domingo, 11 de novembro de 2018
'A tecnologia permitirá 'hackear' seres humanos'
Há 10 anos, Yuval Noah Harari era um desconhecido professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. Nada em sua carreira acadêmica —especializada em história mundial, medieval e militar— fazia pensar que se tornaria um dos pensadores da moda. Já vendeu 15 milhões de exemplares de seus ensaios em todo o mundo, passeia pelos fóruns de debate mais prestigiados, seus livros são recomendados por Bill Gates, Mark Zuckerberg e Barack Obama, e líderes políticos como Angela Merkel e Emmanuel Macron abrem espaço em suas agendas para trocar ideias com ele. A fama chegou de forma inesperada para esse israelense franzino, com um ensaio original e provocador sobre a história da humanidade. Sapiens: Uma breve história da humanidade (L&PM) foi um sucesso primeiro em Israel ao ser publicado em 2011 e depois em todo o mundo, com traduções para 45 idiomas. Em 30 de agosto, o historiador publica seu terceiro livro, 21 lições para o século 21 (Companhia das Letras), um guia para enfrentar as turbulências do presente.
Harari, de 42 anos, é vegano, medita duas horas por dia e não tem smartphone. Mora perto de Jerusalém em um moshav, tipo de comunidade-cooperativa rural formada por pequenas chácaras individuais que foi incentivada durante o século XX para abrigar imigrantes judeus. Como é morar em um lugar assim? Sorri. “Não tem nada de especial, na verdade agora é um bairro residencial tão normal quanto qualquer outro”, esclarece. Mas Harari não abre as portas de sua casa para a entrevista, organizada pela editora espanhola Debate para o lançamento mundial do novo livro. O encontro acontece em uma cobertura bem iluminada no centro de Tel Aviv que ele utiliza como base de operações na cidade. Nos primeiros minutos é acompanhado por seu marido, Itzik Yahav, seu braço direito em assuntos econômicos e de promoção, que sai assim que começam as perguntas. Casaram-se no Canadá, pois Israel só reconhece os casamentos civis, entre pessoas do mesmo sexo ou não, se foram realizados no exterior.
Não ter smartphone é símbolo de status. Muitos poderosos não têm. A novidade é proteger-se contra os ladrões que querem reter nossa atenção”
O historiador se criou em Haifa (norte do país) no seio de uma família laica com origens no Leste Europeu. Em 2002 obteve o doutorado na Universidade de Oxford (Reino Unido) e depois começou a dar aulas em Jerusalém. A inspiração para escrever Sapiens surgiu de um curso introdutório sobre história mundial que ofereceu porque seus colegas mais veteranos não aceitaram a incumbência. Nos meses de pesquisa que dedicou para escrevê-lo aprendeu muitas coisas, mas uma das que o marcou foi o uso impiedoso, em sua opinião, que o humano faz dos animais para seu próprio benefício. Desde então baseia sua dieta em alimentos de origem vegetal.
Depois do sucesso de Sapiens, publicou Homo Deus (Companhia das Letras), uma viagem a um futuro dominado pela tecnologia, que também foi muito bem recebido nas livrarias. Resta saber o que acontece com seu novo livro, que como o próprio Harari explicou foi inspirado em artigos dele publicados em vários jornais e debates que surgiram durante as conferências que pronunciou e as entrevistas que concedeu. Nele aparecem temas de seus livros anteriores, mas se o primeiro ensaio se concentrava no passado e o segundo no futuro, o terceiro se ocupa do presente.
Exemplares de seus livros traduzidos para vários idiomas se amontoam na mesinha de centro da sala do escritório de Harari em Tel Aviv. O historiador comenta, em um inglês fluido com sotaque hebraico, que lhe parece especialmente curiosa uma versão ao japonês que ficou tão longa que precisou ser publicada em dois volumes. Seu cachorro, chamado Pengo, grande e peludo, cochila no chão de madeira do apartamento, enquanto Harari, amável a todo momento e muito paciente ao posar para as fotografias, serve água fresca aos convidados para aliviar os efeitos do calor úmido que invade a rua em pleno mês de julho.
Sete anos depois de sua publicação, Sapiens continua aparecendo nas listas dos mais vendidos. Ridley Scott anunciou planos de adaptá-lo ao cinema. Por que o livro conseguiu interessar tanta gente?
Nossas vidas são afetadas por coisas que acontecem do outro lado do mundo, seja a economia chinesa, a política americana ou a mudança climática. Mas a maioria dos sistemas educacionais continuam ensinando história como algo local. As pessoas querem ter uma perspectiva mais ampla da história da humanidade. Além disso, é um livro bem acessível, com um estilo simples, que não foi escrito para leitores especializados. E, claro, é preciso levar em conta o trabalho do meu marido e de todas as pessoas que trabalham conosco, porque uma coisa é saber escrever um livro e outra é promovê-lo.
Que impacto o sucesso teve em sua vida?
Que impacto o sucesso teve em sua vida?
A popularidade é muito agradável. Quem não quer ter sucesso, que as pessoas leiam seus livros, ter influência? Mas há um lado negativo. Tenho menos tempo para ler, pesquisar e escrever, porque viajo muito, dou entrevistas e coisas assim.... Também existe o risco de subir à cabeça, de seu ego crescer e você se tornar uma pessoa desagradável. Você começa a se achar muito inteligente, e que todos deveriam saber o que você diz. Quando as pessoas começam a ouvir demais uma pessoa, não é bom para ninguém. Seja em política, na religião ou na ciência. O fenômeno do guru pode ser perigoso. Espero que muita gente leia meus livros, mas não por ser um guru que tem todas as respostas, porque não tenho. Tratam-se das perguntas.
Que perguntas são importantes para você?
Que perguntas são importantes para você?
O maior problema político, legal e filosófico de nossa época é como regular a propriedade dos dados. No passado, delimitar a propriedade da terra foi fácil: colocava-se uma cerca e escrevia-se no papel o nome do dono. Quando surgiu a indústria moderna, foi preciso regular a propriedade das máquinas. E conseguiu-se. Mas os dados? Estão em toda parte e em nenhuma. Posso ter uma cópia de meu prontuário médico, mas isso não significa que seja o proprietário desses dados, porque pode haver milhões de cópias deles. Precisamos de um sistema diferente. Qual? Não sei. Outra pergunta-chave é como conseguir maior cooperação internacional.
Sem essa maior cooperação global, você argumenta em seu último livro, é complicado enfrentar os desafios do século. Nossos três principais problemas são globais. Um único país não pode consertá-los. Falo da ameaça de uma guerra nuclear, da mudança climática e da disrupção tecnológica, em especial o desenvolvimento da inteligência artificial e da bioengenharia. Por exemplo, o que o Governo espanhol pode fazer contra a mudança climática? Mesmo que a Espanha se tornasse um país mais sustentável e reduzisse suas emissões a zero, sem a cooperação de China ou Estados Unidos isso não serviria para muita coisa. Em relação à tecnologia, apesar de a União Europeia proibir fazer experiências com os genes de uma pessoa para criar super-humanos, se a Coreia ou a China fizerem isso, o que se faz? É provável que a Europa acabasse criando seres superinteligentes para não ficar para trás. É difícil ir na direção contrária.
Em Sapiens, você argumenta que a cooperação em grande escala é uma das grandes especialidades humanas.
Sem essa maior cooperação global, você argumenta em seu último livro, é complicado enfrentar os desafios do século. Nossos três principais problemas são globais. Um único país não pode consertá-los. Falo da ameaça de uma guerra nuclear, da mudança climática e da disrupção tecnológica, em especial o desenvolvimento da inteligência artificial e da bioengenharia. Por exemplo, o que o Governo espanhol pode fazer contra a mudança climática? Mesmo que a Espanha se tornasse um país mais sustentável e reduzisse suas emissões a zero, sem a cooperação de China ou Estados Unidos isso não serviria para muita coisa. Em relação à tecnologia, apesar de a União Europeia proibir fazer experiências com os genes de uma pessoa para criar super-humanos, se a Coreia ou a China fizerem isso, o que se faz? É provável que a Europa acabasse criando seres superinteligentes para não ficar para trás. É difícil ir na direção contrária.
Em Sapiens, você argumenta que a cooperação em grande escala é uma das grandes especialidades humanas.
Os chimpanzés, por exemplo, só cooperam com outros de sua espécie que conhecem pessoalmente. Talvez 150, quando muito. Nós, humanos, somos capazes de cooperar com milhões de humanos sem conhecê-los. E é graças a essa capacidade de criar e acreditar em histórias. Histórias econômicas, nacionalistas, políticas, religiosas... O dinheiro, por exemplo. Trabalhamos em troca de euros, confiamos nisso, mas um macaco nunca te dará uma banana em troca de um pequeno pedaço de papel.
Como entender o mundo atual?
Como entender o mundo atual?
Está mudando de uma forma tão rápida que é cada dia mais difícil entender o que está acontecendo. Nunca tínhamos vivido de forma tão acelerada. Ao longo da história nós, humanos, não sabíamos com exatidão o que ia acontecer em 20 ou 30 anos, mas conseguíamos adivinhar o básico. Se você morasse em Castela [na atual Espanha] na Idade Média, em duas décadas aconteciam muitas coisas (talvez a união com Aragão, a invasão árabe...), mas o dia a dia das pessoas continuava sendo mais ou menos o mesmo. Agora não temos nem ideia de como será o mercado de trabalho e as relações familiares em 30 anos, que não é um futuro tão distante. Isso cria uma confusão enorme.
Latrina de dinheiro
Na República que agoniza,
Tomada pela propina,
Se mexe a matéria mole,
Se espalha a fedentina
E os maços de dinheiro
Escoam pela latrina.
Operador financeiro do vice-governador mineiro jogou dinheiro na privada ao ser preso pela PF |
II
Rico e pobre, quando “obram”,
Se igualam pelo nariz,
A mulher mais santa e pura
Faz igual à meretriz;
Se dinheiro fosse fezes,
Pobre vivia feliz.
III
Quando a Polícia chegou,
Na Operação Capitu,
Um chefe de gabinete
Se apertou feito um tatu
E arreou pelas calças
Uma chibata de angu.
IV
Teve até um deputado
Que estava acocorado,
Realizando um serviço
Daqueles bem demorado,
Nem deu tempo de limpar:
Quando viu, tava algemado.
V
Um laranja que guardava
O dinheiro no colchão,
Tentou correr com o dinheiro,
A grana caiu no chão
E nele tinha um bilhete
Que chamou muito atenção:
VI
– Se acharem esse pacote,
Soque-o dentro de um penico,
Ensope ele no xixi,
Deixe igual um “meninico”,
Dê descarga e depois diga
Que era cocô de rico.
As razões para o veto
O art. 169 da Constituição estabelece que “a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar”. E o § 1.º do mesmo artigo assegura que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração pelos órgãos da administração direta ou indireta só poderá ser feita se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes e se houver autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019 não contém nenhuma autorização para o aumento do subsídio dos ministros do STF. Vale lembrar que o reajuste aprovado na quarta-feira passada pelo Congresso altera a remuneração de todos os juízes do País - e isso também não está previsto na LDO de 2019.
Como se não bastasse, o parecer apresentado no Senado sobre o projeto de lei que concedeu o reajuste de 16,38%, de autoria do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), também não comprova que o tal aumento respeita o teto de gastos criado pela Emenda Constitucional (EC) 95/2016. Nos estudos constantes do relatório não há nenhuma avaliação sobre o impacto do reajuste no Orçamento de 2019 e dos anos seguintes. O que há são estudos antigos, anteriores à própria EC 95/2016.
Ignorar essa evidente inconstitucionalidade contida no aumento do salário dos ministros do STF seria dar azo a uma ignóbil contradição. O cidadão sustenta, por meio dos impostos, a Suprema Corte. Trata-se de um gasto significativo para que a Constituição seja defendida. Como se sabe, a primordial tarefa do STF é ser o guardião da Constituição. Ora, esse aumento inconstitucional faz com que a própria manutenção do Supremo desrespeite o previsto na Constituição. Não faz nenhum sentido que o cidadão seja obrigado a sustentar de forma ainda mais onerosa um Supremo por força de um reajuste salarial dos ministros concedido à revelia da Constituição.
Professor de Direito Constitucional, o presidente Michel Temer conhece a importância da estrita obediência aos mandamentos da Constituição. Não cabem subterfúgios para burlar parte do texto constitucional, muito especialmente se o tema se refere ao próprio STF, que deve ser modelo irrepreensível de cumprimento da Carta Magna.
Sempre, mas de forma especial nos tempos em que vivemos, o País necessita de um Supremo vigoroso, que cumpra com denodo seu papel de guardião da Constituição. Por isso, é imprescindível preservar a autoridade do STF. Não se pode permitir que os ministros que têm por missão avaliar a constitucionalidade das leis, com impacto sobre toda a população, recebam soldos concedidos à revelia da Carta.
O aumento concedido pelo Congresso foi um descaso com a coisa pública, especialmente pelas circunstâncias envolvidas, nesse final de legislatura. A votação de quarta-feira passada mais pareceu uma desforra após as eleições, como se o final de mandato permitisse um novo grau de deboche com as contas públicas e a crise econômica e social que o País atravessa. É especialmente triste essa situação, que viola o sentido de representação popular existente no mandato parlamentar, precisamente por deixar o cidadão indefeso. Ele já foi às urnas e, de imediato, nada poderá fazer contra o parlamentar que votou contra o interesse público.
No entanto, o que se tem aqui é mais do que mero desrespeito aos interesses do cidadão. Há uma desobediência à Constituição, o que, num Estado Democrático de Direito, é inadmissível. Que o aumento receba o devido veto presidencial - e a Constituição seja cumprida.
Na Alemanha, água de esgoto é tratada e pode ser consumida
Esgoto Brasil S/A |
Mas, para mobilizar as autoridades a tomarem as medidas cabíveis, foram necessários muitos protestos – boa parte organizada pelo Greenpeace – e até desastres naturais, como o incêndio numa empresa química de Basileia que matou peixes ao longo de 400 quilômetros no rio Reno.
A indústria passou a tratar os resíduos industriais e a implementar processos de produção que respeitam o meio ambiente. Uma das principais medidas para frear a poluição da água foi a construção de inúmeras estações de tratamento, onde o esgoto é tratado com a ajuda de bactérias. A água residual tratada nas Kläranlage pode até servir para o consumo humano, com alto índice de pureza.
As estações de tratamento podem ser vistas perto de grandes cidades e até em regiões de plantação de uvas. A água suja e marrom vinda do esgoto residencial e industrial pode ser vista em enormes tanques, onde é limpa, como exige a legislação ambiental alemã. Os resíduos líquidos são purificados e devolvidos aos rios.
Várias cidades alemãs, como Hamburgo, geram eletricidade por biogás a partir das estações de tratamento de esgoto, o que também reduz os custos operacionais das companhias de saneamento. Os contribuintes pagam altos impostos pelo serviço de tratamento do esgoto, que já estão incluídos na conta de água.
Na Alemanha, paga-se pela água consumida, pela água de esgoto e também pela água da chuva que não é absorvida no terreno de casa. A cobrança é feita por lançamento de efluentes, ou seja, o contribuinte paga pela água que é direcionada ao sistema público de coleta de esgoto. Quem adota um sistema de reutilização da água da chuva pode ter descontos.
Por isso, quem vive na Alemanha economiza na hora de usar a água, inclusive na limpeza de casa. Não é à toa que os banheiros não têm ralo.
Karina Gomes
Ridículo da modernidade
A marcha da fome
São homens e mulheres e crianças pobres, muito pobres, e fogem da pobreza, da falta de trabalho, da violência que antes era só dos maus patrões e da polícia, e agora é, sobretudo, a das maras, essas quadrilhas de foragidos que os obrigam a trabalhar para elas, carregando ou vendendo drogas, e, caso se neguem, matando-os a punhaladas e lhes infligindo atrozes torturas.
Aonde vão? Aos Estados Unidos, claro. Por quê? Porque é um país onde há trabalho, onde poderão economizar e mandar remessas a seus familiares que os salvem da fome e do desamparo centro-americano, porque lá há bons colégios e uma segurança e uma legalidade que em seus países não existe. Sabem que o presidente Trump disse que eles são uma verdadeira praga de meliantes, de estupradores, que trazem doenças, sujeira e violência, e que ele não permitirá essa invasão e mobilizará pelo menos 15.000 policiais, e que, se lhes atirarem pedras, estes dispararão para matar. Mas, não se importam: preferem morrer tentando entrar no paraíso à morte lenta e sem esperanças que os espera onde nasceram, ou seja, no inferno.
O que pretendem é uma loucura, claro. Uma loucura idêntica à dos milhares e milhares de africanos que, após caminharem por dias, meses ou anos, morrendo como moscas no caminho, chegam à beira do Mediterrâneo e se lançam ao mar em balsas, botes e barcaças, apinhados como insetos, sabendo que muitos deles morrerão afogados – já são mais de 2.000 neste ano – e sem poder realizar o sonho que os guia: instalar-se nos países europeus, onde há trabalho, segurança et cetera et cetera.
O avanço dos milhões de miseráveis deste mundo sobre os países prósperos do Ocidente gerou uma paranoia sem precedentes na história, a tal ponto que tanto nos Estados Unidos como na Europa Ocidental ressuscitam fobias que se acreditavam extintas, como o racismo, a xenofobia, o nacionalismo, os populismos de direita e de esquerda e uma violência política crescente. Um processo que, se continuar assim, poderia destruir talvez a mais preciosa criação da cultura ocidental, a democracia, e restaurar aquela barbárie da que acreditávamos nos haver livrado, a que afundou a América Central e a boa parte da África neste horror de que tentam escapar tão dramaticamente seus naturais.
A paranoia contra o imigrante não entende razões e muito menos estatísticas. É inútil que os técnicos expliquem que, sem imigrantes, os países desenvolvidos não poderiam manter seus altos níveis de vida e que em geral – as exceções são escassas – quem emigra costuma respeitar as leis dos países anfitriões e trabalhar muito, precisamente porque neles se trabalha não só para sobreviver, mas também para prosperar, e que este estímulo beneficia enormemente as sociedades que recebem imigrantes. Não é esse o caso dos Estados Unidos? Não foi ao abrir suas fronteiras de par em par quando prosperou e cresceu e se tornou o gigante que é agora? Não foi a Argentina o país mais próspero da América Latina e um dos mais avançados do mundo graças à imigração?
É inútil. Ter medo do imigrante é ter medo “do outro”, do que é diferente por sua língua, ou pela cor da sua pele, ou pelos deuses que venera, e essa alienação se inocula graças à demagogia frenética em que certos grupos e movimentos políticos incorrem de maneira irresponsável, atiçando um fogo no qual poderíamos arder justos e pecadores ao mesmo tempo. Já aconteceu muitas vezes na história, de maneira que deveríamos estar avisados.
O problema da imigração ilegal não tem solução imediata, e tudo o que se diga em contrário é falso, começando pelos muros que Trump queria levantar. Os imigrantes continuarão entrando pelo ar ou pelo subsolo enquanto os Estados Unidos forem esse país rico e com oportunidades, o ímã que os atrai. E o mesmo se pode dizer da Europa. A única solução possível é que os países dos quais os migrantes fogem fossem prósperos, algo que está hoje em dia ao alcance de qualquer nação, mas que os países africanos, centro-americanos e de boa parte do Terceiro Mundo rejeitaram por cegueira, corrupção e fanatismo político. Na América Latina está claríssimo para quem quiser ver. Por que os chilenos não fogem do Chile? Porque lá há trabalho, o país progride muito rápido, e isso gera esperanças para os mais pobres. Por que fogem desesperados da Venezuela? Porque sabem que, nas mãos dos bandidos que hoje a governam, essa desventurada sociedade, que poderia ser a mais próspera do continente, continuará declinando sem remédio. Os países, diferentemente dos seres humanos nos quais a morte põe fim ao sofrimento, podem continuar barbarizando-se indeterminadamente.
Os milhões de pobres que querem chegar para trabalhar nos países do Ocidente prestam uma grande homenagem à cultura democrática, a que os tirou da barbárie em que também viviam há não muito tempo, e da qual foram saindo graças à propriedade privada, ao livre mercado, à legalidade, à cultura, e ao que é o motor de tudo aquilo: a liberdade. A fórmula não caducou, em absoluto, como queriam nos fazer acreditar certos ideólogos catastrofistas. Os países que a aplicam progridem. Os que a rejeitam retrocedem. Hoje em dia, graças à globalização, é ainda muito mais fácil e rápido que no passado. Um bom número de países asiáticos entendeu assim e, por isso, a transformação de sociedades como a sul-coreana, a taiwanesa e a singapuriana é tão espetacular. Na Europa, a Suíça e a Suécia, talvez os países que alcançaram os mais altos níveis de vida no mundo, eram pobres – muito pobres – e no século dezenove enviavam, para ganhar a vida no estrangeiro, migrantes tão desvalidos como os que em nossos dias escapam de Honduras, El Salvador ou Venezuela.
As migrações maciças só se reduzirão quando a cultura democrática se estender pela África e demais países do Terceiro Mundo, e os investimentos e o trabalho elevarem os níveis de vida de modo que nessas sociedades haja a sensação entre os pobres de que é possível sair da pobreza trabalhando. Isso agora está ao alcance de qualquer país, por mais necessitado que seja. Hong Kong o era há um século, e deixou de sê-lo em poucos anos ao se voltar para o mundo e criar um sistema aberto e livre, garantido por uma legalidade muito rigorosa. Tanto que a China Popular respeitou esse sistema, embora reduzindo radicalmente sua liberdade política.
Oposição pelo País
Foram rejeitados porque perderam a comunicação com o eleitor, porque não souberam usar as novas mídias para passar suas mensagens, porque ficaram presos a velhos hábitos, porque não resistiram à tentação de se agarrar a propostas fundamentalistas para atacar um candidato que, a cada pancada, aumentava sua resistência. E onde estava a grande força de resistência de Bolsonaro? Na comunicação direta com o eleitor, feita pelas redes sociais em mensagens capazes de serem assimiladas pela população, pois em linguagem simples e direta, aquilo que ela queria ouvir.
“Não dá mais para jogar contra o Brasil. Se a proposta for positiva, como a independência do Banco Central em alguns setores, para evitar que sua administração seja manobrada pelo governo, vamos votar a favor; se for absurda, como o fechamento do Ministério do Trabalho, vamos votar contra”, diz o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), um dos articuladores da união dos partidos de centro-esquerda e de centro que não aderiram a Bolsonaro.
Esse movimento não terá um líder. “Rejeitamos quaisquer possibilidades de sermos capitaneados pelo Fernando Haddad (PT), pelo Ciro Gomes (PDT) ou pela Marina Silva (Rede). O que defendemos é um movimento que não tenha chefetes, que pense no Brasil e mostre ao cidadão que nossa preocupação é com o País. Por isso, não rejeitamos o governo de Bolsonaro. Se a proposta for boa, votamos; se for ruim, rejeitamos”. Para Delgado, é preciso respeitar a decisão do eleitor. “Uma maioria considerável de brasileiros aprovou o programa de Bolsonaro e o elegeu. A escolha foi democrática. Bolsonaro não foi imposto pelos generais. Ele foi colocado lá pelo povo. O eleitor não é bobo. Ele deixou seu recado. Errados estávamos nós. Então, vamos nos reencontrar com o eleitor, pensando no Brasil em primeiro lugar”.
Esse despertar por uma oposição construtiva não é o único movimento que toma corpo no Congresso e nos partidos políticos que não se alinharão com o governo de Bolsonaro. Há uma articulação que visa ao início de conversas para se formar o embrião do que no futuro poderá ser um partido de centro com propostas progressistas. Um dos idealizadores da ideia é o ex-ministro e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo, hoje no Solidariedade, e que teve toda sua formação no PCdoB.
Desde o ano passado Rebelo prega o combate à crise pela criação de um novo e amplo ambiente de forças democráticas que despreze os ressentimentos, as posições preconcebidas, e que busque a unidade. Na eleição presidencial essa unidade não veio, o que resultou na vitória de Bolsonaro. Rebelo busca agora retomar a proposta.João Domingos
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