domingo, 15 de agosto de 2021

Pensamento do Dia


 

Ex-agentes da ditadura argentina são condenados por estupro de prisioneiras

A justiça argentina sentenciou na sexta-feira a mais de 20 anos de prisão dois ex-militares que aturaram na repressão da ditadura do país entre 1976 e 1983. Eles foram acusados por crimes sexuais cometidos contra presas políticas em um centro de tortura que funcionou em Buenos Aires.

O capitão de fragata reformado Jorge "Tigre" Acosta, de 80 anos, apontado como encarregado do centro clandestino que funcionou na Escola de Mecânica da Marinha (Esma), foi sentenciado a 24 anos de prisão. Já o ex-agente de inteligência Alberto "Gato" González recebeu uma sentença de 20 anos. O julgamento foi realizado à porta fechada, a pedido das vítimas.

As condenações foram somadas à prisão perpétua que já pesava sobre os dois torturadores por outras violações dos direitos humanos durante a ditadura, incluindo tortura e roubo de crianças.

Jorge Acosta foi condenado pela primeira vez em 2011. Além de atuar como torturador para a ditadura argentina, Acosta também serviu como consultor militar nos anos 1980 para o regime do Apartheid na África do Sul. Em 1998, foi revelado que ele possuía conta num banco suíço na qual escondia valores roubados de prisioneiros políticos.

Desta vez, Acosta e González foram considerados culpados de "estupro com agravante por ter sido cometido em concurso de duas ou mais pessoas" e de estupro reiterado em pelo menos dez ocasiões, crimes considerados de lesa humanidade, razão pela qual não prescrevem separadamente de outros crimes de tortura e sequestros.

No caso, foram analisados crimes sexuais cometidos contra três mulheres entre 1977 e 1978 na Esma, local onde também funcionou uma maternidade clandestina que serviu como centro de rapto de bebês de prisioneiras. Cerca de 5 mil prisioneiros passaram pela Esma entre 1976 e 1983. Apenas 150 sobreviveram.

"Há muitas companheiras que ainda hoje não conseguem falar do que sofreram, do que aconteceu com elas. Porque não compreendem que se não tivessem se submetido, teriam sido passageiras de algum voo da morte. Por fim, como outros repressores, o chefe do grupo de trabalhos da Esma e um dos oficiais foram condenados por estupros", disse Miriam Lewin, uma das vítimas.

Na Argentina, a Procuradoria de Crimes contra a Humanidade busca desde 2012 a responsabilização penal destes crimes de violência sexual cometidos durante a ditadura e os considera crimes autônomos com o propósito de estabelecer responsabilidades.

Durante a ditadura argentina, ocorreram cerca de 30.000 desaparecimentos forçados, segundo os organismos de defesa dos direitos humanos. Mais de 1.000 pessoas envolvidas com a repressão receberam sentenças de prisão no país desde 2005, quando mecanismos de anistia instituídos nos anos 1980 foram anulados pela Justiça.

Deutsche Welle

O limite da obediência

Depois do espetáculo deprimente do “desfile” militar de terça-feira ganhou corpo nos altos escalões das Forças Armadas a discussão sobre os limites de obediência ao Napoleão que transformou o Planalto num hospício.

Alguns oficiais participantes desse debate (em reuniões formais e, principalmente, por grupos fechados em redes sociais) lembram o princípio consolidado na “Führungsakademie” do Exército alemão, que equivale à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército brasileiro.

É o princípio da “Innere Führung” – traduzido livremente como “conduta moral” – desenvolvido como premissa do rearmamento da então Alemanha Ocidental nos anos 50 e da educação de todos seus líderes militares.

Esse princípio estabelece que o militar é tão somente um “cidadão em uniforme”, e que deve se orientar por valores éticos e morais pertinentes a um estado democrático e de direito, e não pela obediência cega a ordens superiores (que não deixa de ser elemento essencial no funcionamento operacional de forças armadas).

Admite-se nesses círculos que o “desfile” foi uma desmoralização para as Forças Armadas e que Bolsonaro é “inassessorável” – eufemismo para “incontrolável”.


Na cabeça desses oficiais superiores uma ordem tresloucada dele deixou de ser uma possibilidade e passou a ser uma probabilidade. Com tendência crescente, à medida que o isolamento político e as consequentes derrotas do presidente se acumulam e a crença mística que Bolsonaro possui de si mesmo o faz pensar que está ganhando força quando o que ocorre no mundo real da política é o contrário.

No melhor dos cenários sobre os quais se conversa amplamente nos círculos de militares superiores da ativa, Bolsonaro desiste das eleições e, consequentemente, a candidatura Lula se desidrata, mas essa possibilidade é tida como utópica.

Na pior simulação, segundo um participante desse debate, ele vai desrespeitar alguma ordem do STF, convocará seus seguidores para algum tipo de “resistência” nas ruas, haverá conflitos, correrá sangue e então as Forças Armadas serão chamadas para algum tipo da detestada (pelos militares) operação de Garantia da Lei e da Ordem.

Nessas mesmas conversas é reiterado que qualquer tipo de afastamento de Bolsonaro da Presidência teria de ser exclusivamente pelas vias legais – ou seja, assim como se refuta a possibilidade de golpe, recusa-se a ideia de um “ultimato” de oficiais superiores descontentes (e o número é crescente) ao presidente e seu comportamento desequilibrado.

Ocorre que as vias legais parecem hoje pouco factíveis, como a do impeachment. Ou de longa duração e legitimidade contestável do ponto de vista político, que é o caminho da inelegibilidade via TSE.

Resta enfrentar a desmoralização das instituições incessantemente perseguidas por Bolsonaro num ambiente político polarizado, deteriorado e próximo do que os militares chamam de “bomba social”, que é o desemprego, a miséria e a inflação intoleráveis para os mais pobres. Sem que se identifique neste governo qualquer projeto ou plano de ação para realmente fazer o País crescer além de dar dinheiro para ganhar eleições, fuzila um importante oficial superior.

Os raciocínios de militares de altas patentes espelham milimetricamente o que passaram a manifestar figuras expressivas de segmentos do mundo empresarial e financeiro, para os quais Bolsonaro não é apenas ruim para os negócios. Tornou-se a expressão de olhos revirados e vociferante do Brasil tosco, bruto, retrógrado – um motivo de constrangimento e vergonha internacional, e um acinte aos princípios e valores de uma sociedade aberta e próspera. E que se empenha em bloquear, em vez de facilitar, qualquer caminho de conciliação política, debate racional e empenho em tratar dos temas realmente relevantes.

Porém, da mesma maneira que as divididas elites econômicas e políticas, também as elites militares estão divididas e sem um claro curso de ação. Sofrem, como as outras, de falta de lideranças.

Demagogos e tiranos

Numa semana cheia de lances espetaculares, a visita do Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, ao Presidente Jair Bolsonaro foi o mais discreto e talvez o mais importante nestes tempos tumultuados.

O emissário do presidente Joe Biden trouxe na sua bagagem três grandes temas: a inegociável proteção do meio ambiente; a possibilidade de afastar a chinesa Huawei do leilão do sistema 5G do projeto de internet brasileiro e a defesa da democracia e das liberdades no Brasil, incluindo a realização de eleições presidenciais livres com alternância no poder.

A contrapartida oferecida foi a possibilidade de o Brasil integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).


Isso aconteceu antes dos blindados passearem pela Esplanada dos Ministérios sem nenhuma razão aparente, além de tentar constranger os deputados quando se preparavam para derrubar a adoção do voto em cédula no Brasil.

O encontro do norte-americano com o brasileiro, subitamente, se tornou dramático e inesperado. Bolsonaro achou conveniente afirmar que a eleição de Biden foi marcada por fraudes de todos os tipos. Ele disse que, no seu entender, Trump venceu o pleito.

As possibilidades de golpe militar na democracia brasileira são escassas. Sem apoio de Washigton transforma-se em missão quase impossível. O Brasil, como certa vez disse Ulysses Guimarães, não é uma Uganda qualquer. É uma economia forte, que acolhe investimentos pesados de diversos países inclusive norte-americanos.

Militares brasileiros e norte-americanos se encontram e confraternizam lá e cá em cursos de vários tipos. Os adidos militares nos Estados Unidos têm contato direto com fornecedores de equipamentos para Marinha, Exército e Aeronáutica. Romper estes laços significa enorme prejuízo para o governo brasileiro e, em especial, para as Forças Armadas.

A informação passada por Bolsonaro aos norte-americanos significa que ele vai tentar fazer aqui o que Trump fez lá.

Bolsonaro está seguindo roteiro consagrado na formação de líderes populistas que se transformaram em ditadores. Mussolini, trajando camisa preta, apareceu perante o Rei Vitor Emanuel III, consciente do espetáculo, avançou sobre o piso de mármore do Palácio Quirinal, cumprimentou o monarca e disse: ‘Senhor, perdoe-me. Estou vindo do campo de batalha’.

Depois fez misérias na Itália, firmou uma aliança com a Alemanha e foi à guerra. Terminou seus dias pendurado de cabeça para baixo num posto de gasolina em Milão, ao lado de sua amante Clara Petacci, também de cabeça para baixo, mas com a saia cuidadosamente amarrada na altura do tornozelo.

Seu caminho foi o conhecido: milicias constrangendo, batendo, matando, censurando e criando narrativa própria.

Hitler seguiu roteiro semelhante na Alemanha. Depois de passar nove meses preso – quando escreveu "Minha Luta" – por ter tentado derrubar o governo em 1923 conseguiu se recuperar. Após dez anos seu pequeno partido nacionalista conseguiu boa votação. Diante da falta de acordo entre as forças dominantes, o presidente Hindenburg o convidou para assumir a chefia do governo.

Os experientes políticos achavam, na época, que poderiam controlar o novo personagem. Ele, um perigoso populista, transformou-se em ditador sanguinário que matou milhões de judeus e lançou a Europa numa convulsão de 50 milhões de mortos.

Sob Bolsonaro, Brasil já vive autocracia informal

Trava-se em Brasília uma queda de braço entre a força do direito e o direito da força. Numa parceria inédita, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal tentam enquadrar Bolsonaro. Num movimento previsível, o presidente reage ao cerco judicial dobrando a aposta. Ele mantém a língua em riste. Continua distribuindo insultos, mentiras e ameaças. Implantou-se no Brasil uma espécie de autocracia informal.

Como era previsto, o ministro Alexandre de Moraes acatou no Supremo Tribunal Federal mais uma notícia-crime do Tribunal Superior Eleitoral. Inaugurou no âmbito do inquérito sobre fake news nova investigação contra Bolsonaro, dessa vez para apurar o vazamento de inquérito sigiloso da Polícia Federal. É nítida a escalada do Judiciário sobre o presidente.

É cristalina também a desfaçatez de Bolsonaro. Ele desdenhou da decisão de Moraes, reiterou a mentira segundo a qual as eleições estão sujeitas a fraudes porque a contagem dos votos é feita "por meia dúzia de pessoas" em uma "salinha secreta", disse que as Forças Armadas o apoiam e voltou a insultar Luís Roberto Barroso, o presidente do TSE.

A velha tirada do Churchill, sobre a democracia ser o pior regime imaginável com exceção de todos os outros, poderia ganhar uma versão brasileira: até um simulacro de democracia é preferível à autocracia informal que Bolsonaro implanta no Brasil. O presidente já aparelhou a Polícia Federal, imobilizou a Procuradoria-Geral da República, trancou as gavetas da Presidência da Câmara e venezualizou as Forças Armadas.

Agora, o presidente age para desmoralizar o Judiciário. Nesse ambiente, ou a força do direito prevalece sobre a presunção de Bolsonaro de que dispõe do direito de se impor pela força da empulhação ou avacalha-se o que restou da democracia brasileira..
Josias de Souza