sábado, 17 de março de 2018

Só descobrimos Marielle depois de sua morte

Está na hora de nós, jornalistas, revermos nossos métodos de trabalho. Se a vereadora Marielle Franco (PSOL) foi tudo isso que dizemos dela, estávamos obrigados a destacar melhor suas atividades. E a abrir espaço para que expusesse suas ideias. Só depois de morta a descobrimos.

Também fomos incapazes de ver com antecedência o severo estrago que o ex-governador Sérgio Cabral e sua gangue causavam ao Rio de Janeiro quando ainda estavam no poder e eram louvados.


Ao mesmo tempo em que se tornou mais livre, o jornalismo entre nós também se tornou mais preguiçoso, refém de notícias que nos chegam prontas, do disse me disse das fontes oficiais, da consulta ao Google que não passa de um depósito de coisas velhas.

À demanda por mais informações, e informações qualificadas, respondeu-se com a compactação das redações. Hoje, elas são menores, mais jovens, inexperientes, sobrecarregadas e mal pagas. Como exigir que produzam um bom jornalismo?

De resto, o que mais contribui para a degradação do ofício é a cultura da informação gratuita introduzida pela internet. Informação de qualidade custa caro, cada vez mais caro. Somente um público reduzido entende isso e está disposto a pagar por isso. Quem perde mais? Ora, todos perdem.

Jornalismo é algo sério demais para ser feito apenas pelos jornalistas.

Imagem do Dia

Dramas voláteis

Em 2011, a juíza Patricia Aciolli, que enquadrava policiais corruptos e integrantes de milícias, foi emboscada e abatida como um cão com 12 tiros de fuzil no meio da rua, no Rio de Janeiro. Era uma mãe de família exterminada para a dor incurável de quem a amava, era o Estado de Direito sendo atacado, a democracia em perigo, etc., alertaram em vão os lúcidos. Ficaram caladas a então presidente Dilma Rousseff e a extrema-esquerda que bradam agora as sandices da conhecida imoralidade que só enxerga a individualidade submetida à ideologia que suporta causas. Para esse pensamento torpe, não há brasileiros de ambos os sexos, de qualquer idade, profissão, credo, cor ou classe social sendo assassinados; o radar abjeto do cafetão ideológico procura o cadáver modelo, o cadáver causa. O da vereadora Marielle Franco é perfeito nesse sentido; mas também é perfeito para os assassinos que, aparentemente, selecionaram alguém cuja morte poderia gerar tamanha repercussão entre os opositores da intervenção. Por isso, o cadáver de Anderson Gomes e dos demais produzidos naquele dia, nos dias anteriores e nos seguintes, tenham merecido somente comentários ligeiros, quando muito, entre os companheiros de Marielle. Homem, branco, heterossexual e não militante de causa alguma, Anderson não conta, quase atrapalha, pois se parece mais com um “representante do sistema opressor patriarcal neoliberal golpista” do que o protótipo de uma vítima dele e teve o mau gosto de morrer logo ao lado da vereadora, ela, sim, vítima empoderada.


Sim, Marielle, querem seus companheiros, é vítima desse algoz imaginário encarnado na polícia, na intervenção federal, em Temer, no machismo, no racismo, no “golpe” de 2016. Assim, em protestos coletivos e individuais, os militantes cafetões de cadáveres não pedem o fim da criminalidade ou da violência, mas o da polícia e da intervenção. Que tal? Música para os olhos dos criminosos que veem seus negócios ameaçados pela intervenção federal, sinal de que ela, mesmo incipiente, pode abrir caminhos que levem à civilização a população pobre do Rio de Janeiro brutalizada pelo tráfico, pelas milícias, pela banda podre da polícia e, sim, pelos cafetões asquerosos na sua metafísica do bem que categoriza cadáveres e romantiza a bandidagem. Quem matou Patrícia Aciolli foi o braço até aqui invencível do crime organizado: as milícias e policiais corruptos. Os assassinos foram presos, mas mais nada foi feito a respeito da catástrofe de fundo, nada aprendemos, esquecemos quase tudo, ainda que tenhamos perdido um certo jeito de sorrir e, desde então, houve quase 200 mil assassinatos no país. Dramas voláteis. Quem matou a vereadora Marielle e o motorista Anderson não foi o carrasco inventado pela extrema-esquerda; nem eles teriam escapado se estivessem armados como quer a extrema-direita de dentro de seu fetiche sombrio por armas, também ela entregue ao gozo doente da própria cafetinagem macabra. Não sabemos ainda quem são os assassinos, mas já sabemos que a morte tem cafetões: repulsivos militantes de extrema-esquerda e de extrema-direita que disputam cadáveres para suas causas hegemônicas.

Nos próximos dias, levantar-se-ão clamores por leis mais duras e penas mais longas que não serão aplicadas no país em que 8% dos assassinatos são apurados. Para quem gosta de respostas e alvos fáceis, a má notícia que repito aqui há algum tempo é que este desolador florão da América com vista para o inferno não precisa da lentidão ou leniência do STF para a glória da impunidade, pois conta com elas já na base do sistema jurídico. Ele tem 140 mil funcionários para garantir que a lei não se aplique; inépcia, sucateamento ou falta de equipamentos e treinamento, drenagem de recursos pela corrupção e pelos privilégios estabelecidos entre a legalidade duvidosa e a imoralidade inquestionável mantêm uma nação na antessala do inferno. É a certeza de ser pego e de punição o que inibe um criminoso, somada a ela, o controle das fronteiras para deter a entrada de armas e drogas ajudaria a trazer o Brasil para as cercanias da civilização. Tudo isso será dito novamente nos próximos dias; logo depois, o novo vídeo de Anitta, alguma novidade esdrúxula do STF ou o namorico de subcelebridades nos farão esquecer Marielle, Anderson e demais dramas voláteis. No Brasil, o mundo acaba para continuar no dia seguinte porque, afinal, a vida, tão volátil como nossa memória e aprendizado sobre nossos dramas permanentes tratados com respostas estéreis à revolta passageira, continua. Ao menos até virarmos a esquina e nos tornarmos vítimas, empoderadas ou não.

Digitais do Estado abundam na morte de Marielle

O proverbial abismo para o qual a segurança pública caminha no Brasil é uma figura de retórica convenientemente dispersa. Como a bandidagem já dá as cartas há muito tempo e, mesmo assim, o brasileiro continua a ver suas novelas e a pagar os seus carnês, o país vive a ilusão de que o inferno é apenas uma ficção admonitória que nunca se tornará uma realidade irrefutável. Mas a investigação preliminar do fuzilamento da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, indica que o caos completo já chegou. O Estado, que deveria prover a segurança, deixou uma abundante quantidade de digitais na execução.


As autoridades de Brasília, incluindo Michel Temer, ruminam a certeza de que o crime da noite de quarta-feira foi um desafio à interferência de Brasília na segurança do Rio. Se a intervenção a ser afrontada é federal, nada mais perturbador do que utilizar munição federal para atingir o alvo. As nove cápsulas de balas calibre 9 milímetros recolhidas na cena do crime pertenciam ao Departamento de Polícia Federal, em Brasília. Espanto!

A munição veio de um lote de 1,9 milhão de balas vendidas à PF em 2006 pela CBC, Companhia Brasileira de Cartuchos. Uma parte foi desviada, confirma o ministro Raul Jungmann (Segurança Pública). Num desses desvios, ocorrido em 2007, um escrivão chamado Cláudio de Souza Coelho vendeu os cartuchos da PF a bandidos do Rio, acrescenta Jungmann. Pasmo!

O escrivão foi processado, demitido e preso. Entretanto, Jugmann esclarece que mais de 50 inquéritos já foram abertos em função do surgimento das cápsulas surrupiadas da Polícia Federal em cenários de crimes —no Rio de Janeiro e alhures. Quer dizer: a PF diz ter punido o escrivão que entregava ouro aos bandidos. Mas não logrou recuperar a munição, que continua produzindo cadáveres mais de uma década depois do desvio. Estupefação!

Longe dos holofotes, autoridades e investigadores classificaram o assassinato de Marielle como uma “execução” desde a primeira hora. Diante dos repórteres, porém, os protagonistas do caso comportavam-se como se tivessem sido assaltados por uma dúvida. Ou várias dúvidas. Natural. Os bons detetives sempre abrem o leque de hipóteses no início de uma investigação. De resto, a coisa anda tão degradada no Rio de Janeiro que até as dúvidas assaltam. Mas as imagens captadas por câmeras ao longo do trajeto de Marielle vão dissipando as incertezas.

Já não há a mais remota dúvida de que Marielle e seu motorista foram passados nas armas com método. Coisa de profissionais. Sob o guarda-chuva do general-interventor Braga Netto, que administra a segurança do Rio por procuração de Temer, a própria Polícia Civil fluminense informou aos escalões superiores que sua principal linha de investigação é a seguinte: a execução foi planejada e executada por policiais ou ex-policiais que atuam em milícias.

Escondidos num carro estacionado atrás do veículo de Marielle, os assassinos poderiam ter disparado contra ela na Rua dos Inválidos, na saída do sobrado em que a vereadora se reuniu com um grupo de mulheres negras. Mas fizeram questão de ostentar a própria destreza. Seguiram o alvo por cerca de 15 minutos, em dois carros. Um deles emparelhou com o veículo em que estava Marielle. Os vidros escuros não prejudicaram a pontaria direcionada para vulto acomodado no banco de trás.

Se as suspeitas dos investigadores estiverem corretas, Marielle e Anderson foram executados com as balas federais da PF, disparadas por matadores ainda pendurados na folha estadual ou assassinos que aproveitam o treinamento que receberam às custas do Estado para empreender no ramo da barbárie.

Em português claro: a menos que as apurações sofram uma reviravolta, há uma enorme probabilidade de emergir das investigações um assassinato, por assim dizer, estatal. Em linguagem ainda mais clara: na guerra que Temer deflagrou ao assinar o decreto de intervenção, em 16 de fevereiro, o primeiro inimigo a ser enfrentado é o bandido doméstico, infiltrado nas forças de segurança do Estado.

Trata-se de uma obviedade que o general Braga Netto não ignora. Aliás, o interventor já manuseou o detergente ao trocar os comandos das polícias civil e militar. Começou a passar o rodo, providenciando meia dúzia de prisões. O esforço vai virar fumaça se a intervenção não apresentar rapidamente os executores de Marielle e Anderson.

Num país como o Brasil, que se equilibra à beira do vácuo em vários setores, há muitas definições para abismo. Mas, na área de segurança pública, nada se parece mais com o fundo do poço do que um cenário no qual as pessoas não se animam a conversar com um policial a não ser em legítima defesa. A certeza de que o abismo pode ser adiado indefinidamente derrete quando se constata que o Rio é apenas o pedaço do problema que está na vitrine. Há mais encrenca no fundo da loja.

Ao refazer o caminho da munição usada na execução do Rio, a polícia verificou que balas do mesmo lote surrupiado da PF mataram 17 pessoas no caso que ficou conhecido como chacina de Osasco, em 2015. Puxaram o gatilho três PMs e um guarda civil. Além dos cartuchos da PF, usaram projéteis adquiridos na CBC pelo Exército (um lote) e Polícia Militar de São Paulo (dois lotes).

O crime no Brasil é organizado porque o Estado é esculhambado. Tão avacalhado que a bandidagem consegue roubar bala das forças estatais como quem toma pirulito de criança. Além da certeza de que a segurança pública caiu no abismo não há a menor dúvida sobre quem o cavou.

O assassínio da vereadora

O assassínio da vereadora Marielle Franco (PSOL) no Rio de Janeiro demanda rápida reação das autoridades a cargo da segurança pública daquela cidade, ora sob intervenção federal. É preciso celeridade para encontrar e punir os responsáveis por esse crime que chocou o País. Até lá, contudo, também é preciso que haja, em igual medida, serenidade. Em nada contribui para a solução do caso e muito menos para a pacificação do Rio de Janeiro a utilização do assassinato de Marielle para objetivos políticos.

Até que o inquérito seja concluído, qualquer sugestão de que o crime tenha caráter político – isto é, que a vereadora tenha sido assassinada em razão de seu trabalho na Câmara do Rio de Janeiro em defesa dos direitos de moradores de favelas e comunidades carentes – é precipitada e se presta a ornar discursos com finalidades oportunistas.


Não à toa, o PT tratou logo de explorar o caso. Em resolução aprovada a toque de caixa, o partido fez a proeza de vincular o caso de Marielle ao de Lula da Silva, um corrupto condenado. Segundo o texto, “o cerco ao companheiro Lula ocorre em meio a uma escalada de autoritarismo no país”, na qual se insere, diz o partido, a intervenção federal no Rio, chamada na resolução de “militarização de esferas de competência do poder civil”. Daí que “a mais recente e trágica consequência dessa escalada foi o assassinato da companheira Marielle Franco”.

A presidente cassada Dilma Rousseff também deu sua contribuição para essa versão, ao dizer que o assassínio da vereadora “faz parte” do “golpe”, que é como os petistas qualificam o impeachment constitucional que apeou a indigitada senhora da Presidência. “E por que eu digo que faz parte? Porque o golpe não é um ato, o golpe é um processo”, explicou Dilma, para em seguida dizer que a intervenção no Rio “faz parte do crescente do golpe”, que “começa a matar e a reprimir”. Com igual irresponsabilidade, a deputada Erika Kokay (PT-DF) subiu à tribuna da Câmara para dizer que Marielle foi assassinada por “uma bala azeitada pelo golpe que este parlamento deu à democracia deste país”.

Como se observa, para esses personagens o trabalho da polícia é desnecessário, pois já conhecem as motivações e os autores intelectuais do crime. Um grupo de acadêmicos formado no Rio para acompanhar a intervenção federal emitiu nota em que afirma que, “independentemente da motivação dos autores da execução, o que houve foi um assassinato político”. E dizem isso de cara lavada, mesmo não sabendo quem são os homicidas. Ou sabem? Também não faltaram aqueles que viram semelhanças entre o caso de Marielle e assassínios de dissidentes do regime militar, considerando clara a participação de agentes do Estado no episódio e insinuando que o País se encontra à beira do estado de exceção.

Tudo isso se presta a alimentar o clima de animosidade que favorece apenas os inimigos da democracia. Nada tem a ver com o crime em si, muito menos com a própria Marielle, personagem que até seu trágico assassínio era desconhecida da maior parte do País. Na disputa que esses inconformados travam contra as instituições nacionais, Marielle é mero pretexto.

É justamente para desarmar os que exploram a desgraça alheia com propósitos políticos que as investigações precisam muito rapidamente entregar resultados. Do mesmo modo, é necessário que as autoridades não contribuam para dar ao caso os contornos de uma guerra, como fez o secretário nacional de Segurança Pública, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ao dizer que a reação das Forças Armadas e da polícia do Rio terá de ser “enérgica e arrasadora”.

É claro que não se pode pretender, ante a comoção nacional, que o assassínio de Marielle seja tratado como um crime qualquer. Por outro lado, seu caso não pode ser considerado mais importante do que, por exemplo, o assassínio do policial militar Jean Felipe de Abreu Carvalho, de 29 anos, cometido poucas horas depois, na zona oeste do Rio. Jean Felipe estava de folga e foi baleado por assaltantes. Com isso, chegaram a 27 os PMs mortos no Estado do Rio somente neste ano – no ano passado, foram mais de 130 – e nenhum deles teve a notoriedade post mortem da vereadora Marielle.

Paisagem brasileira

No interior do Brasil. http://www.portalanaroca.com.br/gente-olha-que-lindeza-paz-e-sossego/

Vida boa e instituições justas

Temos de compreender o alcance prático da afirmação de Paul Ricoeur, segundo a qual temos por objetivo: “uma vida boa, com e pelos outros, no âmbito de instituições justas. O alcance ético da democracia encontra-se aqui. De facto, o cerne da cidadania responsável e partilhada está na mediação assegurada pelas instituições. É de uma sociedade e de uma economia de pessoas que falamos. A justiça consiste em atribuir a cada um a sua parte – o que pressupõe a justiça distributiva (de Rawls e Habermas), mas também a correção das desigualdades na justiça complexa (de M. Walzer), a igual consideração e respeito de Ronald Dworkin, o republicanismo (de Quentin Skinner e Philip Pettit) ou a relação entre diferentes culturas (de Charles Taylor e Will Kymlicka). 

O tema que tem de estar presente na reflexão democrática obriga a ir ao encontro da ideia de confiança e de coesão, que encontramos em Robert Putnam e na noção de capital social. Afinal, as concessões de justiça têm tudo a ver com o aperfeiçoamento da legitimidade democrática, já essencialmente baseada no exercício. A sociedade é cada vez mais conflitual porque complexa, carecendo da regulação mediadora. 

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O justo e o bom, a igualdade e a autonomia entram em contradição. Mas a sociedade humana, sendo imperfeita, é perfectível. Daí a importância da disponibilidade para ser melhor. A democracia é, assim, a abertura permanente a esse caminho, sem nunca o considerar adquirido. E Ricoeur dá especial importância à relação interpessoal, ao que designa por amor, como modo de completar o justo pelo bom… 

Mas importa não esquecer as lógicas diferentes em presença – a da superabundância no amor, e a da equivalência na igualdade. Perroux falava, por isso, de troca e de dom – considerando o que tem preço e não o tem, entendendo-se que aquilo que tem mais valor é o que não tem preço (desde a honra até às relações e bens especialmente estimados)… 

Hoje, o ponto essencial na construção democrática está no equilíbrio entre as dimensões singular e comunitária. Mas a democracia exige cada vez mais a subsidiariedade contra a autossuficiência. Deve tratar-se o que é mais próximo a nível local, compreendendo ainda que muitas decisões passam pela ação das regiões ou do Estado-nação e outras, desde o ambiente até à paz, passam pelo nível supranacional.
Guilherme d'Oliveira Martins

Democracia endemoninhada

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O medo das ditaduras levou-nos à ditadura da democracia
Millôr

Advogados do Lula infernizam a vida dos ministros do STF

Antigamente o brasileiro ignorava o funcionamento do Supremo Tribunal Federal. Só conhecia as sentenças proferidas quando elas já haviam transitado em julgado. Pois é, naquela época os homens da capa preta não apareciam em público batendo boca e expondo as vísceras do tribunal. Existiam as discussões acirradas entre eles, mas tudo era feito sob o manto do silêncio, sem os holofotes da mídia.

Que bom, agora a gente sabe quem é quem lá dentro.

A televisão exibe hoje as sessões ao vivo e mostra as discussões acaloradas dos seus principais integrantes. Isso começou quando as câmeras chegaram ao plenário. Na maioria das transmissões o que o telespectador assiste é um jogo de vaidades sem limite, um troca troca de insultos e uma autoafirmação doentia. Na disputa pela melhor manchete, eles se agridem em meio a ironias, sarcasmos e ofensas.

Que bom, agora a gente conhece o caráter de cada um.

O espetáculo da TV nos julgamentos importantes desnudou o tribunal e mostrou seus integrantes como simples mortais, portanto, sujeitos a erros. Os equívocos dos seus ministros na interpretação das leis e a conveniência de cada voto chegam à população hoje ao vivo e a cores. Refiro-me, por exemplo, a sessão de 2016 que decidiu por maioria pela prisão imediata de um condenado depois de julgado por um colegiado de segunda instância. Pois é, foi só aparecer um réu ilustre para seus ministros tentarem mudar a regra do jogo, como se o tribunal fosse um laboratório de experiência jurídica.

Que bom, agora a gente sabe da vulnerabilidade de cada um.

A presidente do STF, Carmem Lúcia, já se pronunciou sobre a condenação em segunda instância. Vem repetindo frases e mandando recados para dentro da própria instituição que dirige. Já falou que o tribunal não pode se “apequenar” e que não aceita pressão para por em votação nada que não esteja dentro da pauta do tribunal. Há, portanto, uma torcida lá dentro para emparedar a ministra-chefe depois que o Lula foi condenado a 12 anos e um mês no tribunal de segunda instância. De onde vem a pressão? Certamente dos amigos do Lula que chegaram à Corte pelas suas mãos e que não escondem o constrangimento de vê-lo preso a qualquer momento.

Que bom, agora a gente sabe quem apadrinha o PT lá dentro.

Esse comportamento atípico para quem tem a obrigação de zelar pela Constituição, leva o brasileiro a pensar que o tribunal virou uma extensão do Executivo a quem cabe indicar seus membros, comprometendo-os no momento de aplicar a lei. Portanto, estamos, sem dúvida, diante de um tribunal tendencioso, que trabalha por conveniência e gratidão a quem nomeou seus membros.

Que bom, agora, a população vigilante, repudia decisões de alguns ministros do tribunal.

Diante dessa distorção de funcionalidade, deve-se mudar essa forma de escolha dos seus integrantes para evitar que presidentes sejam julgados por ministros que ele mesmo nomeou. Veja o caso do Lula. O PT indicou praticamente a maioria dos componentes desse atual tribunal, referendados pelo Senado Federal. Ele conversou com cada um, conheceu seus currículos, família, fraquezas, e as suas histórias. É alguns desses ministros que pressionam lá dentro para impedir a prisão do ex-presidente.

Que bom, agora a gente sabe a força que o PT tem no tribunal.

Ora, os ministros do STF não deveriam ser indicados por presidentes da república, mas sim por entidades que representem a classe que fariam eleições diretas para escolher o mais capacitado, eficiente e honrado para a função. Seria mais democrático, inclusive. Em cargo vitalício, evidentemente, esses ministros atuariam com neutralidade diante de casos que envolvem os políticos nobres.

Que bom, a gente assim ficaria mais tranquilo com as decisões da Corte.

Outra coisa que deveria ser adotado como regra no STF: ministro aposentado não poderia advogar. Para assumir o tribunal, essa seria uma das condições imposta ao candidato ao cargo. Ora, não é ético que um ministro volte a frequentar o tribunal na qualidade de advogado. As portas estão abertas, seus antigos assessores prestam reverências ao ex-chefe e os amigos lá dentro à disposição para ajudá-lo. Atualmente vários deles têm escritórios que defendem indiscriminadamente clientes afortunados com pendências no tribunal. É uma concorrência desleal para os concorrentes que não detêm informação privilegiada no tribunal.

Que bom, agora sabemos que o tribunal também serve de trampolim para seus ex-ministros engordarem a conta bancária.

Relato do desaparecimento de um povo

A escalada de violência no conflito entre indígenas e madeireiros na Amazônia levou Thomas Fischermann a Humaitá, no sul do Amazonas, em 2014. A morte de três colonos na região era o ponto de partida do jornalista alemão para uma reportagem.

Sua primeira tentativa de contato com membros da etnia Tenharim, da qual cinco integrantes estavam sendo apontados como autores dos assassinatos, foi impedida por militares enviados para reforçar a segurança na área conhecida como 180, localizada no quilômetro 180 da Transamazônica.

Dias após essa tentativa frustrada, Fischermann fez o primeiro contato com os Tenharins. Na época, o jornalista alemão, que não tinha grande ambição por contatos extremos com a natureza e nem era fã de acampar, não imaginava que a reportagem seria o estopim para o livro Der letzte Herr des Waldes (O último dono da mata, em tradução livre), lançado na quinta-feira na Feira do Livro de Leipzig.

Tenharins vivem em reserva no sul do Amazonas
"O mundo ainda não sabe o quão rápido a Amazônia está desaparecendo e, se a floresta continuar sendo desmatada, muitos segredos da natureza e da farmacologia serão perdidos", afirma Fischermann ao falar sobre a motivação para escrever a obra.

"Além disso, em várias regiões da Amazônia, populações indígenas inteiras estão sendo mortas por madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e organizações ligadas ao tráfico. O destino desses povos é pouco conhecido ou noticiado", acrescenta.

Em "Der letzte Herr des Waldes", o jornalista dá voz ao jovem guerreiro Madarejúwa Tenharim, de 21 anos, que divide com o leitor um pouco da história, cotidiano, cultura e desafios enfrentados por seu povo.

"Inicialmente pretendia escrever um livro-reportagem clássico sobre a Amazônia e o que estava acontecendo com os povos indígenas, mas com o tempo senti que precisava de um protagonista. Os Tenharins têm muito a dizer e falam bem melhor sobre a realidade de sua floresta do que eu como visitante", acrescenta Fischermann.

Nos quatro anos que seguiram a primeira viagem a Humaitá, Fischermann retornou diversas vezes à região para entender os conflitos que ocorriam ali. E também para conhecer a fundo o cotidiano da etnia Tenharim e os desafios que enfrentam diante do encolhimento de sua reserva, desmatada ilegalmente por madeireiros, garimpeiros e fazendeiros.

Atualmente, cerca de mil indígenas fazem parte da etnia, que já chegou a ser formada por mais de 10 mil pessoas. O grupo vive em uma reserva localizada no sul do estado do Amazonas, atravessada pela rodovia Transamazônica, inaugurada na década de 1970. A estrada trouxe consigo as ameaças que colocam em risco a floresta e suas populações.

Durante o tempo em que esteve pesquisando para o livro, Fischermann acompanhou de perto o processo de transformação em curso na região. Segundo o jornalista, a cada ano que passa a reserva dos Tenharins diminui devido ao desmatamento ilegal. O autor avalia que se a destruição continuar no atual ritmo, a tendência é que a floresta na reserva desapareça em dez ou 15 anos.

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