domingo, 21 de abril de 2019

Pensamento do Dia


Hora do renascer

Não há melhor momento para dar uma virada do que na Páscoa. Passadas as reflexões e homenagens que se faz durante a celebração do martírio e da morte de Cristo, comemora-se hoje o renascimento, a sobrevida, a virada. Os ovos de Páscoa distribuídos nesse dia guardam o simbolismo do nascimento e da vida na cultura cristã, que toca 86,8% dos brasileiros, segundo o Censo de 2010 do IBGE.

Milhões de cristãos em todo o país, os que de fato guardam fé em seus corações, julgam ser esta a data mais adequada para mudar, mudar para melhor. Muitos enfrentam a quaresma como uma etapa de sacrifício e purificação que culmina no domingo do renascimento.

Um governo que teve em seu lema eleitoral a expressão “Deus acima de todos” poderia comungar dessa ideia e apostar numa virada a partir de agora. Não custa jurar diante do Altíssimo que se quer errar o menos possível. Não há nada mais puro do que a promessa de que se vai buscar o acerto e consultar aqueles que sabem mais sempre que se for tomar uma decisão importante, que mexa com a vida de pessoas, empresas ou instituições.

Os cristãos sabem muito bem que o perdão se obtém quando o remorso for genuíno e o coração estiver limpo. O presidente, que pelas razões que se conhece perdeu mais de 15% da sua popularidade em três meses de governo, ainda tem boas chances de recuperar o seu prestígio. Para isso, precisa mudar. Mudar para melhor.

Essa é a hora. Jair Bolsonaro não precisa mudar de lado, nem abandonar as plataformas com as quais foi eleito. Pelo contrário, se fizesse isso estaria cometendo uma ofensa ainda maior. Seria aquilo que hoje em dia se chama estelionato eleitoral. Precisa apenas de humildade e honestidade para expiar eventuais culpas ou pecados, que é o que se espera de todo penitente.

O primeiro imperativo de qualquer mandatário é respeitar as regras pelas quais foi eleito, respeitar os eleitores que o elegeram e também os que votaram em seus adversários. Respeitar todos os cidadãos igualmente, civis e militares. E buscar incessantemente honrar seu juramento de posse. “Manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”.

Respeitar a Constituição e as leis é obrigatório. Nenhum presidente do Brasil se manteria no poder se atropelasse os códigos legais. Dois já caíram por contrariar esta razão. Um deles, Fernando Collor, foi eleito por um turbilhão de votos parecido com o de Bolsonaro. E caiu. Ninguém é maior que a Constituição e as leis no país. Nem Bolsonaro. Nem Lula, que está preso. Nem dom Raymundo Damasceno, arcebispo emérito de Aparecida.

O mais difícil é promover o bem geral do povo brasileiro. E é essa parte do juramento feito por todos os presidentes que os cidadãos aguardam daqueles que mandam para o Planalto. O resto é default.

Se não der certo agora , restará ao presidente o Aseret Yemei Teshuvá, que são os dez dias de arrependimento que começam no primeiro dia do ano novo judaico. O que seria bastante digno também, já que todos sabem do amor de Bolsonaro por Israel. Durante esses dias, os judeus praticam o Teshuvá, que significa arrependimento ou retorno, quando examinam as suas próprias ações, julgam e arrependem-se de erros cometidos contra Deus e contra o próximo.

O problema é que o ano novo judaico só começa no dia 29 de setembro, e aí pode ser tarde demais para renascer ou retornar.

Só o Exército pode salvar a reputação do Exército

A reputação de uma instituição é a soma dos palavrões que ela é capaz de inspirar nas esquinas. Em Guadalupe, na zona oeste do Rio de Janeiro, ocorre uma incoerência: o Exército acha que é uma coisa e sua reputação nas esquinas é outra.

"O Exército matou meu filho", disse Aparecida Macedo, ao enterrar nesta sexta-feira o filho Luciano Macedo Moraes. Trata-se do catador de material reciclável alvejado pela mesma chuva de 83 tiros com que uma patrulha do Exército executou o músico Evaldo Rosa.

Na véspera, o comandante militar do Sudeste, general Luiz Eduardo Ramos, comentou as mortes do catador Luciano e do músico Evaldo. "Foi uma fatalidade", disse o general, após participar de almoço com Jair Bolsonaro, em São Paulo.

"O pessoal tem colocado 'assassinatos', mas não é", acrescentou o general. "Os soldados que estavam em missão tinham sido emboscados. Quem, como eu, já teve numa situação dessa ... Tensão, é difícil."

Na semana passada, após cinco dias de silêncio, o próprio Bolsonaro dissera: "O Exército não matou ninguém. O Exército é do povo. A gente não pode acusar o povo de ser assassino." Para Bolsonaro, o que houve foi "um incidente".

Fatalidade, a palavra usada pelo general, significa uma consequência inevitável do destino. Incidente, o vocábulo empregado pelo capitão, é um fato que desempenha papel secundário, incidental. As duas expressões desrespeitam a dor das famílias de Luciano e Evaldo.

Ironicamente, o catador Luciano morreu levando consigo uma noção sobre a reputação do Exército que sua mãe já não consegue cultivar. Ao enterrar Luciano, Aparecida relatou um diálogo que mantivera com ele:"Ainda falei para ele: 'Vai fazer barraco aí?'. Ele disse: 'Fica calma coroa, o Exército está ali. A gente está seguro'. O Exército matou meu filho. O Exército matou meu filho", declarou Aparecida.

Luciano morreu por ter tentado ajudar os familiares de Evaldo, que estavam com o músico no carro que a patrulha do Exército fuzilou. Ferido, ele não foi socorrido pelos soldados. Hospitalizado, não mereceu nenhuma atenção do Exército. Morto depois de duas cirurgias, tornou-se uma fatalidade, um incidente.

Gente que não tem nada a dizer, como o general Luiz Ramos e o capitão Jair Bolsonaro, deveria se abster de demonstrar em palavras a sua falta de respeito com os mortos. Só o Exército pode salvar a reputação do Exército. Mas a instituição, com a ajuda de Bolsonaro, parece determinada a assassinar também a própria imagem.

Valei-nos, Tupã!

Índio quer apito? Não, capitão. Quer terra pra morar, plantar e caçar, quer rio pra se banhar e pescar, quer água pura pra beber, ar sem toxinas pra respirar, um lugar pra realizar seus rituais e transmitir aos mais novos a cultura herdada dos ancestrais.

Quer que seu povo seja respeitado, aliás, como povo original deste país-continente, tão explorado há mais de 500 anos. Quer ter vez e voz, como Joênia Wapichana, advogada, primeira deputada indígena eleita para a Câmara Federal, uma dos poucos que conseguem se fazer ouvir, distribuindo carapuças aos que posam de governo. Como Sônia Guajajara, candidata a vice-presidente na eleição passada, que recentemente rebateu os argumentos do PSL para ceder território das tribos ao agronegócio.


Antes delas, o cacique Juruna usava o gravador na defesa das tribos, colhendo depoimentos nas aldeias e declarações de brancos engravatados, provando a ignorância destes quanto ao modo de vida indígena, suas necessidades primordiais, sua luta desigual contra a extinção, e as tantas injustiças cometidas.

Por mais dura que seja essa luta, outros líderes surgirão nas tabas, para despertar a mídia de sua eterna letargia e tirar da comodidade de um discurso já roto e medíocre as autoridades que dizem desejar o melhor para o Brasil. E, das duas, uma: os índios não resistirão à Terra reinventada ou, íntimos da natureza, nos ensinarão a sobreviver, quando o planeta atingir o auge da exaustão e não mais der frutos nem oferecer água potável.

Caminhamos a passos largos para o caos, poluindo terra, água e ar de forma inconsequente, em nome do tal progresso. Antigas doenças, tidas como erradicadas, voltam a vitimar a população e cresce o número de brasileiros nascidos com alguma deficiência, física ou mental. Nossa fauna, apesar da invejável variedade, já apresenta animais em extinção e extintos, que as novas gerações jamais conhecerão.

Com o desequilíbrio da cadeia alimentar, logo conseguiremos desestabilizar a vida terrestre, criando ambiente favorável tanto à proliferação de animais nocivos quanto ao desaparecimento de outros imprescindíveis, como as abelhas que já começam a se tornar raridade em todo o mundo, das quais dependem grande parte da polinização e a continuidade do verde.

Mas parece que tudo isso não passa de histórias sensacionalistas. O verde que interessa aos políticos é outro, em forma de cédulas. O ar que respiram, a água que bebem, os alimentos que consomem parecem vir de outro universo, onde o futuro não será o mesmo que deixarão aqui para os descendentes e o restante da espécie, se nada mudar.

Se ao menos falássemos tupi-guarani para pedir proteção a Tupã, engrossando o coro dos povos da floresta, não estaríamos tão abandonados à própria sorte, neste decadente paraíso.