanto Collor em 1992. Mesmo assim, resolveu reciclar o populismo em verde e amarelo de quem dizia ter “aquilo roxo”.

A exemplo do antecessor, o presidente usa o patriotismo como arma de propaganda. Ao se apropriar dos símbolos nacionais, tenta vender a ideia de que seus críticos seriam inimigos do país.

Ontem o secretário de Comunicação Social, Fabio Wajngarten, apresentou uma campanha publicitária para exaltar “as cores da nossa bandeira”. Alegou que estaríamos vivendo “tempos difíceis”, de “ataques à nossa soberania e à imagem do nosso país”. Com essa desculpa, o governo vai gastar mais dinheiro público para tentar recauchutar a imagem do chefe dele.

Wajngarten anunciou a criação da “Semana do Brasil”, uma espécie de black friday bolsonarista. Numa cerimônia esvaziada, ele disse que a ideia vai aquecer a economia, mas não apresentou nenhum número que justificasse a previsão. Também faltou explicar se o consumidor terá que cantar o hino com a mão no peito, à moda do presidente, para conseguir um desconto no balcão.

Biblioteca naturais


Na selva espessa há um silêncio igual ao das bibliotecas, abstrato e úmido
Pablo Neruda

Uma cruel vitrine do Brasil que ainda celebra a tortura

Enquanto tenta implorar a seu algoz pelo fim do açoite, com gritos abafados por uma mordaça, o adolescente de 17 anos recebe chicotadas pelo corpo despido, seguidas de risos e intimidações de outro homem que filmava a cena que viralizou nesta terça-feira. De acordo com o boletim de ocorrência registrado em uma delegacia na zona Sul de São Paulo, o episódio aconteceu no mês passado, nas dependências de um supermercado da rede local Ricoy, onde o garoto foi acusado de ter furtado uma barra de chocolates. No vídeo com menos de um minuto, ele também é ameaçado de morte pelos dois agressores, que, segundo o inquérito, são seguranças do estabelecimento.


“Trata-se de uma situação de tortura, um crime hediondo e, ainda por cima, cometido com ares de sadismo”, diz Ariel de Castro Alves, integrante do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), que acompanha as investigações. “Cobraremos punição aos responsáveis por esses atos bárbaros.” O Conselho Tutelar também se manifestou sobre o caso e promete prestar assistência psicológica à vítima, enquanto a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania lamenta “a ocorrência de fatos que ferem a dignidade humana e demonstram a intolerância da nossa sociedade com pessoas que deveriam receber atendimento civilizatório e adequado”.

Para o delegado José Luiz de Souza, responsável pelo encaminhamento da ocorrência, o crime deve ser enquadrado como tortura. “É uma cena chocante, de extrema violência, em que a vítima está completamente acuada”, afirma Souza. O adolescente relatou em depoimento que a sessão de tortura durou aproximadamente 40 minutos. Durante a filmagem, é possível ouvir um dos agressores dizendo “vai tomar mais uma pra gente não te matar”. A polícia pretende realizar a apreensão do chicote e do celular utilizado para gravar o vídeo. Os dois seguranças já foram identificados. Segundo a rede Ricoy, eles estão afastados de suas funções no supermercado. Em nota, a empresa informa que “não coaduna com nenhum tipo de ilegalidade e colabora com as autoridades competentes envolvidas na apuração do caso, a fim de tomar as providências cabíveis”. Caso sejam indiciados e condenados, os agressores podem pegar de dois a oito anos de prisão.

Embora remeta aos tempos da escravidão, a exposição de um jovem negro torturado por justiceiros tem se tornado parte de uma rotina dramática incentivada por apelos que pregam justiça com as próprias mãos. Em 2014, um adolescente de 15 anos foi amarrado ao poste com uma trava de bicicleta e espancado por um grupo organizado de justiçamento que atuava no Aterro do Flamengo, zona Sul do Rio de Janeiro. Ele teve parte da orelha arrancada pelos agressores. Dois meses depois, no Espírito Santo, Alaiton Ferreira morreu aos 17 anos depois de ter sido linchado por dezenas de pessoas na Serra, região metropolitana de Vitória, que o acusavam de estupro. No entanto, a Polícia Civil capixaba não registrou nenhuma ocorrência de violência sexual contra o adolescente.

No mesmo ano, uma pesquisa do Governo federal em parceria com o UNICEF apontou que adolescentes negros têm um risco de morte 2,88 vezes superior ao dos brancos. O relatório serviu como base para que o Brasil fosse notificado em 2018 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), por causa da epidemia de violência que acomete a população jovem e negra. Porém, os brancos em situação de vulnerabilidade social também não escapam da onda de tortura patrocinada por justiceiros.

Em 2017, o caso do adolescente de 17 anos que teve a expressão “eu sou ladrão e vacilão” tatuada na testa como forma de punição por, supostamente, ter tentado furtar uma bicicleta em São Bernardo do Campo gerou ampla repercussão pelo país. Internado em uma clínica para tratamento de dependência química, ele passou por sessões de terapia a laser com intuito de remover a tatuagem realizada à força. Os dois tatuadores, que filmaram a agressão, ficaram oito meses presos. Entretanto, como não foram indiciados por tortura, progrediram ao regime semiaberto após condenação por lesão corporal e constrangimento ilegal.

A prática de tortura ainda é um problema recorrente sofrido por menores internados por atos infracionais. Em junho, a Defensoria de São Paulo denunciou a Fundação Casa por agressão de 22 adolescentes infratores. Cerca de duas dezenas de agentes teriam castigado os garotos com cassetetes e estilingues no Complexo Raposo Tavares. Em menos de uma semana, dois diretores da fundação, um de São José dos Campos e outra de Caraguatatuba, foram afastados dos cargos após denúncias de espancamentos. Em São José, um dos jovens agredidos perdeu o baço e parte do pâncreas devido aos golpes.

No sistema prisional, a dinâmica se reproduz de maneira endêmica. Especialistas em violência destacam a permanência de práticas de tortura que vieram da escravidão e jamais saíram das cadeias brasileiras, sendo ampliadas para alvos políticos inimigos durante a ditadura militar. O discurso de desprezo contra os direitos humanos encampados por Jair Bolsonaro em sua carreira política e o elogio que ele faz a um militar torturador condenado pela Justiça também são apontados como fatores preocupantes pelos estudiosos, por criarem um ambiente em tese mais permissivo às infrações.

Levantamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, divulgado no fim de julho, mostra que ao longo de 10 meses o órgão recebeu 931 denúncias de tratamentos desumanos praticados contra pessoas presas – mais de 70% delas negras – no Estado. Em média, três presos são torturados a cada dia. “Os números refletem a lógica de perpetuação das violações de direitos humanos, principalmente no momento da detenção”, explica o defensor público Fábio Amado. “Existe, infelizmente, uma naturalização dessa prática tão grave que é a tortura.”

Brasil, foguete midiático

Caros brasileiros,

será que um dia ainda vou agradecer ao presidente Jair Bolsonaro? É difícil imaginar isso, mas tenho que reconhecer que ele conseguiu o que poucos presidentes brasileiros conseguiram: colocar o Brasil no centro da atenção internacional.

Depois das queimadas na Amazônia e do debate sobre supostas atitudes colonizadoras de países europeus, todo mundo discute como salvar as florestas. Não somente na Amazônia. Ficou evidente que no mundo inteiro, seja na Europa, na África ou na Ásia, as áreas degradadas precisam de proteção e reflorestamento.

As ONGs também agradecem. "Nunca antes nesse país fomos tão valorizados por um presidente como o atual, que nos colocou em evidência, abriu espaço nas mídias pra mostrar nosso trabalho!", ironizou Caetano Scannavino, da ONG Projeto Saúde e Alegria, da Amazônia, num post recente. "Obrigado por algo que sempre tentamos mas nunca conseguimos como agora: nacionalizar a Amazônia e amazonizar o mundo!", escreveu.

Já faz dez anos que o Brasil se destacou mundialmente. Ainda se lembram da capa da revista Economist de novembro de 2009? A imagem do Cristo Redentor como foguete ficou mundialmente famosa.

Era euforia pura. Naquela época, o Brasil se preparava para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e impressionava com um crescimento econômico e uma política social que tirou milhões de brasileiros da miséria.

Parecia que o Brasil finalmente ganhava a atenção e o destaque que merecia como quinto maior país do mundo. Somente na imprensa alemã, entre 1º de junho e 1º de agosto de 2014, foram publicados mais de 4 mil textos sobre o Brasil.

Em comparação com períodos anteriores, o Brasil de 2014 era um foguete midiático. Nos primeiros dois meses do governo Luiz Inácio Lula da Silva, de 1º de janeiro a 1º de março de 2003, por exemplo, o número de matérias publicadas sobre o Brasil na imprensa alemã foi de somente 737.


Mas a euforia durou pouco. A própria Economist derrubou o foguete brasileiro. Em setembro de 2013, ela colocou o Brasil novamente na capa. Desta vez, o Cristo não decolava, mas despencava. A manchete questionava: "Has Brazil blown it?" (O Brasil estragou tudo?). Considerando a crise econômica que veio depois, parece ter sido um ato vidente. Que lucidez!

Em setembro, a revista Economist deu sinais de que pode ser profética em relação ao Brasil novamente, em um artigo com uma ilustração de Bolsonaro e o título: "Os incêndios na Amazônia poderiam queimar Jair Bolsonaro".

Com Bolsonaro, o Brasil voltou a se destacar nas manchetes mundiais. Somente nos últimos dois meses, de julho até setembro, foram publicados 1.195 textos sobre o Brasil em jornais e revistas alemães. Mas infelizmente não foi para transmitir euforia e alegria.

O país recebeu atenção devido a aspectos negativos que agridem e arranham a imagem do Brasil no mundo e causam aflição e depressão. E o quinto maior país do mundo merece mais do que manchetes. A velha jogada de marketing "fale bem ou fale mal, mas fale de mim" não se aplica a governos.

Fazer um bom marketing não quer dizer que se faça um bom governo também. Por exemplo, a sugestão de Bolsonaro de reflorestar a Alemanha não traz nenhuma árvore de volta à Amazônia. Tampouco o acesso facilitado a armas transforma cidades brasileiras em lugares mais seguros.

A dispensa de médicos cubanos também não contribuiu para melhorar a saúde pública brasileira. Pelo contrário. Os médicos cubanos fazem tanta falta que o governo brasileiro decidiu regulamentar a concessão de residência para cubanos que participaram do programa Mais Médicos. E tem ainda os cortes drásticos na área da educação, que não vão ajudar a geração futura do país a sobreviver num mundo globalizado.

Então, mesmo reconhecendo que Bolsonaro "presenteia" jornalistas no mundo inteiro com manchetes, não vou agradecer ao presidente. Mesmo sabendo que ele tem que cuidar da própria saúde. Mesmo sabendo que ele mandou o Exército para a Amazônia para apagar incêndios. Pois nem o Exército pode apagar as chamas políticas que ele acendeu.
Astrid Prange de Oliveira