domingo, 29 de novembro de 2015

PF DE BELEM PW 27 11 15

O terremoto de todos os dias

A crônica judicial vai levando os brasileiros diariamente de susto em susto, de incredulidade em incredulidade. A detenção pela primeira vez, e respaldada pelo Supremo, de um importante membro do Senado da República como Delcídio do Amaral, uma peça-chave do governo e do Partido dos Trabalhadores, junto com a do banqueiro André Esteves, símbolo do setor mais sofisticado e moderno dos bancos, foi um sério golpe na consciência da sociedade desorientada e amedrontada, ao descobrir que existem “organizações criminosas” no coração do Estado.

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O Brasil está vivendo, de fato, um momento crítico e grave, difícil de definir e de contar dentro e fora do país. É uma mistura de terremoto político, cujo epicentro se encontra nos próprios fundamentos da República, e de esquizofrenia que impede a sociedade de entender se está vivendo na realidade ou no imaginário.

Um país que festejava há apenas dois ou três anos uma ascensão econômica e social inédita, inveja até de países desenvolvidos, que chegou a sonhar em sentar-se à mesa dos que dirigem os destinos do mundo, vive hoje uma espécie de miragem.

É como se, de repente, tivesse acordado de um sonho para tocar com a mão que a realidade crua e nua é muito diferente. O Brasil está gravemente doente politicamente.

E como no simbolismo da esquizofrenia, a sociedade se pergunta se a classe política vive na realidade, ou se se perdeu no marasmo de suas próprias alucinações e ilegalidades.

A prisão do senador Amaral, que foi uma das figuras que se distinguiu por seu senso crítico na já famosa CPI dos Correios, e que chegou a conquistar por isso o aplauso das ruas, é mais significativa e grave, se cabe, pela trama que estava tecendo na sombra da ilegalidade segundo as duras palavras do magistrado Mello, do Supremo: “O contexto que emerge do caso revela um fato muito grave: a captura do Estado e das instituições do governo por uma organização criminosa”.

Do santuário do Senado, que deveria representar a alma e a consciência dos Estados do Brasil, e do templo laico dos bancos mais sofisticados, simbolizada no jovem Esteves, que encarnava o sonho dos brasileiros aspirantes a milionários, surgem acusações de formação de uma equipe do crime.

Não deverá isso soar como um ataque de esquizofrenia aos cidadãos honrados, que amam este país, que se sacrificam para fazê-lo crescer e amar fora de suas fronteiras?

Já há quem se pergunte se com essas duas prisões simbólicas e reveladoras o tumor político é mais grave do que se imaginava, se se terá ou não chegado ao fundo do poço das responsabilidades que a sociedade tem o direito de exigir.

Os analistas brasileiros e internacionais se cansam de afirmar, todo dia, que a crise que agita este país continente é muito mais política que econômica. Mas os brasileiros estão sofrendo em sua carne, começando pelos mais fracos, uma crise econômica engendrada na corrupção da classe política que aparece atuar pelas costas da sociedade.

Uma classe política enredada cada dia mais em um novelo de ilegalidades e traições inconfessáveis que vai alargando o abismo aberto entre o Brasil real e o político, o Brasil que tem tudo para poder crescer e o que vai carcomendo e debilitando os fundamentos da República, sem que se vislumbre no horizonte uma saída para a catástrofe.

No meio dessa incredulidade, diante dos desmandos que a cada dia aparecem mais próximos do coração do poder, existe um perigo e uma esperança.

O perigo é que a sociedade perca sua capacidade de reação e renuncie a defender a república e suas instituições democráticas, reforçando assim a cobiça dos corruptos.

A esperança é que a lama da ilegalidade política que paralisa um país dinâmico como o Brasil chegue a tal ponto de gravidade que a realidade das coisas se imponha e force uma mudança que devolva a ilusão perdida e faça justiça aos brasileiros que, hoje envergonhados, não desistem de sonhar com dias melhores para eles e, sobretudo, para seus filhos.

Não, as instituições não vão bem

Motivo de loas ao vigor das instituições, a ordem de prisão do petista e líder do governo Delcídio do Amaral, expedida pelo Supremo, escancarou exatamente o inverso: o avanço da deterioração do Estado brasileiro. Rouba-se, saqueia-se, extorque-se em todo lugar. Nada funciona, exceto o poder de polícia - ações pontuais da Justiça, do Ministério Público e da PF.

Como praga, a degradação alastrou-se pelo Executivo em cada canto, cada ato, cada palavra. Nas mentiras ditas pela presidente Dilma Rousseff e pelo ex Lula, em cada negociata que ambos afirmam desconhecer. Multiplicou-se nos ministérios, nas autarquias e nas estatais, nas joias da coroa como Petrobras e Eletrobras, no Banco do Brasil, enrolado no mensalão, no BNDES, e sabe-se lá onde mais.

Corroeu o Parlamento. Fez com que a política se tornasse ambiente impróprio para gente de bem. Maleficio dos malefícios, até porque a política é a única saída para qualquer e todas as crises. E há gente de bem que a ela se dedica.

O Judiciário também tem lá suas fraquezas. Ao mandar prender poderosos, recebe efusivos aplausos por fazer valer o princípio básico de que a justiça é igual para todos. Ainda assim, não consegue inseticida suficiente para exterminar todos os insetos contaminam algumas de suas partes. E mais: o mesmo Supremo que dá orgulho exige aumentos abusivos sem lastro na economia do país, briga por regalias no topo e pouco distribui à base. As varas judiciais que recebem bilhares de demandas do cidadão comum continuam entupidas, não raro sem recursos para fazer o mínimo. Isso sem contabilizar denúncias de malversação que pairam sobre vários tribunais.

Ao contrário do que seria saudável e lógico em uma democracia, tanto nos poderes Executivo quanto no Legislativo – e até no Judiciário - pessoas falam mais alto do que as instituições.

Durante o julgamento do Mensalão, o então presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, se fez maior do que a Corte. Hoje, muitos acham que a Lava-Jato não existiria sem a obstinação do juiz Sérgio Moro. Ou seja, o crédito e a confiança estão em pessoas, não nas instituições.

Mesmo flagrado com contas na Suíça e explicações fajutas para o inexplicável, Eduardo Cunha continua comandando a Câmara dos Deputados. E o reincidente presidente do Senado, Renan Calheiros, também investigado pela Lava-Jato, se mantém em alta. No governo e junto aos colegas, que não pouparam reverências a ele na condução da sessão em que se apreciou a manutenção da prisão de Delcídio.

Fiel ao governo, à interpretação que fez da Constituição e do regimento interno e, principalmente, ao seu pescoço, Renan decidiu que a votação seria secreta. Mas teve de se render. Antes de revelar o placar final e já ciente de qual seria o resultado, direcionou suas baterias contra a intervenção do STF, que acabara de deferir liminar pró-voto aberto.

No alvoroço do final da sessão, quando todos exigiam a exibição dos resultados, a fala da senadora Rose de Freitas resumiu, de forma dramática, o estado das coisas. “Hoje, em todo momento, em qualquer lugar, sentado aqui, sentado ali, nós nos deparamos com alguém que está sendo indiciado, exatamente por usar o poder a seu favor ou de uma circunstância que lhe favoreça.”

Ao lembrar que o Senado não cumpre com as suas tarefas mínimas, a parlamentar disse o que ninguém na República diz: “a culpa é nossa”. E prosseguiu: “O que estamos fazemos agora, sem a menor preocupação de como sair dessa crise, de como ajudar o povo brasileiro, votando quando achamos que devemos votar, empurrando a pauta prioritária quando queremos empurrar. Nós estamos errados!”.

O discurso da senadora não frequentou os noticiários da internet, do rádio e da TV, nem as páginas dos jornais, obviamente ocupadas pelos detalhes do escândalo Delcídio. Mas dar consequência a ele faria bem às instituições, à democracia, ao país.

E não há como consertar qualquer coisa sem reconhecer que ela está quebrada ou estragada. Sem assumir erros.

A lama tóxica da política

A pergunta é recorrente: depois dos milhões do mensalão, dos bilhões do petrolão, da lama tóxica que escorre pelo rio Doce, matando a vida marinha, das prisões do senador Delcídio Amaral e do banqueiro André Esteves, com origem na lama moral que escapa dos dutos da Petrobras, correremos o risco de ver nova enxurrada de corrupção? Para sermos mais precisos, a campanha eleitoral de 2016, voltada para a eleição de 5.568 prefeitos e cerca de 60 mil vereadores, usará, mais uma vez, recursos ilegais, dinheiro por baixo do pano, falcatruas e outros meios tradicionalmente manipulados por candidatos? Infelizmente, a resposta é sim. Mesmo que a batelada de candidatos tenha a porteira fechada para doações de recursos por parte de pessoas jurídicas.


A confirmação do uso de Caixa 2 se ancora em alguns fatores. Primeiro, não se muda a cultura política por decreto. Não será da noite para o dia que sairemos da barbárie em matéria de campanha eleitoral para um avançado estado civilizatório. Segundo, o Judiciário e o Ministério Público, mesmo com seus sistemas de controle, investigação e decisão mais apurados e tempestivos, não serão suficientes para barrar as correntes de corrupção que se espalham nas três instâncias da Federação. Como bem lembra o juiz Sérgio Moro, sem a consciência da representação política, o que a Justiça faz para conter a corrupção equivale a uma pregação no deserto. Ele está certo. A corrupção é mazela arraigada no ethos nacional, desde os tempos primeiros da colonização. Pode diminuir, como se espera, mas não será extirpada in totum. Haverá sempre um amigo aqui, outro acolá, dispostos a ceder meios de transporte, combustível, a ajudar os amigos candidatos com material gráfico etc.

Portanto, as campanhas municipais ainda contarão com a alavanca de empuxo principalmente nas áreas de logística, trabalho de campo (cabos eleitorais) e materiais gráficos. O que se pode garantir é a maior transparência dos processos, um poder crítico mais agudo, que deverá transparecer na denúncia de campanhas ricas e exuberantes, no apontamento de exageros nas estruturas e equipes que trabalharão para os candidatos. Teremos uma campanha mais curta, em um tempo de 45 dias, com 35 dias de propaganda eleitoral. Esse encurtamento já será um passo adiante, eis que os postulantes poderão aproveitar melhor o tempo( curto) para expor seu pensamento e cortar os trololós da linguagem tatibitate( monocórdica, onomatopéica, evasiva) geralmente adotada.

Em suma, no centro dos lamaçais que escorrem pelos vãos da República, continuaremos a conviver, apesar de em quantidades menores, com manobras espúrias e incestuosas entre protagonistas da política. Norberto Bobbio, em seu clássico “O Futuro da Democracia”, já dizia que o poder invisível é uma das promessas não cumpridas pelos sistemas democráticos. Esse poder consiste nas ações incontroláveis de grupos que agem nas entranhas da administração pública, dando formato a um duplo sistema de poder, chegando, em certos momentos, a “peitar” a estrutura formal de mando. Exemplo ocorre quando a presidente da República ou seu antecessor dizem que nunca souberam de corrupção na esfera da Petrobras.

O fato é que esse poder age nas sombras da administração. Sua origem se localiza nos Estados absolutos, quando as decisões eram tomadas pelos arcana imperii, autoridades ocultas que se amparavam no direito de avocar as grandes decisões políticas, evitando a transparência do poder. Um dos princípios basilares da democracia é o jogo aberto das ideias, o debate, a publicidade dos atos governamentais, formas de controlar os limites do poder estatuído. No absolutismo, o princípio consistia na tese de que é lícito ao Estado o que não é lícito aos cidadãos. Nossas democracias representativas conservam contrafações do autoritarismo, entre as quais a capacidade de confundir o interesse geral com o interesse individual ou de grupos, a preservação de oligarquias e as redes invisíveis de poder.

Os fenômenos se expandem criando novos tipos de ilegalidade, desenhando uma aética nas relações políticas, fomentando o clientelismo e a apatia das massas. Sempre foi assim por nossas bandas, mas, nos últimos tempos, a tecnologia sofisticada tem conseguido driblar as afinadas lâminas dos controles. Não por acaso, as taxas de credibilidade na política e nos governantes decrescem, os valores éticos se estiolam, os fundamentos morais da sociedade se abalam e o resultado se mede pelo atraso no processo de modernização política e social.

Em suma, iremos conviver, por bom tempo, com o poder invisível e suas nefastas consequências. Estamos vendo gente graúda na cadeia. Mas tal visão não significa expurgo completo dos conluios. Não será surpresa se, mais adiante, batermos de frente com novos escândalos. Estamos abrindo o corpo putrefato da política. Os órgãos de controle e o Judiciário funcionam, nesse momento, como pinças e agulhas que lancetam tumores malignos. Esses cancros serão eliminados quando atingirmos estágio civilizatório elevado. Coisa para duas ou três gerações. Para tanto, o ponto de partida é a revolução educacional. Que pode elevar a condição de povos dóceis, indiferentes, ignorantes, passivos (preferidos pelos governantes) para um patamar avançado de democracia, que abrigará cidadãos ativos, conscientes, participativos.

Carecemos de cidadania ativa, aquela que John Stuart Mill defendeu em suas Considerações sobre o Governo Representativo. Não adianta fazer reforma política - mudar sistema de voto, de representação, fidelidade partidária, - se os súditos se assemelham a um bando de ovelhas pastando capim. A promessa da democracia - de educar os cidadãos - é o compromisso prioritário para que o Brasil possa sair do estágio pré-civilizatório que se encontra em matéria de cidadania política. Quando todos os brasileiros estiverem comendo do mesmo prato cultural, inseridos no banquete da Consciência cidadã, o nosso ethos terá orgulho do país.

Prisões são sinal de saúde institucional, não de crise

As prisões de um senador líder do governo, de um empresário amigo do peito do ex-presidente Lula, de um poderoso banqueiro, bem como o fato de os presidentes da Câmara e do Senado serem um denunciado e outro investigado pelo Supremo Tribunal Federal, não são ocorrências triviais nem refletem um estado normal de coisas.

Esse conjunto, no entanto, está longe de autorizar a conclusão de que estamos diante de uma crise institucional, como talvez avalie esse ou aquele analista. Ao contrário. O País teria instalada, isto sim, grave crise das instituições caso algum dos poderosos tivesse conseguido por meio de influência indevida impedir o curso das operações policiais e das decisões judiciais ora em tela.

A prisão de um senador no exercício do mandato é um caso inédito com o qual o Senado se deparou, pois coube a ele decidir sobre a manutenção, ou não, da decisão do Supremo. Nada de anormal, tudo previsto na Constituição e avalizado pela Corte Suprema.

Há observância das leis como nunca antes. Poderosos estão ao alcance delas, estamos finalmente demonstrando desde que o Supremo surpreendeu os condôminos do poder ao não ceder aos (maus) ditames das circunstâncias políticas ao dar seguimento ao processo e julgamento do mensalão.

A sensação de inquietude provocada por esses acontecimentos decorre apenas da falta de hábito que o Brasil tem de conviver (e respeitar) o princípio de que a lei é igual para todos e que ninguém está acima dela. Assim, quando são atingidos os habitualmente inatingíveis, a tendência é a de que se instale a insegurança no ambiente quando na verdade deveríamos nos sentir muito mais seguros.

Se crise há, e há, não é das instituições, mas daqueles que as desrespeitam porque assim estavam acostumados sem serem importunados. Anômala é a situação de frouxidão ética e moral que permite a ocorrência de fatos que, enfim, começam a ser combatidos. É a democracia entrando na idade adulta.

Dora Kramer

Perdeu, Papai Noel

Natal Magro Noel esqueleto renas esqueleto crianca assustada atras da mae

Não se pode confiar no Brasil
Guilherme Fontes








Vem chegando o Natal para fechar o ano que começou no Carnaval. Em verdade, tempo que no Brasil só existiu na folhinha, nos crimes, nos acidentes, no desemprego, na queda da produção e nos desastres ambientais. De resto, foi ano zerado na política e na governabilidade. Tezentos e sessenta e cinco dias perdidos para o país de custo altíssimo para a população.

Lucro mesmo para os bancos, os políticos e quem assinou delação premiada. Na avalanche de cretinice que assolou o país, salvaram-se os de sempre nos poderes.

Dilma adiou o próprio impeachment, Eduardo Cunha prorrogou seu julgamento na Comissão de Ética, Lula e a companheirada empurraram para o próximo ano as denúncias de envolvimento na maior rapinagem do mundo em cofres públicos. Ah, também condenados do Lava Jato, exibindo tornozeleiras eletrônicas, passarão as festas em seus apartamentos e casarões de milhões.

O Natal do brasileiro, como a árvore da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, desabou pela tempestade de incúria política que vem devorando o que pode no país. Nem adianta esperar por Papai Noel. Só vai mesmo aparecer nas reportagens sobre o espírito natalino que baixa todo ano, nesta época, no brasileiro e nas tevês. Será apenas virtual, e olhe lá.

Ao menos a dieta forçada fará com que não se empanturre o espírito, que mais leve poderá desfrutar de clareza para pensar na porcaria que se fez.

Samarco deposita lama na beira de rio


A mineradora Samarco está depositando a lama que vem sendo retirada há três semanas do centro da cidade de Barra Longa, a 60 quilômetros de Mariana (MG), justamente na margem do Rio do Carmo, curso d’água que termina no Rio Doce e local de onde está vindo a sujeira que contamina a água potável de mineiros e capixabas e já chegou ao mar.

O procedimento, dizem especialistas, contamina cada vez mais a água do rio, pois a lama, com a chuva, volta a escorrer para as águas. A Samarco diz que o depósito no local é temporário e a empresa busca um espaço adequado.

A montanha de lama fica bem na entrada da cidade. Caminhões que saem de Barra Longa percorrem cerca de um quilômetro até o local do depósito, um terreno que funcionava como centro de exposições para festas agropecuárias da pequena cidade, de 7 mil habitantes. Uma escavadeira e uma pá mecânica passam o dia empilhando a sujeira depositada pelos caminhões. “É um lugar provisório, mas ainda não encontramos outro”, diz o prefeito de Barra Longa, Fernando José Carneiro Magalhães (PMDB), ao reconhecer que a lama pode voltar ao rio. “Falaram que iriam deixar lá para secar, e depois colocariam em outro lugar”.

Banco dos réus

A crise política que atravessamos de modo cada vez mais dramático está jogando para o banco dos reservas a crise econômica, desde que se considere a crise moral como geradora das duas crises anteriores, sem esquecer uma terceira crise, a oral, que mais cedo ou mais tarde criará uma quarta crise, a mais devastadora, a institucional.


A harmonia entre os Poderes Legislativo e Judiciário está gradativamente se desmoronando e não se sabe quais serão os desdobramentos que estão em gestação.

Na semana passada, quando os parlamentares discutiam sobre o voto aberto ou fechado, um senador declarou da tribuna que o STF estava colocando o Congresso "no banco dos réus", criando a absurda possibilidade de mandar prender a maioria ou a totalidade dos membros das duas casas legislativas, tomando de fato o poder absoluto da República.

O que está acontecendo de maneira cada vez mais visível é que o anjo exterminador que opera entre as crises ainda não passou pela cúpula que vem criando a desconfortável situação em que mergulhamos. Apenas dois tubarões foram apanhados na rede punitiva: José Dirceu e agora Delcídio do Amaral. O resto, embora influente, é praticamente o baixo clero da corrupção.

Os cardeais das três crises instaladas (a quarta, a institucional, dependerá da força militar), embora citados, são a presidente Dilma e seu inventor, agora seu condestável, Luiz Inácio Lula da Silva, ele próprio arrolado entre os suspeitos de ser beneficiário direto ou indireto de algumas tramoias.

O PT, cuja fome de poder continua criando condições cada vez maiores para a corrupção e a falência já detectada pelo sistema financeiro internacional, procura proteção nos planos sociais, que são discutíveis, ao preço de bilhões de dólares que criam e lubrificam a corrupção e a incapacidade.

Carlos Heitor Cony

Ação da União contra Samarco é medida de governo escroque e bundão

O anúncio feito ontem por Izabella Teixeira (ministra do Meio Ambiente) e Luis Inácio Adams (Advogado-Geral da União), informando que na próxima segunda-feira a governo federal dará entrada na Justiça Federal de Brasília com uma Ação Civil Pública contra a Samarco, para conseguir, daqui a 10 anos, constituir um fundo de R$ 20 bilhões a fim de “suavizar a bacia do Rio Doce” é de uma pusilanimidade que não tem mais tamanho. Merece a repulsa de todo o povo. Estão fazendo encenação amarga e de péssima qualidade. Tripudiam da tragédia e do sofrimento alheio. Estão enganando as vítimas. É tapeação para mostrar que estão agindo. E a mando de Dilma, é claro. Quando a ação é do governo federal, é sempre o presidente da República quem está à frente. Dele é de quem partem as ordens.


Ação Civil Pública não tem prazo para acabar. Criada em 1985 (Lei nº 7.347) qualquer Ação Civil Pública, mormente tendo como causa uma tragédia do tamanho da de Mariana, atravessa gerações e mais gerações, até que seja concluída. E quando a ação terminar, e se dinheiro conseguir mesmo arrecadar, a quantia reverterá para um fundo gerido por um conselho com a participação do Ministério Público e da comunidade, “sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados” (Artigo 13 da referida lei).

Para o leitor entender: lá pelos anos 2070/2080, o dinheiro arrecadado por essa desavergonhada Ação Civil Pública que Dilma determinou fosse feita servirá para reparar os danos que a tragédia causou. Todos os danos. Mas aí começarão outras demandas. Cada sobrevivente, ou seus herdeiros e sucessores, vai precisar submeter à apreciação judicial a relação e estimativa dos prejuízos que seus antepassados suportaram. Serão outros processos, chamados de Liquidação de Sentença por Artigos, com contraditório, sentenças e muitos recursos. Serão mais 10 a 20 anos de demora. Aí estaremos no Século XXII.

Leio no O Globo de hoje, sábado (página 14): “Segundo o advogado-geral da União, Luis Inácio Admas, a proposta é que o fundo seja controlado pelas próprias empresas (no caso, Samarco, Vale e BHP), que repassariam os valores conforme seus faturamentos”. Se entendi, gestores do tal fundo serão os próprios réus da ação, os réus condenados, e o dinheiro das indenizações seriam por eles entregue às vítimas na medida do faturamento das empresas. Se for isso mesmo, deixo de fazer qualquer consideração, uma vez que a proposta é indecente, desonrada e fraudatória. Se não compactuo com malandragem, menos ainda com propostas escroques e escrotas.

Sim, desavergonhada. Não que a Ação Civil Pública mereça tal adjetivação. A falta de vergonha e de pudor está no fato de o governo federal optar apenas pela propositura da ação, sem, paralela e concomitantemente, cassar a concessão que a própria União concedeu à Samarco e, no mesmo ato (decreto ou Medida Provisória), abrir nova licitação para que o serviço de exploração de minério não sofra solução de continuidade e os trabalhadores não fiquem desempregados. E nem o município de Mariana perca os quase 90% de sua receita, que procede dos impostos pagos pela mineradora.

A encampação ou reversão da Samarco (concessionária) pelo governo federal (concedente) foi exigida e reclamada aqui na Tribuna da Internet no artigo “O que Dilma espera para cassar a concessão da Samarco e abrir nova licitação?”, publicado dia 22 passado e que pode ser relido no “link”. No artigo estão as justificativas de fato e de direito para a imediata cassação da concessão. Muitos outros blogs republicaram o artigo. Para citar apenas dois: pensandovocê.blogspot de José Carlos Cataldi e debatesculturais, de Alessandro Lyra Braga.

Mas que a verdade seja dita: tudo acontece e caminha na mais absoluta normalidade. Não se pode exigir ou esperar de um governo desmoralizado, ridicularizado, sem credibilidade interna e externa, marcado pela corrupção, sem gente de razoável saber e mínima compostura… Não se pode exigir de um governo bundão atitudes, medidas e gestos de energia, sobriedade e altivez que o governo desconhece e não tem independência e força para tomar. 

Daqui deste deserto em que persisto

Nenhum ruído no branco.
Nesta mesa cavo e escavo
rodeado de sombras
sobre o branco
abismo
desta página
em busca de uma palavra

escrevo cavo e escavo na cave desta página
atiro o branco sobre o branco
em busca de um rosto
ou folha
ou de um corpo intacto
a figura de um grito
ou às vezes simplesmente
uma pedra
busco no branco o nome do grito
o grito do nome
busco
com uma fúria sedenta
a palavra que seja
a água do corpo o corpo
intacto no silêncio do seu grito
ressurgindo do abismo da sede
com a boca de pedra
com os dentes das letras
com o furor dos punhos
nas pedras

Sou um trabalhador pobre
que escreve palavras pobres quase nulas
às vezes só em busca de uma pedra
uma palavra
violenta e fresca
um encontro talvez com o ínfimo
a orquestra ao rés da erva
um insecto estridente
o nome branco à beira da água
o instante da luz num espaço aberto

Pus de parte as palavras gloriosas
na esperança de encontrar um dia
o diadema no abismo
a transformação do grito
num corpo
descoberto na página do vento
que sopra deste buraco
desta cinzenta ferida
no deserto

As minhas palavras são frias
têm o frio da página
e da noite
de todas as sombras que me envolvem
são palavras frágeis como insectos
como pulsos
e acumulo pedras sobre pedras
cavo e escavo a página deserta
para encontrar um corpo
entre a vida e a morte
entre o silêncio e o grito

Que tenho eu para dizer mais do que isto
sempre isto desta maneira ou doutra
que procuro eu senão falar
desta busca vã
de um espaço em que respira
a boca de mil bocas
do corpo único do abismo branco

Sou um trabalhador pobre
nesta mina branca
onde todas as palavras estão ressequidas
pelo ardor do deserto
pelo frio do abismo total

Que tenho eu a dizer
neste país
se um homem levanta os braços
e grita com os braços
o que de mais oculto havia
na secreta ternura de uma boca
que era a única boca do seu povo
Que posso eu fazer senão
daqui
deste deserto
em que persisto
chamar-lhe camarada

António Ramos Rosa,

Oração da propina

Vocês vão me desculpar, mas uma coisa é o sujeito ser preso por firulas técnicas e outra bem diferente é vermos, ao vivo e em cores, uma “oração da propina”. Os caras rezam primeiro para roubar depois. É escandaloso. O que aconteceu hoje, com as gravações de um senador da República exibindo o derriére moral em público é uma coisa que desmoraliza qualquer governo decente.

Parece que nem arranha a cara vigarista destes nobres senhores, que já se cotizam para substituir a ladrãozão descoberto pela polícia. Vai ser patético ver que o comunismo pimpão dessa gente acaba na cueca, meus caros. JayDee já foi abatido, enquanto “guerreiro do povo brasileiro” debaixo de negociatas nada republicanas. Seu chefe, o lulão, tem um patinho de pedalar pago com dinheiro público desviado. São símbolos tão escabrosos de um decadência moral completa que me assusta ainda haver gente que se disponha e se deixar fotografar ao lado desse bando.

É contagioso. Aquela conversa mole sobre um bando de Robin Hoods do agreste, sacrificando a “odiosa classe média” em nome de um projeto maior desaba com lama e tudo na obscena atitude dessa gente de gozar do dízimo com toda a pompa e circunstância de uma republiqueta de bananas da terra. Não vejo como o governo vai escapar de perder, um a um, todos os seus intrépidos “missionários colaboradores”, visto que a missão é uma só: tungar mais dinheiro para financiar a fuga das galinhas.

É tão escabroso que pedir para sair seria uma medida profilática tomada pela mamulenga. Daqui pra frente, ela começa a colocar em risco seus ovos revoltosos, pois ver com que tipo de bandido estamos lidando é um tapa na cara da sociedade de proporções consideráveis. Ver o canal da platinada tentando dançar esse frevinho esquisito, equilibrando-se no discurso, não tem preço. Aliás, é o preço do alinhamento. Da covardia. Da cumplicidade. Da oração dos meliantes. Reza agora, maluco.

Culpas, desculpas, responsabilidades

 
Ali o rio corrente
De meus olhos foi manado

Luís de Camões — “Sôbolos rios que vão"

Sou carioca, mas tenho fortes raízes capixabas. Fui sempre a Linhares desde pequena. Antes mesmo de haver a ponte sobre o Rio Doce, cruzávamos as águas em canoa escavada num tronco. Os carros esperavam a travessia de balsa, em longa fila na estrada quase engolida pela majestosa Mata Atlântica. Saíamos de canoa a caminho do Rio Pequeno, o São José, íntimo e cristalino, que desaguava no Doce e nos levava à sua nascente, na Lagoa Nova, espelho líquido a refletir o céu e a mata. Apenas uma das lagoas deslumbrantes da região, como a Juparanã e a das Palmas, ligadas por riachos que ajudam a compor o grande rio. E suas grandes árvores, bromélias, epífitas, arbustos. Seus pássaros, macacos, pacas, capivaras, tatus, veados, jaguatiricas, onças. Já evoquei esse paraíso, no romance “Tropical sol da liberdade”.

O Rio Doce é parte do tecido de minha vida. A notícia da catástrofe ocorrida com ele me abalou tanto que fiquei incrédula, à espera de algum desmentido que não veio. Não era pesadelo. As notícias só confirmavam o horror. Agora o lamaçal da morte chega ao mar... Aos manguezais e recifes que fazem desse litoral um berçário.

Entre dor e indignação, alguns fatos se impõem à minha ignorância no assunto. Quer dizer que exportar minério e gerar riqueza para o país passa obrigatoriamente por criar rejeitos tóxicos a serem lançados nos rios? Precisam antes ser armazenados em barragens que destroem as matas e pavimentam a terra? Qual o limite? Até quando se espera que o veneno continue se acumulando por trás de uma barragem? Mineração não supõe apenas cavar a terra para ir buscar o minério? Ou algo como o trabalho numa pedreira?

Vamos descobrindo como fomos mantidos em criminosa inocência, a nos transformar em cúmplices silenciosos. Como é que nunca desconfiamos disso? Por que nunca nos contaram que esse era o preço a pagar?

Começa então a execração dos culpados, um dos esportes nacionais favoritos: a caça ao bode expiatório. Culpa da Dilma, que foi ministra de Minas e Energia. Culpa de Aecim, que foi governador de Minas. Culpa da empresa, que é gananciosa. Culpa do capitalismo, que é mesmo culpado de tudo. Culpa do Fidel, como ensinou aquele filme. Culpa de coxinhas e petralhas, de gregos e troianos. De todo mundo e de ninguém.

Tudo bem, quem tem culpa que pague. Mas não paremos aí. Quero tentar entender as responsabilidades, mais que as culpas. Culpado se arrepende (até com sinceridade), pede desculpas, é punido, e pronto. Responsabilidade é mais difuso e mais complicado. Recai sobre uma situação geral, construída há muito tempo. Tanto, que se faz uma espécie de acordo coletivo para esquecer. Em 2007 Lula, na Presidência, afirmou que, se pudesse, acabava com o Ibama porque a preocupação com os bagres estava atrasando hidrelétricas no Rio Madeira. Em 2009, voltou à carga — dessa vez tendo como alvo a perereca — em piadas chulas de duplo sentido. Dos conflitos de Dilma com Marina por questões ambientais estamos todos lembrados. Ser verde era ser ridículo e antipatriota. Legal mesmo é ser desenvolvimentista, e poder exibir slogan de propaganda do governo ao sobrevoar desastre em helicóptero.

Mas o Executivo não é o único leviano e irresponsável. O Congresso é pior. Cede a todo tipo de pressão, afrouxa os cuidados com o meio ambiente, cada vez permite mais desmatamento, protege menos os rios. Basta dizer que, se uma fiscalização houvesse constatado falhas graves na barragem ou no plano emergencial, a legislação em vigor não prevê a interdição da operação, apenas multa. Nada que um dinheirinho não resolva logo. Falta o Congresso elaborar todas as leis complementares nesse setor, coisa que há anos empurra com a barriga.

E quem fiscalizou? Como? Foi lá ver? Ou apenas conferiu documentos apresentados? Quem monitorou? Como? Sabe-se lá se havia areia misturada ao cimento para superfaturar? Dá para confiar? Há mais de 700 dessas barragens no Brasil, quase 400 só em Minas. Várias são de alto risco, agora ficamos sabendo. O número de fiscais é ínfimo. Há concursados esperando nomeação. Mas de aspones, assessores inúteis e sem concurso o país é recordista mundial. O Congresso até planeja construir um prédio novo para os seus. A sociedade deve gostar, porque elege e reelege quem trilha esses caminhos fisiológicos.

Dá nisso. Quem mata uma paca vai preso, crime inafiançável. Quem destrói todo um ecossistema, mata toda a fauna e flora, só paga uma multa. Que lei é essa? Que gente somos nós?

Francamente, não dá para apenas apontar e multar um único culpado. Este é o país que estamos fazendo. Uma criação coletiva. De consequências coletivas. Lembrando John Donne: os sinos dobram por todos nós. Um bando de gente desinformada que não sabia de nada. Como insiste agora em não ver a porcariada das praias do litoral carioca, com esgoto in natura avançando mar adentro. Ou assiste ao mosquito da dengue passar a ser também o da microcefalia.

É mesmo de desanimar. Talvez só reste chorar. 

'Morto', o rio Doce 'ressuscitará' em cinco meses

Embora esteja considerado atualmente "morto", o rio Doce, que recebeu mais de 25 mil piscinas olímpicas de lama proveniente do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG), "vai ressuscitar" em até cinco meses, no final da época de chuvas, em abril do próximo ano.

A afirmação é de Paulo Rosman, professor de Engenharia Costeira da COPPE/UFRJ e autor de um estudo encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente para avaliar os impactos e a extensão da chegada da lama ao mar, ocorrida no último domingo e que afeta a costa do Espírito Santo.


Embora especialistas tenham divulgado previsões de danos catastróficos, que incluiriam danos à reserva marinha de Abrolhos, no sul da Bahia, e um espalhamento da lama por até 10 mil m², Rosman afirma que os efeitos no mar serão "desprezíveis", que o material se espalhará por no máximo 9 km e que em poucos dias a coloração barrenta deve se dissipar.

Para ele, há três diferentes cenários de gravidade do desastre e de velocidade de recuperação. No alto, onde a barragem se rompeu, próximo ao distrito de Bento Rodrigues, deve durar mais de um ano e dependerá de operações de limpeza dos escombros e de um programa de reflorestamento. Para ele, a sociedade e os governos mineiro e federal precisam cobrar de Vale e BHP Hillington, donas da Samarco, o processo de reflorestamento e reconstrução ambiental, de custo "insignificante" para as empresas.

Ele diz que, na maior parte do percurso do rio Doce, as próprias chuvas devem limpar os estragos e os peixes devem voltar ao rio no período de cinco meses, e, no mar, a diluição dos sedimentos deve ocorrer de forma mais rápida - até janeiro do próximo ano.

Ao mesmo tempo, o especialista considera "inaceitável" que o governo permita que as pessoas voltem a morar nas regiões afetadas e que seria "criminoso" não retirar os outros povoados que se encontram nas linhas de avalanche de outras barragens.

sábado, 28 de novembro de 2015

O PT despreza a democracia e seus valores fundamentais

“Nem Meireles, nem Levy, eu quero a Dilma que elegi”. Esse era o grito de guerra entoado pelos membros da Juventude do PT, após seu último congresso, realizado em Brasília. Neste mesmo evento, os petistas expuseram uma faixa que exibia os dizeres “GUERREIROS DO POVO BRASILEIRO”, e os rostos de João Vaccari Neto, Delúbio Soares, José Genuíno, João Paulo Cunha e José Dirceu. Não por acaso, todos os homenageados na faixa são petistas que estão presos e condenados por diversos crimes, tais como lavagem de dinheiro e corrupção.


O PT apela para a defesa da democracia para acobertar sua presidente, ao tempo em que homenageia criminosos condenados pela justiça. Não haveria uma contradição em tais atitudes? É possível ser um democrata ao tempo em que se protegem corruptos? Sem dúvidas, a democracia não combina com defesa da impunidade. As atitudes do PT demonstram que, na verdade, o partido despreza a democracia e seus valores e instituições fundamentais.

A democracia consolidou-se somente após três grandes revoluções liberais, quais sejam: a Revolução Gloriosa da Grã Bretanha, a Revolução Americana e a Revolução Francesa. Em seguida, nos séculos XIX e XX, a aplicação dos princípios liberais dentro das democracias ocidentais levou o mundo a um patamar de desenvolvimento nunca antes visto. Isso implica dizer que a riqueza e a qualidade de vida observados nos países desenvolvidos depende tanto do liberalismo quanto da democracia. Tal afirmação encontra apoio na obra de Mises[1], e também na teoria de Acemoglu e Robinson[2].

Resta claro que a democracia é de suma importância para o desenvolvimento e para a qualidade de vida dos indivíduos. O que não é tão cristalino, todavia, é o próprio conceito de democracia. Na verdade, existem diversos conceitos, que podem ser aglutinados para a formação de uma definição satisfatória. Assim, a partir da análise dos conceitos de Kelsen, Bobbio e Sartori, dentre outros, pode-se dizer que a democracia é o sistema de tomada de decisões, baseado na regra da maioria, que tem por finalidade resguardar os princípios da igualdade e da liberdade. Para tanto, requer diversas instituições fundamentais, tais como (i) a realização de eleições livres, justas e periódicas, (ii) liberdade de imprensa, (iii) proteção dos direitos fundamentais da minoria, (iv) identidade entre governantes e governados, e (v) responsabilidade do chefe, dentre tantas outras.

A liberdade é, junto com a igualdade, um dos princípios fundamentais da democracia. Como ressalta Pontes de Miranda[3], a democracia requer liberdade porque o voto sem liberdade é mera obediência a uma ordem. Por outro lado, a liberdade requer democracia, porque somente o cidadão livre de uma democracia pode influir na vontade do Estado (ente que limita sua liberdade)[4]. A liberdade da democracia se desdobra em diversos direitos fundamentais, como a liberdade religiosa, a liberdade de manifestação de pensamento, a liberdade de locomoção, a liberdade física e a liberdade de imprensa, de tal modo que a limitação indevida de qualquer uma dessas liberdades significa o fim da democracia.

Ocorre que o PT despreza a liberdade de imprensa. Esse é o primeiro ponto de atrito entre a democracia e a ideologia petista. A regulação dos meios de comunicação em prol da hegemonia do partido é um antigo sonho do PT. Nesse sentido, o partido tentou, sem sucesso, instaurar um “controle social da mídia”, a fim de calar as críticas da imprensa livre. Ante o insucesso da primeira medida, o partido volta agora suas atenções para a “regulação econômica da imprensa”. O novo objetivo é atacar os grandes grupos de comunicação, fatiando-os, além de realizar uma espécie de controle indireto, por meio do domínio das receitas publicitárias. Some-se a isso o fato, repetidas vezes noticiado na imprensa livre, de o PT utilizar verbas públicas para financiar “blogs sujos”, cujo único objetivo é defender o governo e atacar qualquer um que o desagrade.

Ademais, a democracia também requer a regra da responsabilidade do chefe. Segundo Kelsen[5], o regime democrático pressupõe que, assim como todos os cidadãos, o chefe (ou governante) se submeta às leis e responda integralmente por seus atos.

Todavia, o PT não pensa dessa forma. Na verdade, o PT despreza o princípio da responsabilidade do chefe. Para o partido, todos os crimes cometidos por seus membros de alto escalão devem ser perdoados. O PT acredita que seus membros estão acima da lei que se aplica aos demais brasileiros. Essa postura pode ser claramente observada nas notas de apoio emitidas pelo partido em favor de João Vaccari Neto, Delúbio Soares, José Genuíno, João Paulo Cunha e José Dirceu. Mais que isso, conforme já mencionado, os membros do partido condenados são tratados como heróis pelo petismo.

A democracia também requer eleições justas e livres. Somente o processo eleitoral pode garantir a realização de um governo de modo “sensível e responsável perante a opinião pública”[6]. Todavia, o PT despreza essa regra. Conforme amplamente noticiado na imprensa, diversos delatores da Operação Lava Jato, dentre eles Ricardo Pessoa e Salim Sachim, relataram que pagaram propina ao PT, e que o dinheiro fora utilizado para abastecer as campanhas de Lula, em 2006, e Dilma, em 2014. Ora, não há eleições justas quando um dos partidos tem sua campanha financiada por dinheiro desviado de uma empresa estatal. Ressalte-se que tais delações premiadas (ou colaborações judiciais) são importantes meios de prova admitidos em processos judiciais em curso.

Por fim, a democracia requer igualdade, especialmente igualdade perante a lei. Essa regra implica que (i) a cada cidadão deve ser atribuído o mesmo peso na formação da vontade do Estado, que (ii) a lei deve ser aplicada com a mesma severidade a todos, e que (iii) o Estado deve proteger direitos individuais e evitar favoritismos.

No entanto, o PT despreza a regra da igualdade. O que quer o partido é instaurar no Brasil uma espécie de Estado Estamental ou “Neofeudal”, em que aos amigos tudo é permitido. Isso pode ser observado na atuação petista justo aos “movimentos sociais”. No ano de 2014, a Presidente Dilma editou o chamado “decreto bolivariano”, no sentido de implantar os “conselhos populares” nos órgãos da administração pública. Tais conselhos seriam compostos por integrantes dos “movimentos sociais” aliados políticos do partido. O referido decreto feria de morte a igualdade da democracia, pois concedia um poder extraordinário aos grupos escolhidos pela autoridade central (não por acaso seus apoiadores políticos). Em outros termos, o decreto criava duas categorias de cidadãos, os comuns, que apenas poderiam votar, e os membros de “movimentos sociais”, dotados de especial poder de decisão junto à Administração. Felizmente, o famigerado decreto bolivariano fora derrubado, ainda no mês de outubro de 2014, pela Câmara dos Deputados.

Outro exemplo do desprezo petista para com a igualdade reside na sua postura junto ao MST. Embora seja reincidente na prática de crimes como invasão de propriedade privada e depredação de patrimônio público, o MST é constantemente patrocinado por verbas públicas. Obviamente, essa proteção atende aos interesses eleitorais do PT.

Por fim, cabe lembrar que a democracia requer dois valores basilares, quais sejam: igualdade e liberdade, bem como a presença de diversas instituições fundamentais, tais como a liberdade de imprensa, a responsabilidade do chefe por seus atos, e a publicidade dos atos administrativos, dentre outras. Ante isso, os fatos demonstram que a conduta do PT é consistente no sentido de violar ou tentar violar sistematicamente os fundamentos da democracia. Portanto, está claro que o PT despreza a democracia. Em outros termos, resta evidente que o PT é inimigo da democracia, porque esta não tolera o privilégio e a impunidade pretendidos pelo partido.

A coreografia das trevas

Millôr Fernandes escreveu certa vez que “tarado é uma pessoa normal surpreendida em flagrante”, sugerindo que o ser humano, na sua dualidade, abriga zonas de sombra que, em alguma medida, o levam a práticas e desejos inconfessáveis.

“Se as pessoas pudessem ler o pensamento umas das outras, ninguém se cumprimentava”, resumiu Nélson Rodrigues.

O preâmbulo vem a propósito do senador Delcídio do Amaral, líder do governo, flagrado esta semana em prática, que, embora obscena e criminosa, não é estranha a quem circula no meio político – hoje e em qualquer tempo, aqui e em toda parte, mas hoje, convenhamos, mais aqui que em qualquer tempo ou qualquer parte. Que o digam os investigadores da Lava Jato.

A coreografia das trevas (Foto: Arquivo Google)
A História mostra que a saga humana se decide mais nos bastidores e subterrâneos que no palco iluminado dos plenários e tribunas. Prevalece, frequentemente, a coreografia das trevas.

Delcídio foi, digamos, ao banheiro sem perceber que a porta estava aberta. Suas excreções morais foram captadas por um gravador – e foi essa circunstância, providenciada previamente por seu interlocutor, Bernardo, filho do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, que deflagrou o desastre em que está metido.

Não fosse isso, e teria saído sorridente da conversa, exibindo todo o prestígio de seu cargo e reputação, na certeza de que cumprira apenas mais um ato rotineiro do que se convencionou chamar de “negociação política” - ou quem sabe “missão política”.

Ele, de fato, era tido, por aliados e adversários, como um grande articulador; daí ser o líder do governo.

A reação no meio político evoca mais uma falha técnica que moral. Lula chamou-o de “imbecil” e classificou de “burrada” o que fez (desmentiu posteriormente, mas há diversas testemunhas de seu desabafo, segundo a Folha de S. Paulo). Foi, em síntese, um amador. Rui Falcão, presidente do PT, limitou-se a dizer que não se solidarizava pois “ele não estava em missão partidária”. Ah, bom.

Não houve, nos dois casos, condenação moral. No próprio Senado, que não teve como revogar a prisão, seus colegas confessavam estar constrangidos, mas ressaltavam ser ele um grande sujeito, um amigão e parlamentar competente.

Não era momento para elogios, de onde se deduz que, acima da condenação, ouviu-se um lamento – e um sinal preocupante de que a taxa de imunidade parlamentar perdeu substância. Houve ainda quem votasse por sua libertação: 13 senadores, ironicamente o número da legenda do PT, partido do condenado.

A presidente Dilma, informam os jornais, estaria preocupada – afinal, era o seu líder - com “as mentiras que ele poderá dizer”, pondo assim em cena um inédito desmentido prévio.

A preocupação, com certeza, é outra: é com as verdades que, em circunstância extrema, quem já perdeu tudo poderá revelar, em busca de atenuar sua pena. A Lava Jato tem levado à delação premiada gente habituada a conviver com o sigilo.

Delcídio, que deverá perder o mandato de senador, não é um político qualquer: era o líder não do PT, mas do governo – amigão do Lula e da presidente. Encontrava-se com Lula semanalmente. Por isso, deixa uma dúvida no ar: estaria em missão pessoal ou, digamos, política?

Afinal, o que engendrou – o silêncio e a fuga de um detento que é uma caixa preta de Dilma e Lula nos escândalos da Petrobras – não interessava apenas a ele, Delcídio. E qualquer investigação policial parte sempre de uma pergunta: a quem interessa o crime?

Entre as “falhas técnicas” cometidas pelo senador, uma selou o seu destino: a de ter se referido nominalmente a ministros do STF, o que resultou no rito sumário de sua prisão.

Ele, na gravação, tenta convencer o filho de Cerveró de que conseguiria emplacar um habeas corpus, pois tinha prestígio com alguns ministros. E os cita. Estes, diante disso, não tinham saída senão proclamar isenção, condenando-o.

Delcídio, assim, acabou prestando involuntariamente um serviço público: o STF, que já foi acusado de tentar melar a Lava Jato, com o fatiamento do processo, não tem agora como recuar da indignação exibida em relação a esse caso.

Num momento como este, de grave crise moral, nada como uma Corte Suprema indignada. Grato, Delcídio.

Isso poderá acelerar – espera-se que sim – ações análogas em relação a outros parlamentares, implicados na Lava Jato. O ineditismo de um senador preso em pleno exercício do mandato poderá perder essa conotação em breve.

Mais: a delação premiada de Nestor Cerveró, o homem-chave da negociata de Pasadena – que o então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli considerou “um bom negócio” -, poderá estimular outras; a do próprio Delcídio, pressionado pela família a contar a história completa. Não convém contrariar a família.

O preço do desastre

A tragédia de Mariana poderia ter sido evitada se o Ibama tivesse ordenado, quatro meses antes, o embargo da barragem de Fundão porque a mineradora havia desmatado mais do que o permitido em uma área.

O cumprimento da ordem ficou agarrado na burocracia do órgão, e a mineradora pôde continuar a sobrecarregar a barragem de rejeitos, a fim de compensar, com a superprodução, a queda nos preços internacionais do minério.

Ante a inércia e a conivência do Estado, venceu a lógica empresarial: a barragem poderia não se romper. No ano passado, a mineradora teve o maior lucro líquido em relação ao recolhimento de impostos no Estado.

Governos e empresários acreditam que o ambientalismo é contra a economia. Na verdade, o passivo ambiental de hoje, provocado por um desastre como o de Mariana, representa o passivo fiscal de amanhã.

Diante de um desastre, a infraestrutura tem de ser reparada, e recuperados os serviços essenciais, aumentando o déficit público. As empresas se eximem da responsabilidade, e os governos socializam os prejuízos.

Entre 2002 e 2012, os desastres ambientais custaram R$ 278 bilhões ao país, de acordo com um relatório do Grupo de Economia do Meio Ambiente da UFRJ. Cerca de 25% dos brasileiros foram afetados por catástrofes.

O número de desastres triplicou em 20 anos, passando de 3.556 entre 1991 e 2001 para 10.066 entre 2002 e 2012. Para reagir às catástrofes naturais, o país precisaria de R$ 25 bilhões por ano – o mesmo valor do Bolsa Família.

Por isso é tão importante prevenir esses desastres. Empresas e governos, geralmente, estão despreparados para enfrentá-los. Durante vários dias nada foi feito para conter a lama que saiu de Mariana até ela chegar ao mar.

A tragédia veio mostrar que os efeitos de um desastre ambiental não afetam apenas os que lhe estão mais próximos, mas atingem uma vasta região, durante muitas décadas, para algumas pessoas e animais pela eternidade.

Aqui ainda há um país

Cadê o Brasil? A sombra dele esteve na decisão do Congresso para manter Delcídio Amaral no lugar certo. Chocada, eu? Não. Experimento a repulsa serena, sedimentada, resoluta, curável apenas com o banimento do PT da vida pública, com a prisão do jeca mentor da inédita degeneração – pública e a olhos vistos, privada e íntima com família e amante no meio, pessoal com a história vitoriosa arruinada pelo caráter miserável – e o impeachment de Dilma Rousseff, a mulher honrada que já escolheu o substituto de Delcídio na liderança do governo: Wellington Fagundes, que responde no STF por peculato e está envolvido no escândalo dos Sanguessugas.
A culpa da luxuriante escalada da corrupção sob o lulopetismo não é do capitalismo, ao contrário do que bradam os-seres-humanos-muito-gente (aqueles que desenham corações no ar ou mandam – que aflição! – um beijo-no-seu-coração), uma gente maçante, tristinha com a ganância-do-grande-capital. Ora, o grande-capital vai muito bem em ditaduras de esquerda que, reza a lenda, são antagônicas ao capitalismo e ao grande-capital.

Também tem lucro certo quando se associa aos donos de grotões africanos e a caudilhos latino-americanos que, entre o autoritarismo de esquerda e o de direita, deleitam-se com ambos. Para facilitar a vida dos cafajestes, aqui inexiste um corpo são e mente sana de leis que igualem todos perante o poder econômico e o político. Não é coincidência, em países civilizados, coexistirem um sólido estado de direito democrático e uma robusta economia capitalista.

Por aqui, as estocadas do lulopetismo na democracia se deram aos poucos, com recuos estratégicos, mas garantindo a promiscuidade entre o público e o privado; a impunidade por ideologismo ou elitismo cooptado; perpetuando o assalto para se garantir no poder para perpetuar o assalto. Vertiginoso. O amálgama dessas mazelas se escancara no ativismo delinquente de Delcídio Amaral revelado por Bernardo Cerveró – no circuito completo de canalhices lulopetistas partindo do Executivo (idealizador), passando pelo Legislativo (executor), infectando o Judiciário (garantidor), chegando aos capitalistas (copatrocinadores junto com a sociedade).

Demonstração gráfica da desenvoltura obscena com que o regime se vê na potência e no direito, só realizáveis no primitivismo, de tudo e todos se apossar. Para combater oposições às reformas de que o Brasil tanto precisa? Ora, indiferente aos brasileiros, o lulopetismo fez reformas com o grande-capital no sítio e no apartamento do jeca. E oposição, o regime só teve dos brasileiros representantes de si mesmos que insistem em não desaparecer.

Irremediavelmente cínica, a súcia talvez continue culpando o grande-capital aliado dela ou a mídia, em vez de reconhecer que, na exposição de outra porção do intestino perfurado do bando, a denúncia de Bernardo – diferente de certa Bia – mostra que a falta de limites tem limites e dá um aviso. Sobrevivendo ao abuso dramático de 13 anos contra desde intangíveis valores morais até a concretude de 280 mil desempregados neste ano, quando um filho escolhe a lei para resgatar o pai, o país espraia a sombra sobre os cafajestes para lhes dizer: ei, aqui ainda há um país
.

Pátria limpa

No final deste ano, quando o PIB de 2015 for divulgado, a lama que matou o Rio Doce não vai aparecer. As cenas do Rio Doce sendo engolido pelo lixo da mineração, de famílias soterradas, trabalhadores sem meio de vida e praias destruídas são a face mais visível das depredações provocadas e ignoradas pela economia brasileira. Os desastres sociais e ecológicos não aparecem nas estatísticas.

A economia brasileira não leva em conta a sujeira que provoca a destruição da biodiversidade, nem as “monstrópoles” que criou com sua violência descontrolada, nem o agravamento da desigualdade. Nossos rios estão morrendo pelo mau uso de suas águas ao longo de décadas, explorados como depósitos de lixo industrial e urbano, e para geração de energia, sem consideração por sustentabilidade.


Prometemos deixar um país mais rico para nossos filhos e netos, e conseguimos fazer do Brasil a sexta economia do mundo, mas não estamos deixando um país mais limpo: da corrupção que rouba dinheiro público, que envergonha a sociedade, destrói nossas estatais, desvia dinheiro de nossas necessidades, desmoraliza a política, mata nossas esperanças; limpo da burocracia que barra a eficiência na aplicação dos recursos; do corporativismo, que se apropria da máquina pública e a utiliza mais para tirar vantagens do que para servir ao público.

Queremos um país limpo ao assegurar igualdade no acesso de cada criança brasileira a uma escola de qualidade, independentemente da riqueza dos pais e da cidade onde mora; uma pátria limpa da insensatez e da indecência de jogar fora a maior de nossas riquezas: desperdiçando o talento de qualquer brasileiro. Limpo da violência que assassina nossos jovens e rouba nossas ruas, tanto quanto a lama rouba o rio; sem filas para atender direitos básicos como vaga em creche ou escola; e atendimento médico necessário.

Não basta continuar prometendo fazer um país rico, precisamos de uma nação limpa: da vergonha dos ricos e das necessidades dos pobres; de sermos o oitavo mais rico e o sexto com pior distribuição de renda; do acanhamento de termos 13 milhões da população adulta que não conhecem a própria bandeira por não saber ler “ordem e progresso”, e outros 40% que sabem ler apenas pouco mais que isso.

Um país onde a riqueza seja construída com absoluto respeito ao equilíbrio ecológico e à preservação da biodiversidade; usada não apenas para reproduzir a riqueza, mas sobretudo para abolir o quadro de pobreza da nossa população, assegurando bolsa para quem precisar, mas emancipando as pessoas da necessidade de bolsas.

Para isso, o Brasil precisa de uma economia que seja sustentável ecologicamente, distributiva socialmente, moderna cientifica e tecnologicamente; uma economia limpa, criativa, inovadora, com elevada produtividade e competitividade; sem lama. E todos sabem que o caminho para isto é um presidente, um governo e uma base parlamentar que conduzam o Brasil na marcha para ser uma Pátria Limpa.

Fogo no circo

Não são somente Dilma e Cunha, o PT, o PMDB e o PSDB, a esquerda e a direita, o Executivo e o Legislativo. É tudo.

Tal qual o mar de lama com que a incúria e a busca do lucro fácil destruíram a vida de milhares de pessoas, comprometendo o meio ambiente por décadas, uma lava corrosiva está se espalhando pelo País, a ameaçar o futuro. Há algo de podre no reino. A política simplesmente não funciona.

Para começar, não há governo. O problema não é a presidente, mas o sistema e o modo como se deseja governar. Sua mais perfeita tradução é o Ministério pífio que há em Brasília, sem cabeças talentosas, sem liderança e coordenação, composto só para agradar ao baixo clero do Congresso e fortalecer a base governista. Não é um Ministério com perfil técnico ou político: ele simplesmente não tem perfil. Também não tem um plano de voo para seguir, já que não há programa de governo. O que havia antes, no primeiro mandato de Dilma, e que não era grande coisa, foi literalmente reduzido a pó após as eleições, quando a crise econômica encorpou e passou a ser reconhecida como um castigo dos céus. Jamais se admitiu que a economia desandou porque as opções governamentais foram ruins. A culpa seria das estrelas, e dos outros. Por isso, que se pague a penitência do ajuste fiscal.

Congresso Domino delcidio preso PT SEnado Camara

Neste cenário de horrores, seria de esperar que o Congresso Nacional se enchesse de brios e fizesse sua parte. Que os melhores se destacassem nele. Que pressionassem o governo, o obrigassem a agir, nutrindo-o com críticas e ajudando-o a enfrentar com determinação os problemas. É para isso que existem deputados e senadores. Mas o Congresso se encolheu miseravelmente. Passou a assistir impassível, com alguns arroubos de indignação seletiva, à sua própria conversão numa instituição desprezada pela população, que não se sacrifica pela Nação, pouco faz de produtivo. Chegou ao ponto de permitir que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sujo até o último fio de cabelo, pose como um Maquiavel de província e deboche da Nação, equilibrando-se na indiferença das oposições e no apoio mal disfarçado de Lula e do governo.

O cenário seria perfeito para as oposições mostrarem sua cara e seus recursos, suas propostas, sua “narrativa”. E o que se viu? Silêncio total, entremeado por algumas vozes isoladas, impotentes, que não se fazem ouvir. As oposições simplesmente se entregaram ao jogo do poder – à pequena política –, deixando por terra sua identidade, suas glórias e tradições.

Cidadãos foram às ruas protestar. Encheram algumas praças e avenidas de diversas capitais, mas foram a pouco e pouco perdendo fôlego. Ressentiram-se precisamente da ausência da política. Foram “liderados” por pequenos grupos de ativistas e por alguns políticos verborrágicos, sem talento, com a faca nos dentes. Os cidadãos perceberam que naquele festival de bobagens reacionárias – em que não faltaram pessoas armadas e apelos patéticos aos militares – não encontrariam nenhuma saída.

Sem política – cabeça política, educação política, articulação política –, as ruas não puderam levar uma palavra de lucidez para o sistema político e a Presidência da República.

Enquanto isso transcorria nos vértices inoperantes do sistema, as reformas de que o País necessita foram sendo travadas, travando o conjunto. É muito mais que ajuste fiscal. A questão urbana é lancinante, em termos de habitação, segurança e mobilidade. A questão energética atingiu nível emergencial e a manutenção da matriz atual produz tragédias sucessivas, destrói florestas e prejudica populações inteiras. Ninguém mais fala de reforma política. A desigualdade lateja. O SUS, nosso maior patrimônio na área da saúde, parece abandonado. E estamos longe de ter conseguido equacionar a mais importante de todas as questões, a educação. O ensino deixa a desejar, a privatização avança, a escola pública derrapa e não recebe tratamento à altura da parte dos governos, que preferem tratá-la pelo lado do custo. A educação não se converte em causa nacional, suprapartidária, em questão de Estado, para prejuízo de milhões de jovens e o represamento da inteligência nacional.

Nesta última semana, o circo pegou fogo de vez. É provável que continue a queimar até 2018, pois o sistema está tão em crise que não consegue gerir nenhuma crise. Mas o ineditismo dos últimos acontecimentos, a gravíssima prisão de um senador, líder do governo, autorizada pelo STF, tem força para fazer com que os melhores políticos se movimentem. Foi uma bofetada.

Quando as coisas atingem grau máximo de degradação, espera-se que comecem a ser forjadas as soluções. O PSDB já está a rever sua conduta. O Senado consegue discutir e avaliar sem corporativismo a prisão de um de seus cardeais e por esmagadora maioria autoriza a continuidade das investigações contra ele. Reposiciona-se, corta na própria carne. Na Câmara, o Conselho de Ética aperta o cerco em torno de Eduardo Cunha, que se desmoraliza. Um banqueiro e um pecuarista – íntimos dos altos círculos políticos da República – são presos, acusados de corrupção e tráfico de influência. Ministério Público, Polícia Federal e Poder Judiciário dão sinais seguidos de que o círculo continuará a se fechar.

Não é pouca coisa para um único ano. Eppur si muove? Não dá para saber, mas a dinâmica alucinante do quadro está a criar sucessivas oportunidades para reformulações.

Pode ser que alguma luz se acenda no Planalto, vinda, quem sabe, de algum juiz ou dos pequenos partidos de oposição, o PSOL, a Rede, o PPS, o PSB. Pode até mesmo acontecer de alguns morubixabas se reunirem para estender a mão a Dilma e apoiá-la numa recomposição governamental séria. Os partidos não estão mortos. Podem render mais, recuperar sua vocação e sair da letargia.

Não é razoável que da gravíssima crise em que está o País não surja uma bandeira para que se reorganizem a sociedade e o Estado.

Para quem o cachorro ainda ...

Nenhum escritor policial inglês ou americano conseguiria criar sozinho a trama que estamos vivendo sob o nome de Operação Lava Jato. Nem Agatha Christie ou Raymond Chandler seria capaz de dar conta de tantos plots e subplots, quebras de narrativa, cenas de ação e, como suspeitos, gente com conta bancária de até 11 dígitos. Sem falar na dança dos coadjuvantes: todos os dias um novo nome assume o primeiro plano. Só não tivemos –até agora– um cadáver.

O primeiro grande personagem foi José Dirceu. Equivalia ao sinistro professor Moriarty, criad
o por Conan Doyle como o cérebro por trás de tudo de ilícito na Londres vitoriana. Como um Moriarty com ideologia, Dirceu armou o esquema que drenaria milhões da Petrobras e financiaria um sistema que se eternizaria no poder. Só que, de repente, Dirceu se tornou um personagem de John Le Carré: revelou sua fraqueza humana. Aproveitou para também locupletar-se em causa própria e foi apanhado.

Mas o esquema sobreviveu, graças ao caso de amor do partido e de seus aliados com diretores e gerentes da Petrobras. O resultado foi uma armação de deixar no chinelo as redes de corrupção descritas por Dashiell Hammett em "Seara Vermelha" e "A Chave de Vidro". A chegada de tubarões como André Esteves, José Carlos Bumlai e Marcelo Odebrecht, por sua vez, conferiu à história uma densidade digna de Frederick Forsyth.

Já o senador Delcídio do Amaral deu-lhe um toque de 007. Sua tentativa de comprar o silêncio do diretor da Petrobras Nestor Cerveró, tirá-lo da cadeia e despachá-lo para a Espanha num jatinho secreto parece coisa de James Bond.

E todos os fãs de romances policiais sabem que, se o cachorro não latiu para o criminoso, é porque este era conhecido do cachorro. Só falta, portanto, descobrir para quem o cachorro ainda não latiu
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A crise e seus limites


As prisões do senador Delcídio Amaral, líder do PT no Senado, e do banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, instituição ícone do mercado financeiro pela ousadia e sucesso de suas operações, reforçam e dão tons mais dramáticos à influência da Operação Lava-Jato nos destinos da política e da economia. Quando as coisas pareciam caminhar numa direção mais produtiva, com uma trégua política que propiciava a aprovação no Congresso de medidas facilitadoras do ajuste fiscal, o desmantelamento do conluio para evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró recolocou em cena todas as incertezas e instabilidades. Isso ficou visível na reação imediata dos mercados de ativos aos desdobramentos das prisões decretadas. No mercado, ganha quem se antecipa aos fatos e, por essa razão, se a primeira reação não pode ser tomada como tendência mais consistente de longo prazo, não deixa de ser reveladora da percepção daquilo que se espera que possa vir a acontecer em consequência do evento.

Desse ponto de vista, a tradução do mercado foi a de que a economia voltou a se complicar. No mercado de ações, o dia foi de vendas, com destaque para os papéis do BTG Pactual, que chegaram a ser negociados até 40% abaixo da cotação do dia anterior, dos bancos em geral e da Petrobras. A cotação do dólar, revertendo tendência de queda dos últimos dias, deu um pinote, com altas de quase 2%. Também o sensível mercado de CDS para o Brasil, em que são negociados títulos de prevenção contra riscos de calotes, que vinha em queda desde meados de novembro, voltou a empinar.

É certo que a mudança de agenda no Congresso, principalmente no Senado, onde Delcídio era peça-chave do governo nos temas do ajuste fiscal, encurtou os prazos de negociação de medidas cruciais não só para o reequilíbrio em médio prazo das contas públicas, mas em especial para questões de curtíssimo prazo. Esse é o caso da votação da permissão para que o governo possa fechar 2015 com um déficit primário equivalente a 2% do PIB. O assunto estava na pauta justamente na sessão de ontem, suspensa em virtude da prisão do líder petista.

É muito pouco provável que os senadores não concedam, ainda que no apagar das luzes do ano legislativo, o aval para mudar a meta fiscal. Mas o risco existe, e o prazo para escapar de uma escolha de Sofia entre paralisar a administração federal, para cumprir a meta de superávit de 1,1% do PIB, ou descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal ficou mais apertado. O mesmo ocorre — e aí as possibilidades de adiar a definição para 2016 são realmente maiores — com propostas de aumento de arrecadação, notadamente a repatriação de recursos ilegalmente mantidos no exterior, que estava, depois de idas e vindas, bem encaminhada — e por ironia — sob a coordenação de Delcídio Amaral.

Não há dúvida também de que a economia será afetada, ainda que em escala mais limitada, pela previsível e ainda que parcial desestruturação do BTG Pactual, hoje o quinto maior banco privado brasileiro. A repentina saída de cena de seu controlador expõe os riscos das operações em que o banco se envolveu, multiplicado pelo tamanho que atingiu e os tentáculos que desenvolveu. Em razão da abrangência alcançada por seus negócios, envolvendo mais de R$ 300 bilhões em ativos — o equivalente a 5% do PIB, para se ter uma ideia —, os temores no mercado, talvez um pouco exagerados, mas não descartáveis, são de que ocorra algum tipo de contágio de outras instituições financeiras.

Em meio a tantas perplexidades políticas e tão frequentes turbulências econômicas, não se deveria deixar de destacar, de todo modo, um aspecto fundamental desta crise tão profunda: as instituições democráticas resistem, e a lei está prevalecendo. Com isso assegurado, o resto, incluindo a economia, alguma hora acabará encontrando a saída.

José Paulo Kupfer

Aparências e enganos

Por sua história pessoal e por todas as declarações, até de adversários políticos, o senador Delcídio Amaral era gente finíssima, muito querido por todos, por sua cordialidade e simpatia, sua inteligência e educação, seu espírito tolerante e conciliador. Sem acusar ou julgar ninguém, são os primeiros requisitos de um canalha profissional para ganhar a confiança de suas vítimas e poder aplicar seus golpes. Não dá para ser grosso e arrogante e pretender a simpatia e confiança necessárias para exercer sua canalhice.

Também não se deve tripudiar sobre os caídos, mas se o bom e velho Delcídio, com seu look de Vovó Donalda e todas essas qualidades, fez o que fez, imaginem o que fizeram e fazem os suspeitos de sempre, com suas caras de bandido do tipo Jader, Cunha, Renan, Collor, Sarney, Lobão, que não há plástica ou botox, nem implante ou tintura de cabelos que disfarcem, pelo contrário, os tornam ainda mais grotescos e revelam a feiura de suas almas opacas, em contraste com o brilho cafajeste de seus ternos.

Tive um tio muito querido, inteligente e cínico, que sempre dizia que o problema dos governos brasileiros é que, com raras exceções, os talentosos e competentes geralmente são desonestos, e os honestos e bem intencionados são incompetentes e acabam dando mais prejuízo do que os ladrões. Não viveu para ver os governos petistas, mas o tempo lhe deu razão.

Assim como o doce Delcídio, o banqueiro André Esteves é a própria imagem do bom moço honesto e competentíssimo, que inspirava absoluta confiança na praça, e tanto que tantos aplicavam suas economias no seu banco de investimentos e ninguém nunca perdeu dinheiro.

Deveria ter ouvido a advertência do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica em um evento junto com Lula, que fingiu que não ouviu: “Quem gosta muito de dinheiro não deve se meter em política”. Agora, levado pela ambição e pela vaidade, está preso e humilhado, mas quem mandou se meter com políticos?

No “Retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde diz que “só os tolos não julgam pelas aparências.”
Há controvérsias. A Lava-Jato está questionando até Oscar Wilde.

O Brasil em seu labirinto


Dos repetidos rompimentos das barragens de contenção de rejeitos de mineração “a montante de comunidades” soterrando populações indefesas aos repetidos rompimentos das barragens de contenção de gastos públicos criminosos “a montante de economias nacionais” soterrando vidas inteiras de trabalho duro de uma ou mais gerações de inocentes; para todos os seus fracassos e para todas as suas catástrofes, seja qual for a área envolvida, o brasileiro, como um autômato com defeito no software, repete mecanicamente a mesma resposta: precisamos de mais leis, precisamos de mais regulamentos, precisamos de mais fiscalização, precisamos de mais verbas (e impostos)…

Precisamos, enfim, de mais Estado.

Quatro meses antes do desastre de Mariana o Ibama ordenou o embargo da barragem do Fundão. Ha 14.966 “bombas” semelhantes espalhadas pelo território nacional, segundo a última contagem que encontrei na imprensa. Dezesseis delas, em 14 municípios de quatro estados diferentes, já oficialmente catalogadas como “de alto risco” ameaçando diretamente 540 mil pessoas nas bacias do Amzonas, do Paraguai e do moribundo São Francisco.

Entre todos os brasileiros que assistem ou mesmo que protagonizam as longas e circunspectas discussões televisivas sobre as “soluções” para os problemas crônicos que o desastre do dia traz eventualmente à tona, não ha um único que não saiba que fiscalização é só mais um bom negócio que se outorga aos amigos do rei no pais do petrolão; que tudo que os fiscais constatam ou determinam – da


imposição de providências preventivas às multas pelas lamas derramadas e vidas perdidas – pode ser livremente comprado e vendido no mercado ou, no mais das vezes, não passa de jogo de cena pois, em tudo que diz respeito à grande mineração, às grandes inundações hidrelétricas, a toda a sujeira que o petróleo espalha na terra, no mar e no ar, aos futuros acidentes nucleares e a tudo que é grande o bastante para ser realmente ameaçador neste pais, o fiscal e o fiscalizado são a mesma pessoa; o mesmo onipresente Estado que insiste-se em apontar como a solução para os problemas de que ele próprio é a causa.

Quem multa não cobra e quem é multado não paga porque os dois são a mesma pessoa jurídica, e todo brasileiro, sem uma única exceção, está careca de saber disso. Mas continuam todos, como se nada houvesse, comemorando as “multas milionárias” que nunca serão pagas, os “planos derecuperação ambiental” que nunca serão executados e os novos e “severos” regulamentos que – “agora sim” – vão “resolver” o problema.

A questão é de um óbvio ululante e esta coleção rigorosamente “holística” de fracassos que o Brasil vem colhendo é a prova dela: quando o Estado e o Capital são uma só e a mesma entidade, todos e tudo o mais é só comida pra ser mastigada.

Mas como o mesmo Estado que miserabiliza é quem atira a migalha que mantém o nariz do miserável um centímetro acima da lama; como a mesma mineradora que desencadeia o tsunami e depreda o ambiente em volta até o esgotamento e a esterilidade absoluta transforma-se, por isso mesmo, na única alternativa de emprego; como o Estado que arrebenta a economia é o provedor da única ilha — a do funcionalismo — que nunca afunda na inundação, ninguém, o desafia; ninguém põe o dedo na ferida. A farsa continua porque a fera é vingativa e ninguém sabe o dia de amanhã…

E assim vamos, de desastre em desastre, em marcha batida para o desastre final.


A região de Mariana e adjacências vem sendo selvagemente depredada pela mineração ha 300 anos. Foi impossível mostrar o desastre do dia sem deixar entrever, nas mesmas cenas aéreas, a paisagem lunar daquela coleção de crateras gigantescas e insanáveis. Nem um milênio de paz dará jeito naquilo. Os repórteres e os ambientalistas que ha tres semanas não saem da ribalta fazem parte dessa geração que se acostumou a pensar que eucalipto é natureza porque “é verde” e que a carne a venda nos supermercados não veio de animais que estiveram vivos. Mas muito pior que o avanço da lama por aquela corrente esquálida daquele esqueleto de rio é o deserto que se enxerga até onde a vista alcança em ambos os lados do que foi o legendário Baixo rio Doce, o divisor de fauna entre os biomas da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica, recoberto, até ha pouco, pela mãe de todas as florestas deste paraíso luxuriante da botânica que já foi o continente sul americano; ohabitat das mil e uma espécies de beija-flores de Augusto Ruschi, o herói esquecido de um Brasil que amava passarinhos.

O mundo sabe; a História confirma: não ha remissão de nenhuma das nossas crises – a ambiental, a econômica ou a moral – fora da conquista e da submissão do Estado pela cidadania. Mas não ha nenhum sinal dessa virada no horizonte.

Os dicionários da internet definem assim a Síndrome de Estocolmo: “Submetida por tempo prolongado a um stress físico e emocional extremo a mente da vítima inconscientemente fabrica uma estratégia para proteger sua psique em que qualquer sugestão de alivio por parte do sequestrador passa a ser supervalorizada a ponto de leva-la a sentir simpatia ou até mesmo amor pelo seu agressor”.

É uma descrição bastante precisa do presente estado da relação do povo brasileiro com o Estado que o sequestrou.

O escárnio é geral


Três semanas depois o desastre ambiental, provocado pela negligência da Samarco, braço da Vale e da BHP Biliton, continua a ser temperado em banho-maria. sob o sempre cúmplice olhar político-governamental.

"Seria triste e – atrevo-me a dizer – até catastrófico se os interesses particulares prevalecessem sobre o bem comum e chegassem a manipular as informações para proteger os seus projetos". A observação veio de longe no espaço e imensamente distante da moral brasileira. A fala do Papa Francisco em Nairobi cai como carapuça justa para a série de crimes, em dois estados, perpetrados pelo rompimento da represa da Samarco.

Não foi pouca coisa o que a mineradora cometeu. É tão ou mais criminosa do que a corrupção das empreiteiras no petrolão, que se pode converter com prisão e recuperação de dinheiro.

Como limpar o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas de resíduos de lama tóxica contaminando solo, rios e o sistema de água numa área de mais de 850 quilômetros, segundo relatório da ONU? Estocariam esse material aonde se fosse possível recuperá-lo? Como ressarcir os danos sociais do desemprego e da extinção de grande parte da economia local à beira do rio Doce ou do mar de Regência? Como garantir que a lama, no fundo do rio, não continuará por décadas a causar contaminação aos habitantes que usam aquela água, inclusive para a lavoura e criação? Muitos crimes e o tempo passa sem indiciados sequer.

Dilma foi ridícula ao afirmar que o rio voltará a ser melhor do que era. Só uma desqualificada mental pode se achar acima da natureza. E mais flagrante foi ter sido cúmplice ao qualificar, por decreto, o rompimento da barragem como "desastre natural" .

O assassinato do rio Doce com a condenação social de quem vive às suas margens, segundo governo e empresas, deverá ser creditado ao meio ambiente, que ficou na rota de fuga da lama. Pois nada mais cretino do que a "coincidência" dos anúncios dessa sexta-feira. O governo, através de ação pública, pretende cobrar um fundo de R$ 20 bilhões da Samarco, Vale e BHP, mas as mesmas empresas anunciaram, horas antes, que pretendem criar um fundo, ainda sem cifrões, para socorrer a região. O dinheiro do fundo viria das empresas, dos governos, dos empresários interessados e de organizações internacionais.
Quer-se mais cretinice do que as culpadas criarem um fundo com as inocentes para ajudar a limpar a lama? 

Assim uma enxurrada de escárnio cimentaria de vez o crime de que os interesses empresariais estão acima da vida.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Fortes emoções de uma República apodrecida

Está tudo bastante apodrecido. O odor fétido da imoralidade na classe política está exalando de quase todos os lados, de quase todas as instituições. A República carcomida e humilhada vive um impasse sem fim. Enquanto assim for, enquanto tivermos que respirar nesse ar sufocante, a crise política entravará as saídas econômicas, e nosso povo seguirá sofrendo. Assim acontece, via de regra, em países com Estados inchados, em que o que neles se passa tem impacto significativo e amplo sobre a saúde da economia. A Lava Jato pode ser um remédio amargo, mas precisa ser aplicado, e não pode ser em doses homeopáticas. É um tratamento de choque. Precisamos que ela siga adiante, e por isso qualquer tentativa de prejudicá-la e detê-la, intentada pelos vermes a quem ela incomoda, deve ser exemplarmente punida e repudiada.

Oxalá assim o seja em todos os casos, e aqueles que efetivamente comandaram o maior esquema de desmoralização institucional da história do país sejam identificados e presos. Que não paremos nos peixes pequenos, que não paremos na superfície. Os corações do Petrolão, do mensalão, do “PETISTÃO”, ainda estão livres, leves e soltos. Ou melhor, livres e soltos. Leves, despreocupados, tranquilos, já não tenho tanta certeza…

Leia mais artigo de Lucas Berlanza

A força da toga

Tenho um grande amigo, aposentado do Ministério Público do Rio de Janeiro que, na época do mensalão, ao ouvir um bate-papo entre sua mulher e eu, nos interrompeu ao ouvir as duas confessar que não confiávamos nos ministros nomeados pelo Lula e pela Dilma, tal nossa decepção com o PT:

“Isso é porque vocês não conhecem a força da toga”.

Ontem tivemos a prova concreta dessa força.

Ministra Carmen Lúcia na sessão extraordinária de 25/11/2015 (Foto: André Dusek / Agência Estado)
Diante da gravação já hoje célebre feita pelo filho de Nestor Cerverò, na qual se ouve a voz melíflua do senador Delcídio Amaral (PT) tramar vários crimes, da fuga de Cerverò com detalhes assombrosos (e que mostram o quanto o senador já havia estudado o assunto) aos nomes de ministros do Supremo e de outras autoridades que estariam, digamos assim, abertos a qualquer proposta, vimos o STF, o peso da toga republicana sobre seus ombros, reagir com veemência e denodo.

Por ordem do STF, pela primeira vez em nossa História, um senador da República e líder do governo, é preso no cargo.

E não podia ser diferente depois de todas as barbaridades que o filho de Cerverò, em muito boa hora, gravou e entregou na Procuradoria Geral da República.

Apesar da gravidade do assunto, um detalhe chamou minha atenção pela ironia. Deus escreve mesmo certo por linhas tortas... Num dado momento o senador e o advogado de Cerverò discutem, entre outras coisas tais como rotas de fuga, mesadas, subornos e promessas de “vida mansa que segue”, a chance de investir numa diretoria da Petrobrás e mencionam justamente a da Tecnologia da Informação (TI) porque o orçamento é de um R$ 1 bilhão e “lá ninguém enche o saco”. (Para o leitor pouco familiarizado com a TI, sugiro acessar o site InfoWester).

Esse foi outro espanto, saber que na diretoria da Tecnologia da Informação da Petrobrás passava uma verba tão expressiva sem ninguém para aborrecer quem lá se fartava...

Como se pode ver, tem toda a razão o decano do STF, Ministro Celso de Mello, ao dizer que “A ausência de bons costumes leva à corrupção”. Nosso triste Brasil está nessa situação, os bons costumes, em todas as áreas, feneceram e a corrupção transformou-se numa patologia que, infelizmente, levará muito tempo para ser debelada.

Parece que o ex-presidente Lula ficou indignado com o que chamou de burrice: Delcídio se deixar apanhar nessa gravação. São modos de ver, não é? Eu, por exemplo, acho burrice a nota do PT que desobriga o partido de qualquer solidariedade. Precisava dizer isso por escrito, quando já se sabe, por outros casos, que o PT nunca é solidário?

Peço a Deus que as palavras da ministra Carmen Lúcia, na sessão extraordinária de ontem no STF, sejam plenamente absorvidas por todos que de alguma forma têm posição de mando do Brasil:

 “Houve um momento em que nós, brasileiros, acreditamos no mote segundo o qual a esperança tinha vencido o medo. Depois , nos deparamos com a ação penal 470 (mensalão) e descobrimos que o cinismo tinha vencido a esperança. Agora, parece-se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes destas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil. Não passarão sobre novas esperanças do povo brasileiro, porque a decepção não pode estancar a vontade de acertar no espaço público. Não passarão sobre a Constituição do Brasil” .