sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Brasil e a dor de corno

 


Checklist eleitoral

Governar dá trabalho. Para dar certo requer prática, discernimento, experiência e habilidade. Escolher um governante com boa chance de acertar tampouco é tarefa fácil, desde que se dê importância ao ato. Donde o ideal seria que o eleitorado exigisse de si o mesmo e mais um pouco, tendo o preparo da pessoa escolhida como fator determinante numa eleição.

Não tem sido, no entanto, a regra no período de três décadas e meia de redemocratização. Com exceção de Fernando Henrique Cardoso, eleito duas vezes no primeiro turno com base na questão objetiva de gestão, o que temos visto são escolhas referidas em presunções não raro enganosas que no confronto com a realidade mais adiante geraram decepções.

Em 1989 havia 22 opções, entre as quais umas muito boas, outras com certeza bem melhores que o aludido caçador de marajás. Em 2002 deixou-se de lado a continuidade de FH representada por homem (José Serra) de inequívoco preparo em nome da ideia de que Luiz Inácio da Silva seria, afinal, a redenção dos pobres e a salvação do país.

Seguimos na mesma toada nas outras eleições, levando à Presidência a “mulher do Lula”, de novo em detrimento de José Serra, que já havia dado inúmeras demonstrações de competência no ramo de governo, mas era “muito antipático” para nossos padrões de camaradagem. Até que chegamos a Jair Bolsonaro, cujas credenciais serviam no máximo para lhe assegurar lugar no panteão das figuras folclóricas, mas sem atuação consistente em 27 anos de vida no Congresso com destaque meramente caricato.



Diante de tal jornada de escolhas guiadas pelo impressionismo de ocasião, não é de estranhar que o Brasil tenha destronado pela via constitucional dois presidentes e já esteja pensando em impedir um terceiro, no espaço de menos de trinta anos. Isso fala dos mandatários, mas fala, sobretudo, dos respectivos eleitorados.

Não existe uma receita infalível de bom governante, mas existe uma série de atributos a ser observados como uma espécie de checklist para os cidadãos dispostos a almejar a condição de diligente eleitor.

Pensei em algumas dessas características. Deve haver muitas outras que cada um a seu gosto e consciência pode gravar na mente. Colecionar como precioso patrimônio a ser acionado na urna junto com a tecla do nome de sua escolha para governar, pensando numa durabilidade mínima de quatro anos.

Vamos a elas sem juízo de valor sobre a ordem de entrada em cena, porque tudo é importante quando se trata de transferir temporariamente a outrem o destino da nação. Do que é feito um(a) presidente?

1 • De capacidade de liderança.
2 • Da aptidão para que seus atos e palavras sirvam de exemplo e, assim, estabelecer um padrão elevado de ação e pensamento.
3 • De habilidade para detectar, aplacar e/ou evitar crises.
4 • De vocação para promover o entendimento. Vale para o ambiente político e vale para o trato com a sociedade.
5 • Da posse de referências humanitárias de vida.
6 • De boa compreensão da realidade.
7 • Do conhecimento acima do razoável sobre como funciona o mundo.
8 • De perfeito discernimento a respeito dos limites entre o público e o privado.
9 • De paciência extrema quando necessário, tolerância zero se for preciso e sabedoria para distinguir as duas situações.
10 • Da reverência absoluta, religiosa mesmo, à Constituição.
11 • De compreensão do peso e do papel de cada uma das instituições.
12 • Das boas maneiras, dos modos lhanos.
13 • Do respeito ao uso correto do idioma nacional.
14 • Da compreensão estreita sobre as limitações do poder.
15 • Do compromisso inequívoco com o bem-estar coletivo.
16 • De astúcia e conhecimentos suficientes para reunir as melhores pessoas na formação de equipes e saber conduzi-las.
17 • Da serenidade para se conter diante das permissividades do poder.
18 • Do talento para inspirar e motivar as pessoas.
19 • Da propensão para a o exercício da amabilidade combinada com firmeza.
20 • Do senso de urgência para as necessidades do público.
21 • De coragem para fazer o que é preciso, ainda que ao custo de enfrentamentos à primeira vista impopulares.
22 • Da consciência da autoridade inerente ao cargo sem resquício de concessão ao autoritarismo.
23 • Do apreço pela transparência.
24 • De resistência a pressões indevidas.
25 • Da disposição de ceder a demandas pertinentes, ainda que ao custo de recuos.

Desnecessário que o candidato gabarite o teste. Mas inaceitável que não se enquadre em nenhuma das alternativas.

O nó tático de Bolsonaro

Nos dias que correm, não há razão alguma para otimismo. Como um técnico de futebol que faz uma aposta em meio a um jogo que se mostrava complicado, Bolsonaro deu um nó tático nas oposições. Seus últimos lances são de vitorioso, antes do término da contenda. Sua “guerra de posições” começa a dar resultados práticos e, por isso, ele pode voltar a vociferar como dantes, “sem medo de ser feliz”, com a galera em coro vociferando: “mito, mito, mito”.

Fato é que Bolsonaro invadiu o espaço parlamentar e conquistou apoio para sua blindagem e sua família. Conquistou posições onde antes não punha os pés: na cúpula do poder Legislativo. Quem fez isso para ele? O general Luiz Eduardo Ramos, que comanda a Secretaria Geral de Governo, e os líderes do Centrão. Tá tudo dominado. A vitória na presidência das duas Casas, como já se disse, é a antessala da eleição de 2022 e vai implicar em imensos desafios para as forças democráticas.


Este movimento conseguiu quebrar a espinha dorsal de quem se opunha a Bolsonaro no Parlamento: Rodrigo Maia. O DEM rachou e Maia viu sua liderança esfumaçar, combatido pela direita e pela esquerda. O movimento articulado por Maia alguns meses atrás, que buscava articular o MDB e o PSDB, não conseguiu sustentação entre os partidos e os parlamentares, mostrando como são frágeis suas convicções democráticas bem como suas perspectivas de futuro, superando o bolsonarismo. No mais, o de sempre: PSDB indefinido, PT oportunista, Psol confuso e o resto como barata tonta. E os partidos do Centrão negociando freneticamente tudo com os representantes do Planalto. Desta maneira, a sociedade não tem uma liderança em quem mirar e o Parlamento será capturado integralmente por Bolsonaro.

Como corolário do pior dos mundos, as forças democráticas mostram-se inteiramente desarticuladas, não confiam umas nas outras, e só pensam na manutenção dos seus currais eleitorais por Estado em futuro breve, e quando muito, vislumbram candidaturas presidenciais para imantar suas permanências na vida político-partidária.Por outro lado, a lógica das fake news, ao contrário do que muita gente imagina, não arrefeceu.

Comandada pela confusão midiática que Bolsonaro mantêm viva contra a vacina e a vacinação, conseguiu-se emparedar a principal liderança de oposição que demonstrou capacidade de enfrenta-lo na questão da pandemia e da vacina, duas questões centrais da hora presente na sociedade brasileira: o governador de São Paulo, João Doria Jr. Depois de breves vitórias, Doria foi e está sendo bombardeado dia após dia, pela direita e pela esquerda, pelas fake news e até pela mídia tradicional.

A lógica da velha política se sobrepôs a tudo, sem que a sociedade pudesse reconhecer isso. Esse foi o nó tático de Bolsonaro: ele confiou na ação desarticuladora da frágil cultura política democrática entre nós. Na sociedade, instalou-se uma luta de todos contra todos, demonstrada na questão da vacina; no Parlamento, retomou-se o toma-lá-dá-cá, com a liberação de verbas e cargos. É a política como negócio pessoal que volta à tona uma vez que se entende que a sociedade é assim e que não reagirá diante desse descalabro.

Hoje, Bolsonaro xinga e ofende a imprensa, desdenha dos políticos (porque a sociedade não quer mesmo saber deles), descuida das pessoas e pede a elas que vivam radicalmente seus interesses individuais, dispensando qualquer proteção do Estado. Mas este está garantido para os seus negócios privados que lhe garantirão a manutenção no poder. A democracia existe por inércia, vai sendo conspurcada, dilacerada, dilapidada em seus valores. O Brasil vai perdendo o pouco que tinha de noção coletiva e de República, de bem-comum.

O impeachment voltou a fazer parte das vocalizações da conjuntura, mas todos sabem, com maior ou menor consciência, que ele não é mais do que uma bandeira agitativa sem possibilidade real de imposição; faz parte de um discurso da indignação (justa, mas impotente). Por isso, não há motivo algum para otimismo, embora também não haja razão para se cair no desespero; a política demanda realismo e acima de tudo reconhecimento do terreno e das circunstâncias. Muito provavelmente, viveremos derrota atrás de derrota até conseguirmos encontrar um novo rumo. E isso pode demorar anos.

Novas definições para Bolsonaro

Na quarta-feira, arrolei 24 epítetos para definir Jair Bolsonaro, recolhidos por mim nos mais diversos veículos. Alguns leitores acharam a lista insuficiente. Um deles, meu amigo João Augusto, grande produtor musical, me mandou sua própria lista, que ele começou a compilar já no dia da posse de Bolsonaro. Eis:



Abjeto, abominável, abutre, achacador, acintoso, alimária, amoral, animal, asno, asqueroso, assassino, atroz. Babaca, baderneiro, belicista, beócio, besta-fera, biltre, boçal, boca-suja, bosta, brega, bronco, bufão. Cabotino, cafajeste, cafona, canalha, canastrão, cancro, capadócio, carbonário, cascavel, catastrófico, cavalgadura, charlatão, chulo, cínico, complexado, contagioso, crasso, cruel. Daninho, dantesco, debochado, degenerado, degradante, delinquente, demagogo, depravado, desbocado, desequilibrado, desleal, déspota, desprezível, desqualificado, destrutivo, desumano, doente.

Ególatra, embusteiro, energúmeno, estafermo, esterco, estúpido, execrável. Falso, fanfarrão, farsante, frio, funesto. Grotesco. Hediondo, hiena, hipócrita, histérico, horroroso. Ignóbil, imbecil, imoral, ímpio, indecente, indecoroso, indefensável, indigno, inescrupuloso, infame, iníquo, insano. Jerico, Judas, jumento. Lesivo, lixo, lunático. Malévolo, malfeitor, mesquinho, mitomaníaco, monstruoso, mula sem cabeça. Narcisista, nauseabundo, necrófilo, nefasto, néscio, nojento.

Obsceno, obscurantista, odioso, oportunista. Paranoico, parasita, pária, parvo, patife, peçonhento, pernicioso, perverso, pilantra, pornográfico, primário, pulha, pústula. Rastaquera, recalcado, reles, repelente, réprobo, repulsivo. Safado, selvagem, sociopata, sórdido. Tétrico, tirano, torpe, tosco, traíra, trambiqueiro. Ultrajante. Vândalo, vigarista, vulgar. Xarope. Zoilo.

Com o perdão dos assassinos, necrófilos, bestas-feras e quaisquer categorias que se sintam ofendidas.

Pergunta que não cala: a quem os militares devem obediência?

O presidente da República manda a imprensa enfiar latas de leite condensado (você sabe onde) e desce ao nível mais baixo da cadeia alimentar dos seres vivos. Para manter o mesmo diapasão: alguém aqui imaginou ver general e coronéis interventores do Ministério da Saúde fazendo c* doce para comprar mais vacinas do Butantan?

Logo as únicas que o país produz até agora no decorrer de uma pandemia que não para de piorar. Não passa pelo terreno baldio que eles carregam em cima do pescoço que, se demorar a comprar, a China e a Sinovac não terão mais insumos para fornecer este ano? E que a produção é limitada e todo o mundo corre atrás?

Existe corte marcial no Brasil, como em todos os países do mundo que têm forças armadas, para julgar crimes de guerra e contra a humanidade? Combater a pandemia é um tipo de guerra. Angela Merkel, chanceler da Alemanha, disse que a pandemia é o pior evento enfrentado pela humanidade desde a Segunda Guerra.



O povo brasileiro ainda faz parte da humanidade? Os generais e coronéis do Ministério da Saúde não enfrentarão nenhum julgamento? Ou vamos, de novo, anistiar geral e criar outra Comissão Nacional da Verdade para expor seus crimes daqui a cinquenta anos em cima de uma montanha de cadáveres?

O pretexto da luta contra o comunismo absolveu no passado torturas e mortes. E agora? Alegar “obediência devida” a um superior hierárquico no limite da insanidade absolverá outra vez? O Exército acredita mesmo que está desvinculado do ministério militarizado da Saúde e comandado por um general da ativa?

Se o Brasil estivesse em um conflito bélico, e as vidas dos soldados corressem grave risco, os generais refugariam mais munição e armamento? Pediriam quatro meses para pensar a respeito? Os soldados ainda teriam uma vantagem sobre nós: poderiam desertar e sumir no mundo. Nós não temos para onde fugir.

As Forças Armadas brasileiras juram obediência à Constituição e lealdade ao povo ou a um indivíduo que, por palavras, exemplos e ações induz à morte os que o elegeram e também os que votaram contra ele?

Pensamento do Dia

 


O julgamento da História não basta

Gerard Alsteens (Bélgica)
O tempo vai dizer se um dos mais perigosos, desbocados e vulgares presidentes da história do País será destituído do cargo pela via constitucional. Razões para que isso aconteça não faltam. A cafajestagem que ele protagonizou anteontem prova isso. A portentosa ficha de crimes de responsabilidade cometidos pelo Sr. Jair Messias Bolsonaro já foi desfiada nesta página e em tantas outras das mais de cinco dezenas de pedidos de impeachment já apresentados ao presidente da Câmara dos Deputados. A bem da verdade, tal desgoverno é um crime continuado.

A ver, pois, se as chamadas condições políticas para o afastamento do presidente restarão materializadas, pelo bem maior do Brasil. Os candidatos apoiados por Bolsonaro nas disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, creem não haver sequer elementos para instalação de uma CPI da Saúde.

Porém, uma coisa é certa: a destituição política de Bolsonaro, no momento, pode não passar de uma possibilidade remota, mas, se esta é uma República que se pretende séria, mais cedo ou mais tarde, o presidente terá de responder perante a Justiça por suas ações e omissões durante a pandemia de covid-19, que até agora matou mais de 220 mil brasileiros.

A irresponsabilidade de Jair Bolsonaro é grave demais para ficar relegada ao julgamento da História.

Sabe-se que a covid-19 é uma doença potencialmente mortal e decerto não pouparia a vida de muitos brasileiros, quem quer que fosse o chefe de governo nesta hora grave. Mas não resta a menor dúvida de que a atuação malévola de Bolsonaro foi determinante para transformar o que seria uma grave emergência sanitária em uma tragédia sem qualquer precedente na história do País nos últimos cem anos.

Em prol de seus interesses mais mesquinhos, Bolsonaro abriu mão de liderar a Nação em um de seus momentos mais dramáticos. Fez troça do destino de milhões de seus concidadãos, deixando-os à própria sorte. No entanto, não será por sua imoralidade que o presidente da República terá de prestar contas à Justiça.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro humilhou ministros da Saúde que se recusaram a prestar-lhe vassalagem. Minou os esforços de coordenação entre os entes federativos. Sabotou medidas de segurança preconizadas pela comunidade científica. Usou a alta credibilidade do cargo que ocupa para amplificar teorias estapafúrdias e desinformar a população – “O Brasil é um país tropical, aqui o vírus não será tão violento”, “o brasileiro vive pulando em esgoto e não pega nada”, entre outras barbaridades. Deixou de promover testagem em massa. Defendeu o uso de medicamentos sem qualquer eficácia contra a covid-19 a título de “tratamento precoce”. Não trabalhou um dia sequer para viabilizar vacinas para os brasileiros. Não satisfeito, atacou países produtores de insumos farmacêuticos hoje imprescindíveis, como a China.

Bolsonaro, como se nota, cometeu crimes contra a administração e a saúde pública no exercício do mandato. Não é algo de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, possa se esquivar por muito mais tempo.

Ora, se o ministro da Saúde já figura como investigado em inquérito policial e em breve terá de prestar depoimento à Polícia Federal (ver editorial Hora de prestar contas, de 28/1/2021), é lógico que as ações e omissões de seu chefe também hão de ser avaliadas pelo procurador-geral.

Na sessão do Tribunal de Contas da União (TCU) que analisou mais um relatório do ministro Benjamin Zymler a respeito da gestão federal da pandemia, o ministro Bruno Dantas, vice-presidente da Corte de Contas, foi enfático ao tratar desse desgoverno. “A sociedade clama por vacina já. Se existem ‘terraplanistas’ no Ministério da Saúde, essa gente precisa ceder espaço para a ciência. Não é possível que as autoridades zombem da dor dos brasileiros”, disse Dantas.

É disso que se trata. Bolsonaro subjugou o Ministério da Saúde em um momento decisivo. Em último grau, isso custou vidas e não pode ficar impune.

Acostuma-se

Acostuma-se. Adéqua-se. A vida está se tornando isso: a mistura do preto no branco se transformando em cinza. E quem quiser alguma cor que vá procurá-la em Marte

Suzana não gosta do vestido longo, brilhante, sofisticado; da sandália de salto; mas acostumou-se à ideia, porque é a formatura da prima e ela precisa se adequar à ocasião; além disso, não quer ser presa, pois lhe disseram que é um crime não se apaixonar perdidamente por um vestido tão fashion.

José não concorda com as extravagâncias da mulher, acha-as, inclusive, quase sempre disparatadas; mas acostumou-se aos arroubos, pois espera manter o casamento e necessita se adequar à situação.


Renata maldiz o próprio emprego, abomina-o com todas as forças; mas como a vida é comprida e sempre podemos nos dar ao luxo de nos entregarmos a realidades avessas às nossas crenças internas, decidiu que é mais pertinente engolir a insatisfação com um bule de café e se acostumar à úlcera nervosa.

Carlos não sabe mais lidar sozinho com os sentimentos; quando busca a ajuda dos amigos, porém, recebe apenas recriminações, julgamentos e cobranças; procura adequar-se ao pânico da confusão: não é costume dos homens da família procurar auxílio psicológico profissional.

Alice se desencantou com o curso universitário que escolheu; mas o pai disse que ela não tinha tino para mais nada, que ou continuava ou não teria seu apoio financeiro para outros caprichos. Ela trancafiou as vontades, ruminou a falta de confiança que não se recordava de ter dado causa, e seguiu; acostumou-se ao fato de não poder aliar o futuro trabalho ao gosto particular; hoje acha natural viver amargurada.

Bernardo sempre detestou as preferências dos colegas, mas por medo da rejeição, da ridicularização, da solidão, nunca disse nada a ninguém e permanece apoiando os hábitos da sua pseudotribo, embora sinta os tímpanos reclamarem a cada acorde de música ruim, o cérebro se revoltar a cada assunto fútil, os sentimentos se escandalizarem a cada atitude leviana.

Camila não mais deseja casar. Seu noivo passou a se mostrar agressivo e eles não têm a mesma conexão do início do namoro. Mas a casa foi comprada, os padrinhos escolhidos, o sonho projetado. As irmãs pressionam, o pai ameaça, a mãe chantageia; tudo isso a leva a pensar que é sua obrigação dar o devido direcionamento ao tempo de namoro e às expectativas das pessoas. Já prevê um acinzentado futuro e está se acostumando a ele.

Guilherme, quando criança, frequentou metade dos cursos existentes no universo; sem tempo suficiente para brincar, para dar ou receber amor. Perfeito estereótipo de uma sociedade que cria pequenos gênios e grandes depressivos. Foi moldado pelo que ouviu: que precisava ser o melhor. Hoje luta para se adequar à montanha de ansiolíticos e fica feliz quando consegue dormir duas horas por noite.

Acostuma-se. Adéqua-se. A vida está se tornando isso: a mistura do preto no branco se transformando em cinza.

E quem quiser alguma cor que vá procurá-la em Marte.

Brasil mantém patamar 'muito ruim' em ranking de corrupção

O Brasil se manteve estagnado, "em patamar muito ruim", no principal ranking mundial de corrupção, segundo relatório divulgado nesta quinta-feira (28/01) pela ONG Transparência Internacional.

O chamado Índice de Percepção de Corrupção (IPC) avalia 180 países e territórios e atribui a eles notas de zero (altamente corrupto) a 100 (muito íntegro), para depois estabelecer um ranking global.

Em 2020, o Brasil registrou 38 pontos, três a mais que em 2019, mas, como frisou o relatório, ainda dentro da margem erro da pesquisa (4,1 pontos para mais ou para menos). Por isso a conclusão de "estagnação".

A percepção da corrupção no Brasil ainda está abaixo da média do Brics (39), da média regional para a América Latina e o Caribe (41), da mundial (43) e ficou ainda mais distante da média dos países do G20 (54) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (64).



O pequeno aumento no número de pontos fez o Brasil saltar da 106ª posição registrada em 2019 para a 94ª, mas ainda atrás de países como Colômbia, Turquia e China. A Transparência Internacional alerta que o país enfrenta sérios retrocessos no combate à corrupção.

"Não será através de soluções populistas e autoritárias que construiremos um país íntegro e justo. Será através do fortalecimento da nossa democracia e de uma cidadania consciente, unida, livre e ativa na luta por seus direitos", afirma a ONG, em comunicado que acompanhou a divulgação do relatório.

Na 94ª posição, o Brasil é acompanhado, com a mesma pontuação, por Etiópia, Cazaquistão, Peru, Sérvia, Sri Lanka, Suriname e Tanzânia.

Lideram o ranking, empatados com 88 pontos, Dinamarca e Nova Zelândia. Elas são seguidas, no campo dos "altamente íntegros", por Finlândia, Singapura, Suécia, Suíça, Noruega, Holanda, Alemanha e Luxemburgo.

A pontuação de 2019 havia sido a mais baixa desde 2012, quando passou a ser possível fazer comparações anuais. Em 2018, o Brasil caiu nove posições em relação ao ano anterior, ficando em 105º lugar. A classificação brasileira apresenta tendência de queda desde 2014, quando o país ocupava a 69ª posição.

Em seu capítulo relativo ao Brasil, divulgado em português pela ONG, o relatório afirma que a luta contra a corrupção, que foi bandeira de boa parte da classe política eleita nos últimos anos, não se transformou em medidas concretas.

"Nenhuma agenda efetiva de reformas anticorrupção foi apoiada pelo governo e aprovada pelo Congresso. Pelo contrário, ocorreram graves retrocessos institucionais, principalmente com a perda de independência de órgãos fundamentais como a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal", observa.

Além disso, prossegue o relatório, "o avanço do autoritarismo, com ataques crescentes aos jornalistas e à sociedade civil, ameaça outra frente essencial para a luta contra a corrupção: a produção de informação de interesse público e o controle social".

Segundo o relatório, o ano de 2020, devido à pandemia, expôs a necessidade real de responder urgentemente às necessidades da sociedade. E, com isso, os riscos de corrupção também cresceram. "No Brasil, a falta de integridade dos governantes literalmente tirou o oxigênio das pessoas", diz o relatório.
Quando a corrupção mata

O índice de 2020 analisa especificamente a correlação entre os níveis de corrupção e a resposta das nações à pandemia de coronavírus no ano passado. O relatório destaca o impacto da corrupção nas respostas governamentais à covid, comparando o desempenho dos países no índice com seu investimento em assistência médica e a extensão do enfraquecimento das normas e instituições democráticas durante a pandemia.

A ONG diz que a corrupção é predominante em toda a resposta global à covid-19, desde subornos para a obtenção de testes e tratamento até a compra pública de suprimentos médicos.

"O que você vê é que a aquisição de equipamentos de proteção – como máscaras e respiradores – não está sendo tratada de forma transparente", diz Daniel Eriksson, diretor administrativo interino da ONG, à DW. "Isso torna muito atraente para as pessoas corruptas sugar dinheiro para seus próprios bolsos, enriquecendo-se assim à custa da população em geral – neste caso, a corrupção realmente mata pessoas".

O relatório aponta para "inúmeras vidas perdidas devido aos efeitos insidiosos da corrupção, minando uma resposta global justa e equitativa" à pandemia.

A análise da Transparência Internacional diz que a corrupção desviou fundos de investimentos necessários para cuidados de saúde, deixando algumas comunidades sem médicos, equipamentos e também clínicas e hospitais. "A covid-19 não é apenas uma crise de saúde e econômica: é uma crise de corrupção, a qual estamos atualmente falhando em administrar", diz a presidente da ONG, Delia Ferreira Rubio, no resumo do relatório.
Deutsche Welle

Sem presidente, sem ministro e sem vacina, os brasileiros se sentem um povo ‘vira-lata’

A profissão de jornalista é penosa e arriscada, basta conferir a lista de assassinatos no mundo. É claro que o maior número de perseguições e atentados ocorre em países de governos ditatoriais, onde a democracia ainda não predomina e é proibido fazer oposição, como ocorre na China, na Guiné Equatorial, em Cuba, na Venezuela, no Vietnã e nas nações árabes.

Recentemente o Jornal Nacional exibiu uma impressionante reportagem sobre os dissabores de repórteres que tentam apurar a verdade sobre a pandemia na China, que oficialmente já teria sido debelada, mas há muitas controvérsias, como diria o ator e pianista Francisco Milani, que gostava muito de política e chegou a ser vereador pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).

O fato concreto é que somente pessoas absolutamente ingênuas conseguem acreditar nas informações do governo chinês. Afinal, como a superpopulosa China conseguiu se tornar o único país do mundo a praticamente acabar com a covid-19? E isso ocorreu antes mesmo de ter vacinado toda a população?

É uma façanha única que não foi igualada nem mesmo pela Rússia, que é outra grande nação sob censura, produz vacina com eficácia de 91,4%, mas continua entre os dez primeiros no ranking dos países mais atingidos.

É claro que numa ditadura radical como a China, muito pior do que a Rússia, fica mais fácil controlar a população. Se o Partido Comunista der uma ordem para todo mundo permanecer em casa e usar máscara o dia todo, será obedecido à risca.

Realmente, é duro acreditar no que diz o governo da China, que recentemente se viu obrigado a admitir que já houve contaminações com a nova modalidade do coronavírus.

Enquanto isso, aqui em Pindorama, como dizia o jornalista Ivan Lessa, é tudo ao contrário, nem mesmo o presidente da República obedece à ordem, sai às ruas sem usar máscara, provoca aglomerações, abraça as pessoas e fica tudo por isso mesmo.

O pior de tudo isso é que, para os brasileiros, a única esperança são as vacinas. Mas isso ainda é apenas um sonho, porque o governo não se interessou previamente em comprá-las, preferindo acreditar num presidente lunático, que segue as teorias conspiratórias do bruxo virginiano Olavo de Carvalho, especialista em embromar otários desde os tempos em que trabalhava como astrólogo e ainda acreditava que a terra era redonda…