domingo, 15 de julho de 2018

Gente fora do mapa

Lee McLaughlin (1973)

Todos cavando o poço

O que se viu na saideira do Congresso antes do recesso prolongado de eleição foi um show de irresponsabilidade que cobrará um preço incalculável a um País que insiste em cavar dia a dia um poço ainda mais fundo para si.

Como se não houvesse um amanhã logo ali, para o futuro presidente, e ele já não trouxesse um rombo nas contas públicas que inviabiliza qualquer governo, deputados e senadores trataram de prorrogar benefícios, liberar reajustes a servidores e restabelecer benesses que haviam sido cortadas para pagar outra insensatez, a “bolsa-caminhoneiro” legada pela malfadada greve do transporte de cargas.

Mais assustador é verificar que foram cúmplices, para não dizer coautores, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), do Senado, Eunício Oliveira (MDB), e do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia.

Diante de um presidente-zumbi, o que se tornou Michel Temer, e uma equipe econômica manietada pela falta de respaldo político do governo, contribuíram cada um no seu papel para o resultado das votações, seja por cálculo eleitoral, no caso dos dois primeiros, ou por defesa corporativa, no de Cármen – que, nesse quesito, não se mostrou diferente do antecessor, Ricardo Lewandowski.

E como reagiram os postulantes à Presidência, potenciais herdeiros dessa bomba-relógio, diante de votações no apagar das luzes do Congresso que comprometem as condições mínimas de governabilidade que terão?

Os que despontam com mais chances nas pesquisas se comportaram entre a omissão deliberada e o silêncio covarde. As únicas vozes a condenar a escalada de irresponsabilidade fiscal das votações foram as de João Amoêdo (Novo) e Paulo Rabello de Castro (PSC), ambos do bloco dos nanicos.

Jair Bolsonaro é o único dos líderes nas pesquisas que tem mandato parlamentar. Portanto, poderia estar lá não só votando a LDO – que estabelece as diretrizes para o Orçamento com o qual governará, se eleito – , mas coordenando a bancada suprapartidária de 140 deputados que diz ter consigo. Mas preferiu se ausentar para não ficar com a “marca na testa” de ter votado contra milhões de servidores, como me disse neste sábado.

Não vou mais considerar Maia, que comandou parte das votações, como pré-candidato a presidente. Ele mesmo já se despiu discretamente deste papel que desempenhou sem brilho.

E Geraldo Alckmin, postulante do PSDB, partido que no governo implementou a Lei de Responsabilidade Fiscal? Não deu um mísero pio sobre o show de populismo do Congresso. Por quê? Assim como Bolsonaro, com quem adora se comparar, por cálculo eleitoreiro raso. Não quer se indispor não só com os servidores, mas com o Centrão, cujo apoio negocia na bacia das almas.

E Ciro Gomes, que tem feito discursos incendiários sobre como o Brasil dança à beira do precipício nas contas públicas? Idem.

E Marina Silva, que não gosta quando é questionada pelo fato de se omitir nas questões polêmicas? Se omitiu.

E Henrique Meirelles, que tenta vender o peixe de que tirou o País da lama na economia? O que tinha a dizer enquanto seu sucessor na Fazenda, Eduardo Guardia, tentava alertar sobre os riscos de explosão nas contas públicas? Nada. Estava mais preocupado em equacionar uma candidatura em que Temer o ajude a se viabilizar no partido, mas não apareça em público.

Nesse aspecto, o único coerente é o PT. Mais empenhado em libertar da cadeia seu não candidato a presidente, o partido que provocou com Dilma Rousseff a maior recessão da história do País estava lá, votando alegremente junto com os adversários para alargar e aprofundar o poço em que nos enfiou.

Triste País em que, quando todos resolvem andar na mesma direção, invariavelmente é em marcha à ré.

Prisão de 100 dias de Lula já custou mais de R$ 1 milhão

A prisão especial de Lula, gentilmente decidida pelo juiz federal Sérgio Morto, completa 100 dias neste domingo e já custou R$1 milhão aos cofres públicos. Condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em vez de cumprir a pena em penitenciária comum do Paraná, onde foi condenado, ou de São Paulo, onde morava, Lula tem na carceragem da PF “sala” e banheiro individual e banho quente, além de TV, ao custo diário de R$10 mil. 


Comparada a presídios comuns, a prisão é precária. E atrai adoradores e malucos variados, que põem em risco a segurança do próprio Lula.

Se fosse enviado para presídio de São Paulo, Lula ficaria mais perto da família, custaria R$ 1,4 mil/ mês e o bolso do contribuinte agradeceria.

Em média, cada preso no Brasil gera um custo mensal de R$ 2,5 mil. Um dia da prisão especial de Lula equivale a 4 meses do gasto normal.

No Amazonas, onde o custo está entre os mais altos, o gasto por preso é pouco mais de R$ 4 mil por mês, ou cerca de 10h de prisão de Lula.

Onde brincam as crianças?

A Copa do Mundo de futebol tem profundo impacto sobre as crianças. Elas vibram, torcem, enervam-se, pulam, gritam de alegria ou choram copiosamente com a derrota. Não há nada parecido. É mais profundo que a competição esportiva mantida pela Fifa ou o simbolismo patriótico do confronto entre nações. É mais emocional que a geopolítica envolvida. Na verdade, é uma grande brincadeira universal, para saber quem será o melhor do planeta. A frugalidade da bola rolando, tocada pelos pés, os membros mais distantes do cérebro, buscando um alvo, o gol, só que levada à escala máxima de potência. Um jogo arquetípico. Jogadores, todos eles profissionais, os eleitos, movem-se atlética e vigorosamente seus corpos e, ao mesmo tempo, fazem movimentos livres e leves como todos nós — mesmo o mais desengonçado — fazíamos quando criança.

Essa congregação global a cada quatro anos não é sobre o futebol apenas. É sobre uma memória corporal, coletiva, sobre um gozo de existência que toda criança tem, mas que perdemos à medida em que envelhecemos. Para os adultos, gostem ou não de futebol, é também um exercício de memória, sobre brincar, sobre alegria, sobre compartilhar um campo de jogo, de diversão, grama ou terra, bola ou qualquer brinquedo. É sobre uma afinidade humana essencial.

Infelizmente, acaba hoje. Agora, só em 2022. Eu e minha mulher teremos 50. As “crianças” terão 24, 16, 14 e 8. Mas será igual a diversão, a ansiedade com os jogos do Brasil e mais uma chance de celebração e brincadeira.

Agora, voltemos às nossas coisas de adulto.

Brincadeiras de criança, Ricardo Ferrari

O duro contexto brasileiro leva à urgência de escolher bem, num cenário eleitoral marcado pelo signo da raiva. O país necessita prosperar, empregar, incluir e dar oportunidade para todos. Estamos massacrados mentalmente por um longo período de cizânia, desde antes da Copa do Brasil de 2014, bastando um domingo do plantonista inconsequente para soprar a brasa do ódio ideológico.

No Rio, uma administração inepta não consegue fazer a cidade avançar após tantas melhorias na infraestrutura urbana. O próprio prefeito contribui para a imagem negativa da cidade quando, repetida e insistentemente nos últimos dois anos, anuncia para todos que tudo vai mal. Crivella parece não entender que governa uma cidade global, em competição com outras, e quanto mais proclamar que o Rio está mal, mais empurrará negócios e empregos para outros lugares.

Esforçou-se ao máximo junto ao legislativo municipal para evitar investigação sobre o uso do Palácio da Cidade como igreja, entretanto não se empenha da mesma maneira para aprovar o novo Código de Obras que traria inovações e benefícios.

Atitudes como rever dimensões mínimas para apartamentos, flexibilizar exigências de vaga para automóvel ou dar fim à obrigação dos PUCs, ou pavimentos de uso comum, popularmente conhecidos como “playgrounds”, ajudariam muito o Porto, por exemplo, e animariam o combalido mercado imobiliário carioca. Investidores olham para o Rio hoje e acabam optando pela previsibilidade da legislação de São Paulo, ou Goiânia, ou Belo horizonte. Competição é a brincadeira dos adultos.

Na década de 1970, predominava uma ideia de que o aumento da densidade populacional das cidades era prejudicial, e, nesta ocasião, novas leis de construção trouxeram para dentro dos prédios e condomínios o lugar de brincar das crianças, que antes ficava no espaço público e nas praças. Surgiram os “plays”, depois os “lounges”, os “fitness centers” e os “espaços gourmet”.

Esse fenômeno de segregação da vida comum no Brasil é um dos ingredientes do ódio que vivemos hoje, organizado em condomínios de pensamento político.

Melhoraríamos a qualidade da esfera pública e também das cidades brasileiras se pensássemos mais sobre onde brincam as crianças?

Em reportagem de Maurício Peixoto no GLOBO, nos Jornais de Bairro da Tijuca, de 12 de julho, constatamos o abandono das praças na região. Esse é um quadro que observamos em muitos bairros, infelizmente. Brincar só é possível no play ou no shopping.

Contudo, mais do que a necessidade de zelo e manutenção, há um problema crítico de design. Crianças da era dos games, YouTube e redes sociais precisam de maior interação e atratividade nos brinquedos. Para além de escorrega, balanço, trepa-trepa e gangorra, é fundamental oferecer mobiliário mais provocador e estimulador para uma geração hiperconectada e que se entedia facilmente.

Dentro dos nossos jogos mentais de pessoas grandes, não estamos mais enxergando coisas simples. E muito menos as crianças, que não são de esquerda, nem de direita, simplesmente são o que fomos um dia, mas que precisamos de Copas para nos lembrar. Há um vasto universo de soluções eficazes e simples de melhorias nas cidades e em nós mesmo, se conseguíssemos usar a mente de forma livre e forte como fazem os jogadores em campo e pensar onde caminham as crianças, onde brincam, onde estudam, onde jogam bola, onde leem, onde conversam.

Quantas Copas precisaremos para perceber que são as crianças o futuro do Brasil, como disse um dia Pelé?

Pensamento do dia


Nossa derrubada Torre de Babel

Tá louco. Você fala uma coisa e o povo entende outra. Escreve sobre uma coisa e o povo entende outra. Parece que a cada dia a comunicação entre os seres se torna mais difícil e os deuses agora devem estar é tampando os ouvidos para não se afetarem por tanta besteira vinda de um certo país da América do Sul

Conta a Bíblia, no Gênesis, que a uma determinada altura dos acontecimentos os homens quiseram subir até bem perto do céu para demonstrar sua tecnologia e capacidade de instalar-se perto de Deus. Imagine, eles lá no bem bom dando ordens e nós aqui embaixo só levando pedradas. Também queriam ficar conhecidos, ganhar poder. Teriam então se disposto a construir uma gigantesca e colossal cidade em uma torre de barro, pontuda, semelhante a uma lança, desafiadora, que chegasse até lá em cima. Tarefa a que deram início em conjunto porque inicialmente ali todos se entendiam, falavam a mesma língua. Não era igual obra ou reforma de hoje em dia que você pede para fazer uma coisa e te entregam outra.

Teria então o Senhor, irritado com a arrogância e soberba dos construtores, decidido mostrar quem é que que mandava ali (ou aqui nisso tudo). Não gostou nada do que viu, embora tenha até se espantado com a capacidade humana, até a achado bonitinha, mas quis parar logo com tudo aquilo, prevendo que dali sairia uma espécie de poderosa empreiteira que poderia mandar em tudo.

Não deu outra. De uma só canetada acabou com a brincadeira. Desceu, confundiu a língua de todos, e os dispersou sobre a Terra. A maior confusão.

Nesse pisão – maior barata voa da história – pode ter escorregado e empurrado aqui para esse continente umas turmas muito estranhas. A brasileira, entre elas. Assim, não há Cristo que faça com que nos entendamos século após século, década após década, dia após dia, principalmente quando perto de períodos eleitorais ou quando se trata de jogos e times de futebol e escolas de samba, entre outros competitivos assuntos.

Aqui tenta ganhar quem grita mais alto. Se bate no peito quando fala em outro idioma, mesmo que seja esquecido o próprio, natural. Somos criativos até para mudar o sentido das palavras, ou para impostá-las, fazendo firulas que as tornam formas de poder e domínio, vide contratos de seguradoras, bancos, leis, tratados e teses que não se entende nada desde seu próprio título, muito menos ao que se referem e para o que podem servir.

Aqui se fala e não se cumpre o que se fala. A palavra dada não tem valor. Palavras lançadas como flechas apenas pairam no ar, como se fossem, hora dessas cair bem em cima das nossas cabeças. Esqueçam o que se falou. esqueçam o que se escreveu. Esqueçam o que foi prometido. Mentiras são como praga de gafanhotos, devastadoras.

O problema é que está chegando a hora de tentarmos nos entender. De ser dada informação e uma educação suficiente para que a população consiga raciocinar, discernir, compreender sozinha o que é que está sendo dito, o que significa e aonde levará. Hora de usarmos uma linguagem clara e comum. Agora, sim, tipo a daquele locutor de tevê que durante o jogo fica o tempo inteiro dizendo exatamente o que está acontecendo, como se não fôssemos capazes nem de enxergar e precisássemos de sua santa ajuda para entender o que se passa ali naquela partida.

Agora, sim, entraremos em outro campo, precisaremos saber tudo sobre os jogadores, o seu passado e o que pretendem de futuro com suas jogadas e estratégias, quais bandeiras levantarão, se as jogadas serão individuais ou coletivas, como se movimentarão no cenário global. E, principalmente, quais serão os seus salários. E os nossos.

Que tudo isso seja dito em linguagem bem clara, olhos nos olhos. Inclusive utilizando sinais – bem simples, para todos poderem entender, e com as mãos poderem apertar as melhores opções nas teclas. Confirmar.

Marli Gonçalves

A árvoree que pensava

Houve uma árvore que pensava. E pensava muito. Um dia transpuseram-na para a praça no centro da cidade. Fez-lhe bem a deferência. Ela entusiasmou-se, cresceu, agigantou-se.

Aí vieram os homens e podaram seus galhos. A árvore estranhou o fato e corrigiu seu crescimento, pensando estar na direção de seus galhos a causa da insatisfação dos homens. Mas quando ela novamente se agigantou os homens voltaram e novamente amputaram seus galhos.

A árvore queria satisfazer aos homens por julgá-los seus benfeitores, e parou de crescer. E como ela não crescesse mais, os homens a arrancaram da praça e colocaram outra em seu lugar.

Oswaldo França Júnior

Manhã de domingo

Há uma velha música regravada pelo Faith No More chamada “Easy” (like Sunday morning). O easy, na canção, significa tranquilo, leve, descontraído. Ao pé da letra, quer dizer fácil. Creio que os três deputados do PT acharam que seria fácil, como a manhã de domingo, libertar Lula de sua prisão em Curitiba. Acompanhei tudo a 12 mil quilômetros de distância, incrédulo e bastante frio em relação ao desfecho. Cheguei a pensar que estava ficando blasé, ou mesmo que tinha perdido contato com a realidade do país. Só me desfiz do complexo de culpa quando soube que, no olho do furacão, Lula pensava mais ou menos da mesma maneira: não vai ser fácil me tirar da prisão — teria dito ele para seus deputados.


Mais tarde, minha sensação se confirmou no vídeo em que José Dirceu comemorava a saída de Lula na cadeia. Ele estava tão emocionado quanto estaríamos depois de uma vitória do Brasil contra o Panamá. Seu ar era muito mais de travessura do que de vitória. Concluí, mesmo vendo tudo de tão longe, que estávamos diante do que os russos chamam de provokatsiya, uma tentativa contundente de colocar um tema na agenda, independentemente do resultado. Como a imprensa, de todos os horizontes, precisa eletrizar sua plateia, mantê-la colada ao desenrolar de um fato, só se falou nisso no domingo. E não foi por acaso que alguns jornalistas estrangeiros compararam o fato a uma novela.

A origem disso está numa análise mais realista do PT, segundo a qual seu grande líder só teria chance de ser libertado se houvesse uma grande comoção popular. Isso não aconteceu nos primeiros meses. A própria solidariedade internacional é minguante, quando não acontece nada no país. Isso vale para prisioneiros em diferentes posições no espectro político. Faz um abaixo-assinado, como de um defensor dos direitos humanos na Chechênia, mas com o tempo só resta escrever: não podemos esquecer nosso preso, lembrem esse nome etc. A vida continua, outros presos entram em cena, alguém faz greve de fome na Crimeia, de novo a advertência: cuidado que pode morrer etc., mas ainda assim a vida continua.

Diante desse quadro desolador para ele, o PT decidiu arriscar um golpe de mão. Como na sua cabeça a Justiça é partidarizada, não resta outra saída exceto usá-la quando um juiz amigo estiver de plantão. O resultado, em termos eleitorais, foi ocupar o espaço de debate no fim de semana. Candidatos, presos ou não, costumam comemorar a ocupação de espaço, sem analisar o conteúdo. Seu nome fica na boca do povo. No entanto, ao escolher uma tese de partidarismo na política, o PT deixou muitas pessoas com medo, não só do que seria capaz, se voltasse ao governo. Mas com a possibilidade de cada grande partido tirar um dos seus nos plantões de fim de semana. O Brasil seria uma terra sem lei. No fundo, não aconteceu nada e o país discutiu esse não acontecimento durante toda a semana. Ele ocupou o espaço pós-Copa do Mundo, precisamente o espaço necessário para o início de um debate sério sobre os rumos do país. Até o momento, uma parte substancial da esquerda está ausente dele, porque se fixou na libertação de Lula.

O próprio PSOL, através de seu candidato Guilherme Boulos, fez uma intervenção que sensibiliza quem está na Rússia. Disse que Moro saiu da praia de tanguinha para manter a prisão de Lula. Não havia evidência de que Moro estava na praia, muito menos que usava tanga. O que Boulos quis insinuar com isso? Não é por acaso o candidato do partido que defende os gays? Não tem um deputado gay no Congresso e um ícone na figura da vereadora assassinada do Rio Marielle Franco?

Na vida política do Brasil, parece que tudo se derrete no ar. E, no entanto, temos toda uma reconstrução pela frente.