segunda-feira, 2 de abril de 2018

Política brasileira é capaz de enlouquecer qualquer observador estrangeiro

Eles surgiram ainda no período militar, chamados de “brazilianistas”. Eram acadêmicos e jornalistas estrangeiros que tinham uma enorme curiosidade sobre o Brasil e tentavam entender este gigantesco e rico país, uma das nações de maior potencial de crescimento no mundo. Hoje em dia, são raríssimos os intelectuais estrangeiros que podem ser classificados de “brazilianistas”, porque não houve renovação de valores, em função da imensa dificuldade que eles encontram quando tentam entender como funcionam a política e a administração pública no país.

É por causa dessa esculhambação institucionalizada que até hoje existem jornalistas, políticos e intelectuais estrangeiros que ainda acreditam que Lula da Silva é inocente e está sofrendo perseguição política.
Aqui no Brasil, grande parte da população já está convencida de que Lula realmente é um político de alta periculosidade, que foi capaz de montar o maior esquema de corrupção institucional do mundo, e não satisfeito em se corromper, fez questão de corromper também a família, a tal ponto que dois de seus filhos (Fábio Luís, o mais velho, e Luís Cláudio, o caçula) conseguiram se tornar “fenômenos” como empresários, mas agora correm risco de serem presos a qualquer momento.

Apesar desta realidade incontestável, no exterior ainda não existe uma visão mais precisa sobre Lula. Pelo contrário, ainda há quem pense que realmente esteja em curso uma conspiração para evitar que ele volte à Presidência.

Atrevo-me a dizer que, se pedisse asilo, Lula seria aceito como refugiado pela quase totalidade dos 194 países de ONU e nem precisaria recorrer aos mais amigos, como Cuba, Venezuela, Equador, Angola, Nicarágua, Bolívia etc.


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Como explicar a um estrangeiro?

1) Que no Brasil as autoridades policiais e judiciais podem comprovar que o presidente da República é corrupto e chefia uma quadrilha, mas nada acontece a ele, não pode ser processado porque está no exercício do mandato?
2) Que um criminoso condenado em segunda instância, quando já está esgotada a fase do exame das provas, só possa ser preso cerca de 10 anos depois, quando a sentença for confirmada em terceira instância?
 3) Que neste período até a terceira instância o crime possa prescrever, livrando o criminoso de qualquer punição, não importa a gravidade do ilícito cometido?
 4) Que um criminoso possa ser condenado a centenas de anos de prisão, mas só cumprirá no máximo 30 anos e terá direito a sair muito antes, se tiver bom comportamento, ler livros, trabalhar na prisão e fizer cursos por correspondência?
 5) Que um criminoso possa alegar estar doente e ser libertado, mesmo que a perícia médica oficial tenha constatado que ele está bem de saúde e não há motivos para deixar de cumprir a pena?
 6) Que um juiz possa agir criminosamente, não ser condenado e ter como punição máxima uma aposentadoria precoce, com remuneração de fazer inveja a qualquer país desenvolvido, com caráter vitalício e transmissível ao cônjuge, que pode até ser uma pessoa do mesmo sexo?
7) Que no Brasil um juiz de qualquer instância possa julgar uma pessoa com a qual mantém relações de amizade, sua sentença não seja anulada e ele não sofra qualquer punição?
 8) Que o presidente da República possa nomear para a Suprema Côrte um advogado que foi reprovado duas vezes em concurso para juiz, e o nome dele seja aprovado pelo Senado da República, como se o indicado tivesse “notório saber”?
9) Que um ex-presidente da República, já condenado a 12 anos e um mês de prisão, além de responder a outros processos e inquéritos por corrupção e lavagem de dinheiro, possa ter esperanças de que a Suprema Côrte autorize que ele seja candidato a voltar ao cargo?

Paisagem brasileira


Fundo de quintal com galináceo, Tácito Ibiapina 

Nas mãos deles, de novo

Mais uma vez – e não têm sido poucas – o destino imediato e futuro do país estará nas mãos do Supremo Tribunal Federal, ao qual tem cabido distribuir, recolher e validar as cartas no Brasil de hoje. Não raro sacando coringas escondidos nas mangas, e nem sempre preservando a Constituição que deveria proteger.

É em torno da decisão dos 11 ministros sobre o habeas corpus do ex-presidente Lula, prevista para o dia 4, que manifestações de rua foram convocadas para hoje e para terça-feira. E que mais de mil juízes e promotores deram aval a um documento que será entregue amanhã à Suprema Corte.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Com o título “Constitucionalidade da prisão em segunda instância e não violação da presunção de inocência”, a nota técnica transformada em abaixo-assinado do mundo jurídico impressiona. Em menos de cinco páginas, eles reúnem argumentos para o STF manter a posição adotada por pelo menos três vezes, a última há menos de dois anos, expondo quão calamitosa poderá ser a reversão de tal entendimento.

E não se limitam ao fim da Lava-Jato. “A mudança da jurisprudência implicará a liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio, etc.”

O STF, com seu descomunal poder de mando, tem cometido trapalhadas monumentais. O adiamento da decisão sobre Lula e o salvo conduto deferido a ele são pouco perto da prática de surrupio de funções do Executivo e do Legislativo. Algo para lá de heterodoxo.

Está em dívida também no que é de sua alçada exclusiva: o julgamento dos que têm privilégio de foro. Uma excrescência que, aliada aos sucessivos recursos nas diferentes instâncias, garante que autoridades e aqueles que podem gastar fortunas com advogados permaneçam impunes.

Casos como o do ex-prefeito e deputado Paulo Maluf, que correu por duas décadas, ou de crimes de Romero Jucá, que acabam de prescrever depois de 14 anos, são apenas alguns exemplos. Corroboram com a nota dos juízes e promotores, para quem “a ineficácia da persecução penal não se situa na dosagem das penas, mas na incapacidade de aplicá-las”.

No âmbito da Lava-Jato é escandaloso: enquanto nas instâncias inferiores já foram expedidas 188 condenações a mais de 150 réus, o STF não julgou um único político depois de quatro anos. Prazo que o ministro relator Edson Fachin considerou normal ao anunciar que deve despachar os primeiros casos ainda neste semestre.

Um jogo de cartas marcadas, de embuste nacional, que contribui para a descrença nas instituições, que, convenhamos, não têm feito por merecer qualquer crédito.

Entre a Páscoa e o dia da mentira, fica a torcida para que o espírito do primeiro derrote o segundo, na tentativa de livrar os outros 364 dias da danosa farsa que impera no país.

Mary Zaidan 

Desonesto círculo vicioso

Não estamos em condições de nos salvar a nós próprios, sobre isso não restam dúvidas. Falamos em democracia, mas ela é apenas a expressão política para um estado de espírito caracterizado pelo "Pode ser assim, mas também de outro modo". Vivemos na época do boletim de voto. Até votamos todos os anos no nosso ideal sexual, a rainha da beleza, e o facto de termos transformado a ciência no nosso ideal intelectual não significa mais do que por na mão dos chamados factos um boletim de voto, para que eles escolham por nós. Este tempo é antifilosófico e cobarde: não tem coragem para decidir o que tem ou não tem valor, e a democracia, reduzida à sua expressão mais simples, significa: Fazer aquilo que acontece! Diga-se de passagem que é um dos mais desonestos círculos viciosos que alguma vez existiu na história da nossa raça
Robert Musil

Cansaço

Estamos num tempo cansado, tempo que não sabe mais o que fazer de si, como não sabemos mais o que fazer ou esperar da Justiça. Outro dia, houve o julgamento de um habeas corpus de um ex-presidente. E o nobilíssimo Supremo Tribunal Federal revelou quanto a Justiça se mostra exaurida. E para não julgar, com exceções, deve estar pronta para longas férias na República. Talvez por estresse, talvez por interesses ou pressões. Pois não vi antes um habeas esquecer provas e condenações de colegiados jurisdicionais. Todavia, recordo os versos de Gonçalves Dias: “Meninos, eu vi!”


Antes o Supremo era o último baluarte da cidadania, hoje tende a ser — salvo melhor juízo, e o juízo é sempre mutável —, por tal benesse, um baluarte dos poderosos. Diz a digna presidente do Egrégio Tribunal que o tratamento ao ex-presidente é igual a qualquer um. Mas jamais vislumbrei, qualquer um, de repente, receber o benefício do salvo-conduto até o próximo julgamento. E os ministros do Supremo Tribunal Federal deram à ministra Rosa Weber a tranquilidade de exercitar a incoerência. As posições do plenário vão mudando com as estações, ou ventos. Ou as águas das constantes chuvas de violência que alagam a nação.

É humano que o Supremo canse, é humano que ele mereça solenes e incessantes férias. E é previsível até que algum dos julgadores peça vista dos autos e prolongue infinitamente o julgamento, pois a incoerência nasce da exaustão e a exaustão, do peso de julgar, nada valendo as anteriores decisões. Talvez também por serem todos os julgadores míopes, e só o Supremo saiba, tenha a claridade bem-aventurada na retina. “Não vai a Roma quem quer, mas quem pode” — advertia Machado de Assis. Todo esse processamento desvela um aspecto, além do cansaço, dos que são mais iguais diante da lei e os menos iguais — o mais não passa de remendo velho em pano velho.

Muitos aguardavam que viesse um vinho novo, um resultado de equilibrada justiça, a certeza de que ninguém está acima da Constituição. Já o tal salvo-conduto nos deixou atônitos, por inexistir precedente. Agora assistimos ao que vier, tristes, sem laivo de esperança. Porque o cansaço do Supremo, com exceções, é o cansaço supremo da Justiça, o recuo, o desabar de mais altas tradições. Se não falta coragem, falta fôlego. Se não falta fôlego, falta a ousadia no presente, que é sem futuro.
Carlos Nejar