sábado, 3 de janeiro de 2015

As duas Dilmas


Da existência de dois Brasís, o dos ricos e o dos pobres, ninguém duvida desde Pedro Álvares Cabral. O inusitado, agora, é reconhecermos também a realidade de duas Dilmas. Não deixam dúvidas seus pronunciamentos no Congresso e no parlatório do palácio do Planalto, ao tomar posse pela segunda vez. A presidente declarou: “Nenhum direito a menos! Nenhum passo atrás!” Referia-se à legislação trabalhista.

Ora bolas! Dois dias antes ela havia enviado Medida Provisória ao Legislativo, cortando pela metade o abono salarial, o seguro-desemprego, o auxílio-doença, as pensões por morte do cônjuge e até os benefícios aos pescadores impedidos de pescar. Qual das duas Dilmas será a verdadeira?

O processo de redução das prerrogativas sociais foi iniciado faz muito, nos idos de 1964, prolongando-se até o momento em que, imaginávamos, seria estancado, com a ascensão do governo dos trabalhadores. Presumia-se, até, o restabelecimento de alguns direitos trabalhistas, como a estabilidade no emprego.

Adianta pouco ou nada constatar que as supressões acima citadas estão longe de significar meros ajustes e eliminação de excessos, como quer o governo. Foi supressão mesmo, ou seja, abre-se outra vez o saco de maldades. Só que Dilma, depois de suprimir, tripudia: “Nenhum direito a menos!” “Nenhum passo atrás!” Quem garante?

O grotesco nessa farsa está no silêncio da CUT e do PT. Nenhuma voz sindical ou partidária foi ouvida daqueles que tinham por obrigação defender o trabalhador. Por ironia, foram os tucanos a protestar, eles que nos tempos de Fernando Henrique Cardoso fartaram-se de reduzir direitos sociais. A conclusão é de estar abandonada a classe operária, precisamente pelos que deveriam guardá-la.

Múltiplas contradições podem ser pinçadas no discurso da presidente da República, ficando a impressão de ser outro o país que ela governa. O que será, na concepção dela, o “menor sacrifício possível” a ser exigido pelo ajuste fiscal que vem por ai?

Pronto a explodir


Quando o cretino abre a boca...

A política é feita para servir. A imensa maioria dos nossos companheiros, ministros e assessores trabalha aqui por amor, trabalha aqui para servir. Nós não somos ladrões. (...) É verdade que há entre nós aqueles que tombaram e aqueles que caíram nos erros. Diferentemente de antes, cada um de nossos companheiros que cometeu um erro foi punido, pagou um preço doloroso para nós, mas pagou o preço e isso eu espero que sirva de fato para um novo padrão republicano

Ex-ministro Gilberto Carvalho, o mesmo que promoveu a primeira visita ao papa Francisco, em Roma, um bonde presidencial que custou quase R$ 300 mil de hospedagem em hotel de luxo. Se não roubou, abusou do dinheiro público para “abençoar” a imagem de Dilma. Com José Eduardo Cardoso, da Justiça, formou a dupla Cosme e Damião para blindar a presidente tascando o pau em uns e outros. E isso foi pouco porque a operação Pronto Emprego da PF sumiu do mapa e se faz de tudo para enterrar o caso de Celso Daniel. Agora vai desfrutar da sua “quitinete rural” (????) 

Apelo a Sua Santidade, o papa Francisco

Minha geração já assistiu a diversos milagres políticos. Um deles foi o desmonte do socialismo real no Leste Europeu, que provavelmente não teria ocorrido, naquele momento, se não fosse a liderança moral do papa João Paulo II. Com seu sentimento polonês, ele teve papel fundamental no despertar da necessidade das mudanças que as forças sociais empurravam nos países daquela área.

Nesses dias, o milagre foi a retomada das relações diplomáticas entre dois povos que viviam como inimigos a poucos quilômetros de distância, sem que um conseguisse vencer o outro. Nem os Estados Unidos estrangularam Cuba pelo uso do poder econômico, nem Cuba estrangulou os EUA com guerrilhas na América Latina.

O reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba, que um dia ocorreria pela pressão das forças sociais nos dois países, não teria acontecido agora sem a ousadia tanto do presidente Barack Obama quanto do presidente Raúl Castro, e sem, sobretudo, a força moral, aliada ao sentimento latino-americano, de Sua Santidade.

O mundo inteiro reconhece o papel de Sua Santidade na quebra do impasse de cinco décadas entre os dois países. Mesmo com a força política dos dois presidentes, as forças sociais não definiriam o momento; poderiam ficar represadas por outras décadas, até que um gesto as despertassem.

No Brasil, passamos por isso. A desigualdade que nos envergonha, a violência que nos mata, a corrupção que nos rouba recursos, a ineficiência que nos estrangula. Tudo isso pressiona para que algo ocorra e permita nosso salto para uma sociedade eficiente e harmônica. Sabemos o que é preciso fazer, sabemos como fazer, temos os recursos para isso, falta que as lideranças políticas se indignem, colocando a moral à frente da política, e a política tomando decisões decentes quanto ao uso dos recursos dos quais dispomos.

Mas parece que internamente não estamos conseguindo esse despertar. Agimos barrando a vontade das forças sociais, e não a favor delas.

Precisamos reatar as relações entre nossas classes sociais. E o caminho é colocar todas as nossas crianças em escolas com qualidade e com a mesma qualidade: os filhos dos pobres em escolas tão boas quanto as escolas dos filhos dos ricos. As forças sociais buscam isso, na ânsia de fazer com que o Brasil seja um país eficiente, justo, decente e com liberdade individual plena. Mas a política não se sensibiliza.

Aparentemente, há um divórcio entre a ansiedade das forças sociais, querendo um país melhor no futuro, e o comodismo das forças políticas, que querem apenas administrar improvisadamente o presente. Por isso, meu apelo a Sua Santidade: escreva aos líderes políticos brasileiros, do governo e da oposição, como fez para os líderes de Cuba e dos EUA, e fale da necessidade do reatamento social. Talvez Sua Santidade consiga nos despertar, como fez com os presidentes Obama e Castro.

O Ano Novo é um bom momento para isso.

A dúvida


Esse tempo seco da vida


Parafraseando o poeta, eu diria que, apesar de tudo, amanhã de manhã já será outro dia... Outro ano, melhor dizendo. O tempo está passando depressa, como se fosse um caminheiro andante seguindo num rumo certo, quem sabe, o rumo do sertão, à procura daquela cruz abandonada que o poeta maior aconselhou deixar em paz na solidão...

Divaguei, mas é sempre assim quando me deparo com o tempo. Quando me deparo... E, por acaso, pode-se viver fora dele? Nem morto... O tempo é uno, não passa, nós é que passamos por ele, repito. E, se ele passasse, para onde iria? Para a eternidade? Sim, mas onde fica isso? Isso é assunto para filósofos da categoria de um ex-Luiz, Rosemére, Erenice, Palocci, Genoino, Youssef “et caterva”...

Gosto do diálogo interior, o que, às vezes, me coloca em conflito, mas faz que eu nunca esteja sozinho, pois estou sempre conversando comigo. Quando comecei falando em tempo seco da vida, não pensei na falta de chuvas por que passamos. Até não compreendo a preocupação das autoridades públicas com uma possível falta d’água num futuro que nunca será de alguém. O mundo é água. Eu e você também. Tudo é água, inclusive a vida... Os políticos em geral e, em particular, os atuais governos criam ameaças para disfarçar sua incompetência e amedrontar o cidadão – esta a pior forma de dominação: pelo medo. O mundo pode até acabar por excesso de água – como, aliás, dizem que acabou, quando da Arca de Noé –, nunca por falta. Agora, a preocupação é com o sistema Cantareira, em São Paulo. De quem a culpa? Dos políticos, claro, não da natureza. Esquecem eles, uns mais que os outros, que a variação do clima é normal. Se fizermos um estudo sobre a média anual de precipitação, constataremos que em um ano chove muito e em outro chove menos, mas, na média, fica tudo igual. A população é que aumenta em ritmo geométrico e, como consequência, o consumo aumenta. Políticos, em geral, têm visão curta; estadistas é que enxergam distâncias, mas essa classe de gente é cada vez mais escassa.

Na vida tudo passa e tudo passará; nada fica e nada ficará, diz um cantante... Nós, brasileiros, já fomos um povo melhor e, há muito, sofremos dos males das multidões. Já somos um povão de muito mais de 200 milhões de almas. Também é verdade que são muitos os desalmados. Parece que a cada dia mais enfraquece nosso sentimento de solidariedade e nosso orgulho de ser aquele povo humilde de que fala Chico Buarque, com aquela tristeza no peito, feito despeito de não ter como lutar e que dá até vontade de chorar...

Neste último dia do ano, não vou lembrar as desgraças que tanto nos magoam. Abstraio e fico pensando como tudo poderia ter sido diferente. Enquanto isso, desejo felicidades para todos nós, ainda que sejam petralhas... Eu ficarei ouvindo a sanfona pé de bode, zoando em minha saudade, como diz o poeta no sertão.

“Ex-corde”, até mais ver...