Alfama (Lisboa) |
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
Brasília, a Versalhes de Luís XVI no Brasil 2018
Qualquer analista imparcial, não comprometido com o gozo de benefícios e privilégios “autoassegurados”, em Brasília, percebe que, se políticos e burocratas não mudarem a mentalidade, o Brasil será o mais forte candidato a reeditar o drama venezuelano, em médio prazo, no cenário mundial.
Não discuto, neste breve artigo, a idoneidade dos membros dos tribunais superiores e do Ministério Público, aparentemente não contaminados pela avalanche de investigações, denúncias e condenações que atingiram os componentes dos outros Poderes, até porque, sendo o Judiciário um Poder técnico e o Ministério Público uma função essencial à administração da Justiça, seus integrantes são, na expressiva maioria, aprovados em duríssimos concursos, em que o exame de seu passado ético sofre também severa avaliação. Participei da banca de três concursos de magistratura (aprovamos, ao todo, menos de cem magistrados nos dois concursos federais e no do Estado de São Paulo, entre 6 mil candidatos). Sei, portanto, do rigor e das dificuldades que lhes impusemos para conhecer sua competência e sua vocação.
Todavia tais instituições – que são técnicas, e não políticas –, ao arrepio da Lei Suprema, passaram a entender que poderiam substituir os poderes políticos dos governos, neles interferindo, como se legisladores ou executivos fossem.
O Brasil só sofreu o terceiro rebaixamento no grau de investimento, por importante agência de rating, por força da paralisação das reformas, cujo principal responsável foi o antigo procurador-geral da República. Numa nação em que a escandalosa carga tributária beneficia fundamentalmente os burocratas e políticos, sem reverter, em benefício do povo, serviços públicos na proporção de sua cobrança, é de estarrecer a decisão monocrática de respeitado ministro da Suprema Corte que autorizou aumento do funcionalismo federal que fora suspenso pelo governo em face do acentuado déficit das contas públicas.
Em outras palavras, o Brasil passou a ser um país menos confiável para receber investimentos pela incapacidade dessas autoridades de perceber que o que gera tributos (para poderem continuar nos seus postos), cria empregos e produz desenvolvimento são os investimentos, que o governo não tem recursos suficientes para estimular nem prestígio internacional para receber na proporção que a grandeza do Brasil merece.
Por outro lado, os participantes dos governos anteriores, que colocaram assaltantes públicos em empresas estatais, causando prejuízos monumentais por corrupção e incompetência na Petrobrás, no BNDES e em outras entidades públicas sustentadas pelos contribuintes brasileiros, além de provocarem inflação de dois dígitos, desemprego acentuado, PIB negativo, recessão, queda na balança comercial e monumental atraso na eventual inserção brasileira no comércio internacional, protagonizando um populismo deletério e corrosivo, continuam lutando para impedir as reformas saneadoras! E desafiam a Justiça do País, apoiados por notórios violadores da lei, especialistas em promover invasões de terras e de prédios, sob a alegação de que o “direito” por eles ditado é que deve prevalecer sobre o que foi aprovado pela Constituinte ou pelo Poder Legislativo. Investigada senadora da República, defensora no Brasil do ditador Nicolás Maduro, chegou a dizer que, se Lula for condenado e preso, haverá mortes!
Infelizmente, todo este cenário de desajustes, em que bons e maus se unem para impedir o avanço das reformas necessárias, objetivando garantir seus privilégios, concentra-se na capital do País, cidade absolutamente divorciada da realidade brasileira e em nada semelhante à de um país como, por exemplo, a Suécia, onde os magistrados da Suprema Corte vão de bicicleta ou de trem para o tribunal, o que não se vê no Brasil.
Quem estuda a Revolução Francesa se impressiona com a alienação da corte de Luís XVI sobre a realidade francesa, que resultou, em 1789, na insurreição e, dois anos depois, na derrubada do próprio Luís XVI e de sua corte, quando se instalou a denominada Era do Terror. O comportamento pessoal de Maria Antonieta e Luís XVI, mesmo na prisão, antes do cadafalso, foi de muita dignidade, lembrando que há pedido de reabertura do processo de beatificação de sua irmã. Mas foi sua brutal insensibilidade ante a realidade francesa – a frase atribuída a Maria Antonieta “se o povo não tem pão, que coma brioches” é paradigmática – que levou à queda de todo um regime, abrindo espaço aos desmandos, à execução de Robespierre e ao domínio posterior de Napoleão.
A corte de Versalhes estava distanciada da realidade francesa, como a corte brasiliense de burocratas e políticos está distanciada das necessidades brasileiras, pouco sensível ao alerta de especialistas no sentido de que, se tais reformas não vierem, o Brasil dificilmente sairá da crise, apesar de alguns resultados positivos do atual governo, não obstante as resistências, com inflação abaixo da meta (menos de 3%), PIB positivo, juros bem inferiores aos do período Lula-Dilma, emprego em alta, maior saldo da balança comercial, etc.
Quando, como mostrou Ruy Altenfelder em artigo neste jornal, a média de pagamentos previdenciários para os servidores públicos da União está em torno de R$ 15.800 mensais e para o povo, que sustenta tais benefícios (regime geral), é de R$ 1.900 – nenhuma diferença é tão grande em todos os países desenvolvidos ou emergentes de expressão –, é de perceber que a elite brasiliense, como a corte de Luís XVI, é hoje o principal obstáculo a que o Brasil progrida. A ela se acresce o populismo daqueles que levaram o País, no passado, ao caos econômico e à corrupção deslavada.
“Quousque tandem abutere patientia nostra?”, diria Cícero à corte brasiliense, se vivesse no Brasil de 2018.
Não discuto, neste breve artigo, a idoneidade dos membros dos tribunais superiores e do Ministério Público, aparentemente não contaminados pela avalanche de investigações, denúncias e condenações que atingiram os componentes dos outros Poderes, até porque, sendo o Judiciário um Poder técnico e o Ministério Público uma função essencial à administração da Justiça, seus integrantes são, na expressiva maioria, aprovados em duríssimos concursos, em que o exame de seu passado ético sofre também severa avaliação. Participei da banca de três concursos de magistratura (aprovamos, ao todo, menos de cem magistrados nos dois concursos federais e no do Estado de São Paulo, entre 6 mil candidatos). Sei, portanto, do rigor e das dificuldades que lhes impusemos para conhecer sua competência e sua vocação.
Todavia tais instituições – que são técnicas, e não políticas –, ao arrepio da Lei Suprema, passaram a entender que poderiam substituir os poderes políticos dos governos, neles interferindo, como se legisladores ou executivos fossem.
Em outras palavras, o Brasil passou a ser um país menos confiável para receber investimentos pela incapacidade dessas autoridades de perceber que o que gera tributos (para poderem continuar nos seus postos), cria empregos e produz desenvolvimento são os investimentos, que o governo não tem recursos suficientes para estimular nem prestígio internacional para receber na proporção que a grandeza do Brasil merece.
Por outro lado, os participantes dos governos anteriores, que colocaram assaltantes públicos em empresas estatais, causando prejuízos monumentais por corrupção e incompetência na Petrobrás, no BNDES e em outras entidades públicas sustentadas pelos contribuintes brasileiros, além de provocarem inflação de dois dígitos, desemprego acentuado, PIB negativo, recessão, queda na balança comercial e monumental atraso na eventual inserção brasileira no comércio internacional, protagonizando um populismo deletério e corrosivo, continuam lutando para impedir as reformas saneadoras! E desafiam a Justiça do País, apoiados por notórios violadores da lei, especialistas em promover invasões de terras e de prédios, sob a alegação de que o “direito” por eles ditado é que deve prevalecer sobre o que foi aprovado pela Constituinte ou pelo Poder Legislativo. Investigada senadora da República, defensora no Brasil do ditador Nicolás Maduro, chegou a dizer que, se Lula for condenado e preso, haverá mortes!
Infelizmente, todo este cenário de desajustes, em que bons e maus se unem para impedir o avanço das reformas necessárias, objetivando garantir seus privilégios, concentra-se na capital do País, cidade absolutamente divorciada da realidade brasileira e em nada semelhante à de um país como, por exemplo, a Suécia, onde os magistrados da Suprema Corte vão de bicicleta ou de trem para o tribunal, o que não se vê no Brasil.
Quem estuda a Revolução Francesa se impressiona com a alienação da corte de Luís XVI sobre a realidade francesa, que resultou, em 1789, na insurreição e, dois anos depois, na derrubada do próprio Luís XVI e de sua corte, quando se instalou a denominada Era do Terror. O comportamento pessoal de Maria Antonieta e Luís XVI, mesmo na prisão, antes do cadafalso, foi de muita dignidade, lembrando que há pedido de reabertura do processo de beatificação de sua irmã. Mas foi sua brutal insensibilidade ante a realidade francesa – a frase atribuída a Maria Antonieta “se o povo não tem pão, que coma brioches” é paradigmática – que levou à queda de todo um regime, abrindo espaço aos desmandos, à execução de Robespierre e ao domínio posterior de Napoleão.
A corte de Versalhes estava distanciada da realidade francesa, como a corte brasiliense de burocratas e políticos está distanciada das necessidades brasileiras, pouco sensível ao alerta de especialistas no sentido de que, se tais reformas não vierem, o Brasil dificilmente sairá da crise, apesar de alguns resultados positivos do atual governo, não obstante as resistências, com inflação abaixo da meta (menos de 3%), PIB positivo, juros bem inferiores aos do período Lula-Dilma, emprego em alta, maior saldo da balança comercial, etc.
Quando, como mostrou Ruy Altenfelder em artigo neste jornal, a média de pagamentos previdenciários para os servidores públicos da União está em torno de R$ 15.800 mensais e para o povo, que sustenta tais benefícios (regime geral), é de R$ 1.900 – nenhuma diferença é tão grande em todos os países desenvolvidos ou emergentes de expressão –, é de perceber que a elite brasiliense, como a corte de Luís XVI, é hoje o principal obstáculo a que o Brasil progrida. A ela se acresce o populismo daqueles que levaram o País, no passado, ao caos econômico e à corrupção deslavada.
“Quousque tandem abutere patientia nostra?”, diria Cícero à corte brasiliense, se vivesse no Brasil de 2018.
E agora, Brasil?
Bom dia, Brasil. Hoje, você amanheceu outro. Não diria novo, mas outro. A decisão foi tomada, e agora é só uma questão de tempo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ficar fora da corrida eleitoral de 2018. Lula, seus advogados, seu partido e milhares de seus seguidores ainda farão bastante barulho daqui até a hora fatal em quem ele será declarado inelegível com base na Lei da Ficha Limpa. Daqui até outubro, mesmo em meio a intenso tiroteio, haverá tempo suficiente para os brasileiros escolherem em quem votarão para suceder ao presidente Michel Temer. Por ora, o único nome fora da urna é o de Lula.
O barulho não será pequeno, preste muita atenção. Vão dizer que a sua vontade, Brasil, foi golpeada e violentada, que a palavra de seu povo foi calada. Haverá um sem número de recursos que correrão em instâncias judiciais ainda superiores. Aqui, em casa, e lá fora. Na ONU, em Haia, no Conselho de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, onde houver um fórum, haverá um recurso. Os advogados de Lula são bons nisso. O GLOBO mostrou que entraram com um novo recurso a cada seis dias no decorrer do processo em Curitiba.
Uma comissão chefiada pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, com os advogados Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, mais um e outro aliado e um assessor, será fotografada e filmada ainda neste inverno no Hemisfério Norte. Seus membros, com casacos de lã e cachecóis vermelhos, percorrerão ruas geladas e tribunais frios buscando o que julgam ser uma reparação para seu líder injustiçado. E farão discursos nas portas de cortes internacionais atacando você e sua Justiça.
É hora de tomar fôlego, Brasil. Este ano será bem maior do que todos os outros que você já viveu. Serão jornadas inesquecíveis para uns e angustiantes para outros. Mas você terá que se resguardar para ao final proteger os seus filhos. Além do percurso político que terá de enfrentar, há outros tão importantes quanto este. São os caminhos que consolidarão a base substantiva que o seu futuro presidente haverá de enfrentar.
Para ter seu registro eleitoral aceito pelo TSE, Lula terá de convencer outras instâncias do que não conseguiu até aqui comprovar. O caminho da defesa até ontem foi atacar o juiz, a Justiça, a imprensa, todas as instituições que desconfiassem da inocência de Lula. Os aliados do ex-presidente politizaram a questão judicial de maneira a desacreditá-la. O fato é que a Justiça se manifestou, e Lula deverá ficar inelegível. Dirão que esta decisão jamais aconteceria em outro país, em país civilizado. Só aqui, Brasil.
O PT irá para o ataque ainda mais frontalmente. Com a esfera jurídica praticamente concluída, porque dificilmente o STJ reformará a decisão e o TSE permitirá o registro da candidatura de Lula, o que sobra é partir para o confronto político. E o PT é bom nisso. Mas teremos de ver como reagirão as forças que sustentam o PT e seu líder. A lógica agora é outra. Um colegiado se manifestou. Portanto, será uma guerra, Brasil.
Uma guerra para defender um homem condenado por corrupção em duas instâncias da Justiça. O discurso contra Sergio Moro desapareceu. O juiz que a defesa de Lula considerou suspeito, que o PT chamou de fascista, não está mais sozinho. E atacar os desembargadores, que ontem reafirmaram a sentença de Moro, significará ir contra toda a Justiça brasileira. Dirão que aqui, nesta nossa terra, tudo é possível, inclusive condenar um ex-presidente sem provas.
E muito dificilmente prosperará o discurso petista dos últimos dias, que considera o julgamento de ontem não uma ação judicial contra um ex-presidente, mas sim uma manobra política para afastá-lo da eleição presidencial. Daí aquelas palavras de ordem:
“Eleição sem Lula é fraude, eleição sem Lula é golpe”. O que provavelmente ocorrerá, Brasil, é eleição presidencial sem um dos pré-candidatos, aquele que foi denunciado e condenado por corrupção.
E o que ainda pode acontecer neste nosso solo, Brasil? Um morto! Por sorte, mesmo condenado em duas instâncias, Lula não será preso agora. Se prisão houver, será depois das eleições de outubro, possivelmente no ano que vem ou depois de outra condenação, no processo do sítio de Atibaia, por exemplo. E aí, não haverá por que matar ou morrer.
O barulho não será pequeno, preste muita atenção. Vão dizer que a sua vontade, Brasil, foi golpeada e violentada, que a palavra de seu povo foi calada. Haverá um sem número de recursos que correrão em instâncias judiciais ainda superiores. Aqui, em casa, e lá fora. Na ONU, em Haia, no Conselho de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, onde houver um fórum, haverá um recurso. Os advogados de Lula são bons nisso. O GLOBO mostrou que entraram com um novo recurso a cada seis dias no decorrer do processo em Curitiba.
Uma comissão chefiada pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, com os advogados Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, mais um e outro aliado e um assessor, será fotografada e filmada ainda neste inverno no Hemisfério Norte. Seus membros, com casacos de lã e cachecóis vermelhos, percorrerão ruas geladas e tribunais frios buscando o que julgam ser uma reparação para seu líder injustiçado. E farão discursos nas portas de cortes internacionais atacando você e sua Justiça.
É hora de tomar fôlego, Brasil. Este ano será bem maior do que todos os outros que você já viveu. Serão jornadas inesquecíveis para uns e angustiantes para outros. Mas você terá que se resguardar para ao final proteger os seus filhos. Além do percurso político que terá de enfrentar, há outros tão importantes quanto este. São os caminhos que consolidarão a base substantiva que o seu futuro presidente haverá de enfrentar.
Para ter seu registro eleitoral aceito pelo TSE, Lula terá de convencer outras instâncias do que não conseguiu até aqui comprovar. O caminho da defesa até ontem foi atacar o juiz, a Justiça, a imprensa, todas as instituições que desconfiassem da inocência de Lula. Os aliados do ex-presidente politizaram a questão judicial de maneira a desacreditá-la. O fato é que a Justiça se manifestou, e Lula deverá ficar inelegível. Dirão que esta decisão jamais aconteceria em outro país, em país civilizado. Só aqui, Brasil.
O PT irá para o ataque ainda mais frontalmente. Com a esfera jurídica praticamente concluída, porque dificilmente o STJ reformará a decisão e o TSE permitirá o registro da candidatura de Lula, o que sobra é partir para o confronto político. E o PT é bom nisso. Mas teremos de ver como reagirão as forças que sustentam o PT e seu líder. A lógica agora é outra. Um colegiado se manifestou. Portanto, será uma guerra, Brasil.
Uma guerra para defender um homem condenado por corrupção em duas instâncias da Justiça. O discurso contra Sergio Moro desapareceu. O juiz que a defesa de Lula considerou suspeito, que o PT chamou de fascista, não está mais sozinho. E atacar os desembargadores, que ontem reafirmaram a sentença de Moro, significará ir contra toda a Justiça brasileira. Dirão que aqui, nesta nossa terra, tudo é possível, inclusive condenar um ex-presidente sem provas.
E muito dificilmente prosperará o discurso petista dos últimos dias, que considera o julgamento de ontem não uma ação judicial contra um ex-presidente, mas sim uma manobra política para afastá-lo da eleição presidencial. Daí aquelas palavras de ordem:
“Eleição sem Lula é fraude, eleição sem Lula é golpe”. O que provavelmente ocorrerá, Brasil, é eleição presidencial sem um dos pré-candidatos, aquele que foi denunciado e condenado por corrupção.
E o que ainda pode acontecer neste nosso solo, Brasil? Um morto! Por sorte, mesmo condenado em duas instâncias, Lula não será preso agora. Se prisão houver, será depois das eleições de outubro, possivelmente no ano que vem ou depois de outra condenação, no processo do sítio de Atibaia, por exemplo. E aí, não haverá por que matar ou morrer.
Condenado pelo conjunto da obra
Desejado ou não pelo leitor, não vem ao caso, o resultado foi o esperado diante de notícias e manifestações prévias. O TRF da 4.a Região tem confirmado os vereditos do juiz Sérgio Moro e no caso do ex-presidente Lula não foi diferente. O placar, talvez, suscitasse dúvidas e apostas. Mas o 3×0 não chegou a surpreender. Lula foi condenado e suas condições de recorrer ou delongar os efeitos da condenação ficam, então, bastante reduzidas. É quase igual a zero hipótese de que esteja na cédula eleitoral.
O resultado e o placar deixam uma mensagem eloquente: ao contrário do que tem se dado nos tribunais superiores — onde o Foro Especial tem falado alto —, a Justiça de instâncias inferiores não está disposta a fazer concessões à moderação e à conciliação, ao perdão. O sinal inequívoco é sua disposição punitiva; da busca de seu fortalecimento político e institucional. Provavelmente, também de seu Poder.
Já na introdução de suas falas, os desembargadores federais de Porto Alegre pronunciaram-se, todos, em defesa do sistema jurídico a que pertencem. Prova de que a pressão feita pelo PT e suas lideranças, gerou efeito contrário: ao invés de acuar, atiçou. Fez reafirmar a independência. Realmente, a presidente do PT foi pouco inteligente ao dizer que ''morreria gente''. Os magistrados pagaram para ver. Mais que inútil, foi um erro.
Depois, foram as teses gerais de cada um dos desembargadores. Demonstraram que o que mais os tocava era a corrupção sistêmica em que as autoridades, não só do PT, se envolveram. Na existência da corrupção não há novidades, mas foi exatamente neste ponto que morou o centro e o coração da racionalidade dos juízes. O foco da disposição de punir.
Pode-se argumentar a falta de provas; que não se comprovou que o ex-presidente fosse dono ou pelo menos usufruísse do tríplex que, ao final, causou sua ruína. Parece-me que há meandros do Direito que nem o próprio Direito compreende ao certo. OK, pode até ser; formalmente, pode até ser. O caso do sítio, talvez, desse até mais condições de prova. Mas, o fato é que Lula foi condenado pelo conjunto da obra.
Foi punido pelo papel e pelas relações que estabeleceu com os vícios do sistema político, onde, um dia, foi o número um. Teoria do Domínio do Fato, como no Mensalão. ''Tu és responsável por aquilo que cativas''.
Para quem procura olhar para o processo, pelo qual o Brasil está passando, com alguma lucidez e enxergar sem paixão, não há prazer algum na condenação de Lula. Mas é preciso reconhecer que Lula, a maior liderança popular da história do país, e seu partido, que se fundou e se desenvolveu na crítica ética ao sistema político nacional, sucumbiram à tradição clientelista e patrimonialista do Brasil. A questão não foi o tríplex.
Se não força para mudar, Lula e o PT tiveram, pelo menos, a oportunidade de articular estresses e rupturas no sistema político nacional. E não o fizeram. Aliaram-se ao tradicional e arcaico como se esta fosse a única possibilidade e o único modo de fazer política. Lamentável, não por Lula e nem pelo PT. Mas, pela chance perdida. Pela inocência perdida. Pela história perdida.
A pergunta que se fará agora será ''por que apenas Lula''? Disposição em persegui-lo, por tudo o que, um dia, representou? Complô das elites? Ora, não há Comitê Central da Burguesia e nem as elites são organizadas assim. Embora não sejam os únicos, Lula e o PT caíram na rede que ajudaram a tecer.
Mais produtivo, no entanto, será questionar o Foro Privilegiado, exigir seu fim. Apostar que, agora, por onde passou um boi terá que passar toda boiada comprometida. Lutar, sim, mas pela transformação do sistema político, por seu aperfeiçoamento. O maior risco será transformar Lula num mártir apenas por ser o único peixe realmente graúdo fisgado. Outro erro será transformar ''a questão Lula'' no problema central do Brasil, reduzindo o debate eleitoral ao seu azar ou à sua sorte. É preciso olhar para frente, consertar o que está quebrado.
Carlos Melo
O resultado e o placar deixam uma mensagem eloquente: ao contrário do que tem se dado nos tribunais superiores — onde o Foro Especial tem falado alto —, a Justiça de instâncias inferiores não está disposta a fazer concessões à moderação e à conciliação, ao perdão. O sinal inequívoco é sua disposição punitiva; da busca de seu fortalecimento político e institucional. Provavelmente, também de seu Poder.
Depois, foram as teses gerais de cada um dos desembargadores. Demonstraram que o que mais os tocava era a corrupção sistêmica em que as autoridades, não só do PT, se envolveram. Na existência da corrupção não há novidades, mas foi exatamente neste ponto que morou o centro e o coração da racionalidade dos juízes. O foco da disposição de punir.
Pode-se argumentar a falta de provas; que não se comprovou que o ex-presidente fosse dono ou pelo menos usufruísse do tríplex que, ao final, causou sua ruína. Parece-me que há meandros do Direito que nem o próprio Direito compreende ao certo. OK, pode até ser; formalmente, pode até ser. O caso do sítio, talvez, desse até mais condições de prova. Mas, o fato é que Lula foi condenado pelo conjunto da obra.
Foi punido pelo papel e pelas relações que estabeleceu com os vícios do sistema político, onde, um dia, foi o número um. Teoria do Domínio do Fato, como no Mensalão. ''Tu és responsável por aquilo que cativas''.
Para quem procura olhar para o processo, pelo qual o Brasil está passando, com alguma lucidez e enxergar sem paixão, não há prazer algum na condenação de Lula. Mas é preciso reconhecer que Lula, a maior liderança popular da história do país, e seu partido, que se fundou e se desenvolveu na crítica ética ao sistema político nacional, sucumbiram à tradição clientelista e patrimonialista do Brasil. A questão não foi o tríplex.
Se não força para mudar, Lula e o PT tiveram, pelo menos, a oportunidade de articular estresses e rupturas no sistema político nacional. E não o fizeram. Aliaram-se ao tradicional e arcaico como se esta fosse a única possibilidade e o único modo de fazer política. Lamentável, não por Lula e nem pelo PT. Mas, pela chance perdida. Pela inocência perdida. Pela história perdida.
A pergunta que se fará agora será ''por que apenas Lula''? Disposição em persegui-lo, por tudo o que, um dia, representou? Complô das elites? Ora, não há Comitê Central da Burguesia e nem as elites são organizadas assim. Embora não sejam os únicos, Lula e o PT caíram na rede que ajudaram a tecer.
Mais produtivo, no entanto, será questionar o Foro Privilegiado, exigir seu fim. Apostar que, agora, por onde passou um boi terá que passar toda boiada comprometida. Lutar, sim, mas pela transformação do sistema político, por seu aperfeiçoamento. O maior risco será transformar Lula num mártir apenas por ser o único peixe realmente graúdo fisgado. Outro erro será transformar ''a questão Lula'' no problema central do Brasil, reduzindo o debate eleitoral ao seu azar ou à sua sorte. É preciso olhar para frente, consertar o que está quebrado.
Carlos Melo
Onde estávamos há cem anos?
O Brasil começava o ano de 1918 com a expectativa de eleições presidenciais, que seriam realizadas em 1° de março. Melhor: não o Brasil como um todo, mas aquela pequena parcela de homens maiores de 21 anos e alfabetizados, cerca de 6% da população de 28,9 milhões de pessoas — o voto era proibido aos menores de 21 anos, analfabetos, mulheres, religiosos e militares. Ainda assim, apenas 395 mil eleitores (1,4% do total) compareceriam às urnas, sufragando a eleição do advogado paulista Rodrigues Alves, numa coalizão do Partido Republicano Paulista (PRP) com o Partido Republicano Mineiro (PRM), naquela que se convencionou chamar de política do café com leite.
Rodrigues Alves já havia sido presidente do Brasil, entre 1902 e 1906, num período de bonança econômica. Com a entrada de divisas provenientes da exportação de café e borracha, o país remodelou as estradas de ferro, comprou da Bolívia o território do Acre e, principalmente, promoveu a reforma da capital, então o Rio de Janeiro. O objetivo era, além de dotar a cidade de um planejamento urbano, combater a peste bubônica, a febre amarela e a varíola que grassavam por ali. Instigados pela oposição, o povo se revoltou contra a vacina obrigatória antivariólica e alguns militares aproveitaram para tentar um golpe de estado, rapidamente sufocado.
Com o prestígio adquirido naquele primeiro mandato, Rodrigues Alves venceu o pleito de 1918 com 99% dos votos. É bom lembrar que na época o voto não era secreto e quem determinava o resultado das eleições era o poder dos coronéis, título genérico que se dava às lideranças políticas ou militares regionais. Mas Rodrigues Alves não chegou a tomar posse. Os soldados que lutavam na Europa, na carnificina denominada I Guerra Mundial, começaram a ser dizimados por uma nova doença, a gripe espanhola. Os primeiros casos surgem em abril, e em setembro a epidemia já aportava no Brasil, acarretando mais de 300 mil mortes, incluindo o presidente recém-eleito.
No dia 15 de novembro, data marcada para a posse, assume o cargo interinamente o vice-presidente eleito, na época votava-se para ambos os cargos, o mineiro Delfim Moreira. Nas novas eleições, realizadas em 13 de abril daquele ano, saiu vitorioso o paraibano Epitácio Pessoa, apoiado pelo PRM. Detalhe curioso é que Epitácio Pessoa venceu o pleito, contra o jurista baiano Ruy Barbosa, estando fora do Brasil, chefiando a delegação brasileira na Conferência de Paz de Versalhes, na França. Ele só voltou ao país um mês antes da posse, ocorrida no dia 28 de julho...
O fim da I Guerra Mundial, ocorrido em 11 de novembro de 1918, deixou como saldo, após quatro anos de batalhas, cerca de nove milhões de mortos, entre civis e militares, o mapa-múndi redesenhado, o surgimento de uma nova potência, os Estados Unidos, e problemas econômicos e políticos não resolvidos, que iriam desencadear a Grande Depressão da década de 1930 e provocar o reinício dos conflitos que redundariam na II Guerra Mundial, apenas 21 anos depois. Com um novo e fundamental componente: o aparecimento das ideologias totalitárias, o fascismo, o nazismo e o stalinismo.
Benito Mussolini, sargento “por mérito em guerra”, após lutar por nove meses e ser ferido por uma granada, volta para seu país e funda em 1919 o Fasci Italiani di Combatimento, origem do partido fascista, que a partir de 1922 assume com poderes absolutos o governo da Itália. O austríaco Adolf Hitler, cabo do exército alemão, esteve todo o período da guerra em frentes de batalha. Em 1919, toma a liderança do Partido dos Trabalhadores Alemães, origem do partido nazista, que a partir de 1933 alcançaria o poder absoluto na Alemanha. O georgiano Josef Stálin, durante a I Guerra Mundial, amargava o exílio no Círculo Polar Ártico, por conta de suas atividades como membro do comitê central do Partido Comunista. Em 1917, é libertado, e em 1924, com a morte de Lênin, assume com poderes absolutos o governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Há cem anos, o Brasil enfrentava problemas com a educação (a educação de qualidade era privilégio da elite), com a saúde (epidemias grassavam, causando pânico), bandos de cangaceiros agitavam o Nordeste, os militares planejavam golpes de estado, as eleições eram fraudadas, a população mantinha-se apática, e nasciam, com força, os ideólogos das doutrinas totalitárias, alimentando-se da frustração, da ignorância e da desesperança...
Rodrigues Alves já havia sido presidente do Brasil, entre 1902 e 1906, num período de bonança econômica. Com a entrada de divisas provenientes da exportação de café e borracha, o país remodelou as estradas de ferro, comprou da Bolívia o território do Acre e, principalmente, promoveu a reforma da capital, então o Rio de Janeiro. O objetivo era, além de dotar a cidade de um planejamento urbano, combater a peste bubônica, a febre amarela e a varíola que grassavam por ali. Instigados pela oposição, o povo se revoltou contra a vacina obrigatória antivariólica e alguns militares aproveitaram para tentar um golpe de estado, rapidamente sufocado.
A gripe "espanhola" matou até o presidente |
No dia 15 de novembro, data marcada para a posse, assume o cargo interinamente o vice-presidente eleito, na época votava-se para ambos os cargos, o mineiro Delfim Moreira. Nas novas eleições, realizadas em 13 de abril daquele ano, saiu vitorioso o paraibano Epitácio Pessoa, apoiado pelo PRM. Detalhe curioso é que Epitácio Pessoa venceu o pleito, contra o jurista baiano Ruy Barbosa, estando fora do Brasil, chefiando a delegação brasileira na Conferência de Paz de Versalhes, na França. Ele só voltou ao país um mês antes da posse, ocorrida no dia 28 de julho...
O fim da I Guerra Mundial, ocorrido em 11 de novembro de 1918, deixou como saldo, após quatro anos de batalhas, cerca de nove milhões de mortos, entre civis e militares, o mapa-múndi redesenhado, o surgimento de uma nova potência, os Estados Unidos, e problemas econômicos e políticos não resolvidos, que iriam desencadear a Grande Depressão da década de 1930 e provocar o reinício dos conflitos que redundariam na II Guerra Mundial, apenas 21 anos depois. Com um novo e fundamental componente: o aparecimento das ideologias totalitárias, o fascismo, o nazismo e o stalinismo.
Benito Mussolini, sargento “por mérito em guerra”, após lutar por nove meses e ser ferido por uma granada, volta para seu país e funda em 1919 o Fasci Italiani di Combatimento, origem do partido fascista, que a partir de 1922 assume com poderes absolutos o governo da Itália. O austríaco Adolf Hitler, cabo do exército alemão, esteve todo o período da guerra em frentes de batalha. Em 1919, toma a liderança do Partido dos Trabalhadores Alemães, origem do partido nazista, que a partir de 1933 alcançaria o poder absoluto na Alemanha. O georgiano Josef Stálin, durante a I Guerra Mundial, amargava o exílio no Círculo Polar Ártico, por conta de suas atividades como membro do comitê central do Partido Comunista. Em 1917, é libertado, e em 1924, com a morte de Lênin, assume com poderes absolutos o governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Há cem anos, o Brasil enfrentava problemas com a educação (a educação de qualidade era privilégio da elite), com a saúde (epidemias grassavam, causando pânico), bandos de cangaceiros agitavam o Nordeste, os militares planejavam golpes de estado, as eleições eram fraudadas, a população mantinha-se apática, e nasciam, com força, os ideólogos das doutrinas totalitárias, alimentando-se da frustração, da ignorância e da desesperança...
Pensando alto
Pensar alto, exteriorizando em palavras ou gestos o que está restrito ao interior da cabeça, é muito perigoso. Corre-se risco quando se fala o que se pensa e se pensa o que se fala.
Pode dar prisão e morte — destruir reputações. Você pode ser chamado de esquerdista ou, como hoje é moda, de golpista e, pior que tudo, de liberal...
Livre da consciência, o pensamento é controlado, protocolado ou proibido. Nas ditaduras não se pode pensar. As cabeças autoritárias coroadas pelo êxito assumem que tomar partido é decidir.
Falamos em fake news sem prestar atenção a que elas são atos falhos, são sussurros mentais e, como as intrigas e calúnias, são descobertas incômodas — verdades verdadeiras. Expressões de desejos e de alternativas culturais suprimidas ou reprimidas. Não falo nem morto; se ele for condenado, morremos...
Muitas anedotas que circularam em regimes despóticos revelam isso claramente. No Brasil, muitas ressaltavam e extrema feiura, ausência de inteligência e de tato de alguns dos nossos ditadores. Na Alemanha do nacional-socialismo existe um verdadeiro cânone desses eventos imaginários, expressivos de desejos aprisionados. Eis um exemplo:
Certas piadas, senão todas, bem como o seu inverso — as calúnias e pragas que fazem sofrer e chorar —, são censuradas porque o “pensar alto” revela o lado dissimulado de um regime ou pessoa sagrada.
Pensar alto é um meio-termo entre o peso da verdade e o seu desvendamento. No meu longo e elaborado treinamento, cujo destino era ser pesquisador e professor, eu passei por muitos exercícios de controle do pensar alto. Uma vez assisti a uma conferência singularmente presunçosa sobre “teoria do parentesco” proferida por um pós-estruturalista francês no Museu Geral, onde trabalhava. Seu ponto de partida era genial: só há parentesco porque um homem se casa com uma mulher...
Meu professor adorou. Eu, porejando pusilanimidade, concordei, mas pensei baixinho com desmedida coragem: trata-se de uma besta quadrada! A quantas conferências e seminários idiotas eu assisti? Em quantas aulas e palestras eu mesmo disse lixo? Quantas vezes eu sufoquei o meu pensar alto? Perdi a conta...
Lembro-me de alguns conselhos recebidos nesta preparação para uma apropriada cultura da hipocrisia. Quando, no seu período pré-Trump, os Estados Unidos eram a América, meu mentor exigia que eu fosse direto ao ponto (go straight to the point!) arcando com todas as consequências, inclusive a de revelar a desonestidade intelectual do conferencista ou do autor. No Brasil, porém, onde discordar é tido como falta de consideração e de humanidade (errar é humano, persistir no erro é estar no lugar certo e ser superior!), aprendi o exato oposto: “Jamais, admoestou-me um mentor, diga o que você pensa!” Encaixei as duas lições e confesso a minha total insegurança entre o pensar alto e deixar de pensar.
Quando eu observo que um operador profissional de propinas está paradoxalmente “preso” na sua fazenda porque o Estado não tem tornozeleiras eletrônicas, eu penso alto: não seria melhor acabar com julgamentos de todas as ex-autoridades que continuam a gozar de suas majestades?
Queremos justiça, mas não gostamos de suas consequências: prisões, igualdade absoluta, isolamento e algemas. O político enganador e poderoso algemado promove empatia porque não temos como fotografar o seu crime. Ele roubou “do governo”, recebeu propinas, seus companheiros mais chegados o denunciaram abertamente, ele quebrou o Brasil, mas a “crise”, embora tremenda, é impessoal e abstrata. Ela é sentida e vivida, mas não pode ser presa e ninguém vai morrer por ela.
Pensando alto, o que conta no Brasil é a personificação. Milhares, porém, foram algemados a uma vida miserável por irresponsabilidade do governante, mas, ao vê-lo prestes a ser julgado e a receber o seu fim político, o coveiro de esperanças é transformado por alguns numa pobre vítima e num herói nacional. Tudo é falso e irreal. Trata-se, inclusive, de julgar o julgamento. Eis o dogma em estado puro. O assassínio do pensamento.
Roberto DaMatta
Pode dar prisão e morte — destruir reputações. Você pode ser chamado de esquerdista ou, como hoje é moda, de golpista e, pior que tudo, de liberal...
Livre da consciência, o pensamento é controlado, protocolado ou proibido. Nas ditaduras não se pode pensar. As cabeças autoritárias coroadas pelo êxito assumem que tomar partido é decidir.
Falamos em fake news sem prestar atenção a que elas são atos falhos, são sussurros mentais e, como as intrigas e calúnias, são descobertas incômodas — verdades verdadeiras. Expressões de desejos e de alternativas culturais suprimidas ou reprimidas. Não falo nem morto; se ele for condenado, morremos...
Muitas anedotas que circularam em regimes despóticos revelam isso claramente. No Brasil, muitas ressaltavam e extrema feiura, ausência de inteligência e de tato de alguns dos nossos ditadores. Na Alemanha do nacional-socialismo existe um verdadeiro cânone desses eventos imaginários, expressivos de desejos aprisionados. Eis um exemplo:
“Hitler e Goering estão olhando a paisagem do alto de uma estação de rádio em Berlim.
Hitler revela que ele gostaria de fazer alguma coisa que abrisse um sorriso nos rostos tristes dos berlinenses. Goering pensa um pouco e sugere: ‘Por que você não pula?’”
Ouvida por nazistas, a piada deu interrogatório e perseguição. Os politicamente corretos não podiam admitir o humor que deixa “falar alto” e revela os interstícios. A filigrana onde os desejos lutam para sair porque denunciam a mistificação.
Pensar alto é um meio-termo entre o peso da verdade e o seu desvendamento. No meu longo e elaborado treinamento, cujo destino era ser pesquisador e professor, eu passei por muitos exercícios de controle do pensar alto. Uma vez assisti a uma conferência singularmente presunçosa sobre “teoria do parentesco” proferida por um pós-estruturalista francês no Museu Geral, onde trabalhava. Seu ponto de partida era genial: só há parentesco porque um homem se casa com uma mulher...
Meu professor adorou. Eu, porejando pusilanimidade, concordei, mas pensei baixinho com desmedida coragem: trata-se de uma besta quadrada! A quantas conferências e seminários idiotas eu assisti? Em quantas aulas e palestras eu mesmo disse lixo? Quantas vezes eu sufoquei o meu pensar alto? Perdi a conta...
Lembro-me de alguns conselhos recebidos nesta preparação para uma apropriada cultura da hipocrisia. Quando, no seu período pré-Trump, os Estados Unidos eram a América, meu mentor exigia que eu fosse direto ao ponto (go straight to the point!) arcando com todas as consequências, inclusive a de revelar a desonestidade intelectual do conferencista ou do autor. No Brasil, porém, onde discordar é tido como falta de consideração e de humanidade (errar é humano, persistir no erro é estar no lugar certo e ser superior!), aprendi o exato oposto: “Jamais, admoestou-me um mentor, diga o que você pensa!” Encaixei as duas lições e confesso a minha total insegurança entre o pensar alto e deixar de pensar.
Quando eu observo que um operador profissional de propinas está paradoxalmente “preso” na sua fazenda porque o Estado não tem tornozeleiras eletrônicas, eu penso alto: não seria melhor acabar com julgamentos de todas as ex-autoridades que continuam a gozar de suas majestades?
Queremos justiça, mas não gostamos de suas consequências: prisões, igualdade absoluta, isolamento e algemas. O político enganador e poderoso algemado promove empatia porque não temos como fotografar o seu crime. Ele roubou “do governo”, recebeu propinas, seus companheiros mais chegados o denunciaram abertamente, ele quebrou o Brasil, mas a “crise”, embora tremenda, é impessoal e abstrata. Ela é sentida e vivida, mas não pode ser presa e ninguém vai morrer por ela.
Pensando alto, o que conta no Brasil é a personificação. Milhares, porém, foram algemados a uma vida miserável por irresponsabilidade do governante, mas, ao vê-lo prestes a ser julgado e a receber o seu fim político, o coveiro de esperanças é transformado por alguns numa pobre vítima e num herói nacional. Tudo é falso e irreal. Trata-se, inclusive, de julgar o julgamento. Eis o dogma em estado puro. O assassínio do pensamento.
Roberto DaMatta
Nem costas largas, nem quentes
Mais do que reafirmar por unanimidade a sentença do juiz Sérgio Moro e ampliar para 12 anos e um mês a pena imposta ao ex-presidente Lula, os desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região protagonizaram um necessário desagravo à Justiça.
Reafirmaram a independência do Poder Judiciário, não cedendo a constrangimentos e pressões. E destruíram a falácia de que no Brasil imperam tribunais de exceção, como o PT e sua turma tentam, irresponsavelmente, propagar por aqui e além das fronteiras do país.
Antes de tudo, o julgamento foi didático.
João Pedro Gebran Neto, o relator, Leandro Paulsen, o presidente da turma e revisor, e Victor Laus, expuseram com minúcias a denúncia do MPF e a sentença de Moro, as arguições da defesa, as provas documentais e circunstanciais, os relatos de testemunhas e delatores. Explicaram os procedimentos processuais e o significado das acusações de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Tudo tintim por tintim.
E rechaçaram, com citações de peças expostas nos autos, os argumentos de falta de provas e cerceamento de defesa, teses caras a Lula e seus advogados, que demonizam a Justiça quando ela condena o ex e dela abusam com um sem número de recursos. Mais de 150 só no TRF4. Diga-se, alguns deles deferidos em favor do réu, como salientou Paulsen, reiterando a isenção da Corte.
Como bem disse Laus, “em bom português, se alguém fez algo errado, e se esse algo errado é crime, a pessoa responde e pronto”.
A 8ª turma do TRF4 foi além: aumentou a pena de Lula por considerar que um representante ungido pelo voto à posição de maior mandatário do país tem de ser exemplar e, portanto, seu dolo provoca danos ainda maiores.
Mais: jogou areia no marketing de campanha do PT de que eleição sem Lula é fraude.
Agora, terão de rebolar para contraditar a frase de Paulsen, a que mais traduziu o espírito do julgamento: “Aqui, ninguém pode ser condenado por ter costas largas, nem absolvido por ter costas quentes”.
Mary Zaidan
Reafirmaram a independência do Poder Judiciário, não cedendo a constrangimentos e pressões. E destruíram a falácia de que no Brasil imperam tribunais de exceção, como o PT e sua turma tentam, irresponsavelmente, propagar por aqui e além das fronteiras do país.
João Pedro Gebran Neto, o relator, Leandro Paulsen, o presidente da turma e revisor, e Victor Laus, expuseram com minúcias a denúncia do MPF e a sentença de Moro, as arguições da defesa, as provas documentais e circunstanciais, os relatos de testemunhas e delatores. Explicaram os procedimentos processuais e o significado das acusações de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Tudo tintim por tintim.
E rechaçaram, com citações de peças expostas nos autos, os argumentos de falta de provas e cerceamento de defesa, teses caras a Lula e seus advogados, que demonizam a Justiça quando ela condena o ex e dela abusam com um sem número de recursos. Mais de 150 só no TRF4. Diga-se, alguns deles deferidos em favor do réu, como salientou Paulsen, reiterando a isenção da Corte.
Como bem disse Laus, “em bom português, se alguém fez algo errado, e se esse algo errado é crime, a pessoa responde e pronto”.
A 8ª turma do TRF4 foi além: aumentou a pena de Lula por considerar que um representante ungido pelo voto à posição de maior mandatário do país tem de ser exemplar e, portanto, seu dolo provoca danos ainda maiores.
Mais: jogou areia no marketing de campanha do PT de que eleição sem Lula é fraude.
Agora, terão de rebolar para contraditar a frase de Paulsen, a que mais traduziu o espírito do julgamento: “Aqui, ninguém pode ser condenado por ter costas largas, nem absolvido por ter costas quentes”.
Mary Zaidan
Candidato, Lula presta último serviço ao país
Ao grudar na imagem de Lula, por um placar de 3 a 0, a qualificação de corrupto, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região carbonizou o projeto presidencial do réu. Horas depois, em comício na Praça da República, em São Paulo, o condenado reafirmou sua candidatura ao Planalto. A insistência de Lula é algo a ser festejado. Com seu atrevimento, o personagem mostra que a prioridade da disputa presidencial de 2018 deve ser assegurar aos brasileiros o direito a um governo decente, comandado por biografias limpas.
Ao contrário do que sustenta o slogan do PT, eleição sem Lula não será uma fraude, mas um bom começo. A democracia não cai do céu, precisa ser conquistada. E a exclusão de um ficha-suja graúdo da corrida sucessória emitirá um sinal de vitalidade que as instituições brasileiras estão devendo ao país. Urnas servem para contar votos, não para expedir habeas corpus. Um sentenciado a 12 anos de reclusão deve ser tratado como candidato favorito a passar uma temporada atrás das grades, não na poltrona de presidente.
Por falta de uso, a legislação penal brasileira sofre de atrofia muscular. Não consegue atingir larápios acima de um certo nível de renda. Deve-se à impunidade dos criminosos do poder a conversão da nossa democracia em ratocracia. Antes do mensalão e da Lava Jato, a taxa de risco da corrupção era baixa. O normal era não ser apanhado. Ou ser apanhado e fazer piada da má sorte. O drama de Lula consolida uma terceira hipótese: a de ser pilhado e pagar pelos crimes. Parece pouco. Mas faz uma enorme diferença.
Nem todo mundo notou, mas o Brasil está mudando. O que desanima é a lentidão do processo. A candidatura de Lula é útil porque ajuda a trazer a mercadoria podre do fundo da loja para a vitrine. O PT se pergunta: por que prender Lula e deixar solto Aécio Neves? Logo alguém gritará: “Numa disputa em que até Fernando Collor concorre ao Planalto, a exclusão de Lula é um despropósito.”
Não demora e o ministro Dias Toffoli, do Supremo, será constrangido a retirar da gaveta o pedido de vista que mantém a salvo, dentro da bolha do foro privilegiado, Aécio, Collor e outros 271 políticos processados por corrupção. O mau exemplo de Lula será redentor se for capaz de arrancar órgãos como a Suprema Corte e o Tribunal Superior Eleitoral de sua tradicional letargia.
A desfaçatez de Lula será útil também pelo contraste. Encrencado por corrupção e lavagem de dinheiro, o pajé do PT voltou a comparar-se no comício noturno desta quarta-feira a Nelson Mandela, encarcerado por combater a discriminação racial. Microfone em punho, Lula declarou: “Mandela ficou preso 27 anos. E nem por isso a luta que ele fazia diminuiu. Ele voltou e virou presidente da África do Sul.” Quem ouve fica tentado a perguntar: por que Lula quer voltar?
A resposta está no parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição Federal. Anota o seguinte: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.” Traduzindo para o português do asfalto: eleito, Lula não poderia responder por crimes praticados antes do início do mandato. E a ação sobre o tríplex iria para o freezer. Seria congelada junto com os outros oito processos criminais que perseguem o autoproclamado Mandela brasileiro como um rastro pegajoso.
Diz-se que o brasileiro não tem memória. Engano. O que falta à plateia é curiosidade. Ao manter viva sua candidatura ficcional, Lula presta um último serviço ao país. Seu descaramento é útil porque estimula as pessoas a buscarem as causas da ruína ética. Muita gente talvez encontre no espelho a melhor explicação.
Noutras nações, a condenação de um ex-presidente por ladroagem seria vista como um desses acontecimentos que ferem a rotina e fazem a vida escapar da normalidade. No Brasil, não. Deve-se rezar para que Lula leve sua candidatura às últimas (in)consequências. Com sorte, o brasileiro talvez perceba que algo de extremamente anormal precisa acontecer para alterar a insuportável normalidade reinante no cenário político.
A aplicação indiscriminada de leis como a da Ficha Limpa, por exemplo, saciaria a fome de limpeza que paira no ar. O cumprimento automático de regras como a que abre a porta da cadeia para os condenados na segunda instância provocaria uma revolução nos costumes. Torça-se para que o PT mantenha um militante de plantão junto à orelha de Lula por 24 horas. Ao menor sinal de renúncia à candidatura, o plantonista deve dizer: “Tem que manter isso, viu?”
Ao contrário do que sustenta o slogan do PT, eleição sem Lula não será uma fraude, mas um bom começo. A democracia não cai do céu, precisa ser conquistada. E a exclusão de um ficha-suja graúdo da corrida sucessória emitirá um sinal de vitalidade que as instituições brasileiras estão devendo ao país. Urnas servem para contar votos, não para expedir habeas corpus. Um sentenciado a 12 anos de reclusão deve ser tratado como candidato favorito a passar uma temporada atrás das grades, não na poltrona de presidente.
Nem todo mundo notou, mas o Brasil está mudando. O que desanima é a lentidão do processo. A candidatura de Lula é útil porque ajuda a trazer a mercadoria podre do fundo da loja para a vitrine. O PT se pergunta: por que prender Lula e deixar solto Aécio Neves? Logo alguém gritará: “Numa disputa em que até Fernando Collor concorre ao Planalto, a exclusão de Lula é um despropósito.”
Não demora e o ministro Dias Toffoli, do Supremo, será constrangido a retirar da gaveta o pedido de vista que mantém a salvo, dentro da bolha do foro privilegiado, Aécio, Collor e outros 271 políticos processados por corrupção. O mau exemplo de Lula será redentor se for capaz de arrancar órgãos como a Suprema Corte e o Tribunal Superior Eleitoral de sua tradicional letargia.
A desfaçatez de Lula será útil também pelo contraste. Encrencado por corrupção e lavagem de dinheiro, o pajé do PT voltou a comparar-se no comício noturno desta quarta-feira a Nelson Mandela, encarcerado por combater a discriminação racial. Microfone em punho, Lula declarou: “Mandela ficou preso 27 anos. E nem por isso a luta que ele fazia diminuiu. Ele voltou e virou presidente da África do Sul.” Quem ouve fica tentado a perguntar: por que Lula quer voltar?
A resposta está no parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição Federal. Anota o seguinte: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.” Traduzindo para o português do asfalto: eleito, Lula não poderia responder por crimes praticados antes do início do mandato. E a ação sobre o tríplex iria para o freezer. Seria congelada junto com os outros oito processos criminais que perseguem o autoproclamado Mandela brasileiro como um rastro pegajoso.
Diz-se que o brasileiro não tem memória. Engano. O que falta à plateia é curiosidade. Ao manter viva sua candidatura ficcional, Lula presta um último serviço ao país. Seu descaramento é útil porque estimula as pessoas a buscarem as causas da ruína ética. Muita gente talvez encontre no espelho a melhor explicação.
Noutras nações, a condenação de um ex-presidente por ladroagem seria vista como um desses acontecimentos que ferem a rotina e fazem a vida escapar da normalidade. No Brasil, não. Deve-se rezar para que Lula leve sua candidatura às últimas (in)consequências. Com sorte, o brasileiro talvez perceba que algo de extremamente anormal precisa acontecer para alterar a insuportável normalidade reinante no cenário político.
A aplicação indiscriminada de leis como a da Ficha Limpa, por exemplo, saciaria a fome de limpeza que paira no ar. O cumprimento automático de regras como a que abre a porta da cadeia para os condenados na segunda instância provocaria uma revolução nos costumes. Torça-se para que o PT mantenha um militante de plantão junto à orelha de Lula por 24 horas. Ao menor sinal de renúncia à candidatura, o plantonista deve dizer: “Tem que manter isso, viu?”
O pior para Lula está por vir
Convocadas pelo PT, quantas pessoas saíram às ruas do país, ontem, para protestar contra o julgamento de Lula ou para se manifestar a favor dele? Foram 70 mil em Porto Alegre, a acreditar-se nos números do PT. Em Brasília, 50 pessoas, contadas por jornalistas. Não se teve notícias de outros atos no resto do país.
Foi pouca gente, pôs. E nada indica que hoje muito mais ocupará as ruas das grandes cidades. Quem se interessa pelo assunto estará ligado na televisão e no rádio e conectado à internet. Esse era o medo do PT. O medo de ser abandonado por sua gente, e mais adiante pelo partido, é o que hoje move Lula. E ele tem razões de sobra para isso.
É menos o PT por vontade própria, e mais Lula que força o partido a ficar com ele. O PT dá como certo que sairá menor das urnas em outubro próximo. Sua atual bancada de 60 deputados federais deverá reduzida à metade, segundo os cálculos mais otimistas. Minas Gerais e Piauí são os únicos Estados onde o PT elegeria, hoje, governadores.
Com Lula candidato a presidente, seria possível que o partido tivesse melhor desempenho, mas a depender mesmo assim. Um Lula absolvido em Porto Alegre teria lugar garantido no segundo turno e uma vitória final mais do que provável. Um Lula sub judice, não. Apanharia feio durante a campanha. Quase certamente perderia.
Além das figurinhas carimbadas do tipo Dilma, Gleisi Hoffmann, Lindberg Farias, Vanessa Graziotin e outras poucas, que nomes políticos de peso suaram de fato a camisa ou se arriscaram a perder a voz em defesa de Lula? As caravanas que percorreram os Estados fracassaram. Um vexame, os últimos encontros de Lula com artistas e intelectuais.
Se o povo não é bobo, não há bobos nos escalões superiores do PT e dos demais partidos. Nem nos escalões intermediários. Sabe-se ali melhor do que aqui fora o que Lula fez ou deixou de fazer para estar na situação em que se encontra. O PT não é vítima de Lula. É vítima de suas ambições de chegar com ele ao poder e de manter-se nele o máximo que pudesse.
Dos processos contra Lula, o do tríplex 164-A é, digamos, o mais inocente, o que menos estragos produzirá à imagem dele e a do PT. Há outros piores. Como o do sítio em Atiabaia, reformado de graça pelas construtoras Odebrech e o OAS, com direito a pedalinhos infantis, copos com o escudo do Corinthians, adega, torre de celular e tudo mais.
Lula até poderá escapar de todos, mas seu calvário mal teve início.
Foi pouca gente, pôs. E nada indica que hoje muito mais ocupará as ruas das grandes cidades. Quem se interessa pelo assunto estará ligado na televisão e no rádio e conectado à internet. Esse era o medo do PT. O medo de ser abandonado por sua gente, e mais adiante pelo partido, é o que hoje move Lula. E ele tem razões de sobra para isso.
É menos o PT por vontade própria, e mais Lula que força o partido a ficar com ele. O PT dá como certo que sairá menor das urnas em outubro próximo. Sua atual bancada de 60 deputados federais deverá reduzida à metade, segundo os cálculos mais otimistas. Minas Gerais e Piauí são os únicos Estados onde o PT elegeria, hoje, governadores.
Com Lula candidato a presidente, seria possível que o partido tivesse melhor desempenho, mas a depender mesmo assim. Um Lula absolvido em Porto Alegre teria lugar garantido no segundo turno e uma vitória final mais do que provável. Um Lula sub judice, não. Apanharia feio durante a campanha. Quase certamente perderia.
Além das figurinhas carimbadas do tipo Dilma, Gleisi Hoffmann, Lindberg Farias, Vanessa Graziotin e outras poucas, que nomes políticos de peso suaram de fato a camisa ou se arriscaram a perder a voz em defesa de Lula? As caravanas que percorreram os Estados fracassaram. Um vexame, os últimos encontros de Lula com artistas e intelectuais.
Se o povo não é bobo, não há bobos nos escalões superiores do PT e dos demais partidos. Nem nos escalões intermediários. Sabe-se ali melhor do que aqui fora o que Lula fez ou deixou de fazer para estar na situação em que se encontra. O PT não é vítima de Lula. É vítima de suas ambições de chegar com ele ao poder e de manter-se nele o máximo que pudesse.
Dos processos contra Lula, o do tríplex 164-A é, digamos, o mais inocente, o que menos estragos produzirá à imagem dele e a do PT. Há outros piores. Como o do sítio em Atiabaia, reformado de graça pelas construtoras Odebrech e o OAS, com direito a pedalinhos infantis, copos com o escudo do Corinthians, adega, torre de celular e tudo mais.
Lula até poderá escapar de todos, mas seu calvário mal teve início.
A frase 'não há nada tão ruim que não possa piorar' parece brasileira
A frase que dá título a estas linhas tem cara de ser brasileira, mas há quem diga que se trata de um provérbio inglês. Bem utilizada, pode nos servir no dia a dia para combater (ou acordar?) o desespero, que vai tomando conta de muitos de nós. Pois veja, leitor: Fernando Collor de Melo, em seu Estado natal e diante da tropa que o elegeu senador por Alagoas, no final da semana passada, anunciou sua candidatura à Presidência da República pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC) nas eleições do dia 7 de outubro deste ano. Quando imaginava que poderia ficar livre de alguns ex-presidentes (não preciso citar nomes, pois você os conhece de cor e salteado), dou de cara com mais essa: está de volta o caçador de marajás! O país está precisado de um bom banho de descarrego, embora, pessoalmente, eu não acredite nisso…
Collor e sua ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Melo, que (imagine, leitor!) foi casada com o genial Chico Anysio e ainda mereceu um livro do saudoso Fernando Sabino (todos nós temos o direito de cometer pequenos erros), como o país todo sabe, fizeram o diabo contra milhões de brasileiros. Mas ninguém – a não ser eu, a mãe dos meus filhos e eles próprios – tem a mais distante ideia do que fizeram a mim, pessoalmente (perdoe-me pela autorreferência). Se não fosse uma juíza de Belo Horizonte (que exigiu declaração assinada de próprio punho), não teria condições de arcar com o tratamento da doença grave que acometera minha mulher, que, enfim, depois de anos de muita dor e sofrimento, a levou a falecer. O que recebera pelos 23 anos de trabalhos prestados ao “Jornal do Brasil” foram simplesmente subtraídos pelos dois. Nunca imaginei que isso pudesse ocorrer em nosso país.
Collor desafiou não só a Justiça, mas o país inteiro.
De Dutra para cá, que governou de 1946 a 1951, passando por Getúlio Vargas, Café Filho, Carlos Luz (interino), Nereu Ramos (interino), Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Ranieri Mazzilli (interino duas vezes), Jango, Castello Branco, Costa e Silva, Junta Militar, Médici, Geisel, Figueiredo, Tancredo, Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique (duas vezes), Lula (duas vezes), Dilma (duas vezes, impedida antes de completar o segundo mandato) e Temer, vi, como se fosse num filme de terror, a partir dos 11 anos, este país se transfigurar.
O país do patrimonialismo e do jeitinho, que nos parecia bem mais cordial do que era, com preconceitos soterrados pelas próprias vítimas, no qual vivi minha infância e adolescência, parecia mais ameno, e de fato o era. O ódio já podia existir, mas não era comum. Os políticos procuravam – não todos, obviamente – se tornar “homens públicos”, voltados para a prestação do desmoralizado bem comum.
Já tivemos tempos melhores e, também, nos Três Poderes, que são a base estrutural do regime democrático, homens e mulheres melhores, mesmo apesar da famosa declaração do embaixador Oswaldo Aranha, feita antes de ser ministro da Fazenda, em 1933, de que “o Brasil é um deserto de homens e de ideias”. Não acho justa a frase. Na verdade, não foi ela que o tornou nosso grande embaixador. De todo modo, não é fácil identificar as razões que levaram o país a se transfigurar, a mudar não só sua feição cordial, mas seu próprio caráter.
Espero que, a partir do julgamento do ex-presidente Lula (escrevo estas linhas dois dias antes), o Brasil se conscientize da inteligência que tem e tente remodelar, democraticamente, seu caráter.
Essa seria, com certeza, sua maior transfiguração!
Acílio Lara Resende
Collor desafiou não só a Justiça, mas o país inteiro.
De Dutra para cá, que governou de 1946 a 1951, passando por Getúlio Vargas, Café Filho, Carlos Luz (interino), Nereu Ramos (interino), Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Ranieri Mazzilli (interino duas vezes), Jango, Castello Branco, Costa e Silva, Junta Militar, Médici, Geisel, Figueiredo, Tancredo, Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique (duas vezes), Lula (duas vezes), Dilma (duas vezes, impedida antes de completar o segundo mandato) e Temer, vi, como se fosse num filme de terror, a partir dos 11 anos, este país se transfigurar.
O país do patrimonialismo e do jeitinho, que nos parecia bem mais cordial do que era, com preconceitos soterrados pelas próprias vítimas, no qual vivi minha infância e adolescência, parecia mais ameno, e de fato o era. O ódio já podia existir, mas não era comum. Os políticos procuravam – não todos, obviamente – se tornar “homens públicos”, voltados para a prestação do desmoralizado bem comum.
Já tivemos tempos melhores e, também, nos Três Poderes, que são a base estrutural do regime democrático, homens e mulheres melhores, mesmo apesar da famosa declaração do embaixador Oswaldo Aranha, feita antes de ser ministro da Fazenda, em 1933, de que “o Brasil é um deserto de homens e de ideias”. Não acho justa a frase. Na verdade, não foi ela que o tornou nosso grande embaixador. De todo modo, não é fácil identificar as razões que levaram o país a se transfigurar, a mudar não só sua feição cordial, mas seu próprio caráter.
Espero que, a partir do julgamento do ex-presidente Lula (escrevo estas linhas dois dias antes), o Brasil se conscientize da inteligência que tem e tente remodelar, democraticamente, seu caráter.
Essa seria, com certeza, sua maior transfiguração!
Acílio Lara Resende
Assinar:
Postagens (Atom)