domingo, 15 de julho de 2018

Onde brincam as crianças?

A Copa do Mundo de futebol tem profundo impacto sobre as crianças. Elas vibram, torcem, enervam-se, pulam, gritam de alegria ou choram copiosamente com a derrota. Não há nada parecido. É mais profundo que a competição esportiva mantida pela Fifa ou o simbolismo patriótico do confronto entre nações. É mais emocional que a geopolítica envolvida. Na verdade, é uma grande brincadeira universal, para saber quem será o melhor do planeta. A frugalidade da bola rolando, tocada pelos pés, os membros mais distantes do cérebro, buscando um alvo, o gol, só que levada à escala máxima de potência. Um jogo arquetípico. Jogadores, todos eles profissionais, os eleitos, movem-se atlética e vigorosamente seus corpos e, ao mesmo tempo, fazem movimentos livres e leves como todos nós — mesmo o mais desengonçado — fazíamos quando criança.

Essa congregação global a cada quatro anos não é sobre o futebol apenas. É sobre uma memória corporal, coletiva, sobre um gozo de existência que toda criança tem, mas que perdemos à medida em que envelhecemos. Para os adultos, gostem ou não de futebol, é também um exercício de memória, sobre brincar, sobre alegria, sobre compartilhar um campo de jogo, de diversão, grama ou terra, bola ou qualquer brinquedo. É sobre uma afinidade humana essencial.

Infelizmente, acaba hoje. Agora, só em 2022. Eu e minha mulher teremos 50. As “crianças” terão 24, 16, 14 e 8. Mas será igual a diversão, a ansiedade com os jogos do Brasil e mais uma chance de celebração e brincadeira.

Agora, voltemos às nossas coisas de adulto.

Brincadeiras de criança, Ricardo Ferrari

O duro contexto brasileiro leva à urgência de escolher bem, num cenário eleitoral marcado pelo signo da raiva. O país necessita prosperar, empregar, incluir e dar oportunidade para todos. Estamos massacrados mentalmente por um longo período de cizânia, desde antes da Copa do Brasil de 2014, bastando um domingo do plantonista inconsequente para soprar a brasa do ódio ideológico.

No Rio, uma administração inepta não consegue fazer a cidade avançar após tantas melhorias na infraestrutura urbana. O próprio prefeito contribui para a imagem negativa da cidade quando, repetida e insistentemente nos últimos dois anos, anuncia para todos que tudo vai mal. Crivella parece não entender que governa uma cidade global, em competição com outras, e quanto mais proclamar que o Rio está mal, mais empurrará negócios e empregos para outros lugares.

Esforçou-se ao máximo junto ao legislativo municipal para evitar investigação sobre o uso do Palácio da Cidade como igreja, entretanto não se empenha da mesma maneira para aprovar o novo Código de Obras que traria inovações e benefícios.

Atitudes como rever dimensões mínimas para apartamentos, flexibilizar exigências de vaga para automóvel ou dar fim à obrigação dos PUCs, ou pavimentos de uso comum, popularmente conhecidos como “playgrounds”, ajudariam muito o Porto, por exemplo, e animariam o combalido mercado imobiliário carioca. Investidores olham para o Rio hoje e acabam optando pela previsibilidade da legislação de São Paulo, ou Goiânia, ou Belo horizonte. Competição é a brincadeira dos adultos.

Na década de 1970, predominava uma ideia de que o aumento da densidade populacional das cidades era prejudicial, e, nesta ocasião, novas leis de construção trouxeram para dentro dos prédios e condomínios o lugar de brincar das crianças, que antes ficava no espaço público e nas praças. Surgiram os “plays”, depois os “lounges”, os “fitness centers” e os “espaços gourmet”.

Esse fenômeno de segregação da vida comum no Brasil é um dos ingredientes do ódio que vivemos hoje, organizado em condomínios de pensamento político.

Melhoraríamos a qualidade da esfera pública e também das cidades brasileiras se pensássemos mais sobre onde brincam as crianças?

Em reportagem de Maurício Peixoto no GLOBO, nos Jornais de Bairro da Tijuca, de 12 de julho, constatamos o abandono das praças na região. Esse é um quadro que observamos em muitos bairros, infelizmente. Brincar só é possível no play ou no shopping.

Contudo, mais do que a necessidade de zelo e manutenção, há um problema crítico de design. Crianças da era dos games, YouTube e redes sociais precisam de maior interação e atratividade nos brinquedos. Para além de escorrega, balanço, trepa-trepa e gangorra, é fundamental oferecer mobiliário mais provocador e estimulador para uma geração hiperconectada e que se entedia facilmente.

Dentro dos nossos jogos mentais de pessoas grandes, não estamos mais enxergando coisas simples. E muito menos as crianças, que não são de esquerda, nem de direita, simplesmente são o que fomos um dia, mas que precisamos de Copas para nos lembrar. Há um vasto universo de soluções eficazes e simples de melhorias nas cidades e em nós mesmo, se conseguíssemos usar a mente de forma livre e forte como fazem os jogadores em campo e pensar onde caminham as crianças, onde brincam, onde estudam, onde jogam bola, onde leem, onde conversam.

Quantas Copas precisaremos para perceber que são as crianças o futuro do Brasil, como disse um dia Pelé?

Nenhum comentário:

Postar um comentário