quinta-feira, 27 de junho de 2019

Brasil sob controle!?


O general e a cartomante

E se tivesse sido uma bomba ao invés de 39 quilos de cocaína o conteúdo da mala de mão carregada pelo militar da Aeronáutica Manoel Silva Rodrigues que embarcou em um avião da comitiva do presidente Jair Bolsonaro sem passar pelo aparelho de Raios-X da Base Aérea de Brasília?


O ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, disse que não havia como prever uma coisa dessas, a não ser que tivesse “uma bola de cristal”. A bola seria dispensável. Bastaria que o GSI, responsável pela segurança do presidente da República, cumprisse com seu dever de garanti-la.

Bolsonaro embarcou para o Japão furioso com o que aconteceu e constrangido com a repercussão internacional da descoberta de que na sua comitiva havia um militar traficante de drogas. Pouco importa que o militar tenha acompanhado outros presidentes em viagens internacionais. Como provar que antes levou drogas?

A esperança de Bolsonaro de que nada parecido se repita está nos ombros do novo diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem Rodrigues, que em breve assumirá o cargo. Rodrigues foi escolhido pelo próprio Bolsonaro para substituir um afilhado de Heleno.

Depois da facada de Juiz Fora, Rodrigues passou a cuidar da segurança do então candidato a presidente. Bolsonaro e os filhos gostaram do seu trabalho e aprenderam a confiar nele. Sua promoção a diretor da Abin significa que Bolsonaro terá acesso direto às informações da maior agência de espionagem do país.

Heleno está em baixa. Como foi o instrutor de Bolsonaro quando ele era cadete na Academia Militar de Agulhas Negras, continuará onde está, mas desgastado. Foi-se o tempo em que seus ex-colegas de farda imaginaram que ele poderia tutelar um presidente que no passado foi um capitão insubordinável.

Fala presidencial

Nós temos exemplo a dar à Alemanha sobre meio-ambiente. A indústria deles continua sendo fóssil, vem parte do carvão. E a nossa não. Eles têm muito a aprender conosco
Jair Bolsonaro.

De Viktor Orban a rainha da Inglaterra?

Dias atrás, Bolsonaro reclamou que estava sendo transformado em uma rainha da Inglaterra. Quando li aquilo, achei exagerado. Geralmente acho tudo meio exagerado, em política. Mas depois fiquei pensando e comecei a achar que o presidente tem alguma razão.

Desde a posse, pautas de interesse direto do governo vêm sistematicamente caindo. Assistimos agora ao fim melancólico do decreto das armas e o envio resignado de um projeto de lei ao Congresso (como deveria ter sido feito desde o início). Vimos atentativa frustrada de transferir a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. Mesmo coisas esquisitas, como a ida da embaixada para Jerusalém, com toda a corte feita por Netanyahu, deu com os burros n’água.


Ainda nesta semana, o presidente vetou o item que prevê a lista tríplice para as agencias reguladoras. Aposto que o veto seja derrubado. Não apenas porque o governo não tem base, mas porque a lista tríplice é uma boa ideia. Despolitiza as agências. Restringe um poder do qual o presidente não precisa e que é bom que não tenha. E não estou falando de Bolsonaro, mas de qualquer presidente que venha pela frente.

Como tapa de luva, o presidente teve que assistir à inclusão, na Constituição, da execução obrigatória das emendas de bancada, retirando mais um naco de poder do Executivo. E precisa escutar todo dia que a reforma da Previdência anda sozinha no Congresso, à moda de um parlamentarismo branco (a expressão, muito boa, é do Fábio Giambiagi).

Enquanto isso, Rodrigo Maia conduz a aprovação da reforma com os partidos e governadores, encomenda uma agenda econômica própria e diz já ter definido instalar a comissão especial da reforma tributária (também nascida dentro do Congresso) ainda antes do recesso parlamentar.

Rodrigo Maia não é, mas parece agir como o primeiro-ministro em nosso parlamentarismo de coalizão. Ou, se quiserem, nosso presidencialismo de consensos provisórios. Tudo muito democrático, com freios e contrapesos funcionando à exaustão, em uma lógica estranha, aqui nos trópicos, que chamei de modelo de corresponsabilidade.

Tudo, aliás, inteiramente diferente do que o cenário desenhado, não faz muito, pela nossa crônica política, que insistia em apresentar Bolsonaro como uma espécie de Viktor Orbán dos trópicos ou, para os mais delirantes, como o novo Hugo Chávez.

A maldita realidade vem mostrando outra coisa. O país parece estar efetivamente fazendo uma experiência de parlamentarismo branco. Com o incômodo detalhe de que esse sistema não existe. Decorre daí nosso maior problema. Ele não vem da ameaça autoritária ou plebiscitária. Quem ainda estiver pensando nisso não está entendendo nada do que se passa por aqui.

O problema é a falta de direção. Nos tornamos um sistema presidencialista funcionando à moda parlamentar. Um sistema a meio caminho: presidencialista na forma, parlamentar no jeito. É possível enxergar alguma virtude aí. A ideia de um país funcionando à base de consensos progressivos e repartição do poder. Já escrevi tentando enxergar o lado positivo disso tudo.

Mas é possível perceber as sombras. A maior delas é a paralisia, a incerteza, a desconfiança crescente da sociedade e do mercado sobre a capacidade do sistema tocar adiante, de fato, alguma agenda relevante, para além da reforma da Previdência.

O país tem diante de si um amplo programa de micro e macro reformas estruturais, bem como um plano audacioso de desestatização. A percepção de que não há um arranjo político e pulso para fazer isso andar é hoje o principal inibidor do investimento a longo prazo no país.

Arriscamos cair na síndrome da democracia que não governa. Algo próximo à vetocracia, de Francis Fukuyama. A situação em que muitos compartilham do poder, mas o sistema como um todo caminha para não sei onde. Na expressão de Andrew Rawnsley, a democracia que se tornou “mais venenosa, ainda que mais desdentada”.

Confesso não ter ideia de como sair dessa zona de sombra. Não se trata de uma tragédia, mas de uma sistema que anda devagar, à base de consensos frágeis, quando deveria envolver a sociedade em um grande projeto de mudança. Se dependesse de mim, apostaria todas as fichas em uma reforma estrutural do sistema político, mas ninguém parece dar bola para essas coisas.

Terra arrasada

A rigor, o que se publicou até agora de conversas hackeadas de expoentes da Lava Jato confirma o que já se sabia. As figuras principais da Lava Jato percebiam como hostil à operação parte das instituições, incluindo o Supremo. Entendem decisões no STF como resultado de intrincadas lealdades políticas e pessoais por parte dos ministros – ou mesmo inconfessáveis. Portanto, raramente de natureza “técnica”.

O material publicado até aqui sugere que Sérgio Moro e Deltan Dallagnol tinham clara noção de que seu entrosamento, coordenação e atuação eram passíveis de forte contestação “técnica” pela defesa dos acusados e, como se verá, pelo STF. Esse mesmo material hackeado deixa claro, porém, que a preocupação maior deles ia muito além da batalha jurídico-legal.


Consideravam-se participantes de um confronto político de proporções inéditas no qual o adversário – a classe política em geral e o PT em particular – comandava instrumentos poderosos para se proteger, entrincheirado em dispositivos legais (garantidos na Constituição) que os dirigentes da Lava Jato e boa parte da população viam como privilégios.

Não se trata aqui do famoso postulado dos fins (liquidar corrupção) que justificam os meios (ignorar a norma legal). Se Moro e Dallagnol de alguma maneira se aconselharam com Maquiavel, então foram influenciados pelo que se considera na ciência política como a originalidade do pensador florentino do século 16 (que acabou dizendo o que todo mundo sabe, mas ninguém gosta de admitir). É a noção de que ideais nunca conseguem ser alcançados. Em outras palavras: não há um confronto entre política e moralidade. Só existe política.

Arguir a suspeição de Moro e, por consequência, a “moralidade” da conduta da figura central da Lava Jato soa correto para quem pretende que o respeito à norma e à letra da lei é que garante o funcionamento da “boa” política e das instituições. A esta visão, a do “idealismo” da norma legal, se opõe a visão do realismo da ação que busca derrotar o adversário político corrupto tido como imbatível. É a visão da Lava Jato, narrativa hoje sustentada por substancial maioria da população.

Os diálogos sugerem a interpretação de que Moro e Dallagnol, apoiados pelos fatos concretos das avassaladoras corrupção e manipulação políticas, sempre estiveram convencidos de que “idealismo”, legal ou moral, eram só pretextos esgrimidos pelos adversários (inclusive STF). De qualquer maneira (e isso é Maquiavel) não haveria nesse contexto histórico como equilibrar idealismo e realismo. O que existe é a competição entre realismos – de um lado a Lava Jato e, do outro, o “sistema” político e seus tentáculos.

O resultado imediato dessa batalha é conhecido: desarticulou-se um fenomenal império de corrupção e foram expostos o cinismo, a mentira e a imoralidade de seus participantes. As enormes consequências econômicas, políticas e sociais estão apenas no início. Mas também a Lava Jato não parece ser a vitória do “bem” contra o “mal", como pretendem alguns de seus defensores pouco críticos. Ao se lançar na luta política ela foi apanhada pelo mesmo caos político-institucional que ajudou a produzir, mesmo não tendo sido esse o objetivo.

O material hackeado não sugere que os expoentes da operação tivessem intencionalmente se empenhado em destruir o edifício do estado de direito. Na verdade, os dirigentes da Lava Jato se sentiam operando em terra já arrasada. Em cima dela a sociedade brasileira terá de encontrar um novo caminho, por enquanto indefinido. Difícil é imaginar um “retorno” ao que não existia: instituições funcionando dentro do devido marco legal.

Pensamento do Dia


E se Lula recorrer a Toffoli nas férias do Supremo?

Uma urucubaca ronda o Supremo Tribunal Federal. Em férias, a Corte foi condenada a conviver durante o mês de julho com o risco de aparecer no guichê da sessão de protocolo um habeas corpus da defesa de Lula. De plantão, caberia ao presidente Dias Toffoli deliberar sobre um novo pedido de liminar para libertar Lula. A eventual concessão de liminar teria de ser submetida aos outros dez ministros. Mas só depois do recesso.

Lula está preso há um ano e quase três meses. Nesse período, recorreu um sem-número de vezes contra a sentença que o tornou um presidiário. Com o Judiciário aberto, perdeu em julgamentos coletivos —ora por unanimidade, ora por maioria de votos. Se recorrer nas férias, o julgamento de um plenário será substituído pela decisão de um plantonista. E Dias Toffoli não é um plantonista qualquer.



Antes de vestir toga, Toffoli foi assessor da liderança do PT na Câmara, advogado eleitoral de Lula, auxiliar jurídico de José Dirceu na Casa Civil e advogado-geral da União no governo do agora presidiário petista. A despeito desse histórico, Toffoli não hesitou há um ano em liderar na Segunda Turma a votação que abriu a cela de um José Dirceu já condenado em segunda instância a mais de 30 anos de cadeia.

Melhor seria que os advogados de Lula não recorresse nas férias. Se recorrerem, Toffoli talvez devesse indeferir rapidamente o pedido. Deferindo, seria aconselhável que trocasse o terno por uma armadura. Se dissesse que concedeu uma liminar a Lula guiando-se apenas por sua consciência de juiz, Toffoli cutucaria a opinião pública com o pé. E passaria o resto da vida fugindo das mordidas. O bom senso recomenda evitar.

Realismo socialista

O filme “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, disponível na Netflix, é uma peça digna do realismo socialista dos tempos de Josef Stalin e seu principal teórico, Andrej Zdanov. Dos anos 30 aos 50, a cultura soviética converteu-se em arte oficial, a serviço de uma ideologia e de um Estado totalitário. Entre suas características estavam o utilitarismo – a arte deveria embutir nas massas a confiança no socialismo – e o maniqueísmo. Os heróis, normalmente proletários, soldados ou camponeses, eram idealizados como puros e saudáveis. Já os burgueses como parasitas, decrépitos e decadentes.



Petra se coloca a serviço da ideologia petista ao apropriar-se da história, dando ar de verdade à versão, segundo a qual o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula foram uma trama das elites, da mídia e (não podia faltar) dos interesses estrangeiros.

Como Narciso, que acha feio o que não é espelho, Petra considera como golpistas e oligárquicos tudo o que não se encaixa na narrativa do Partido dos Trabalhadores. A começar pelas manifestações multitudinárias das jornadas de junho de 2013, onde, pasmem, já estaria o germe do “golpe”, como se elas fossem o ovo da serpente do qual saiu Bolsonaro.

Na sua versão a serpente toma corpo por meio da decisão da elite de sacrificar um de seus braços (a turma do colarinho branco, que pela primeira vez na nossa História foi para a cadeia) para extirpar a esquerda do poder. A ideia de uma elite raivosa cujos interesses teriam sido contrariados por Lula não guarda a menor coerência com a realidade. Afinal, segundo o próprio ex-presidente, nunca os banqueiros ganharam tanto como em seu governo.

E nunca empresários escolhidos pelo rei se aproveitaram tanto do Estado quanto nos anos do lulopetismo.

O Bolsa-Família representou algumas migalhas para o andar de baixo, enquanto os escolhidos do andar de cima se lambuzavam no jantar farto da chamada nova matriz econômica. Essa é a verdade que “Democracia em vertigem” joga para debaixo do tapete, da mesma maneira que trata Antonio Palocci e José Dirceu com relevância menor do que a de uma nota de pé de página. Stalin apagava das fotos seus desafetos. Petra Costa esconde do espectador os petistas que chafurdaram na lama.

Tudo se passa como se petistas não tivessem enriquecido pessoalmente e como se o próprio Lula não tivesse obtido vantagens indevidas.

Para a cineasta, o PT apenas cometeu crime de Caixa 2, e ameniza supondo como algo que todo mundo fez. Para provar a tese do “roubei sim, mas quem não roubou”, se vale do depoimento de Nestor Cerveró assegurando que sempre existiu corrupção na Petrobras. Propositadamente, escoimou da tela a informação de diversos ex-funcionários da estatal envolvidos no Petrolão, segundo os quais a corrupção pontual ganhou escala sistêmica e se institucionalizou quando o lulopetismo chegou ao poder.

Tal como o Pravda só divulgava as “verdades” da nomenclatura soviética, o filme chancela as “verdades” do PT. Assim, Lula se viu forçado a se aliar com o PMDB e os partidos da “direita” porque no Brasil se “Jesus Cristo tivesse de governar, teria de se aliar com Judas”. Para a cineasta o único pecadilho dos governos Lula e Dilma teria sido se render a essa realidade, em vez de fazer a reforma política – essa panaceia sobre a qual o PT se agarra para justificar seus crimes.

Nessa versão romanceada, a quebra da Petrobras não se deu pela combinação de má gestão com a corrupção. Nada teria a ver com investimentos desastrosos como Abreu e Lima, Pasadena, Comperj e outros. Muito menos com a intervenção e represamento de preços operados por Dilma. Seria consequência da conspiração de potências estrangeiras interessadas em quebrar a Petrobras para se apossar das riquezas do Pré-Sal.

Já a culpa pela maior crise econômica da história do país, responsável por doze milhões de desempregados, é atribuída ao fim do boom das commodities, nada tendo a ver com o desastre da política econômica do herói Lula ou da super honesta e mártir Dilma Roussef.

“Democracia em vertigem” é pura arte oficial de um partido e seu projeto de poder. Pretende empolgar a militância e dar argumentos mentirosos para o embate político. Está a serviço de uma ideologia assim como estiveram alguns intelectuais brasileiros que emprestaram sua criatividade a uma causa totalitária.

Um deles, Jorge Amado, escreveu uma obra hagiográfica, “O mundo da paz”, na qual define Stalin como “mestre, guia, e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior general, aquilo que de melhor a sociedade produziu”.

Anos depois, o escritor baiano tomou conhecimento dos crimes de Stalin e teve a honestidade intelectual de renegar sua obra, desautorizando uma nova reedição. Quem sabe um dia a ficha caia. Terá Petra Costa a coragem de Jorge Amado?
Hubert Alquéres