São homens e mulheres e crianças pobres, muito pobres, e fogem da pobreza, da falta de trabalho, da violência que antes era só dos maus patrões e da polícia, e agora é, sobretudo, a das maras, essas quadrilhas de foragidos que os obrigam a trabalhar para elas, carregando ou vendendo drogas, e, caso se neguem, matando-os a punhaladas e lhes infligindo atrozes torturas.
Aonde vão? Aos Estados Unidos, claro. Por quê? Porque é um país onde há trabalho, onde poderão economizar e mandar remessas a seus familiares que os salvem da fome e do desamparo centro-americano, porque lá há bons colégios e uma segurança e uma legalidade que em seus países não existe. Sabem que o presidente Trump disse que eles são uma verdadeira praga de meliantes, de estupradores, que trazem doenças, sujeira e violência, e que ele não permitirá essa invasão e mobilizará pelo menos 15.000 policiais, e que, se lhes atirarem pedras, estes dispararão para matar. Mas, não se importam: preferem morrer tentando entrar no paraíso à morte lenta e sem esperanças que os espera onde nasceram, ou seja, no inferno.
O que pretendem é uma loucura, claro. Uma loucura idêntica à dos milhares e milhares de africanos que, após caminharem por dias, meses ou anos, morrendo como moscas no caminho, chegam à beira do Mediterrâneo e se lançam ao mar em balsas, botes e barcaças, apinhados como insetos, sabendo que muitos deles morrerão afogados – já são mais de 2.000 neste ano – e sem poder realizar o sonho que os guia: instalar-se nos países europeus, onde há trabalho, segurança et cetera et cetera.
O avanço dos milhões de miseráveis deste mundo sobre os países prósperos do Ocidente gerou uma paranoia sem precedentes na história, a tal ponto que tanto nos Estados Unidos como na Europa Ocidental ressuscitam fobias que se acreditavam extintas, como o racismo, a xenofobia, o nacionalismo, os populismos de direita e de esquerda e uma violência política crescente. Um processo que, se continuar assim, poderia destruir talvez a mais preciosa criação da cultura ocidental, a democracia, e restaurar aquela barbárie da que acreditávamos nos haver livrado, a que afundou a América Central e a boa parte da África neste horror de que tentam escapar tão dramaticamente seus naturais.
A paranoia contra o imigrante não entende razões e muito menos estatísticas. É inútil que os técnicos expliquem que, sem imigrantes, os países desenvolvidos não poderiam manter seus altos níveis de vida e que em geral – as exceções são escassas – quem emigra costuma respeitar as leis dos países anfitriões e trabalhar muito, precisamente porque neles se trabalha não só para sobreviver, mas também para prosperar, e que este estímulo beneficia enormemente as sociedades que recebem imigrantes. Não é esse o caso dos Estados Unidos? Não foi ao abrir suas fronteiras de par em par quando prosperou e cresceu e se tornou o gigante que é agora? Não foi a Argentina o país mais próspero da América Latina e um dos mais avançados do mundo graças à imigração?
É inútil. Ter medo do imigrante é ter medo “do outro”, do que é diferente por sua língua, ou pela cor da sua pele, ou pelos deuses que venera, e essa alienação se inocula graças à demagogia frenética em que certos grupos e movimentos políticos incorrem de maneira irresponsável, atiçando um fogo no qual poderíamos arder justos e pecadores ao mesmo tempo. Já aconteceu muitas vezes na história, de maneira que deveríamos estar avisados.
O problema da imigração ilegal não tem solução imediata, e tudo o que se diga em contrário é falso, começando pelos muros que Trump queria levantar. Os imigrantes continuarão entrando pelo ar ou pelo subsolo enquanto os Estados Unidos forem esse país rico e com oportunidades, o ímã que os atrai. E o mesmo se pode dizer da Europa. A única solução possível é que os países dos quais os migrantes fogem fossem prósperos, algo que está hoje em dia ao alcance de qualquer nação, mas que os países africanos, centro-americanos e de boa parte do Terceiro Mundo rejeitaram por cegueira, corrupção e fanatismo político. Na América Latina está claríssimo para quem quiser ver. Por que os chilenos não fogem do Chile? Porque lá há trabalho, o país progride muito rápido, e isso gera esperanças para os mais pobres. Por que fogem desesperados da Venezuela? Porque sabem que, nas mãos dos bandidos que hoje a governam, essa desventurada sociedade, que poderia ser a mais próspera do continente, continuará declinando sem remédio. Os países, diferentemente dos seres humanos nos quais a morte põe fim ao sofrimento, podem continuar barbarizando-se indeterminadamente.
Os milhões de pobres que querem chegar para trabalhar nos países do Ocidente prestam uma grande homenagem à cultura democrática, a que os tirou da barbárie em que também viviam há não muito tempo, e da qual foram saindo graças à propriedade privada, ao livre mercado, à legalidade, à cultura, e ao que é o motor de tudo aquilo: a liberdade. A fórmula não caducou, em absoluto, como queriam nos fazer acreditar certos ideólogos catastrofistas. Os países que a aplicam progridem. Os que a rejeitam retrocedem. Hoje em dia, graças à globalização, é ainda muito mais fácil e rápido que no passado. Um bom número de países asiáticos entendeu assim e, por isso, a transformação de sociedades como a sul-coreana, a taiwanesa e a singapuriana é tão espetacular. Na Europa, a Suíça e a Suécia, talvez os países que alcançaram os mais altos níveis de vida no mundo, eram pobres – muito pobres – e no século dezenove enviavam, para ganhar a vida no estrangeiro, migrantes tão desvalidos como os que em nossos dias escapam de Honduras, El Salvador ou Venezuela.
As migrações maciças só se reduzirão quando a cultura democrática se estender pela África e demais países do Terceiro Mundo, e os investimentos e o trabalho elevarem os níveis de vida de modo que nessas sociedades haja a sensação entre os pobres de que é possível sair da pobreza trabalhando. Isso agora está ao alcance de qualquer país, por mais necessitado que seja. Hong Kong o era há um século, e deixou de sê-lo em poucos anos ao se voltar para o mundo e criar um sistema aberto e livre, garantido por uma legalidade muito rigorosa. Tanto que a China Popular respeitou esse sistema, embora reduzindo radicalmente sua liberdade política.
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