sábado, 17 de março de 2018

O assassínio da vereadora

O assassínio da vereadora Marielle Franco (PSOL) no Rio de Janeiro demanda rápida reação das autoridades a cargo da segurança pública daquela cidade, ora sob intervenção federal. É preciso celeridade para encontrar e punir os responsáveis por esse crime que chocou o País. Até lá, contudo, também é preciso que haja, em igual medida, serenidade. Em nada contribui para a solução do caso e muito menos para a pacificação do Rio de Janeiro a utilização do assassinato de Marielle para objetivos políticos.

Até que o inquérito seja concluído, qualquer sugestão de que o crime tenha caráter político – isto é, que a vereadora tenha sido assassinada em razão de seu trabalho na Câmara do Rio de Janeiro em defesa dos direitos de moradores de favelas e comunidades carentes – é precipitada e se presta a ornar discursos com finalidades oportunistas.


Não à toa, o PT tratou logo de explorar o caso. Em resolução aprovada a toque de caixa, o partido fez a proeza de vincular o caso de Marielle ao de Lula da Silva, um corrupto condenado. Segundo o texto, “o cerco ao companheiro Lula ocorre em meio a uma escalada de autoritarismo no país”, na qual se insere, diz o partido, a intervenção federal no Rio, chamada na resolução de “militarização de esferas de competência do poder civil”. Daí que “a mais recente e trágica consequência dessa escalada foi o assassinato da companheira Marielle Franco”.

A presidente cassada Dilma Rousseff também deu sua contribuição para essa versão, ao dizer que o assassínio da vereadora “faz parte” do “golpe”, que é como os petistas qualificam o impeachment constitucional que apeou a indigitada senhora da Presidência. “E por que eu digo que faz parte? Porque o golpe não é um ato, o golpe é um processo”, explicou Dilma, para em seguida dizer que a intervenção no Rio “faz parte do crescente do golpe”, que “começa a matar e a reprimir”. Com igual irresponsabilidade, a deputada Erika Kokay (PT-DF) subiu à tribuna da Câmara para dizer que Marielle foi assassinada por “uma bala azeitada pelo golpe que este parlamento deu à democracia deste país”.

Como se observa, para esses personagens o trabalho da polícia é desnecessário, pois já conhecem as motivações e os autores intelectuais do crime. Um grupo de acadêmicos formado no Rio para acompanhar a intervenção federal emitiu nota em que afirma que, “independentemente da motivação dos autores da execução, o que houve foi um assassinato político”. E dizem isso de cara lavada, mesmo não sabendo quem são os homicidas. Ou sabem? Também não faltaram aqueles que viram semelhanças entre o caso de Marielle e assassínios de dissidentes do regime militar, considerando clara a participação de agentes do Estado no episódio e insinuando que o País se encontra à beira do estado de exceção.

Tudo isso se presta a alimentar o clima de animosidade que favorece apenas os inimigos da democracia. Nada tem a ver com o crime em si, muito menos com a própria Marielle, personagem que até seu trágico assassínio era desconhecida da maior parte do País. Na disputa que esses inconformados travam contra as instituições nacionais, Marielle é mero pretexto.

É justamente para desarmar os que exploram a desgraça alheia com propósitos políticos que as investigações precisam muito rapidamente entregar resultados. Do mesmo modo, é necessário que as autoridades não contribuam para dar ao caso os contornos de uma guerra, como fez o secretário nacional de Segurança Pública, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ao dizer que a reação das Forças Armadas e da polícia do Rio terá de ser “enérgica e arrasadora”.

É claro que não se pode pretender, ante a comoção nacional, que o assassínio de Marielle seja tratado como um crime qualquer. Por outro lado, seu caso não pode ser considerado mais importante do que, por exemplo, o assassínio do policial militar Jean Felipe de Abreu Carvalho, de 29 anos, cometido poucas horas depois, na zona oeste do Rio. Jean Felipe estava de folga e foi baleado por assaltantes. Com isso, chegaram a 27 os PMs mortos no Estado do Rio somente neste ano – no ano passado, foram mais de 130 – e nenhum deles teve a notoriedade post mortem da vereadora Marielle.

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