segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Chatos

De certo, somente que viramos um povo chato. Ou talvez sempre tenhamos sido. Que talvez por desenho, destino ou desejo, optamos por abandonar o verniz de tolerância que a gente (pelo menos tentava) exibir por ai. Abraçamos a intolerância. E ponto.

Nada de tentar parecer cordial, hospitaleiro, tolerante. Isso é passado. E, tudo indica, distante. Todos apaixonados pela própria voz. Muita voz. Poucos ouvidos. Inteligência, nenhuma.

Faz tempo que a gente não conversa para entender. Cada som, cada palavra, cada ato, é somente para convencer. Ou melhor, converter. E, para aqueles que estão do outro lado da conversa, resta somente a rendição. Ou o combate sem tréguas.

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John Kenn 

Controlar chatos nunca foi ciência exata. Sempre foi arte. Mas já foi mais fácil. Chatos e chatice estavam quase restritos a contatos sociais que, por escolha, poderiam ser ocasionais. Bastava evitar ou sofrer um pouco com a presença desta gente que aos outros encurralava nas festas, ou nas mesas de bar. Era ruim, mas passara. E, melhor de tudo, dava para evitar.

Não é mais assim. Graças à mídia social. Agora, acabou a distancia entre o pensamento e a publicação. Protegidos às vezes pelo anonimato, mas sempre pela frieza da tela, abusa-se do privilégio de falar. Talvez porque não ser compreendido tenha deixado de ser importante. E foi assim que os chatos venceram. E a chatice invadiu tudo.

Agora, todos falam o que desejam sem prestar atenção àquilo que não sabem. Ideias dissonantes são rapidamente combatidas. Aqueles que discordam, rotulados. Com rótulos de todo tipo, desde que seja depreciativo. Ou que sirva para denegrir e destruir reputações e credibilidade. E, se os rótulos não funcionam, vale a ofensa. Nada como violência verbal para destruir comunicação. Funciona mesmo. E, por funcionar, é utilizada a exaustão.

Preferimos perder amigos, brigar com a família, destruir relações a dar o braço a torcer. Impor as próprias ideias é tudo o que importa. Em qualquer circunstancia e ao arrepio dos fatos. Realidade, afinal, não tem mais valor. Apenas o gogó conta. E haja gogó.

Passo a passo, fomos abraçando a chatice. Brigamos com a vida. Ensurdecemos. Embrutecemos. Convivemos com a ignorância. Desaprendemos a sorrir. Quando rimos, é da destraça alheia. Acima de tudo, chatos.

Um país onde a justiça varia não pode ser considerado democrático

Aquela foi uma semana marcada por importantes acontecimentos. Começou com a cassação do mandato de Eduardo Cunha por um escore arrasador, seguiu-se a posse de Cármen Lúcia na presidência do Supremo Tribunal Federal, depois as acusações contra Lula por procuradores da operação Lava Jato e finalmente a resposta do ex-presidente negando fundamento às acusações.

A maneira como aquelas acusações foram feitas não pegou bem, e pior é que, como este jornal divulgou, elas se apoiam numa delação que foi cancelada.

Quero me ater, no entanto, à significação que tem para o país a presença da ministra Cármen Lúcia na presidência do STF, conforme constatamos nas mais diversas manifestações de apoio e otimismo pelo acontecimento. E, se ele já valeu por si só, cabe ressaltar a significação da cerimônia de posse em si mesma.

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Essa cerimônia se caracterizou pela presença de políticos de diversos partidos, além de personalidades como os ex-presidentes José Sarney e Luiz Inácio Lula da Silva, bem como intelectuais, advogados e artistas. Isso indicava, por um lado, o prestígio pessoal da nova presidente do STF, mas também o que significa essa instituição, no momento particularmente crítico da vida política nacional, o que ficou evidente nos discursos proferidos durante a cerimônia, expondo implicitamente essa realidade.

Nesse particular, deve-se ressaltar o discurso da ministra Cármen Lúcia que, não por acaso, fez questão de mostrar que as diversas instituições que expressam o poder do Estado brasileiro, a exemplo do Judiciário, são, de fato, instrumentos da manifestação do verdadeiro poder que emana do povo e em seu nome deve ser exercido. Foi quando ela disse:

"Inicio quebrando um pouco o protocolo ou, pelo menos, interpretando a norma protocolar diferente de como vem sendo interpretada e aplicada: determina se comecem os cumprimentos pela mais elevada autoridade presente. E e justo que assim seja. Principio, pois, meus cumprimentos dirigindo-me ao cidadão brasileiro, princípio e fim do Estado, senhor do poder da sociedade democrática, autoridade suprema sobre nós, servidores públicos, em função do qual se há de labutar cada um dos ocupantes dos cargos estatais".

Por isso mesmo, como diria ela, adiante, irá informar-se de todos os dados relativos aos gastos institucionais e trazê-los ao conhecimento da população, com toda a transparência, para deixar clara a posição que adotaria em face disso. Essa questão envolve o discutido aumento salarial para os ministros do Supremo, que, por sua vez, desencadearia aumentos salariais nos vários setores judiciais, agravando a situação financeira do país.

Outro ponto importante de seu discurso diz respeito à modernização e ao aperfeiçoamento do Judiciário brasileiro, que não atende às necessidades da população, particularmente dos mais pobres que constituem a maioria.

De fato, um país onde a aplicação da Justiça varia de acordo com a classe social a que pertence o cidadão não pode ser considerado efetivamente democrático.

Se o discurso da presidente Cármen Lúcia foi essencialmente institucional, o do ministro Celso de Mello, decano do STF, tocou o cerne do problema que hoje atinge, de maneira alarmante, a vida política nacional.

Para o constrangimento de alguns políticos e autoridades ali presentes, que são investigados pela Operação Lava Jato, ele se referiu aos "marginais da República" que, "por intermédio de organizações criminosas" obtêm "inadmissíveis vantagens e [...] benefícios de ordem pessoal, ou de caráter empresarial, ou, ainda, de natureza político-partidária".

Também o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, abordou o tema da corrupção, destacando a atuação do Ministério Público, que tem desempenhado um papel altamente positivo no combate à ação criminosa de políticos, empresários e altos funcionários de empresas estatais.

A posse da ministra Cármen Lúcia, se teve o significado que teve, deveu-se particularmente ao papel que a Justiça passou a desempenhar publicamente na vida nacional. E a razão disso não é outra senão o alastramento da corrupção exercida, como disse o ministro Celso de Mello, pelos "marginais da República".

Alimentar o mundo

Este mês marca o aniversário de 50 anos do discurso do presidente John F. Kennedy sobre o fim da fome mundial, mas a situação continua ruim. Quase um bilhão de pessoas passam fome no mundo. Faz tempo que produzimos calorias suficientes, cerca de 2,7 mil por dia por pessoa, mais do que o bastante para suprir as necessidades de uma população de 9 bilhões, projetada pela ONU para 2050. Há pessoas passando fome porque nem todas as calorias são para o consumo humano - um terço serve para alimentar animais, 5% são usados na produção de biocombustíveis e um terço é desperdiçado ao longo da cadeia alimentar.

O sistema é insustentável, pois depende de combustíveis fósseis e resulta em danos ambientais. Seu funcionamento é orientado para permitir que a metade do planeta com dinheiro coma bem, enquanto os demais procurem uma maneira de se alimentar gastando o mínimo possível. Paradoxalmente, conforme um número cada vez maior de pessoas pode arcar com o custo de se alimentar bem, a comida vai se tornar mais escassa para os pobres, pois a demanda por produtos animais aumentará, exigindo mais recursos como grãos. Calcula-se que um aumento inferior a 30% na população mundial dobre a demanda por produtos animais. No entanto, não existe terra, água nem fertilizante para que o mundo inteiro consuma carne nos níveis ocidentais.

Pawel Kuczynski-Pawel Kuczynski is a Polish artist that specializes in satirical illustration. Born in 1976 in Szczecin, Poland, he graduated with a graphics degree from the Fine Arts Academy in Poznan. Pawel has been focusing on satire since 2004 and has garnered nearly a hundred prizes and distinctions since then. Much of his artwork deals with serious themes such as poverty, greed, politics and mortality. While his subject matter is stark, his illustrative style is whimsical and cartoonis...:
Pawel Kuczynski
Se quisermos garantir que os pobres comam melhor, precisamos parar de supor que o modelo industrial de produção de alimentos e a dieta que o acompanha, responsável por numerosas doenças, seja desejável e inevitável. É hora de admitir que há dois sistemas alimentares: o industrial e o dos pequenos proprietários, que é mais eficiente. Para o ETC Group, organização de pesquisa de Ottawa, a cadeia alimentar industrial consome 70% dos recursos agrícolas para produzir 30% do alimento mundial, enquanto a "rede alimentar camponesa" produz os 70% restantes usando apenas 30% dos recursos.

Variedades de alto rendimento de qualquer uma das principais espécies de monocultura comercial proporcionarão uma produtividade superior à de variedades dessa mesma espécie cultivadas por camponeses. Mas, ao diversificar o cultivo, misturar plantas e animais e plantar árvores, os pequenos proprietários podem produzir mais comida. Usarão menos recursos e arcarão com um custo mais baixo no transporte, ao mesmo tempo, oferecendo mais segurança alimentar, conservando a biodiversidade e compreendendo melhor os efeitos da mudança climática.

Se definirmos "produtividade" não em termos de quilos por hectare, mas pelo número de pessoas alimentadas pela produção dessa mesma área, veremos que os EUA estão atrás de China e Índia (e também da média global), num patamar equivalente ao de Bangladesh, pois parte daquilo que é produzido é destinado aos animais e biocombustíveis.

Obviamente, nem todos os pobres conseguem se alimentar direito, pois carecem de recursos essenciais: terra, água, energia e nutrientes. Com frequência, isso é resultado de ditaduras, guerras, deslocamentos, calamidades naturais ou da apropriação de terras e de recursos hídricos.

O resultado é uma fuga rumo às cidades, onde os camponeses se convertem em trabalhadores mal remunerados e se alimentam mal. Ao chegar a esse ponto, deixam de ser "camponeses" e viram , os pobres trabalhadores dos EUA. É uma fórmula que produz fome e obesidade. Primeiro é removida a capacidade de produzir comida. Em seguida, a capacidade de pagar pela comida, substituindo-a por uma única alternativa: o alimento ruim. 

Mark Bittman (O Estado de S.Paulo - The New York Times)

Imagem do Dia

Casa na Sérvia

A história do homem empalhado e exibido como um animal

No início do século 19, era "moda" entre os europeus recolher animais de vários lugares do mundo, levá-los para casa e colocá-los em exposição. Um comerciante francês, porém, foi além e trouxe para casa o corpo de um guerreiro africano.

O escritor holandês Frank Westerman descobriu o homem em um museu espanhol há 30 anos e decidiu investigar a história por trás dele. 
Leia, a seguir, o seu relato:

AVISO: Algumas imagens ao longo deste texto podem ser consideradas ofensivas

"Uma cerca de arame decorativa nas cores nacionais - azul, branco e preto - marca a sepultura de um dos mais famosos - e menos invejados - filhos de Botswana: "El Negro".

Seu local de descanso em um parque público na cidade de Gaborone, sob um tronco de árvore e algumas pedras, faz lembrar o túmulo de um soldado desconhecido.

Uma placa de metal diz:
El Negro
Morreu em 1830
Filho da África
Trazido para a Europa morto
Levado de volta a solo africano


Sua fama vem de suas viagens póstumas - que duraram até 170 anos - como as para exibições em museus na França e na Espanha. Gerações de europeus ficaram boquiabertos com o corpo seminu, que havia sido empalhado por um taxidermista. Ali ele ficou, sem nome, exibido como um troféu.

De volta a 1983, como estudante universitário na Holanda, eu acidentalmente acabei "cruzando" com ele em uma viagem de carona para a Espanha. Eu havia passado uma noite na região de Banyoles, uma hora ao norte de Barcelona. A entrada do Museu Nacional de História de Darder era coincidentemente na porta ao lado.

"Ele é real, você sabia?", uma garota de colégio gritou para mim.

"Quem é real?"

"El Negro!", a voz dela ecoou pela praça, acompanhada de roncos e risadas de seus amigos.

No instante seguinte, uma senhora apareceu saindo de um salão com um casaco sobre os ombros. Ela abriu o museu, me vendeu um ingresso e apontou na direção da Sala de Répteis.

"É ali", ordenou. "Aí vá passando pelas salas no sentido horário".

Cartão Postal vendido no Museu Darder, na Espanha
Quando eu estava no caminho para o Quarto Humano, um anexo do Quarto dos Mamíferos, passei uma parede de escalada com macacos e esqueletos de gorilas - e, de repente, comecei a tremer. Estava ali, o Negro de Banyoles, empalhado. Uma lança na mão direita, um escudo na esquerda. Curvando-se devagar, ombros levantados. Seminu, apenas com uma tanga laranja.

El Negro era um homem adulto, pele e ossos que mal chegavam a um cotovelo. Ele estava mantido em um recipiente de vidro no meio do carpete.

Ele era um ser humano, mas sendo exibido como qualquer outra amostra de animais selvagens. A história ditou que o taxidermista era um europeu branco e, seu objeto, um negro africano.

O reverso era inimaginável.

Ao ver essa cena, meu rosto corou e senti as raízes do meu cabelo formigarem - simplesmente por causa de uma sensação difusa de vergonha.

Senhora Lola não tinha uma explicação. Ela nem tinha um catálogo ou um livro com a história daquele homem. Me deu um cartão postal que dizia apenas "El Negro" e que trazia atrás "Museu Darder - Banyoles. Bechuana".

"Bechuana?", eu questionei.

Senhora Lola continuou olhando para mim. "Os cartões custam 40 pesetas cada", ela disse.

Comprei dois.

Vinte anos depois, decidi escrever um livro sobre a extraordinária jornada de El Negro de Botswana (Bechuana) até Banyoles e de volta de novo.

Tchau, PT!

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O maior partido de massas que a esquerda já construiu na América Latina está em liquidação
Ricardo Noblat

Extravagâncias

As biografias e os atos dos atuais indicados para o alto escalão do Ministério da Saúde são, por assim dizer, na falta de melhor expressão, invulgares. O ministro é engenheiro, empresário, deputado federal do Paraná, filho, irmão, esposo e pai de políticos. Em dezembro de 2015, como integrante da bancada do Partido Progressista, votou contra a continuidade do processo de denúncias referentes a Eduardo Cunha. E não ficou com as mãos abanando. Indicado para a Saúde pelo Partido Progressista, compôs uma equipe de declarados especialistas em negócios. O segundo cargo mais importante da área da Saúde, de um órgão que concentra 70% do total dos gastos federais (quase equivalente à dotação para o Ministério da Defesa), foi entregue a um administrador de empresas de Minas Gerais, com mais de 20 anos de autodeclarada experiência no desenvolvimento e criação de relações entre o público e o privado.

O nomeado para a função de coordenar as atividades de ciência, tecnologia e inovação também exibe credenciais de gestão de empresas privadas nos setores de agroindústria, imobiliário e entretenimento, bem como de administração pública de políticas de infraestrutura de Alagoas. O time ficou completo com a posse para a área de recursos humanos do SUS de outro engenheiro e administrador de empresas. Este último atuou no ramo de automotores, logística e atividades agrícolas e na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Declarações do ministro, seguidas por desmentidos, sobre o exagerado tamanho do SUS e o uso excessivo de serviços de saúde pela população, especialmente pelas mulheres, tiveram efeito bumerangue. Exorbitante é querer diminuir as proporções das necessidades de atenção e do SUS, quando todas as pesquisas de opinião indicam a saúde como o principal problema para a população.

Em meio às polêmicas ruidosas, boatos sobre cai, não cai, a esquadra de especialistas em outras áreas pôs em marcha os trâmites para a comercialização de planos baratos. Convocaram um grupo de trabalho composto por órgãos governamentais e pela entidade que representa as operadoras e encomendaram um parecer sobre mudanças nas regras do ressarcimento ao SUS. As duas peças encaixadas redesenham o sistema de saúde, o SUS encolhe e empresta para os planos sua rede pública. Com a oficialização da dupla porta, o atendimento para clientes de planos baratos fica com cara de privado e corpo público. Se contar, ninguém acredita, porém, a desmedida, tornar o SUS um ativo a ser transferido para empresas privadas, foi anunciada como “solução única” para a saída da crise. Se não têm emprego, nem renda, comprem plano privado de saúde, para ao fim e ao cabo ficar no SUS, mas garantir e aumentar receitas das operadoras. O estilo Maria Antonieta chocou a galera, mas agradou a setores empresariais.

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A alta empregabilidade do perfil empresário-político ou empresário-indicado por políticos, na saúde, é incomum. Mas, possivelmente, passará para a história apenas como excentricidade de um sistema político que instalou no centro da política social partidos políticos, nada ou pouco afeitos ao cumprimento das normas que transformam impostos em direitos de cidadania. Concordar com o SUS universal não é obrigatório, exceto para quem exerce cargos executivos e deve cumprir a Constituição. Debater o conteúdo, forma e grau da intervenção governamental nas atividades de saúde é uma tarefa permanente. Quando interesses empresariais e as decisões sobre as regras para uso dos recursos públicos são jogados dentro do mesmo saco, as polêmicas democráticas definham. A agenda de privatização da saúde é a expressão de um enclave econômico forte, sai das reuniões de fóruns patronais-governamentais no Planalto, para divulgação, por meio de consultorias e assessorias de comunicação. Contudo, não chega à planície. Não se veem manifestações nas ruas com faixas “Queremos planos privados de saúde”.

Do lado de fora das salas fechadas, nas eleições em cidades às voltas com problemas muito concretos para a obtenção de assistência de qualidade no SUS, que afetam pobres, remediados e ricos, não se promete plano privado barato. Os candidatos defendem programas invariavelmente voltados a melhorar e ampliar o SUS. Retrocesso, a perda dos insuficientes, mas essenciais, avanços de acesso à saúde não consta da dieta de quem precisa de voto. A solicitação de sacrifícios de reputação para aprovação de restrições adicionais de recursos para a Saúde e a Educação, o ajuste radical, previsto pela PEC 241, tem sido sutilmente rejeitada por parlamentares. A personificação do descrédito na saúde pública em uma autoridade governamental, completamente aderida aos empresários e caótica nas presunções sobre relação aos riscos e agravos e doenças, esquenta a chapa do sofrimento social. Um ministro da Saúde pública, porta-voz de planos privados, parece condensar em si o maior dos exageros. O SUS está de bom tamanho, cabe no Brasil do presente e precisa crescer no futuro. Desproporcional é a terceirização de um ministro para o setor privado.

Ligia Bahia

O pano verde das delações premiadas

Em palestra na Academia Brasileira de Letras, Fernando Henrique Cardoso, após examinar as deficiências da democracia representativa, fez um apelo, sugerindo uma reavaliação do processo eleitoral tal como vem sendo aplicado no Brasil e em outros países, afastando, a priori, qualquer tentativa de ditadura e corrupção.

Impossível que, depois de séculos que tentaram organizar a sociedade, não surgissem alternativas para a democracia representativa, que se transformou numa roleta econômica em que o dinheiro e o suborno prevalecem. A cada pleito eleitoral, independentemente da situação política e econômica que o país atravessa, o que termina definindo a nova ordem social, o que prevalece são os interesses do poder e do dinheiro. As alianças são pensadas e medidas na base das campanhas, que cada vez custam mais caro.

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Com as delações premiadas, ninguém fica livre de suspeitas e tramoias que determinarão programas e conchavos para saciar os apetites políticos e seus derivados. Nenhum seguimento nacional tem cacife suficiente para bancar uma eleição representativa. A solução é apelar para empresas interessadas em influir decisivamente na vida nacional.

Por menor que sejam, os partidos penduram-se nas contribuições das elites econômicas, com a finalidade de abocanhar um naco do poder, na esperança de conquistar uma hegemonia tal como o PT pretende.

FHC convocou a classe dirigente do país a repensar a democracia representativa tal como ela se apresenta. Impossível que não haja no Brasil um grupo de pensadores que possa não somente eliminar o pano verde em que os pleitos eleitorais se desenvolvem, mas criar alternativas que acabem com os escândalos que, pouco a pouco, estão colocando na cadeia alguns líderes, sem excetuar as vestais que vendem o que não têm e cobram o que pretendem ter.

Egoísmo S/A

Estamos a construir uma sociedade de egoístas. Se a ti te dizem que o que importa é o que compras, e segundo o que compras têm mais ou menos consideração por ti, então convertes-te num ser que não pensa senão em satisfazer os seus gostos, os seus desejos e nada mais. Não existe em nenhuma faculdade uma disciplina do egoísmo, mas não é preciso, é a própria experiência social que nos vai fazendo assim.
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Ao longo da História as igrejas e as catedrais eram os lugares onde se procurava um valor espiritual determinado. Agora os valores adquirem-se nos centros comerciais. São as catedrais do nosso tempo 
José Saramago 

Lula, Dilma, os aviões de carreira e os jatinhos

Quem nunca disse bobagem que atire a primeira pedra. Por prudência, e em benefício das minhas, só me disponho a fazê-lo quando as bobagens passam a ser insistentemente repetidas, tais como o petismo parece prescrever a seus discípulos. É nessa toada de repetir frases sem nexo com a realidade, em busca de um efeito político, que Lula conseguiu a proeza de dizer e repetir três tolices numa única e bem conhecida frase. Ei-las: 1ª) graças aos governos petistas, pobres viajam de avião, 2ª) os ricos a bordo não gostam dessa companhia e 3ª) por coisas assim, os ricos são contra o PT.

Quem dera fosse verdadeira a afirmação de que pobres viajam de avião! Nossas companhias aéreas seriam blue ships na bolsa de valores, beneficiadas pelo ingresso, em seu mercado, de 60% da população nacional! Chega a ser cruel essa afirmação num país em que os pobres têm dificuldades para custear a tarifa dos ônibus. Quem viaja de avião comprando o próprio bilhete não pode ser considerado pobre. Essa possibilidade é ainda menor se levarmos em conta os autoindulgentes parâmetros socioeconômicos desenvolvidos pelo marketing petista que criou uma classe média a partir de R$ 300. Pobre, então, seria alguém com renda inferior a essa.

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Por outro lado, a ideia de que a presença de pobres a bordo das aeronaves comerciais seja incômoda aos outros passageiros é um agravo gratuito tanto a uns quanto a outros. Na minha experiência, a bordo só são incômodos os bêbados, os mal-educados e os malcheirosos. Lula, então, estaria confundindo pobreza com isso e riqueza com esnobismo. Finalmente, afirmar que a suposta ascensão social dos miseráveis teria sido a causa do antagonismo que o PT enfrenta é a maior das três leviandades contidas na tal frase. A ascensão social de todos a todos beneficiaria, ora essa!

Com três tolices em uma única afirmação, Lula e aqueles que as repetem expressam a patologia ideológica que os faz necessitar do conflito (no caso, do conflito de classes) tanto quanto um intelecto livre necessita da verdade. E sobre a relação de Lula com a verdade ninguém pode falar com mais conhecimento de caso e causa do que dona Marisa Letícia.

Aliás, se há transporte do mundo onde pobre não embarca é nesses jatinhos a que Lula e Dilma se afreguesaram. Imagino que há mais de uma década ambos não enfrentam as filas, os apertos e os pacotinhos de bolacha dos aviões de carreira. Essas viagens seriam muito valiosas para aferirem sua popularidade.

Percival Puggina

Carta aberta aos pessimistas em geral

From The Ashes  by graham franciose:
Graham Franciose
Caros pessimistas e negativistas, confesso que relutei em escrever esta missiva. O fiz escondido, pois sinto que estou cercado de pessimistas de todos os lados. Até na família há certo ar de crítica quando deixo escapar um discreto “prevejo uma melhora em médio prazo...”

Sim, é certo que as más notícias dão um baita ibope. Adoramos uma tragédia, nem que seja para soltar o inevitável “coitadinho!”. Mas o que gostaria de conversar com vocês, pessimistas queridos, é sobre esse clima de fim de festa, algo apocalíptico. E o que é pior (ou seria melhor ?) é que estou cheio de notícias boas e temo retransmiti-las e ser vítima de bullying ou cair no descrédito. O clima está tão pesado para nós, otimistas, que quem falar um “bom dia” entusiasmado, em alto e bom som, no elevador, em plena segunda-feira, periga levar vaia ou ouvir “não vai ter golpe!” E olha que estudos mostram que o sorriso em público é altamente terapêutico. Tenho diletos amigos que se ofendem quando alerto para essa visão distorcida, para o negativo, o sombrio, o pessimismo. Eles me olham de forma quase hostil e dizem “sou realista, e você, um romântico platônico”. Meus queridos, pensar o pior é optar por mau humor, revolta, ressentimentos e mágoas. Reclamar adoece, afasta, envelhece.

Algo como acelerar em ponto morto: gasta energia sem sair do lugar. Imagina um dia calorento, abafado, você em um ponto de ônibus e alguém dizendo “que calor, ô vida de cão, só falta atrasar e chegar lotado”. Sem dúvida a sensação de calor aumentará uns 10°C, e, além de tudo, o engarrafamento será do cão! Palavra tem poder...

Mas, se te escrevo, é porque tenho esperança de te encontrar sereno o suficiente para que me dê um minuto do seu tempo. Pessimismo tem cura!

Não é nada de autoajuda nem milagres de aplicativos de internet ou pega bobo de marketing de rede. Nem coisa de otimista inveterado ou cristão deslumbrado.

É avanço da ciência. Larga teu ceticismo e acompanhe o raciocínio: há uma imensa novidade no entendimento do cérebro. Ao contrário do que sempre se pensou, esse complexo e divino órgão, gestor de todas as funções físicas e psíquicas, não é rígido nem inflexível. É ágil, moldável; enfim, plástico. A cada segundo, se constrói e reconstrói. Muda, adapta, se reinventa. Tanto para uma função psicomotora quanto para um novo conceito, que pode mudar sua consciência e, assim, seu comportamento e forma de viver e conviver consigo e com o mundo que o cerca. Fantástico, não acha?!

OK, não acredita, não entendeu ou não quer nem saber. Prefere achar o mundo uma desgraça, o trabalho uma lástima, a família um tormento, a vida uma cruz. Ah! Meu amigo pessimista, até seu negativismo é perfeitamente explicado por essas novas descobertas: você é um viciado em “pensar errado”! Ah, se pudesse fazer um exame, como tomografia funcional, talvez percebesse neurônios e seus terminais em um nó cego, nos seus pre-conceitos, centro de culpa, de punição, desprazer.

Eu te entendo, seu arbítrio é sofrer, você quer ser reconhecido como vítima, masoquista, eterno insatisfeito. Te compreendo, mas não concordo com você. Como te amo e a todos os negativistas que me cercam, doarei sempre o meu sorriso, os meus “bons dias” e a eterna esperança de que, um dia, a paz de espírito, a serenidade, a alegria e o amor morem em teu coração.

Com carinho, seu otimista de plantão.