quarta-feira, 28 de agosto de 2019
Dia do fogo
Nos anos 90, viajei por rios e sobrevoei seguidamente os quatro cantos do estado do Amazonas, parte dos 5 milhões de quilômetros quadrados que fazem a Amazônia brasileira.
Pois então, neste momento de pequenez de fato, gente nanica em conhecimento, civilidade e sentimentos sente-se autorizada a destruí-la acintosamente. Marca por WhatsApp o Dia do Fogo – data pra queimar a floresta e o futuro. Tudo junto e misturado.
Derramada em nove estados - Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão -, a nossa Amazônia corresponde a 61% do território brasileiro e contém 1/5 da disponibilidade mundial de água potável.
Vista de cima, era um mar verde, denso, intenso, fechado e vivo. Por dentro, navegando pelos rios Negro, Solimões ou Amazonas, a grandeza das paisagens provocava silêncio e reverência. Tipo, Deus existe. Só força divina pode produzir tanta beleza. Impossível não se emocionar, ficar indiferente.
Aquele mundo de verde e àguas que, a visão de um pedaço, N vezes me fez chorar de emoção, contem 20% do Cerrado, todo o bioma Amazônia, o mais extenso dos biomas brasileiros -, corresponde a 1/3 das florestas tropicais úmidas do planeta e guarda a mais elevada biodiversidade.
A Amazônia é inimaginavelmente bela. Não há outra palavra porque a imaginação não alcança tamanha belezura. Ali o criador abusou do direito de maravilhar.
Vista de perto a Amazônia é Uau! Derruba o queixo, detona qualquer arrogância. Faz tudo parecer pequeno.
Pois então, neste momento de pequenez de fato, gente nanica em conhecimento, civilidade e sentimentos sente-se autorizada a destruí-la acintosamente. Marca por WhatsApp o Dia do Fogo – data pra queimar a floresta e o futuro. Tudo junto e misturado.
Minguados mentais, de ferraduras e antolhos, não dão conta de tamanha grandeza. Avançam sobre ela. Tomam a providência de fazer fogo. Via Zap, a velha milicia do campo, que junta grileiros, fazendeiros, e outros bandidos soltos ... alguns portadores de tornozeleiras de condenações por crimes ambientais ou não -, marcou o ataque: 10 de agosto.
No Pará, o alvo era a Floresta Nacional do Jamanxim -1,3 milhão de hectares de rica diversidade. Amazônia afora, neste agosto, foram 75,3 mil focos de incêndio. Todos criminosos.
O modelo é o mesmo: fogo no mato seco à beira de estradas, motosserra em punho, grupo precursor e terceirizado derruba floresta, pra equipe do fogo jogar oléo e queimar. Tudo. E o tudo foi tanto que até São Paulo engoliu fumaça amazônica na chuva negra que fez o dia virar noite.
Eles andam assim – sem limites. Têm permissão pra avançar. Sobre tudo.
O Dia do Fogo lembra a Noite dos Cristais, da Alemanha de Hitler? Quem conhece História sabe o que aconteceu e o significado daqueles dias 9 e 10 de novembro de 1938. Sabe também como continuou, em que acabou.
Outro agosto de desgostos na nossa História. E ainda não terminou.
Soberania não é para boca suja
A soberania nacional não se afirma retoricamente, se afirma mediante cumprimento de deveres. Não é uma fraseologia, um slogan, é uma obrigação que devemos cumprirFlávio Dino, governador do Maranhão
Em xeque, o futuro da Amazônia
O que o governo Bolsonaro fez até agora pela Amazônia? Nada, salvo demonstrar desprezo por sua preservação. E o que passou a fazer depois que soube por terceiros que parte da floresta está pegando fogo? Sob pressão internacional, e só por conta disso, despachou mil militares e alguns aviões para apagar o fogo. Mais nada.
É jogada para que o mundo pense que ele afinal acordou para o desastre no seu quintal. Adiantará pouco. O que está em chamas, hoje, é a mata derrubada entre fevereiro e maio passados. O fogo decorre do tempo seco desta época do ano, mas também da ação humana para desidratar a medeira e poder transportá-la depois.
O que está em chamas permanecerá em chamas até outubro, pelo menos. O estrago feito não tem como ser reparado, feito está. O futuro da floresta é o que importa – embora o governo não dê o menor sinal de que se importa com o futuro da floresta. Nem o governo e nem seus parceiros ocultos em negócios milionários.
A reunião de Bolsonaro, ontem, com os nove governadores da Amazônia brasileira não serviu para nada. Ou melhor: serviu para que o presidente e sete dos nove governadores demonstrassem sua espantosa ignorância e falta de planos para cuidar com sensatez e inteligência dos problemas do meio ambiente.
Bolsonaro voltou a defender a exploração de riquezas minerais mesmo que à custa da derrubada de árvores em áreas protegidas. E não perdeu a chance de destilar mais uma vez seu horror pelos índios. Salvo os governadores do Pará e do Maranhão, os demais se comportaram como apóstolos do antiambientalismo.
O governador do Mato Grosso, eleito pelo DEM, não poderia ter sido mais estupidamente sincero quando chegou a sua vez de falar. Foi dele a frase que resumiu melhor o que Bolsonaro pensa a respeito de tudo que possa ter a ver com a natureza: “Não queremos tirar terra de índio. Nós queremos tirar as riquezas que lá estão”.
Por iniciativa do anfitrião, acabou-se falando mais de índios do que de incêndios. O que permitiu a Bolsonaro disparar mais uma de suas bizarrices que, se traduzida para outros idiomas, chocaria o mundo: “O índio não faz lobby, não fala a nossa língua e consegue hoje em dia ter 14% do território nacional. Uma das intenções é nos inviabilizar”.
A verdade é justamente o contrário do que Bolsonaro disse. Nós, que não falamos a língua dos índios, é que ocupamos 86% do território que foi deles um dia. A Constituição assegura aos índios a posse permanente sobre as terras que tradicionalmente ocuparam, bem como o usufruto exclusivo das riquezas que elas guardam.
As áreas indígenas demarcadas ocupam 13,8% do território brasileiro. Nela, segundo o Censo, vivem 57,5% das quase 900 mil pessoas que se declaram indígenas. Em 1500, quando Pedro Álvares Cabral aportou na Bahia, os historiadores estimam que 8 milhões de índios viviam por aqui, 5 milhões deles na Amazônia livre do fogo.
Não se conter é burrice, Bolsonaro
A maior parte do eleitorado de Bolsonaro o escolheu ou por falta de opção ou por acreditar que ele faria as reformas de que o país precisa, não por compartilhar da sua agenda ideológica mais estrita — e, agora, esse mesmo eleitorado assusta-se com as suas falas amplificadas pela esquerda, mesmo quando a esquerda se apoia em verdades, meias-verdades ou simplesmente mentiras. A rota de colisão com Sergio Moro também é um tanto suicida, não importa se por conveniência familiar ou receio de concorrência em 2022. O ex-juiz é a personalidade mais popular do país, tornou-se símbolo da Lava Jato e encarna a esperança dos cidadãos na luta contra a criminalidade do dia a dia, uma das bandeiras da campanha eleitoral do atual presidente.
Bolsonaro não vai mudar, seria ilusão pensar que seja capaz disso a esta altura, mas poderia tentar segurar um pouco os seus ímpetos. Uma agressão ao bom senso por semana já seria suficiente para a manutenção do clima de beligerância que parece tão necessário ao seu ego e aos instintos dos seus seguidores. A contenção faria bem a si próprio e ao país. Não se conter é burrice.
Governo Johnny Bravo
Exibir apelidos privados é algo que a maioria das pessoas procura evitar, pelo natural constrangimento. Bolsonaro não só demonstrou orgulho como repetiu a dose em outra ocasião – o que torna um pouco mais difícil que ele diga, agora, que não disse o que disse, outra de suas bossas recentes.
Johnny Bravo é um personagem dos anos 1990, do Cartoon Network. Seu character design é o de um sujeito marombado, narcisista, machista e burro. O que já torna estranho o orgulho de evocar a alcunha.
Há, inclusive, um episódio da segunda temporada em que Johnny Bravo ascende ao poder, meio por acaso. Todos os políticos da cidade são acometidos de uma intoxicação alimentar, e a legislação local determina que o “maior idiota da cidade” assuma.
Bravo, então, passa a governar segundo critérios estritamente pessoais: destrói uma livraria para construir uma esfinge com seu rosto, decreta que funcionárias devem trabalhar de biquíni, transforma um parque público num estacionamento e prende os oposicionistas. Até ser destituído.
O estilo de Bolsonaro guarda, de fato, semelhanças com o do topetudo. Suas declarações desde que revogou a comunicação institucional e inventou a paradinha do Alvorada versaram sobre temas como cocô, ataques à imprensa e à ciência, investida contra o pai assassinado do presidente da OAB e a acusação de que ONGs queimam a Amazônia.
Ao focar na exploração de terras indígenas na reunião de ontem dos governadores da Amazônia que deveria tratar da emergência ambiental, Bolsonaro fez com que os presentes saíssem de lá com a certeza de que sua pauta pessoal sempre estará acima das questões de Estado. “Foi bastante constrangedor ver o descolamento do presidente da realidade”, disse à Coluna um dos participantes (que, atenção, não era o comunista Flávio Dino).
Assim, não é de estranhar que ele se abespinhe quando questiona do sobre a indicação do filho, e que ache normal dar o “filé” ao rebento. A sem-cerimônia com que isso é defendido por Bolsonaro Bravo, no entanto, começa a preocupar os que têm de conviver institucionalmente com ele – prefeitos, governadores, funcionários públicos, congressistas, procuradores, ministros do Supremo… A lista é enorme, e ninguém fora do círculo dos puxa-sacos está disposto a aceitar coisas que seriam caricatas até em desenho animado, como ofender a mulher de um chefe de Estado e recusar dinheiro internacional por birra.
Contatos imediatos
Enquanto aquele homem exerce seus podres poderes, nós temos uma importante missão a cumprir: encontrar formas de refazer os caminhos que ele destruiu. Parece que somente ir às ruas, participar de protestos, não tem sido o suficiente. É essencial, mas não basta.
O governo com caixa baixa continua a mastigar as pessoas, a cuspir coisas terríveis, incendiar revoltas e a devorar (ou pelo menos tentar destruir) quem defende saídas libertárias. O escândalo está no fato de que grande parte dos seus simpatizes ainda têm orgulho de conduzir nos ombros o caixão de um defunto em decomposição.
Nesse contexto, o que a oposição faz ou deixa de fazer surte pouco efeito. É um tempo difícil, que nos pede decisões corajosas e boas ideias para propor algo construtivo. Sim, existe um dado novo na história, que é preciso considerar, as panelas voltaram a ser amassadas nas janelas dos apartamentos da classe média.
Mas, não se espere que os batedores de panelas se disponham a vir às ruas, protestar. O perfil de quem bate panela não mudou. São pessoas que vivem nos armários das cozinhas das casas-grandes. Primeiro, essa gente apaga a luz da sala e quando se garante no anonimato da penumbra é que se encoraja para expressar a insatisfação.
Apesar disso, é uma categoria que, pelo visto, vai crescer. E ela traz consigo uma “fortuna” política e eleitoral. Por isso, do ponto de vista político, vale a pena fazer e refazer contatos. Se for o caso de primeiro, segundo e terceiro graus. É necessário pensar em estratégias de aproximação, aproveitando a onda. A pergunta é: como atrair os arrependidos e amargurados?
A questão ambiental é um tema que agrada à classe média e as queimadas na Amazônia, na semana, fizeram o governo perder simpatizantes. As fogueiras esquentaram a consciência e levaram muita gente para as janelas no Rio, São Paulo, Brasília, Recife e outras capitais. Mas, quando as florestas virarem cinzas e as cinzas esfriarem, será que os manifestantes continuarão protestando contra o governo ou voltarão a compreendê-lo? Os gatos adoram um melzinho no bigode.
Na semana passada, numa reunião (anterior ao panelaço) com um grupo de amigos, conversávamos sobre literatura e o assunto derivou para a política. Uma das conversas foi a eficácia dos protestos de rua, que estão se tornando cada vez mais frequentes. Eles são essenciais num regime democrático, mas insuficientes neste momento. O governo toma conhecimento das manifestações, faz a egípcia e a vida segue.
Uma psicóloga, que estava na reunião, disse que além dos protestos de rua, é preciso haver um trabalho de base. Os políticos de mandato assim como os militantes políticos deveriam adotar uma prática de procurar as pessoas para que elas se sintam chamadas a fazer parte de um movimento (sobretudo na classe média); que se estimule nelas o desejo de participar das lutas de transformação da sociedade.
As pessoas precisam ser iluminadas pelas informações para verem que a realidade presente é nociva para todos. Ou seja, este é um momento que pede os encontros. Pede diálogo. Mas, é preciso chegar pisando de leve, com sutileza, porque ainda há muita ferida aberta. Os arrependidos e amargurados precisam entender que a opção de mudar vai fazê-los mais fortes e esperançosos, pois o discurso do ódio é quem enfraquece e divide.
A psicóloga tem razão, o entendimento é quem vai fechar o ciclo da ignorância e da intolerância. Eu acho que faz sentido: é necessário estabelecer uma relação de confiança e cumplicidade e assim desfazer o discurso do ódio que nos levou à separação.
Para esta minha amiga psicóloga, quando as pessoas receberem boas informações, em conversas olho no olho, quando “sentirem firmeza”, poderão mudar. Uma boa conversa, realista e honesta, vai criar uma narrativa política que pode abrir espaço para um momento novo.
Os resultados não serão colhidos de imediato. Mas, toda ação política é extenuante mesmo. Diálogo é promessa de retorno. Governos vêm e vão e o que fica são as ideias. Essas são à prova do tempo. Costurando uma malha de afinidades, no dia em que esse sistema escroto e carcomido ruir, as pessoas estarão politizadas, “vacinadas” e fortalecidas para experimentar uma mudança que atenda aos interesses de todos.
Cícero Belmar
O governo com caixa baixa continua a mastigar as pessoas, a cuspir coisas terríveis, incendiar revoltas e a devorar (ou pelo menos tentar destruir) quem defende saídas libertárias. O escândalo está no fato de que grande parte dos seus simpatizes ainda têm orgulho de conduzir nos ombros o caixão de um defunto em decomposição.
Nesse contexto, o que a oposição faz ou deixa de fazer surte pouco efeito. É um tempo difícil, que nos pede decisões corajosas e boas ideias para propor algo construtivo. Sim, existe um dado novo na história, que é preciso considerar, as panelas voltaram a ser amassadas nas janelas dos apartamentos da classe média.
Mas, não se espere que os batedores de panelas se disponham a vir às ruas, protestar. O perfil de quem bate panela não mudou. São pessoas que vivem nos armários das cozinhas das casas-grandes. Primeiro, essa gente apaga a luz da sala e quando se garante no anonimato da penumbra é que se encoraja para expressar a insatisfação.
Apesar disso, é uma categoria que, pelo visto, vai crescer. E ela traz consigo uma “fortuna” política e eleitoral. Por isso, do ponto de vista político, vale a pena fazer e refazer contatos. Se for o caso de primeiro, segundo e terceiro graus. É necessário pensar em estratégias de aproximação, aproveitando a onda. A pergunta é: como atrair os arrependidos e amargurados?
A questão ambiental é um tema que agrada à classe média e as queimadas na Amazônia, na semana, fizeram o governo perder simpatizantes. As fogueiras esquentaram a consciência e levaram muita gente para as janelas no Rio, São Paulo, Brasília, Recife e outras capitais. Mas, quando as florestas virarem cinzas e as cinzas esfriarem, será que os manifestantes continuarão protestando contra o governo ou voltarão a compreendê-lo? Os gatos adoram um melzinho no bigode.
Na semana passada, numa reunião (anterior ao panelaço) com um grupo de amigos, conversávamos sobre literatura e o assunto derivou para a política. Uma das conversas foi a eficácia dos protestos de rua, que estão se tornando cada vez mais frequentes. Eles são essenciais num regime democrático, mas insuficientes neste momento. O governo toma conhecimento das manifestações, faz a egípcia e a vida segue.
Uma psicóloga, que estava na reunião, disse que além dos protestos de rua, é preciso haver um trabalho de base. Os políticos de mandato assim como os militantes políticos deveriam adotar uma prática de procurar as pessoas para que elas se sintam chamadas a fazer parte de um movimento (sobretudo na classe média); que se estimule nelas o desejo de participar das lutas de transformação da sociedade.
As pessoas precisam ser iluminadas pelas informações para verem que a realidade presente é nociva para todos. Ou seja, este é um momento que pede os encontros. Pede diálogo. Mas, é preciso chegar pisando de leve, com sutileza, porque ainda há muita ferida aberta. Os arrependidos e amargurados precisam entender que a opção de mudar vai fazê-los mais fortes e esperançosos, pois o discurso do ódio é quem enfraquece e divide.
A psicóloga tem razão, o entendimento é quem vai fechar o ciclo da ignorância e da intolerância. Eu acho que faz sentido: é necessário estabelecer uma relação de confiança e cumplicidade e assim desfazer o discurso do ódio que nos levou à separação.
Para esta minha amiga psicóloga, quando as pessoas receberem boas informações, em conversas olho no olho, quando “sentirem firmeza”, poderão mudar. Uma boa conversa, realista e honesta, vai criar uma narrativa política que pode abrir espaço para um momento novo.
Os resultados não serão colhidos de imediato. Mas, toda ação política é extenuante mesmo. Diálogo é promessa de retorno. Governos vêm e vão e o que fica são as ideias. Essas são à prova do tempo. Costurando uma malha de afinidades, no dia em que esse sistema escroto e carcomido ruir, as pessoas estarão politizadas, “vacinadas” e fortalecidas para experimentar uma mudança que atenda aos interesses de todos.
Cícero Belmar
Anistia ainda que tardia
na penumbra do medo?
Para que poético poente
no vasto peso da solidão?
Se vivemos coagidos
em espaços demarcados
como extasiar-nos na amplidão?
Como alentar-nos nos vôos dos pássaros
se um tiro dispersará seu flutuar sereno
e um pombo alvo, alvejado, cairá sangrando?
Alcançaremos horizontes
quando a liberdade é tolerância barganhada?
Como pensar destemidos,
se delatores deturpam pensamentos?
na temerária existência?
Para que preces,
se dizimam com religiosidade?
Como sentir-se livre,
se olhares esperançosos
se impregnam nas masmorras?
Como renascer no frescor da verdade,
se a verdade é receio murmurado?
Como acalentar-se no afeto,
se na calada da noite
famílias são dissipadas
em sangue, morte e desonra?
Como pode alguém massacrar
e não fugir de si mesmo?
Como pode alguém
apagar sua consciência
e conviver com o vazio?
Como guardar luto ou memória
daqueles de destinos apagados,
e sem sepultura?
Como evadir-se dos ressentimentos,
se a vida sobrevive estagnada?
Será íntegra a Pátria
com filhos excluídos por amor à terra?
Como podem, tão poucos, nos milênios,
tornarem-se manadas ferozes
presos à gula de seus alugados instintos?
Carlos Frydman, "Sintonia: poesia"
Eleito para bater boca
Vai para a porta do Planalto e, diante de apoiadores laçados para aplaudi-lo, bate boca com os repórteres encarregados de acompanhá-lo. Ele mesmo provoca o assunto e, quando perguntado, devolve uma verborragia recheada de solecismos, escatologias e palavrões. Os jornalistas têm mantido até agora uma impecável postura profissional - aguentam os insultos e, quando se dirigem a Bolsonaro, o fazem de maneira protocolar, como deve ser. Mas quase posso ver a hora em que um deles, farto, o mandará à merda. E sabe o que irá acontecer? Nada.
Bolsonaro rebaixou a fala presidencial a tal nível de botequim de última categoria - com todo respeito pelos queridos botequins de última categoria - que não poderá se sentir desrespeitado. Como não tem ideia de educação ou etiqueta presidencial, achará normal receber de volta um desaforo semelhante aos que despeja contra todo mundo. É o que faz também com as mensagens que arrota no Twitter com sua opinião - ou as que covardemente reproduz, como fez com a que ofendia a primeira-dama da França, concordando com seu conteúdo e acrescentando o cafajeste “kkkkkkkkkk”.
Juristas preparam denúncia contra Bolsonaro por ecocídio
Diante do avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia, um grupo de juristas brasileiros prepara desde 23 de agosto uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro por crime ambiental contra a humanidade, a ser apresentada ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda.
Os juristas argumentam que Bolsonaro pode ser responsabilizado pelo aumento dos danos na Amazônia em 2019 devido à demora da resposta contra as queimadas na região e à atual política ambiental do governo. A ação está sendo articulada por especialistas em direitos humanos, direito ambiental e internacional.
"Estudamos o caso e vemos que os danos ocorridos neste ano na Amazônia podem ser vistos como consequência de declarações irresponsáveis de Bolsonaro, assim como do desmonte de órgãos ambientais e das políticas de Estado de proteção a direitos socioambientais", afirma a jurista Eloísa Machado, que iniciou a articulação da denúncia.
Apesar de o desmatamento e as queimadas não serem novidade na Amazônia, Machado argumenta que o elemento que sustenta a abertura da denúncia por ecocídio (destruição em larga escala do meio ambiente) é a existência de um presidente da República que declaradamente é contra leis ambientais.
"Os ataques de Bolsonaro aos órgãos de pesquisa, aos ambientalistas, às organizações não governamentais e aos órgãos de fiscalização ambiental se apresentaram como um salvo conduto para ações criminosas contra o meio ambiente", destaca Machado, que é professora de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A jurista menciona como exemplo os ataques do presidente ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), depois que o órgão divulgou um aumento de 88% no desmatamento da Floresta Amazônica em junho em relação ao mesmo mês do ano passado.
A crise gerada pela contrariedade do governo com a divulgação dos números acabou com a demissão do então diretor do instituto, Ricardo Galvão. Mais tarde, o Inpe divulgou dados ainda mais alarmantes: em julho deste ano, o desmatamento cresceu 278% em comparação com julho de 2018.
O termo ecocídio foi usado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, para descrever o desmatamento na Região Amazônica no mesmo dia em que os juristas brasileiros começaram a articular a denúncia contra Bolsonaro. "Temos um verdadeiro ecocídio se desenvolvendo na Amazônia, não apenas no Brasil", disse o francês à imprensa local.
Desde meados dos anos 1970, graves crimes ambientais que colocam em risco a segurança humana têm sido entendidos como ecocídio, um novo tipo de delito. No âmbito do Tribunal Penal Internacional, o ecocídio foi reconhecido em 2016 como crime contra a humanidade, mas não foi qualificado como um crime autônomo. Segundo Machado, ainda não há precedentes desse tipo de ação no TPI.
"Quando fizermos a denúncia, será um momento histórico, um avanço na proteção de direitos humanos internacionais e uma oportunidade para estabelecer mais claramente os critérios através dos quais os graves crimes ambientais possam se caracterizar como crimes contra a humanidade", afirma Machado.
Como consequência para o Brasil, a jurista alerta que a denúncia ao TPI poderá ser vista no cenário internacional como uma comprovação de que o governo Bolsonaro é indiferente e desrespeitoso com as leis internas e com o direito internacional.
Em 2016, uma comunidade de juristas criou o Tribunal Internacional Monsanto para julgar simbolicamente as ações da multinacional de agrotóxicos contra o meio ambiente. Segundo a advogada francesa Valérie Cabanes, esse julgamento concluiu que era necessário reconhecer e incluir o crime de ecocídio no estatuto do TPI por resultar em sérios danos ao planeta.
No caso de Bolsonaro, Cabanes – que coordenou o Tribunal Internacional Monsanto – entende que a postura do presidente fere tanto os direitos humanos como os ambientais, podendo ser enquadrada como um caso de ecocídio.
"Permitir a destruição da Floresta Amazônica tem duplo impacto: local, porque constitui uma violação nos direitos dos povos indígenas que vivem na floresta e que dela dependem tanto para seu sustento como para seu bem-estar físico e espiritual; e há o impacto global, já que a Amazônia fornece oxigênio para o mundo e participa da regulação da temperatura, influenciando o clima mundial e a circulação das correntes oceânicas", acrescenta Cabanes, que é especialista em direitos humanos.
Porém, sem o reconhecimento de ecocídio como um crime autônomo, Cabanes afirma que Bolsonaro pode ser investigado por crime contra a humanidade pelo TPI e processado somente "se houver uma intenção comprovada por parte do indivíduo de destruir tribos indígenas enquanto grupos étnicos".
Isso acontece porque, de acordo com o Estatuto do TPI, a qualificação de crime contra a humanidade "exige prova prévia de que uma população civil é alvo de um ataque sistemático ou generalizado, lançado conscientemente e em conformidade com a política de um Estado ou organização", descreve a jurista.
"Bolsonaro cria deliberadamente uma situação de impunidade para os madeireiros e fazendeiros, em que estes podem lucrar com a Amazônia, iniciar incêndios, grilar terras e cometer assassinatos. Mas é difícil culpar apenas o atual presidente por esse cenário, pois isso vem acontecendo na Amazônia muitos anos antes de ele ser eleito", diz Cabanes.
Por isso, assim como Machado, ela acredita que a novidade na situação está no discurso e na postura do presidente em relação ao meio ambiente. "Algumas falas de Bolsonaro poderiam ser qualificadas até como um chamado para um genocídio contra as populações amazônicas", defende a advogada francesa.
"Do mesmo modo, há episódios concretos do governo Bolsonaro, como transferir a responsabilidade pela demarcação e regulação dos territórios indígenas para o Ministério da Agricultura, que se sabe estar sob a notória influência do agronegócio, assim como as tentativas de coibir as sanções aplicadas pelo Ibama e, em junho, o pedido de demissão do diretor do Inpe pelo próprio Bolsonaro depois da divulgação dos dados sobre as queimadas na Amazônia", exemplifica Cabanes.
Independentemente da inexistência de uma legislação internacional exclusiva para ecocídio, Cabanes alerta que as questões ambientais têm se tornado prioridade para o TPI e que a denúncia tem chances de ser acolhida pelo tribunal.
A Deutsche Welle
Os juristas argumentam que Bolsonaro pode ser responsabilizado pelo aumento dos danos na Amazônia em 2019 devido à demora da resposta contra as queimadas na região e à atual política ambiental do governo. A ação está sendo articulada por especialistas em direitos humanos, direito ambiental e internacional.
"Estudamos o caso e vemos que os danos ocorridos neste ano na Amazônia podem ser vistos como consequência de declarações irresponsáveis de Bolsonaro, assim como do desmonte de órgãos ambientais e das políticas de Estado de proteção a direitos socioambientais", afirma a jurista Eloísa Machado, que iniciou a articulação da denúncia.
Apesar de o desmatamento e as queimadas não serem novidade na Amazônia, Machado argumenta que o elemento que sustenta a abertura da denúncia por ecocídio (destruição em larga escala do meio ambiente) é a existência de um presidente da República que declaradamente é contra leis ambientais.
"Os ataques de Bolsonaro aos órgãos de pesquisa, aos ambientalistas, às organizações não governamentais e aos órgãos de fiscalização ambiental se apresentaram como um salvo conduto para ações criminosas contra o meio ambiente", destaca Machado, que é professora de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A jurista menciona como exemplo os ataques do presidente ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), depois que o órgão divulgou um aumento de 88% no desmatamento da Floresta Amazônica em junho em relação ao mesmo mês do ano passado.
A crise gerada pela contrariedade do governo com a divulgação dos números acabou com a demissão do então diretor do instituto, Ricardo Galvão. Mais tarde, o Inpe divulgou dados ainda mais alarmantes: em julho deste ano, o desmatamento cresceu 278% em comparação com julho de 2018.
O termo ecocídio foi usado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, para descrever o desmatamento na Região Amazônica no mesmo dia em que os juristas brasileiros começaram a articular a denúncia contra Bolsonaro. "Temos um verdadeiro ecocídio se desenvolvendo na Amazônia, não apenas no Brasil", disse o francês à imprensa local.
Desde meados dos anos 1970, graves crimes ambientais que colocam em risco a segurança humana têm sido entendidos como ecocídio, um novo tipo de delito. No âmbito do Tribunal Penal Internacional, o ecocídio foi reconhecido em 2016 como crime contra a humanidade, mas não foi qualificado como um crime autônomo. Segundo Machado, ainda não há precedentes desse tipo de ação no TPI.
"Quando fizermos a denúncia, será um momento histórico, um avanço na proteção de direitos humanos internacionais e uma oportunidade para estabelecer mais claramente os critérios através dos quais os graves crimes ambientais possam se caracterizar como crimes contra a humanidade", afirma Machado.
Como consequência para o Brasil, a jurista alerta que a denúncia ao TPI poderá ser vista no cenário internacional como uma comprovação de que o governo Bolsonaro é indiferente e desrespeitoso com as leis internas e com o direito internacional.
Em 2016, uma comunidade de juristas criou o Tribunal Internacional Monsanto para julgar simbolicamente as ações da multinacional de agrotóxicos contra o meio ambiente. Segundo a advogada francesa Valérie Cabanes, esse julgamento concluiu que era necessário reconhecer e incluir o crime de ecocídio no estatuto do TPI por resultar em sérios danos ao planeta.
No caso de Bolsonaro, Cabanes – que coordenou o Tribunal Internacional Monsanto – entende que a postura do presidente fere tanto os direitos humanos como os ambientais, podendo ser enquadrada como um caso de ecocídio.
"Permitir a destruição da Floresta Amazônica tem duplo impacto: local, porque constitui uma violação nos direitos dos povos indígenas que vivem na floresta e que dela dependem tanto para seu sustento como para seu bem-estar físico e espiritual; e há o impacto global, já que a Amazônia fornece oxigênio para o mundo e participa da regulação da temperatura, influenciando o clima mundial e a circulação das correntes oceânicas", acrescenta Cabanes, que é especialista em direitos humanos.
Porém, sem o reconhecimento de ecocídio como um crime autônomo, Cabanes afirma que Bolsonaro pode ser investigado por crime contra a humanidade pelo TPI e processado somente "se houver uma intenção comprovada por parte do indivíduo de destruir tribos indígenas enquanto grupos étnicos".
Isso acontece porque, de acordo com o Estatuto do TPI, a qualificação de crime contra a humanidade "exige prova prévia de que uma população civil é alvo de um ataque sistemático ou generalizado, lançado conscientemente e em conformidade com a política de um Estado ou organização", descreve a jurista.
"Bolsonaro cria deliberadamente uma situação de impunidade para os madeireiros e fazendeiros, em que estes podem lucrar com a Amazônia, iniciar incêndios, grilar terras e cometer assassinatos. Mas é difícil culpar apenas o atual presidente por esse cenário, pois isso vem acontecendo na Amazônia muitos anos antes de ele ser eleito", diz Cabanes.
Por isso, assim como Machado, ela acredita que a novidade na situação está no discurso e na postura do presidente em relação ao meio ambiente. "Algumas falas de Bolsonaro poderiam ser qualificadas até como um chamado para um genocídio contra as populações amazônicas", defende a advogada francesa.
"Do mesmo modo, há episódios concretos do governo Bolsonaro, como transferir a responsabilidade pela demarcação e regulação dos territórios indígenas para o Ministério da Agricultura, que se sabe estar sob a notória influência do agronegócio, assim como as tentativas de coibir as sanções aplicadas pelo Ibama e, em junho, o pedido de demissão do diretor do Inpe pelo próprio Bolsonaro depois da divulgação dos dados sobre as queimadas na Amazônia", exemplifica Cabanes.
Independentemente da inexistência de uma legislação internacional exclusiva para ecocídio, Cabanes alerta que as questões ambientais têm se tornado prioridade para o TPI e que a denúncia tem chances de ser acolhida pelo tribunal.
A Deutsche Welle
A antiga cobiça do Capitão Motosserra
barreiras ao garimpo na floresta.
O deputado do baixo clero antecipou os planos do presidente: afrouxar o licenciamento ambiental, suspender a demarcação de terras indígenas, liberar a mineração em áreas protegidas.
No ano seguinte, o então deputado escancarou o motivo do olho grande nas terras indígenas. “Essas áreas são as mais ricas do mundo em nióbio, ouro, bauxita, estanho, além da biodiversidade, da água potável e grande espaços vazios”, afirmou.
Já como presidenciável, Bolsonaro fez lobby pela exploração de outro mineral valioso. “Temos uma enorme mina de potássio na região do Rio Madeira que não é explorada por vários motivos. Licença ambiental! Um presidente com pulso resolveria o problema”, sustentou, em fevereiro de 2016.
Nove meses depois, ele subiria à tribuna para reclamar da repressão ao garimpo ilegal em Roraima. “Por uma questão indigenista criminosa, praticamente está inviabilizado explorar minério lá”, protestou.
Os discursos repetem sempre a mesma tática. Ao defender os interesses das mineradoras, Bolsonaro se diz preocupado com a soberania nacional. Em 1992, ele tentou anular a demarcação da terra Ianomâmi. Alegou que os índios tentariam se separar do Brasil. “Pretendemos preservar a integridade nacional, pois estamos a um passo da independência daquela área”, dramatizou.
Como a profecia do separatismo não se concretizou, o capitão foi atrás de inimigos externos. No mês passado, ele descreveu a Amazônia como “uma virgem que todo tarado de fora quer”. Os tarados seriam os países europeus, não os garimpeiros.
Bolsonaro se assombra com fantasmas errados
Depois de culpar as ONGs pelas queimadas, Jair Bolsonaro responsabilizou as reservas indígenas pelas mazelas ambientais. "A Amazônia foi usada politicamente desde o [governo] Collor para cá", declarou o capitão em reunião com os governadores da região. "Foi uma irresponsabilidade essa política adotada no passado, usando o índio ao inviabilizar esses estados". Em matéria ambiental, o presidente se assombra com o fantasma errado há quase três décadas.
Bolsonaro estava no alvorecer de sua carreira política quando o então presidente Fernando Collor assinou, em maio de 1992, o decreto que homologou a reserva dos índios Yanomami. Num pronunciamento de novembro de 1995, o então deputado Bolsonaro declarou: "Com a indústria da demarcação das terras indígenas, assim como Quebec quase se separou do Canadá, num curto espaço de tempo, os Yanomamis poderão, com o auxílio dos Estados Unidos, vir a se separar do Brasil".
Decorridos 24 anos desse pronunciamento, o "curto espaço de tempo" de Bolsonaro ainda não chegou. Os Yanomamis continuam submetidos ao descaso do Estado brasileiro, que não consegue evitar a invasão de mineradores ilegais à reserva. Os Estados Unidos ainda não invadiram a Amazônia. O atual presidente norte-americano, Donald Trump, alia-se a Bolsonaro no embate contra o neocolonizador francês Emmanoel Macron.
Enquanto o capitão transfere para o Planalto obsessões que cultivou em seus 28 anos de baixo clero parlamentar, a respeitabilidade ambiental que o Brasil levou duas décadas para conquistar vai virando cinzas.
A boa imagem do Brasil arde graças a um governo que afrouxou a engrenagem fiscalizatória, rasgou dinheiro doado por parceiros estrangeiros, fechou os olhos para as violações à floresta e hostiliza índios num instante em que tenta apagar por pressão um fogo que não combateu por obrigação.
A gestão Bolsonaro é a verdadeira assombração, não as aldeias indígenas. Felizmente, fantasma não aparece em espelho. Do contrário, o capitão levaria um susto a cada manhã, quando fosse escovar os dentes.
Na guerra sobre a Amazônia, o Brasil ganhou e Bolsonaro perdeu
Também se tornaram um bumerangue as zombarias sobre o Presidente Macron nas redes sociais aplaudidas por Bolsonaro sobre a comparação entre sua esposa, Brigitte, já idosa, e a jovem Michelle, a esposa do Presidente brasileiro. E mesmo as brincadeiras de mau gosto do vice-presidente, o general Mourão, sobre os tremores que às vezes afetam a líder alemã Merkel. Todas essas atitudes serviram principalmente para que o mundo constatasse que o Brasil, possuidor não somente de imensas riquezas naturais, como também humanas, merecia alguém mais digno e preparado para ser governado.
A atitude do Presidente brasileiro e de seu governo durante o episódio da Amazônia, que abalou o mundo, serviu também para expor a ausência dramática de uma política externa à altura das circunstâncias, algo que sempre foi considerado como uma das glórias e acertos da política brasileira, seja de direita ou de esquerda.
Basta observar nesses dias as manchetes dos grandes jornais internacionais para constatar a condenação universal sobre as opiniões e posturas de Bolsonaro sobre a Amazônia. Nas análises de tais jornais, que pautam a opinião mundial, fica bem clara a distinção que se faz no exterior entre as posturas iconoclastas do líder brasileiro sobre a Amazônia e a postura de resistência dos brasileiros.
Fica claro, internacionalmente, que é o novo Presidente Bolsonaro e não os brasileiros que prefere ver a Amazônia transformada em pasto para gado, cultivo de soja e em túneis abertos em suas entranhas para a extração de minerais, o grande sonho dos capitalistas. Assim como gostaria de ver os indígenas expulsos dessas terras que sempre foram suas e têm o direito de habitar.
Ao mesmo tempo, na abundante informação mundial sobre o conflito do novo Governo de extrema direita sobre os incêndios cada dia maiores e mais numerosos vistos na Amazônia, criminosos em sua grande maioria, ficou clara a distinção entre as posturas de Bolsonaro e o que os brasileiros mereciam ter na liderança para resolver seus problemas.
Quem talvez melhor o tenha expressado e que honra a todos os brasileiros e os que decidiram fazer desse país sua casa, foi o Presidente francês Macron com essas palavras; “Como tenho uma grande amizade e respeito pelo povo do Brasil, espero que tenham rapidamente um presidente que se comporte à altura”.
Quem sai engrandecido dessa guerra são, de fato, os brasileiros e sua luta na defesa da Amazônia, que continuam angariando a simpatia do mundo. E isso, nesse momento, é o que mais importa, já que os presidentes e os governos passam, e os brasileiros continuarão sendo vistos com estima e afeto, merecedores de estadistas capazes de defender suas essências e suas riquezas.
Alguém poderia dizer que Bolsonaro pouco se importa com a opinião dos líderes estrangeiros. Que o que lhe serve são os votos de seus fanáticos defensores, por certo sempre menores, a quem parece querer especialmente agradar. Ele se esquece que o mundo hoje mudou e que, às vezes, a um líder pode ser tão ou mais perigoso o repúdio internacional que o de seus próprios compatriotas.
Os nacionalismos exasperados, os sonhos de muros e barreiras para não se deixar contaminar com o que vem de fora estão ficando cada vez mais obsoletos. Apesar das tentações totalitárias e do ressurgir dos novos patriotismos que a globalização destruiu, hoje é mais fácil, às vezes, ganhar e perder eleições presidenciais fora do que dentro do país.
Hoje é cada vez mais evidente, por exemplo, que o ex-presidente brasileiro, o ex-operário Lula, deve suas duas eleições e as de sua pupila Dilma, tão ou mais que a seu consenso interno, onde muitos o temiam ao chegar, ao indiscutível consenso e aplauso que possuía internacionalmente. Aplauso que mantém ainda hoje na prisão e que, se não me engano, ainda será fundamental para que possa recuperar sua liberdade.
Deveriam explicar a Bolsonaro que sua sobrevivência no poder depende hoje não só dos brasileiros, e sim também de sua imagem no exterior. Esquecer e desprezar tal conselho pode lhe ser fatal. Ou já está sendo?
De Fordlândia a 'bem comum': as contradições na história do interesse estrangeiro
Um dos objetivos dessa campanha, segundo o governo, seria questionar a soberania do Brasil sobre a Amazônia, abrindo o caminho para a sua internacionalização ou para a criação de Estados autônomos em terras indígenas.
A tese, que ecoa antigas preocupações das Forças Armadas, teve bastante projeção na ditadura militar (1964-85). Ela se ampara, em parte, em momentos históricos em que estrangeiros cobiçaram as riquezas da Amazônia e nos discursos de agricultores europeus e americanos que defendem a preservação da floresta por temerem a expansão da produção brasileira.
Mas o argumento não leva em conta as várias ocasiões em que estrangeiros investiram na Amazônia com a concordância do Brasil – como o próprio governo Bolsonaro tem estimulado – e o crescente movimento que vê a proteção de florestas tropicais como crucial para mitigar o aquecimento global.
A posição também tende a ignorar o papel que brasileiros - entre os quais indígenas e geólogos - tiveram no arranjo legal que resultou na demarcação de grandes terras indígenas na Amazônia, várias delas em áreas ricas em minérios.
Na tese de doutorado "Amazônia: pensamento e presença militar", a cientista política Adriana Aparecido Marques, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conta que os temores das Forças Armadas quanto à cooptação de indígenas por estrangeiros remontam à época em que a Amazônia teve suas fronteiras demarcadas, no Brasil Colônia.
Marques diz que "os fardados temem que os indígenas contemporâneos ajam como alguns de seus antepassados, que, no passado, aliaram-se a ingleses, holandeses e franceses que pretendiam conquistar terras na região".
Há ainda o receio de que indígenas busquem alianças com grupos não estatais que queiram mudar a ordem política local, como a que uniu indígenas Mura a revoltosos na Cabanagem (1835-1840), no Pará.
"A percepção de que a soberania brasileira sobre a região está ameaçada", escreve Marques, "não é recente e nem pode ser reduzida a uma mera resposta dos militares brasileiros aos constrangimentos impostos pelo sistema internacional".
"Fordlândia", a cidade fantasma de Henry Ford na Amazônia |
O general, que passou a maior parte de sua carreira militar na região, diz que os temores se justificam pelos conflitos e revoltas do passado e por declarações de líderes estrangeiros que veem a floresta como um bem global. "Isso nos deixa bastante preocupados", afirma.
Quando foi presidente da França, entre 1981 e 1995, François Miterrand defendeu a visão de que a Amazônia era um "patrimônio da humanidade". A tese foi reciclada pelo atual presidente francês, Emmanuel Macron, que se referiu à Amazônia como "nosso bem comum" ao criticar os incêndios na floresta nas últimas semanas.
Macron lembrou que a França também é um país amazônico por meio da Guiana Francesa – território francês que faz fronteira com o Brasil. No domingo, ao retomar o tema na reunião do G7, o presidente francês disse respeitar a soberania dos demais países amazônicos.
Segundo Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute da Universidade King's College, em Londres, a tese de que a Amazônia "pertence ao mundo" não é nova.
"No livro a Diplomacia na Construção do Brasil 1750-2016, o ex-embaixador Rubens Ricupero escreve sobre o conflito entre Brasil, de um lado, e Estados Unidos, França e Reino Unido, do outro, sobre o acesso ao rio Amazonas nas décadas de 1850 e 1860. Essas três potências argumentavam que, sob o espírito do livre comércio e do liberalismo, suas embarcações deveriam ter o direito de navegar pelo rio. O governo brasileiro finalmente abriu o rio à navegação internacional em 1866", disse.
Adriana Aparecido Marques, da UFRJ, afirma em sua tese que os militares brasileiros se veem como sucessores dos colonizadores portugueses em relação à Amazônia e compartilham da crença de que a região precisa ser ocupada por não indígenas para que o país não a perca.
Porém, a destruição causada por essa ocupação – que historicamente inclui a abertura de estradas, a construção de hidrelétricas e a expansão da agropecuária e da mineração – acaba alimentando no exterior a polêmica tese de que a Amazônia deve ser tratada como um "bem comum" da humanidade, e não apenas um território do Brasil.
Christopher Sabatini, especialista em América Latina no centro de pesquisas Chatham House, em Londres, disse à BBC que países ricos tratam a Amazônia com "arrogância".
"Os países que, em seu processo de desenvolvimento, contribuíram com as emissões de gás carbônico agora querem proteger a Amazônia. Eles poluíram nos últimos dois séculos. É uma visão colonialista", afirmou à BBC News Brasil.
A visão de que a estratégia de colonização da Amazônia segue válida ainda tem defensores nas Forças Armadas.
Em 2008, o então comandante militar da Amazônia e hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Augusto Heleno, disse que a política indigenista brasileira deveria ser revista por estar "completamente dissociada do histórico de colonização do nosso país".
Heleno se referia à demarcação de terras indígenas, que impediria a ocupação de partes do território nacional por não índios. "Como um brasileiro não pode entrar numa terra porque é terra indígena?", questionou o general.
É preciso de autorização da Funai para entrar em uma das 567 terras indígenas, embora nem sempre a norma seja respeitada. Entre as principais justificativas estão impedir o contágio por doenças que poderiam dizimar as comunidades e evitar invasões por grileiros. A restrição não vale para as Forças Armadas, que podem entrar em qualquer terra indígena. Muitos pelotões do Exército ficam inclusive dentro dessas áreas.
Apesar da persistência dessas visões, Marques afirma que a desconfiança das Forças Armadas em relação às comunidades nativas vem diminuindo nas últimas décadas à medida que o Exército passou a recrutar mais indígenas como soldados. Hoje vários pelotões do Exército em regiões de fronteira são compostos, em sua maioria, por indígenas.
"A necessidade de aprender com os nativos para combater um possível invasor estrangeiro faz com que o Exército procure incorporar, cada vez mais, indígenas em seu efetivo (...). O fato é que o desempenho dos soldados de origem indígena nos exercícios de sobrevivência na selva fez com que os militares revissem algumas de suas visões acerca da cultura nativa", escreve a professora.
Os temores quanto à soberania brasileira sobre a Amazônia cresceram no século 20, ao longo do qual várias comissões parlamentares foram criadas para investigar o tema, segundo um artigo do cientista social João Roberto Martins, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-SP).
Na primeira metade do século, governos e investidores estrangeiros passaram a mirar o potencial da região para a produção de borracha, cuja principal matéria-prima advinha de uma árvore local, a seringueira.
Atento ao interesse, o governo Getúlio Vargas negociou com os EUA em 1940 um acordo para fornecer látex para as Forças Armadas americanas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45) e interromper as exportações para os países do Eixo (Alemanha, Japão e Itália).
Anos antes, em 1927, o empresário americano Henry Ford havia fechado um acordo com o então governador do Pará para a construção de um complexo agroindustrial que suprisse a demanda da montadora por pneus. O empreendimento, batizado de Fordlândia, quebrou e foi abandonado em 1945.
Outra tentativa estrangeira com aval governamental de instalar um complexo industrial na Amazônia foi o projeto Jari, que ocupava uma área equivalente à de Sergipe em partes do Pará e do Amapá. Liderado pelo empresário americano Daniel Keith Ludwig, o empreendimento envolvia atividades industriais, agrícolas e a extração de minérios e madeira.
O projeto começou em 1967 com o apoio da ditadura militar, mas os fracos resultados fizeram Ludwig abandoná-lo em 1982.
A Amazônia foi cobiçada também pelo magnata Nelson Rockefeller, que posteriormente se tornaria vice-presidente dos EUA e via na floresta uma "reserva gigante de matérias-primas" para suas indústrias.
Mas ele abriu mão dos planos de investir na região após ser desencorajado pela Casa Branca, para quem o empreendimento poderia incomodar o governo Vargas e prejudicar a relação entre os dois países.
O caso, narrado no livro "Thy Will Be Done: The Conquest of the Amazon" (Seja feita a Vossa vontade: a conquista da Amazônia, de Gerard Colby e Charlotte Dennett), indica que o governo dos EUA sabe há muito tempo que a Amazônia é um tema sensível para brasileiros.
Em 2009, o então embaixador americano no Brasil, Clifford Sobel, disse em um telegrama diplomático revelado pelo Wikileaks que militares brasileiros têm o que ele chamou de "paranoia" em relação a ONGs que atuam na região, vendo-as "como ameaças potenciais à soberania" do país.
'Patetocracia'
O fato é que este governo está conseguindo superar o Lula e a Dilma em burrices. E olha que isso é difícil!Agamenon Mendes Pedreira
A pressão das redes sociais
Na mídia tradicional, nas novas mídias, nas redes sociais - onde quer que haja pessoas se manifestando, lá está o tópico do momento. Nunca houve tantos "especialistas" em florestas dando palpite, a começar por chefes de governo que deveriam ser mais bem assessorados (e nem estou falando do nosso).
O que aconteceu? Como já foi dito incontáveis vezes, o problema não é novo, há queimadas e incêndios todos os anos. O que nunca houve antes foi um discurso estúpido como o de Bolsonaro, que sinalizou um claro "liberou geral!" para madeireiros e mineradores, e um mundo tão conectado, onde nada passa despercebido, e onde cada palavra é amplificada numa potência nunca imaginada.
Até outro dia, governos contavam com equipes inteiras de especialistas em relações públicas para evitar desgastes desnecessários, e impedir que uma ocasional palavra mal colocada detonasse uma crise. Bolsonaro, mirando-se em Trump, acha que nada disso é necessário: o importante é mitar no Twitter distribuindo caneladas.
Acontece que não basta ter sido eleito para saber ser presidente. É preciso ter sensibilidade social e política, e ter pelo menos um mínimo de noção de como se conduzir no cenário mundial, coisas que Bolsonaro acaba de provar - como se ainda fosse necessário - que não tem.
Num momento em que as mudanças climáticas estão em evidência, e que o mundo todo se preocupa com a preservação do meio ambiente, tudo o que as redes sociais não precisavam para arder junto com as matas era de um vilão universal.
Acontece que não basta ter sido eleito para saber ser presidente. É preciso ter sensibilidade social e política, e ter pelo menos um mínimo de noção de como se conduzir no cenário mundial, coisas que Bolsonaro acaba de provar - como se ainda fosse necessário - que não tem.
Num momento em que as mudanças climáticas estão em evidência, e que o mundo todo se preocupa com a preservação do meio ambiente, tudo o que as redes sociais não precisavam para arder junto com as matas era de um vilão universal.
Pois, com ajuda de Ricardo Salles, Bolsonaro colou o rótulo à própria testa, e se saiu melhor do que a encomenda. Ele não é apenas um vilão; é um vilão de anedota, sem uma qualidade que o redima. É um vilão que agride outros países, zomba dos mais fracos, ofende mulheres. Seu discurso vai contra tudo o que identificamos com o processo civilizatório.
Entre tuitadas indignadas de celebridades e de políticos, a internet explodiu - e o Brasil virou o pária de que até governos populistas, sempre atentos ao movimento das redes, fogem. Reconstruir uma boa imagem vai exigir paciência e talento, ou seja, não vai acontecer tão cedo.
Por outro lado, pensando única e exclusivamente sob o ponto de vista da defesa da floresta, acho que Bolsonaro talvez tenha sido a melhor coisa que já aconteceu à Amazônia. Sem a sua falta de sensibilidade e de compostura, as queimadas ainda estariam acontecendo ao som dos "tsks, tsks" pouco interessados da comunidade internacional e da cara de paisagem de presidentes mais hipócritas, e se repetiriam ano após ano até tudo estar definitivamente perdido.
Agora a Amazônia entrou, enfim, no centro do debate, que é onde já deveria estar há tempos, e de onde é de se esperar que não saia tão cedo: milhares de ONGs tentaram fazer isso ao longo dos anos, mas nenhuma conseguiu.
As redes sociais estão em alerta, o que significa que o mundo está em alerta - e, trunfo máximo, os consumidores estão em alerta. O agronegócio, que de burro não tem nada, presta atenção; governos mais inteligentes do que o nosso prestam atenção também.
Que continue assim.
Entre tuitadas indignadas de celebridades e de políticos, a internet explodiu - e o Brasil virou o pária de que até governos populistas, sempre atentos ao movimento das redes, fogem. Reconstruir uma boa imagem vai exigir paciência e talento, ou seja, não vai acontecer tão cedo.
Por outro lado, pensando única e exclusivamente sob o ponto de vista da defesa da floresta, acho que Bolsonaro talvez tenha sido a melhor coisa que já aconteceu à Amazônia. Sem a sua falta de sensibilidade e de compostura, as queimadas ainda estariam acontecendo ao som dos "tsks, tsks" pouco interessados da comunidade internacional e da cara de paisagem de presidentes mais hipócritas, e se repetiriam ano após ano até tudo estar definitivamente perdido.
Agora a Amazônia entrou, enfim, no centro do debate, que é onde já deveria estar há tempos, e de onde é de se esperar que não saia tão cedo: milhares de ONGs tentaram fazer isso ao longo dos anos, mas nenhuma conseguiu.
As redes sociais estão em alerta, o que significa que o mundo está em alerta - e, trunfo máximo, os consumidores estão em alerta. O agronegócio, que de burro não tem nada, presta atenção; governos mais inteligentes do que o nosso prestam atenção também.
Que continue assim.
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