terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Conquista

Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!
Miguel Torga

Verdades


Uma história sem fim

Mantenha a esperança, disse-me a esperança, e, em seguida, avançou filosofando: só quem nada espera a suas lembranças recorre. Preocupada com os jovens, contemporizou como o poeta: não queira um pão melhor do que pode ser feito desse trigo.

Todo mundo sabe que com a política não há novidade. Como seu interesse não se define em termos morais, seus mistérios são inúteis. Um ar cada vez mais rarefeito de teoria e doutrina combina muito com a parte mais visível de pessoas indiferentes a especulações abstratas ou emoções estéticas. Não é um defeito, nem incomum, a mente material e prática predominar nessa atividade que sempre cheira à dissidência. Mas, para não alimentar a sedição, é prudente evitar dar ouvidos aos que acreditam que persuasão combina com ferro e fogo. Se interessar mais pela Constituição e dar à lealdade à lei o mesmo valor da gratidão aos aliados ajudaria muito a evitar suas incertezas.

O Brasil se acostumou com a pressa e as convicções de vento dos seus partidos políticos. Tornou-se sócio de um número de facções tão espetacularmente singular que fez dessa atividade quase uma irrealidade. Nosso pluripartidarismo é exclusivamente um fato do mundo dos políticos e seus interesses. Não tem correspondência cultural, religiosa ou social como a que explica esse fenômeno na Índia, por exemplo, onde tudo é multidão. Os tipos previsíveis que nascem a cada dia nesse laboratório de siglas se deslocaram da vida da sociedade para viverem dentro dos seus 30 céus esplendorosos. Legendas e nomes com aquele ar de proprietários de seus votos dados a quem quiserem, primeiro um parente necessitado, é óbvio. Como a imensidão do oceano, cada vez mais só desponta dali um gosto de sal.

Diferentemente de Dona Baratinha, sem dinheiro na caixinha, mas com fita oficial, a presidente o que mais tem é pretendente. Com alto índice de ambiguidade diante do poder, por aqui todas as maiorias politicas se parecem. O que as distingue de tempos em tempos são os ciclos de prosperidade e contenção, as ondas ascendentes ou descendentes da esperança em que vive imersa a sociedade. Sistema eleitoral e político como o nosso, de velhas panelinhas e renovada insinceridade, lembra embarque e desembarque de navios. Não são interesses democráticos, na maioria das vezes, que decidem sucessões dentro das coalizões governistas.

Fernando Sabino riu dos provincianismos na literatura brasileira em carta a Clarice Lispector. Recordo-a, aqui, livremente aplicada à política. Devemos reabilitar o amadorismo: cada defeito a menos tem sido um pecado a mais nos profissionais. Desistir de muita inteligência e classificar os tipos a partir de categorias mais simples: políticos redondos, quadrados, políticos cônicos, políticos piramidais. Enquadrar logo aliados afoitos em subespécies: os que começam e se acabam. Os que nos acabam e não começam. Os que começam, mas não acabam. Os que nem começam nem acabam. E por fim batizar ministros com locuções correspondentes: o “Apesar de Tudo”; o “Ainda Mais”; o “Contra o Qual”; o “Ele Outra Vez”; o “Ora Bolas!”; “Ora Pro Nobis”...

Ministro esportivo


O réveillon de Dilma


Um bom governo não se faz com discursos e estardalhaço publicitário, mas com boas práticas e boas iniciativas. O primeiro governo Dilma não conseguiu ir além do discurso naquilo que mais importa: uso criterioso dos recursos públicos e desenvolvimento econômico. Por mais que o governo, a cada novo escândalo, insistisse em se atribuir méritos pelas investigações, o fato é que as denúncias sempre vieram de fora do governo. E sempre foi ele, governo, o investigado. Mérito têm a PF, o MPF e o Dr. Sérgio Moro.

É desalentador saber que enquanto a ação penal do Mensalão era julgada ao vivo e a cores, enquanto os ministros do STF não economizavam adjetivos para qualificar os crimes e desqualificar os criminosos, corria livre, leve e solto, um esquema bilionário drenando recursos da Petrobras. E são fortíssimas as suspeitas de que algo semelhante lateja noutras entranhas da máquina federal.

Do desenvolvimento econômico dependem os investimentos privados, a absorção da força de trabalho, a manutenção dos postos existentes, a elevação da renda, a arrecadação tributária, os investimentos estatais e a atenção social prestada pelo poder público. Ora, somados os dados dos últimos quatro anos, vê-se que a taxa de crescimento que deveria ser buscada como meta anual – algo em torno dos 6% – corresponde ao total atingido em todo o primeiro mandato de Dilma e equivale a pífios 1,5% ao ano. A meta de 6% pode ser considerada inatingível, mas foi alcançada pela economia brasileira em 2004, 2007 e 2010.

O primeiro mandato da presidente, portanto, extinguiu-se melancolicamente em 31 de dezembro. A festa do dia seguinte, que deveria ser o “réveillon” de Dilma, ficou devendo às expectativas. O governo esperava 100 mil pessoas, queria algo que sinalizasse a restauração da confiança abalada por escândalos e pela manipulação de dados oficiais. As estimativas mais generosas falam em 40 mil pessoas, numa comemoração nitidamente partidária, nem cívica nem espontânea, com muito vermelho, e quase nenhum verde-amarelo.

Em seu discurso, a presidente deu sequência a um artifício que se desgastou durante a campanha eleitoral. Mais uma vez escondeu a realidade. Mais uma vez apelou para a vanglória, desfiando realizações que, se verdadeiras, lhe teriam proporcionado espetacular vitória eleitoral. Simples como isso. E, ao mesmo tempo, tão assustador quanto isso. O discurso mostrou o mesmo alheamento que caracterizou a política de seu partido e de seu governo. Espero que, desta feita, a “posse” não seja confundida com propriedade ou usufruto.