sábado, 22 de outubro de 2016

Profissão corrupto

Quando você pergunta a uma criança o que ela quer ser quando crescer, dificilmente ouve um "corrupto" como resposta. Não obstante, a corrupção está aí e é invariavelmente praticada por pessoas que já foram crianças que acalentavam outros sonhos profissionais. Como alguém se torna corrupto?

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Acaba de sair na "Nature Neuroscience" um artigo de Neil Garrett, Stephanie Lazzaro, Dan Ariely e Tali Sharot que oferece um modelo para compreender essa trajetória. O interessante desse trabalho é que ele mistura um experimento psicológico com técnicas de imagem, o que permite não só levantar evidências empíricas mas também arriscar um mecanismo biológico para explicá-las.

No experimento, a cobaia deveria fazer uma estimativa sobre a quantidade de dinheiro contida num jarro. Tinha a oportunidade de ser desonesto beneficiando a si próprio e prejudicando a um parceiro, beneficiando a si próprio e ao parceiro, beneficiando ao parceiro e prejudicando a si próprio e beneficiando a si próprio sem prejudicar ao parceiro.

O que os pesquisadores constataram é que a desonestidade aumentava com a repetição dos exercícios, o que é compatível com a famosa teoria das janelas quebradas, segundo a qual pequenas transgressões degeneram em crimes mais graves. Igualmente interessante, isso só ocorria quando o participante se beneficiava pessoalmente do ato de desonestidade. Quando ele "roubava" para outros, a escalada não acontecia.

Como uma parte das cobaias realizou o experimento numa máquina de ressonância magnética funcional, deu para ver que a amígdala, uma estrutura do cérebro ligada a emoções negativas, incluindo a repulsa moral, estava envolvida no processo. Ao que parece, ela reage com menos intensidade a cada repetição do ato desonesto. Literalmente, o corrupto vai se acostumando com essa condição, até que já não a sinta mais como algo condenável. E aí, liberou geral.

Novo silêncio dos inocentes

Como esperado, a prisão de Eduardo Cunha foi, disparado, o assunto mais comentado pelos deputados federais em seus perfis nas redes sociais. Mais de uma centena de tuítes em três horas. Entre o desejo e a análise, duas projeções não necessariamente opostas dominaram a timeline parlamentar: a implicação da prisão sobre os futuros do governo Temer e de Lula. Curiosamente, raros arriscaram palpitar sobre o destino da própria Câmara, porém.

Alguns deputados da nova oposição (petistas e aliados que sobraram) comemoraram como prato frio a prisão do maior responsável por eles terem deixado de ser governo. Resgataram o grampo de Romero Jucá (PMDB-RR) – “porque o Michel é Eduardo Cunha” – para prever a queda do novo presidente em futuro não muito distante, graças a uma eventual delação premiada de Cunha.

“Cai o rei de ouros, cai o rei de paus, cai, não fica nada” foi uma das citações usadas – em referência à hipótese radical de uma eleição indireta pelo Congresso vir a ser necessária para ocupar o vácuo deixado pela suposta deduragem do peemedebista. Vai longa distância para as cartomantes emplacarem sua profecia.

Cunha tem o que dizer, não resta dúvida. Mas é preciso uma sucessão de fatos para a vingança petista ser completa: 1) Cunha querer falar, 2) Cunha falar o que a nova oposição espera ouvir, 3) Procuradoria querer ouvir, 4) o Juízo aceitar a delação, 5) haver provas físicas do que ele vier a dizer, 6) quem for delatado ser investigado, denunciado e virar réu no Supremo.

CAMBURAO Poloicia federal no cogresso prende policia legislativa do senado senadores mede de delacao de cunha camara

É possível imaginar um atalho para esse processo? Por exemplo, que a eventual delação desestabilize o governo a ponto de comprometer a aprovação dos cortes de gastos e das reformas que ele pretende propor ao Congresso? E que isso acelere o processo contra a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral? Possível é. Provável? Nem tanto. Vai depender do timing.

O que nos leva de volta à timeline dos deputados, agora com viés oposto. Parlamentares da antiga oposição usaram a prisão de Cunha para repetir que “as instituições estão funcionando”, que a versão de que a Lava Jato só vai atrás do PT é mimimi e que a defesa do ex-presidente, portanto, perdeu seu principal argumento. Nesse raciocínio, Lula seria o próximo em Curitiba.

Prestidigitação política é atividade de alto risco. Judicial, então, é suicida. Todavia, constata-se que – comparado aos desígnios da nova oposição – os da antiga só dependem de uma das seis etapas necessárias para as previsões petistas se confirmarem: a canetada do juiz Moro. Probabilisticamente parece algo menos remoto do que o fim prematuro do governo Temer. Apenas porque tem menos etapas a cumprir.

Todas essas hipóteses são apenas isso, hipóteses, porém. Invertendo a frase de Conan Doyle: se no seu conjunto o homem se torna uma certeza matemática, individualmente, é um quebra-cabeça insolúvel. Ninguém sabe com certeza o que se passa na cabeça do juiz Moro – e muito menos na do seu novo inquilino.

Nem ele. A prisão de Cunha é por tempo indeterminado. O que o ex-deputado pensa hoje pode não ser o mesmo que venha a pensar amanhã, ou daqui a um mês, ou um ano. Marcelo Odebrecht é um que entrou na cela pensando de um jeito e está tentando sair dela justamente porque começou a pensar diferente, a admitir delatar.

É por ter consciência de que qualquer previsão sobre a disposição delatora de Cunha é um chute que a maioria dos deputados federais não usou suas contas no Twitter ou seus perfis no Facebook para fazer crítica, projeção ou um comentário sequer sobre o ex-colega. Melhor não aparecer, não cutucar a memória nem dar ideias ao mais poderoso presidente da Câmara desde Ulysses Guimarães. É o autêntico silêncio dos inocentes.

Até parece o petismo


PCC, o cartel do 'Narcosul'

Ao longo das últimas décadas o Primeiro Comando da Capital (PCC) converteu-se no cartel do “Narcosul”. Nascido da reação contra o massacre do Carandiru (1992), o PCC já domina a maior parte dos presídios brasileiros. E dessa posição passou a dominar o tráfico de drogas no Brasil e na região do Mercosul. Daí o nome dado pelos meliantes à organização: “Narcosul”. É o que revela a pesquisa publicada pela revista Veja sob o título: O Carandiru e o PCC" (edição 2498, de 5/10, páginas 84-97).

Era questão de tempo o Brasil ter o seu grande cartel das drogas. Acontece que, em política, se falta a perspectiva estratégica (que, infelizmente, está longe da mente dos nossos políticos), fica aberta a porta para eventos negativos. É o que está acontecendo com a força demonstrada pelo PCC em matéria de narcotráfico. Hoje ele é a principal organização criminosa brasileira, que rivaliza, em lucros, com as maiores empresas do País, chegando a ocupar a 16.ª posição, com ganhos da ordem de R$ 20,3 bilhões por ano, à frente de grandes empresas como a Volkswagen e a JBS Foods.

Como se chegou a isso, depois de termos conhecido as desgraças patrocinadas na Colômbia pelo cartel de Medellín, de Pablo Escobar, nos anos 80 e 90 do século passado? A resposta é: descaso e populismo.

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Esse perigoso binômio nos levou a menosprezar a lição dada pela Colômbia após sofrer a dura guerra do narcotráfico e da narcoguerrilha, com os seus mais de 250 mil mortos. Lembro que no final dos anos 90 fiz uma palestra no Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, no Rio de Janeiro, acerca das desgraças produzidas pelo narcotráfico na “Cidade Maravilhosa”, que se tornou incontrolável depois do ciclo populista dos dois governos de Leonel Brizola.

Alertava, na época, para o risco de o Brasil se tornar palco do crescimento de grandes cartéis de drogas em decorrência do vácuo que o populismo abriu em matéria de segurança pública e também como consequência do vazio econômico provocado pela insegurança jurídica ensejada pelo “socialismo moreno” do caudilho gaúcho, que fez mais de 800 empresas abandonarem o Rio de Janeiro quando da primeira administração brizolista, que começou em 1983, à sombra da retórica socialista das “perdas internacionais” que o capitalismo teria trazido ao País. Brizola, efetivamente, deu o grande passo em matéria de abrir espaço para o crime organizado, ao pregar que a polícia não subia em morro. Os traficantes ocuparam rapidamente o vácuo aberto e, orientados pelos meliantes colombianos, começaram a adquirir armamento pesado. Data daí a explosão da violência que o narcotráfico ainda impõe aos cidadãos cariocas.

O empurrão inicial dado pelo brizolismo ao narcotráfico no Rio veio ser potencializado, em nível nacional, pelos 13 anos de populismo lulopetista, que simplesmente abriram as portas para o mercado de tóxicos no Brasil. Lula, no palanque em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, com Evo Morales, no início do seu primeiro governo, ostentando no peito um colar feito de folhas de coca: foi essa a imagem que percorreu o mundo do narconegócio, indicando o “liberou geral” dos petistas para a produção e a distribuição das drogas. Rapidamente o Brasil viu aumentar de forma fantástica a entrada de pasta-base de coca boliviana. O cocalero Evo Morales não fez por menos: ao longo dos governos petistas, simplesmente duplicou a extensão que os bolivianos dedicavam ao cultivo da folha de coca, a fim de destinar a maior parte da produção ao mercado de tóxicos brasileiro.

Resultado: viramos mercado para a droga, ao mesmo tempo que nos firmamos como corredor de exportação de narcóticos para a Europa. Do mercado americano, cada vez mais próspero, os nossos meliantes deixaram que cuidassem os mexicanos, que ocuparam rapidamente o vácuo deixado com a morte de Pablo Escobar, em 1993. As coisas facilitaram-se enormemente para os traficantes da América do Sul com a instauração, na Venezuela chavista, de um autêntico narco-Estado, que passou a proteger a narcoguerrilha colombiana das Farc e intermediou a compra de armas (lembremos que Fernandinho Beira-Mar era um dos elos da cadeia de aquisição de armas em troca de cocaína no mercado americano e também no Brasil).

O corredor brasileiro de exportação de cocaína transladou-se do Centro-Sul do País para as desguarnecidas cidades do Norte e do Nordeste, carregando consigo a sua procissão de assassinatos e violência generalizada, que explodiu nessas regiões. A África Ocidental, ocupada por narco-Estados, passou a ser a nova fronteira a ser atingida pelos traficantes brasileiros. Mas o Brasil virou também, como previam os mafiosos italianos no final dos anos 1980, um próspero mercado para o consumo de entorpecentes.

Segundo a pesquisa divulgada pela revista Veja (na edição citada no início deste artigo), o Brasil tem 2 milhões de viciados em cocaína, 1 milhão de dependentes de crack e 1,5 milhão de usuários de maconha. Esses consumidores regulares de tóxicos garantem ao PCC um lucro que, como frisei anteriormente, chega hoje aos R$ 20,3 bilhões por ano. Vai ser difícil nos desfazermos dessa indústria da morte, hoje plenamente estabelecida e que funciona pelo País afora, dinamizada pela enorme e abandonada população carcerária (que já chega a 550 mil indivíduos), dominada em sua maioria pelo PCC. Um verdadeiro exército da morte, que espalha assassinatos nos presídios e em todos os cantos do Brasil! Mais uma herança perversa do populismo brasileiro.

Abre-se, pois, nova frente para desmontarmos o descaso aberto no País pelo populismo. Mas é melhor agirmos enquanto é tempo. O PCC já mostrou que tem bala na agulha.

O Brasil de Temer começa a andar nos trilhos?

Foi Lula quem afirmou, ainda com Dilma no poder, que o trem do Brasil “havia descarrilado” e que seu partido em crise, o Partido dos Trabalhadores (PT), precisava “ser refundado”.

Depois disso, em pouco tempo o Brasil deu muitas voltas: Rousseff saiu do poder e também do noticiário. Lula é réu em três processos, e o PT, sangrado nas últimas eleições, procura caminhos novos para se fortalecer.

Temer, durante seis anos o vice-presidente decorativo de Dilma Rousseff, considerado por ela um traidor, assumiu as rédeas do país sob uma avalanche de polêmicas.

Eduardo Cunha, o então poderoso presidente da Câmara que abriu o processo de impeachement contra Dilma e ganhou, hoje está preso e provavelmente assim permanecerá por muitos anos. Isso, sim: continua sendo uma ameaça viva.

Charge (Foto: Miguel)

Hoje estamos no trem de Temer, sem saber ainda com certeza se ele será capaz de colocar o país novamente nos trilhos.

Há quem prefira apostar no pior. Esquecem que os Governos passam, mas o Brasil continua vivo e com vontade de triunfar.

Os cidadãos comuns veem com bons olhos que políticos e empresários estejam pagando por seus crimes de corrupção, habituados que estavam a que fossem intocáveis.

Vivem seu dia a dia, empenhados no seu trabalho e em recuperar sua abalada economia, sempre sob o calafrio do fantasma do desemprego, que já golpeia 12 milhões de trabalhadores, ou seja, cerca de 40 milhões de pessoas.

Assim, observam o horizonte a cada manhã para descobrir algum sinal de esperança e de recuperação da crise econômica que diminuiu sua renda. Isso lhes preocupa mais que os possíveis sobressaltos da democracia. Equivocam-se, porque não existe prosperidade sob nenhuma tirania, nem de direita nem de esquerda, mas eles não têm tempo nem instrumentos para entender isso.

Se nos perguntarem, como me perguntam muitos trabalhadores desses que não leem jornais, se as coisas estão melhorando ou piorando, não devemos enganá-los. Temos que lhes dizer que, embora ainda não existam certezas, observam-se, como nota a imprensa internacional, sinais de que o trem Temer começa a andar nos trilhos, embora ainda seja cedo para cantar vitória.

Começam a ser encaminhadas, de fato, reformas estruturais às quais ninguém antes se atreveu, mas que são indispensáveis para que a economia comece a respirar. E se reconstruiu a base do Governo no Congresso, algo que Rousseff nunca conseguiu.

Os juros bancários, os mais altos do mundo, começaram a baixar depois de quatro anos. A inflação, o flagelo dos mais pobres, começa a dar sinais de queda. A Bolsa sobe e o dólar cai, fortalecendo a moeda nacional. E a confiança da sociedade em que as coisas começarão a melhorar chega a 30%, um índice superior aos do último ano de Dilma.

O novo Governo, que muita gente dentro do Brasil ainda considera ilegítimo, começa a ser reconhecido pelos países mais importantes do planeta. E os embaixadores que haviam sido retirados na sua grande maioria já retornaram.

Onde estão as manifestações de massa contra Temer, contra o “golpe” ou a favor de Dilma?

Ainda não há motivos para soltar fogos. O Governo Temer tem agora sobre si a espada de Dâmocles da incógnita de uma possível confissão devastadora de Cunha na prisão.

O fato é que o Brasil não está pior do que seis meses atrás. E, em tempos de tempestade, mesmo que seja apenas raio de sol despontando no horizonte, isso já alivia as esperanças destroçadas pelo tsunami que os brasileiros viveram.

Agora, cada dia consiste em despertar e observar o céu para ver se as nuvens continuam a se dissipar, ou se a tormenta voltará a ganhar força.

O som de 'Silêncio'

A literatura da distopia

Foram necessários romances que mostravam bárbaros regimes totalitários, fábulas com porcos, gangues violentos, controle biológico, uso indiscriminado de drogas e queima de livros para finalmente entendermos como era impraticável o modelo de utopia construído há alguns séculos atrás. Por isso são tão importantes os autores de "1984", "Laranja Mecânica", "Admirável Mundo Novo" e "Farenheit 451".

Como vimos no já publicado A Literatura da Utopia, as tentativas de adequação do presente para alcançar uma sociedade perfeita acabaram por desencadear uma desordem na organização racional do mundo. Muitas vezes, fizeram-nos viver submetidos a valores distorcidos e no risco de uma eterna aceitação de factores hostis que são meio para um fim que parece justificá-los: a perfeição.
Ao perceberem isso, autores como Aldous Huxley e George Orwell resolveram desconstruir os conceitos de utopia existentes. Segundo eles, a moralidade humana não conseguiria seguir uma evolução tão ligeira e, mesmo nos casos em que as sociedades perfeitas são alcançadas, a personalidade corrompida do homem colocaria tudo a perder.

As chamadas distopias podem ser entendidas filologicamente como "utopias negativas". Este neologismo foi cunhado por Gregg Webber e John Stuart Mill num discurso ao Parlamento Britânico em 1868: "É, provavelmente, demasiado elogioso chamar-lhes utópicos; deveriam em vez disso ser chamados dis-tópicos, ou caco-tópicos. O que é comumente chamado utopia é demasiado bom para ser praticável; mas o que eles parecem defender é demasiado mau para ser praticável."

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Cena de "Laranja mecânica", de Stanley Kubrick
Na literatura, as utopias sempre possuem raízes no presente e são taxadas como o caminho ideal a ser seguido - mesmo que impraticável. Nas distopias, não há qualquer ligação com o presente: partem da utopia já alcançada. Nelas, os problemas actuais seguiram como que camuflados pela perfeição aparente e, a certo momento, eclodem da forma mais bruta. Estes romances geralmente são contados do ponto de vista de uma personagem consciente imersa na estupidez colectiva. São explorados recursos como a coerção física e moral, o uso de drogas e robots e o monopólio do conhecimento, todos agindo de forma directa na contenção socialA actual idolatria ao género literário pode ser explicada pela crescente visibilidade da política de esquerda no âmbito contemporâneo. Vários dos autores desta "escola" foram activistas políticos da oposição e deixaram claros seus fundamentos no pensamento Marxista. George Orwell, por exemplo, conviveu muito tempo com pobres e operários. Apesar de odiar os conflitos entre os partidos de esquerda, dizia-se socialista e simpatizante de partidos anarquistas. Conseguiu se tornar um crítico de sua própria ideologia:as suas magnum opus são 1984 e A Revolução dos Bichos (O Triunfo dos Porcos, em Portugal); na primeira retrata um regime totalitário que, através de constante supervisão e monopólio da História, constrói uma sociedade colectivista auto-punitiva; no segundo, uma sátira directa ao stalinismo mostra que o governo do Estado sempre será susceptível às fraquezas humanas, desmembradas pelo carácter sedutor do poder.
Outros autores também levantaram questões que hoje se mostram mais presentes do que nunca. Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo - escrito num período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial -, descreveu um futuro hipotético onde estaríamos aprisionados pela obrigação de bem-estar, seja através da divisão social, do uso indiscriminado de drogas reguladoras ou do controle biológico - uma espécie de eugenia. Isso numa época onde tentativas de clonagem e fertilização in vitro não passavam de experiências fracassadas.


Anthony Burguess, em Laranja Mecânica (obra imortalizada no cinema por Stanley Kubrick, em 1971), via, num futuro indeterminado, que a predisposição humana à violência não acompanharia o ritmo da evolução intelectual, o que resultaria num colapso da sociedade e esdrúxulos e impositivos métodos de contenção psicológica desta característica "primitiva" baseado no Método Ludovico, uma espécie de behaviorismo radical levado ao extremo.

Ray Bradbury, autor de Fahrenheit 451 (adaptado com louvor por François Truffaut, em 1966) formula um futuro onde a principal arma de opressão utilizada pelo Estado é a censura dos livros, o que faz da televisão o único (e manipulado) instrumento de informação e diversão. É um ensaio sóbrio (ainda que fantástico) sobre a censura e os limites entre entretenimento e alienação que meios de comunicação em massa devem respeitar.

Discutir os problemas sociais atuais através de romances satíricos muito bem elaborados foi o recurso que muitos autores utilizaram para chamar a atenção para os problemas que a eterna busca pela sociedade perfeita encara. Os já considerados clássicos da literatura moderna revolucionaram a forma como pensamos, enxergamos e lidamos com o destoamento da utopia para onde a sociedade caminhava. Há quem diga, inclusive, que já estamos inseridos em distopias tais quais nos livros."

Sergio Coletto

Moro e a morosidade da Justiça

Fosse eu governo, daria um pouco mais de atenção aos indicadores econômicos do trimestre em que Michel Temer assumiu o comando do navio. Eles mostram claramente que a sociedade ainda está muito refratária ao tal “clima” de melhorias anunciadas pelo governo, como reduções de tarifas que não chegam ao consumidor ou alívios que não aliviam nada. Apesar da sinalização quase despercebida de que demos um cavalo-de-pau na rota de colisão em que nos encontrávamos, não parece que a economia tupi-guaraná tenha finalmente saído do atoleiro em que se encontra já há tanto tempo. A meu ver, a razão é simples. Não basta sinalizar o caminho; é necessário começar a percorrê-lo.

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Não duvido que haja em setores do governo ─ e também da sociedade ─ gente que acha que um bom final para essa novelinha bolivariana é que a Famiglia Lula vá se exilar na terra dos cassinos e nos deixe em paz, para trabalharmos feito burros de carga para o próximo bando de ladrões que se apresentar na cédula eleitoral em 2018. Não faltam gangues no horizonte formado por 35 partidos de plástico que ostentamos por aqui, todos prontos para dar forma e substância para mais um golpe da esquerda marreta e seus comensais do erário, todos ávidos por voltarem a “uma boquinha pública e uma bandeirinha enfiada na cueca” que tanto os delicia na vida.

Nessa toada, o governo será governo se enfrentar esses escombros do socialismo pilantra e suas raízes na coisa pública. A sociedade vem deixando isso bem claro ao surrar o candidato mineiro e consagrar o paulista na campanha municipal onde os tucanos têm poleiros. Estamos todos fartos de sustentar picaretas. O sinal de que precisamos para saber que este país ainda tem justiça, leis e hierarquias que vale a pena defender é o fim da morosidade generalizada com que os entes públicos atacam o problema. Mirem-se no exemplo do juiz Sergio Moro, meus caros. Mirem-se no exemplo do próprio Temer. Há uma montanha de escombros à frente. Vamos arregaçar as mangas e fazer valer o carguinho público em que cada um está sentado?

Imagem do Dia

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Parque Nacional de Yorkshire Dales (Inglaterra)

Polícia versus política

A política brasileira continua refém da polícia. A prisão de Eduardo Cunha reabriu o leque de especulações punitivas, que vão de Lula a Michel Temer. A caixa preta de Cunha é a porta de entrada da Lava Jato no PMDB, sucessor e velho parceiro do PT, no poder e no delito – sobretudo no delito. Mas não é só Cunha, claro.

Há múltiplas delações premiadas em curso, de empresários, doleiros e operadores, algumas já concluídas, acrescentando novos dados e personagens aos crimes de rapina, perpetrados ao longo dos últimos 13 anos e meio contra o Estado brasileiro.

Não se sabe o que daí ainda virá, mas sabe-se que a Lava Jato está longe de seu fim, e recentemente obteve prorrogação de um ano em suas investigações. Mas o que se sabe já convulsiona a República.


Há, entre os infratores, além da cúpula do governo anterior, personagens que, nesse período, figuraram na oposição (tucanos, inclusive), e ainda os que estavam e continuam na situação – isto é, gente do PMDB. Tudo isso, claro, gera instabilidade política, com reflexos na economia. Quem quer investir num campo minado?

A hipótese de Michel Temer vir a ser atingido direta ou indiretamente por essas revelações não é remota. Já teve de demitir ministros e é possível que haja outros na fila. Como se não bastasse, há o processo contra a chapa eleitoral em que figurou ao lado de Dilma. O ministro Luiz Fux, do STF, considerou possível que, no processo em curso no TSE, Temer possa se dissociar de Dilma.

A jurisprudência, no entanto, vai em sentido contrário, o que daria ao fatiamento das campanhas um selo de casuísmo, enfraquecendo ainda mais a autoridade moral do atual presidente, que ainda corteja sem êxito a simpatia da opinião pública.

O legado econômico do PT é devastador. A PEC 241, que estabelece o teto de gastos públicos, nada mais é que o retorno à lógica contábil, em que só se gasta o que se tem. E é um desafio ao gestor, que terá de estabelecer o que de fato é prioridade.

Se, por exemplo, estivesse em vigor no início do governo Dilma, o Brasil não teria promovido nem a Copa do Mundo, nem as Olimpíadas, a menos que as considerasse (como as considerou) mais prioritárias que educação, saúde, segurança, programas sociais, obviamente prejudicados por gastos adicionais nada modestos.

O resultado aí está: R$ 170 bilhões de déficit no orçamento do próximo ano, 12 milhões de desempregados e milhares de empresas fechadas. Não basta, porém, dar racionalidade às contas. É preciso que o governo sinalize com alguma estabilidade. E é impossível fazê-lo quando abriga ainda gente sob suspeita, alguns já citados nas investigações policiais. O país quer tanto a estabilidade quanto o saneamento moral de sua classe dirigente.

No momento, porém, essas coisas colidem - e não há como excluir uma em favor da outra. A prisão de Cunha não terá resultados imediatos. É óbvio que ele irá delatar, já que não pretende ver mulher e filha presas, nem passar o resto da vida na prisão.

Mas a delação é precedida de negociações, em que o delator tem de provar a utilidade do que delatará. Cunha chega com a maior parte de sua história já conhecida. Mas a parte que resta, e que envolve nomes graduados, pode fazer a diferença.

Resta saber o que ele está disposto a contar. E aí a Praça dos Três Poderes balança. Ele é não apenas um arquétipo do político brasileiro contemporâneo, mas alguém que se tornou íntimo das altas esferas do poder, desde os tempos de Collor de Mello.

Lidou com a esquerda, a direita, o subsolo e a sobreloja. Foi sempre um personagem de segundo escalão, alçado ao primeiro exatamente por quem mais hoje o critica: o PT.

Sua prisão foi vista como preâmbulo à de Lula, o que não é necessariamente verdade. A situação de Lula envolve outro roteiro, cujo timing só a Força Tarefa conhece, mas cujo conteúdo foi antecipado na célebre entrevista dos procuradores, há um mês.

Lula foi considerado chefe da organização criminosa que promoveu o assalto à Petrobras e a outras estatais em mais de duas décadas de exercício do poder. Cunha é peixe pequeno diante disso. O que têm em comum é uma conversa agendada com o juiz Sérgio Moro, em que o veículo disponível é um camburão. Cunha já foi.

Compra às claras e há muito

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Com o Bolsa Família, generalizado, querem um modelo de fidelização que pode levar à eternização no poder. A compra de voto agora é institucionalizada (com o programa)
Gilmar Mendes, ministro do STF

O grileiro dos Jardins

O maior desmatador da história recente da Amazônia é filho de um rico e tradicional pecuarista de São Paulo. Ele próprio operava sediado no bairro dos Jardins, na capital. Até ser preso, comandava um esquema sofisticado de desmatamento, grilagem e falsificação no Pará, que contava até com profissionais de geoprocessamento para enganar os satélites de monitoramento. Denunciado por índios, o caso levou a recente operação conjunta entre o IBAMA, a Polícia Federal, o Ministério Público e a Receita Federal, revelando detalhes sobre como hoje se organiza o crime na expansão da fronteira agropecuária amazônica.

Área desmatada ilegalmente
Era fevereiro de 2014. Luciano Evaristo, Diretor de Proteção Ambiental do IBAMA, chegava na garagem da sede da instituição em Brasília e conseguia ouvir um burburinho alto vindo do escritório. Dentro de seu gabinete, pintados para guerra, mais de trinta índios kayapós esperavam por ele com arcos e flechas. Luciano teve o cuidado de pedir que depositassem as armas antes de começarem a conversa.

O Plano Básico Ambiental (PBA) do licenciamento da rodovia BR-163, que liga Cuiabá (MT) à Santarém (PA), dá aos kayapós da Terra Indígena Mekrãgnoti, o direito a receber recursos do governo para compensação de impactos decorrentes da obra. Em 2014, desconfianças do governo de que os índios estariam desmatando no entorno da Mekrãgnoti levou a retenção desta verba. Os índios não eram os culpados pelo desmatamento, mas eles sabiam quem era. Foram até Brasília a procura de Luciano Evaristo para denunciar um criminoso.

“A conversa foi dura”, relembra Luciano. Tão logo os kayapós se foram, ele tratou de levantar as imagens de satélite da região em busca das áreas alvo das denúncias. “Não achei nada nos satélites que indicasse operação de desmatamento em larga escala”. Ainda assim, resolveu confiar nos índios. Luciano desembarcou em Mekrãgnoti em abril de 2014. Lá, um grupo de lideranças kayapós se uniu à equipe de fiscalização do IBAMA. Usando um sistema de radioamadores para repassar informações entre si - sinal de telefone celular não pega - os índios já haviam mapeado a localização de acampamentos de desmatadores na floresta.

Encontraram 18 acampamentos. Somados, foram embargados 14 mil hectares. “A maior área já encontrada pelo IBAMA aberta por empreitada de um só infrator ambiental na floresta amazônica”, conta Luciano. A ação ficou conhecida como Operação Kayapó. Presos 40 trabalhadores, logo muitos começaram a falar. Um mesmo nome, então, se repetia. Começava aí a investigação que uniu instituições e resultou, pela primeira vez, na prisão de um chefão do crime operando na floresta.

O maior desmatador da história recente da Amazônia é filho de um pecuarista milionário de São Paulo. Antônio José Junqueira Vilela Filho – o AJJ Vilela, vulgo Jotinha, nasceu e cresceu em um império bovino montado pelo pai, Antônio José Junqueira Vilela. Junto com a família, Jotinha operava um esquema sofisticado que envolvia desmatamento em série, grilagem de terras públicas, lavagem de dinheiro, falsificação e trabalho escravo no Pará.
"Em São Paulo, empresas de fachada serviam para que o grileiro movimentasse as altas quantias de dinheiro que iam para financiar a atividade ilegal de desmatamento, ou servir de crédito para atrair compradores das terras griladas"

O nome de Jotinha começou a circular pelas páginas de embargos do IBAMA no Pará nos idos de 2009, embora ligado a áreas desmatadas menores. Foi entre 2012 e 2014, revelam as investigações, que as motosserras de Vilela Filho trabalharam sem descanso. Ao serem presos, ele e seus parceiros acumulavam denúncias de destruição que somavam 30 mil hectares de floresta no município de Altamira (PA), área equivalente ao território de cidades como Fortaleza (CE) ou Belo Horizonte (MG).

A operação Rios Voadores, que prendeu a quadrilha, foi deflagrada em 30 de junho de 2016, após dois anos de quebras de sigilo bancário e interceptações telefônicas. No dia D, contou com um efetivo de 95 policiais federais, 15 auditores da Receita e 32 servidores do IBAMA, distribuídos pelos estados de Pará, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. A Justiça Federal de Altamira expediu 52 medidas judiciais, entre 15 prisões preventivas e mandados de busca e apreensão.

Jotinha, primeiro considerado foragido, apresentou-se à justiça uma semana depois. Dias após a operação, escutas telefônicas interceptaram Ana Luiza Junqueira Vilela Viacava, irmã de Jotinha, que passava férias nos Estados Unidos, coordenando de longe a ocultação e destruição de provas contra o irmão. Ana Luiza foi presa ao desembarcar de viagem. Os três filhos de Antônio José Junqueira Vilela - Jotinha, Ana Luiza e Ana Paula - todos acusados de participar do esquema, são figurinhas fáceis da noite paulistana. A família circula entre celebridades e políticos. Na internet é possível achar menções a eles em colunas sociais, frequentando eventos exclusivos e recebendo vips para festas em mansões no bairro dos Jardins, de classe média alta em São Paulo. Ana Luiza leva o sobrenome Viacava do marido Ricardo. A família Viacava é de igual peso na história da pecuária brasileira e seus patriarcas são amigos de longa data. Ricardo Viacava, além de cunhado, era o braço direito de Jotinha na operação criminosa.

Vilela Filho é hoje o homem que recebeu o maior valor em multa aplicada a um só infrator ambiental – R$ 119,8 milhões, somadas em dez autos de infração referentes à Operação Rios Voadores. Ele é acusado de movimentar o equivalente a R$ 1,9 bilhão entre 2012 e 2015, em operações ilegais. Legou à sociedade, segundo os cálculos do IBAMA, um prejuízo ambiental estimado em R$ 420 milhões.

Cunha juntou-se aos seus

Afeito ao debate político, sei que sempre há quem busque convencer e vencer sem ter razão. Os meios para alcançar esse resultado foram estudados por Arthur Schopenhauer, que listou 38 estratagemas úteis a tão torpe objetivo. O último na lista do autor e o mais vil de todos na minha opinião, é aquele em que o debatedor, sentindo-se perdido, deixa de lado o tema e passa a atacar a pessoa de seu adversário. Schopenhauer dá a isso o nome de argumentum ad personam. Recentemente, os adjetivos fascista, coxinha, golpista, direita raivosa, cumpriram esse objetivo. Idêntica intenção motivou a associação, tão insistentemente apontada quanto falsa, de que o impeachment era uma iniciativa de Eduardo Cunha apoiada por gente como ele. O inverso também não é verdadeiro.

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O tema era outro e os fatos não foram esses. Em março de 2015, a nação saiu às ruas clamando contra a corrupção e pelo impeachment de Dilma, dando origem às dezenas de requerimentos nesse sentido que se acumularam sobre a mesa de Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados. Durante o ano inteiro, Cunha os reteve, a oposição se conservou irresoluta, e o PT não se defendeu das denúncias, delações e investigações da Lava Jato. Em vez disso, preferiu atacar os manifestantes, acusando-os de terem, pelo velhaco Eduardo Cunha, os mesmos sentimentos de amor sem medida nem juízo que os petistas mantinham e mantêm por Lula e seus comparsas.

Cunha não era líder nem modelo de coisa alguma para os milhões de famílias brasileiras que clamavam às instituições em inolvidáveis e pacíficas concentrações cívicas. Ele era apenas o sujeito que tinha na mão a caneta que podia fazer andar o processo. E note-se: fez o possível e o impossível para esfriar as manifestações. Ao insistir na tese de que o impeachment não era uma iniciativa do povo nas ruas, mas um plano de Eduardo Cunha, o PT cuidava de transferir ao procedimento a improbidade do infame presidente da Casa.

A história haverá de registrar que há apenas sete meses, no domingo 13 de março deste ano, deputados, senadores, ministros do STF, dirigentes de partidos políticos e demais membros da cúpula do Estado brasileiro, acomodaram-se em seus sofás para assistir as manifestações pelo impeachment. Se fossem pouco expressivas, ele estaria cancelado. O que testemunharam, porém, foi o rugido das avenidas e praças do Brasil, a assombrosa mobilização de 6 milhões de cidadãos cobrando deles, em seus sofás, o cumprimento dos respectivos deveres. Ali Dilma perdeu o mandato. Além da motivação por crime de responsabilidade, sobrava motivação política. Eduardo Cunha? Ora, o Cunha! Juntou-se aos seus. Ele foi o estafeta do requerimento e o 38º artifício petista contra a vontade soberana da comunidade nacional.

Nesta semana, foi fornecida e autenticada a prova de que o povo brasileiro vale muito mais do que imagina quem jogou o país na sinistra situação em que se encontra. Só entre os membros da organização criminosa, em qualquer lado do balcão, a prisão de Cunha causou taquicardia e hipertensão arterial. A população? Ah! A população festejou o evento. Vibrou com a iniciativa de Sérgio Moro, naquelas horas em que o solitário ex-presidente da Câmara seguia para Curitiba. E uma lufada de ar mais puro varria os céus da República.

Percival Puggina