sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022
Desesquecer
Ao final de Mães paralelas, o novo filme de Pedro Almodóvar (que está em cartaz em São Paulo e logo entra em exibição na Netflix), surge na tela uma frase do escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015). Em letras brancas sobre fundo preto, as palavras cumprem a função de resumir a moral da história, como se fossem um post scriptum ou uma espécie de envoi:
“Não há história muda. Por mais que a queimem, que a dilacerem, por mais que mintam, a história humana se nega a calar a boca.”
Parece uma oração. Parece uma profecia. Parece um poema. Parece verdade. Mas será verdade?
Mães paralelas narra os encontros e desencontros de duas mulheres que dão à luz no mesmo dia, na mesma maternidade e ficam hospedadas no mesmo quarto. As duas não se conheciam até despencarem em suas camas emparelhadas. Elas vêm de formações distintas, classes apartadas, universos desconectados. Uma não tem nada a ver com a outra, até que a trama encadeada por Almodóvar começa a embaraçar as duas em laços bem atados, definitivos e belos.
O filme não traz (quase) nenhum toque de comédia. Nesse ponto é diferente dos grandes sucessos do cineasta espanhol. O andamento grave combina algumas notas de romance com uma crítica severa ao esquecimento das atrocidades cometidas pelos fascistas (franquistas) durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O enredo pesa e comove. As duas mulheres, as tais “mães paralelas”, vivem a experiência da maternidade enquanto descobrem a si mesmas: Ana (Milena Smit) quer se libertar da família burguesa, enquanto Janis (Penélope Cruz), mais velha que a companheira de quarto, está empenhada em encontrar o lugar em que foi sepultado o seu bisavô, executado na Guerra Civil por tropas do franquismo.
A partir daí, as verdades íntimas de cada uma delas se descortinam em paralelo com os fatos históricos que vão sendo exumados. A subjetividade irredutível de Ana e Janis vai ganhando consistência no mesmo ritmo em que os crimes contra a humanidade são dados à luz.
Então, no fecho de tudo, entra em cena o texto de Eduardo Galeano, o célebre autor de As veias abertas da América Latina, de 1971. “A história humana se nega a calar a boca”, ele nos garante. O trecho em questão faz parte de um breve ensaio, “La impunidad de los cazadores de gente”, dentro do livro Patas arriba: la escuela del mundo al revés, de 1998. É bonito ler a mensagem confiante, depois de ver um filme também bonito e confiante. A certeza de que nada ficará esquecido, de que nada ficará impune, vem nos confortar e nos fortalecer. Dá vontade de acreditar. Dá até para chorar.
Mas será que é assim mesmo? Será crível a crença de Almodóvar e Galeano? Existiria um impulso próprio nos acontecimentos passados, um impulso que os impediria de se calar? Será que podemos pensar na história como pensamos sobre o recalcado na psicanálise? O recalcado, segundo os psicanalistas, sempre volta – e volta porque, de um jeito ou de outro, não dá sossego ao sujeito. O que se encontra recalcado sempre conspira para retornar. Só com muito trabalho, imenso trabalho, o sujeito dá conta de manter escondido o que está recalcado. Quando o cidadão se cansa, ou quando se distrai, a coisa irrompe lá do fundo do armário e vem à superfície, como lava de vulcão. Voltando ao filme, será que a história, ou, como diz Galeano, a “história humana”, funciona do mesmo jeito que o recalcado numa pessoa qualquer?
Talvez não. Quando um idioma desaparece (e mais de 200 línguas desapareceram desde 1950, segundo a Unesco, e outras 2. 500 têm sua existência ameaçada), uma história inteira desaparece. Língua morta, história morta. Também os fatos desaparecem. Os atos humanos tendem naturalmente ao esquecimento, a menos que um outro ato humano, como o trabalho dos repórteres ou dos historiadores, venha impedir que eles se percam na escuridão. Enquanto o recalcado exige trabalho psíquico para continuar esquecido, a história exige trabalho investigativo para não ser esquecida. Sem esse trabalho, a verdade factual – a mais frágil das verdades, como ensina Hannah Arendt – sumiria no tempo. Quando entregue à sua própria inércia, a história, sim, se cala. Para termos direito à memória – tema por excelência do filme de Almodóvar –, lutar por isso, temos de investir no trabalho duro para construir as vias de acesso ao passado.
No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade teve uma trabalheira federal para descrever objetivamente as graves violações dos direitos humanos cometidas pelos agentes da ditadura militar. O que veio depois? O esquecimento. As recomendações deixadas pela comissão seguem mudas, caladas.
E o que é que não se cala? O fascismo. Dia desses, um rapaz – que dizem ser famoso nas redes sociais – defendeu publicamente a legalização de um partido nazista no nosso País. É o recalcado que retorna, nos braços da ignorância e do esquecimento da história.
A palavra aletheia, em grego, normalmente traduzida como “verdade”, tem o sentido de não esquecimento. O problema é que o humano esquece. Esquece e reincide.
“Não há história muda. Por mais que a queimem, que a dilacerem, por mais que mintam, a história humana se nega a calar a boca.”
Parece uma oração. Parece uma profecia. Parece um poema. Parece verdade. Mas será verdade?
Mães paralelas narra os encontros e desencontros de duas mulheres que dão à luz no mesmo dia, na mesma maternidade e ficam hospedadas no mesmo quarto. As duas não se conheciam até despencarem em suas camas emparelhadas. Elas vêm de formações distintas, classes apartadas, universos desconectados. Uma não tem nada a ver com a outra, até que a trama encadeada por Almodóvar começa a embaraçar as duas em laços bem atados, definitivos e belos.
O filme não traz (quase) nenhum toque de comédia. Nesse ponto é diferente dos grandes sucessos do cineasta espanhol. O andamento grave combina algumas notas de romance com uma crítica severa ao esquecimento das atrocidades cometidas pelos fascistas (franquistas) durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O enredo pesa e comove. As duas mulheres, as tais “mães paralelas”, vivem a experiência da maternidade enquanto descobrem a si mesmas: Ana (Milena Smit) quer se libertar da família burguesa, enquanto Janis (Penélope Cruz), mais velha que a companheira de quarto, está empenhada em encontrar o lugar em que foi sepultado o seu bisavô, executado na Guerra Civil por tropas do franquismo.
A partir daí, as verdades íntimas de cada uma delas se descortinam em paralelo com os fatos históricos que vão sendo exumados. A subjetividade irredutível de Ana e Janis vai ganhando consistência no mesmo ritmo em que os crimes contra a humanidade são dados à luz.
Então, no fecho de tudo, entra em cena o texto de Eduardo Galeano, o célebre autor de As veias abertas da América Latina, de 1971. “A história humana se nega a calar a boca”, ele nos garante. O trecho em questão faz parte de um breve ensaio, “La impunidad de los cazadores de gente”, dentro do livro Patas arriba: la escuela del mundo al revés, de 1998. É bonito ler a mensagem confiante, depois de ver um filme também bonito e confiante. A certeza de que nada ficará esquecido, de que nada ficará impune, vem nos confortar e nos fortalecer. Dá vontade de acreditar. Dá até para chorar.
Mas será que é assim mesmo? Será crível a crença de Almodóvar e Galeano? Existiria um impulso próprio nos acontecimentos passados, um impulso que os impediria de se calar? Será que podemos pensar na história como pensamos sobre o recalcado na psicanálise? O recalcado, segundo os psicanalistas, sempre volta – e volta porque, de um jeito ou de outro, não dá sossego ao sujeito. O que se encontra recalcado sempre conspira para retornar. Só com muito trabalho, imenso trabalho, o sujeito dá conta de manter escondido o que está recalcado. Quando o cidadão se cansa, ou quando se distrai, a coisa irrompe lá do fundo do armário e vem à superfície, como lava de vulcão. Voltando ao filme, será que a história, ou, como diz Galeano, a “história humana”, funciona do mesmo jeito que o recalcado numa pessoa qualquer?
Talvez não. Quando um idioma desaparece (e mais de 200 línguas desapareceram desde 1950, segundo a Unesco, e outras 2. 500 têm sua existência ameaçada), uma história inteira desaparece. Língua morta, história morta. Também os fatos desaparecem. Os atos humanos tendem naturalmente ao esquecimento, a menos que um outro ato humano, como o trabalho dos repórteres ou dos historiadores, venha impedir que eles se percam na escuridão. Enquanto o recalcado exige trabalho psíquico para continuar esquecido, a história exige trabalho investigativo para não ser esquecida. Sem esse trabalho, a verdade factual – a mais frágil das verdades, como ensina Hannah Arendt – sumiria no tempo. Quando entregue à sua própria inércia, a história, sim, se cala. Para termos direito à memória – tema por excelência do filme de Almodóvar –, lutar por isso, temos de investir no trabalho duro para construir as vias de acesso ao passado.
No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade teve uma trabalheira federal para descrever objetivamente as graves violações dos direitos humanos cometidas pelos agentes da ditadura militar. O que veio depois? O esquecimento. As recomendações deixadas pela comissão seguem mudas, caladas.
E o que é que não se cala? O fascismo. Dia desses, um rapaz – que dizem ser famoso nas redes sociais – defendeu publicamente a legalização de um partido nazista no nosso País. É o recalcado que retorna, nos braços da ignorância e do esquecimento da história.
A palavra aletheia, em grego, normalmente traduzida como “verdade”, tem o sentido de não esquecimento. O problema é que o humano esquece. Esquece e reincide.
Pátria assassina
Dia desses mataram alegria, grávida de quatorze semanas, bala perdida, digo, bala encontrada. O bom senso, que já andava capenga, foi morto a pauladas atrás de um quiosque no Rio de Janeiro ao cobrar o seu sustento. A empatia também foi estrangulada no estacionamento de um supermercado. O afeto saiu pra trabalhar e não voltou mais, não encontraram o corpo até hoje. Ajuntamento na esquina da Assis Brasil com a Sertório, cena forte, compaixão destroçada no asfalto quente, pernas e braços amputados, foi atingida por um carro na contramão, o motorista fugiu sem prestar socorro. Alguém serviu pra boa fé, moradora de rua, um prato de comida misturada com pó de vidro. Gratidão morreu de sede. Coragem suicidou-se. Autoestima pulou do terraço de salto alto, do prédio mais alto, da Avenida Paulista. A generosidade foi vista a última vez, doente, todos os dentes podres, pedindo esmola na Cracolândia. Com a tolerância foi cirrose, nem transplante de fígado a salvou. O carinho adoeceu de repente, foi definhando, definhando, amarelou, perdeu os cabelos, já não se alimentava mais, até que não resistiu. No atestado de óbito do encantamento dizia: morte por causas naturais. Doação afogou-se na última enchente. Compreensão pegou fogo, incêndio criminoso. Esfaquearam a dignidade em plena luz do dia, ninguém fez nada. O respeito perdeu-se por completo, não foi mais visto nem é lembrado. Com o perdão foi latrocínio. Felicidades morreu de saudade. A liberdade está sendo caçada, dois olhos arregalados, esconde-se como pode. Perdão pegou perpétua, tuberculoso, agachado no canto de uma cela fedorenta. A fé teve morte cerebral. A humanidade não encontrou vaga na UTI, não há previsão de melhora. Esperança, entubada, ainda resiste ligada em aparelhos.
Bolsonaro critica o nazismo para poder compará-lo ao comunismo
Morreram milhões de pessoas na extinta União Soviética quando ela foi governada pelo ditador Joseph Stalin, assim como na China durante a guerra civil vencida pelo ditador Mao Tsé-Tung.
Mas só na Alemanha do ditador Adolf Hitler houve um regime racista: o nazismo, que matou 6 milhões de judeus, ciganos, gays e pessoas deficientes a pretexto de purificar a raça ariana.
Defensor da tortura, da ditadura e réu em processo de estupro, Bolsonaro, que ano passado recepcionou uma deputada alemã neta de um ministro de Hitler, criticou o nazismo nas redes sociais.
Sem citar as demissões do influenciador digital Bruno Aiub, o Monark, e do comentarista da TV Jovem Pan Adrilles Jorge, disse que “a ideologia nazista deve ser repudiada de forma irrestrita”.
Monark havia defendido a legalização no Brasil de um partido nazista, e Jorge, ao discutir o assunto, despediu-se dos expectadores com o gesto de mão imortalizado por Hitler.
Bolsonaro quis escapar aos efeitos da polêmica, manter os votos que tem entre os judeus e ao mesmo tempo usar o nazismo para compará-lo ao comunismo. Então, escreveu no Twitter:
“É de nosso desejo, inclusive, que outras organizações que promovem ideologias que pregam o antissemitismo, a divisão de pessoas em raças ou classes, e que também dizimaram milhões de inocentes ao redor do mundo, como o comunismo, sejam alcançadas e combatidas por nossas leis”.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) tem um projeto de lei na Câmara que propõe a criminalização do comunismo. Para ele, seus irmãos e o pai, Lula e sua turma são comunistas de carteirinha.
É bem capaz de acharem que o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos chefes do Movimento Brasil Livre, também seja. Bolsonaristas e petistas uniram-se para cassar seu mandato.
Os bolsonaristas, porque Kim, agora, apoia a candidatura do ex-juiz Sergio Moro (Podemos). Os petistas, porque ele deu força à ideia da criação de um partido nazista no Brasil ao dizer:
“Por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que [seja o assunto que] o sujeito defenda, isso não deve ser crime. Por quê? Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória, é você dando luz àquela ideia para que aquela ideia seja rechaçada socialmente, e então socialmente rejeitada”.
Confuso, não? Idiota e abjeto! No Twitter, Kim admitiu o erro:
“Gostaria de aproveitar esse espaço para reforçar meu pedido de desculpas para toda a comunidade judaica. Foi um erro tratar um assunto tão delicado quanto esse da forma que tratei”.
Mas só na Alemanha do ditador Adolf Hitler houve um regime racista: o nazismo, que matou 6 milhões de judeus, ciganos, gays e pessoas deficientes a pretexto de purificar a raça ariana.
Defensor da tortura, da ditadura e réu em processo de estupro, Bolsonaro, que ano passado recepcionou uma deputada alemã neta de um ministro de Hitler, criticou o nazismo nas redes sociais.
Sem citar as demissões do influenciador digital Bruno Aiub, o Monark, e do comentarista da TV Jovem Pan Adrilles Jorge, disse que “a ideologia nazista deve ser repudiada de forma irrestrita”.
Monark havia defendido a legalização no Brasil de um partido nazista, e Jorge, ao discutir o assunto, despediu-se dos expectadores com o gesto de mão imortalizado por Hitler.
Bolsonaro quis escapar aos efeitos da polêmica, manter os votos que tem entre os judeus e ao mesmo tempo usar o nazismo para compará-lo ao comunismo. Então, escreveu no Twitter:
“É de nosso desejo, inclusive, que outras organizações que promovem ideologias que pregam o antissemitismo, a divisão de pessoas em raças ou classes, e que também dizimaram milhões de inocentes ao redor do mundo, como o comunismo, sejam alcançadas e combatidas por nossas leis”.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) tem um projeto de lei na Câmara que propõe a criminalização do comunismo. Para ele, seus irmãos e o pai, Lula e sua turma são comunistas de carteirinha.
É bem capaz de acharem que o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos chefes do Movimento Brasil Livre, também seja. Bolsonaristas e petistas uniram-se para cassar seu mandato.
Os bolsonaristas, porque Kim, agora, apoia a candidatura do ex-juiz Sergio Moro (Podemos). Os petistas, porque ele deu força à ideia da criação de um partido nazista no Brasil ao dizer:
“Por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que [seja o assunto que] o sujeito defenda, isso não deve ser crime. Por quê? Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória, é você dando luz àquela ideia para que aquela ideia seja rechaçada socialmente, e então socialmente rejeitada”.
Confuso, não? Idiota e abjeto! No Twitter, Kim admitiu o erro:
“Gostaria de aproveitar esse espaço para reforçar meu pedido de desculpas para toda a comunidade judaica. Foi um erro tratar um assunto tão delicado quanto esse da forma que tratei”.
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