Temos de compreender o alcance prático da afirmação de Paul Ricoeur, segundo a qual temos por objetivo: “uma vida boa, com e pelos outros, no âmbito de instituições justas. O alcance ético da democracia encontra-se aqui. De facto, o cerne da cidadania responsável e partilhada está na mediação assegurada pelas instituições. É de uma sociedade e de uma economia de pessoas que falamos. A justiça consiste em atribuir a cada um a sua parte – o que pressupõe a justiça distributiva (de Rawls e Habermas), mas também a correção das desigualdades na justiça complexa (de M. Walzer), a igual consideração e respeito de Ronald Dworkin, o republicanismo (de Quentin Skinner e Philip Pettit) ou a relação entre diferentes culturas (de Charles Taylor e Will Kymlicka).
O tema que tem de estar presente na reflexão democrática obriga a ir ao encontro da ideia de confiança e de coesão, que encontramos em Robert Putnam e na noção de capital social. Afinal, as concessões de justiça têm tudo a ver com o aperfeiçoamento da legitimidade democrática, já essencialmente baseada no exercício. A sociedade é cada vez mais conflitual porque complexa, carecendo da regulação mediadora.
O justo e o bom, a igualdade e a autonomia entram em contradição. Mas a sociedade humana, sendo imperfeita, é perfectível. Daí a importância da disponibilidade para ser melhor. A democracia é, assim, a abertura permanente a esse caminho, sem nunca o considerar adquirido. E Ricoeur dá especial importância à relação interpessoal, ao que designa por amor, como modo de completar o justo pelo bom…
Mas importa não esquecer as lógicas diferentes em presença – a da superabundância no amor, e a da equivalência na igualdade. Perroux falava, por isso, de troca e de dom – considerando o que tem preço e não o tem, entendendo-se que aquilo que tem mais valor é o que não tem preço (desde a honra até às relações e bens especialmente estimados)…
Hoje, o ponto essencial na construção democrática está no equilíbrio entre as dimensões singular e comunitária. Mas a democracia exige cada vez mais a subsidiariedade contra a autossuficiência. Deve tratar-se o que é mais próximo a nível local, compreendendo ainda que muitas decisões passam pela ação das regiões ou do Estado-nação e outras, desde o ambiente até à paz, passam pelo nível supranacional.
Guilherme d'Oliveira Martins