quarta-feira, 4 de maio de 2016


Lula perdeu, o Brasil ganhou

Não há qualquer dúvida de que Michel Temer é o novo presidente da República. O Senado vai receber o processo e aprovar o impeachment de Dilma Rousseff. A interinidade deve ser breve — inferior aos 180 dias constitucionais. O projeto criminoso de poder e seus asseclas foram derrotados.

A história — e não é a primeira vez — traçou um caminho surpreendente. Apesar do desastre do primeiro governo, Dilma conseguiu ser reeleita na eleição mais suja da República. Imaginava-se que faria um governo cinzento. E que Lula deveria ter um papel mais ativo, preparando o caminho para retornar à Presidência em 2018, ser reeleito em 2022 e eleger um poste em 2026. A pouca combatividade da oposição, a inércia das entidades empresariais, as benesses obtidas pelo grande capital e o estabelecimento de relações nada republicanas com o Congresso Nacional e as Cortes superiores de Brasília davam ao petismo um protagonismo e uma força desproporcional à realidade.


Quando o pedido de impeachment deu entrada na Câmara — em outubro de 2015 —, poucos acreditavam que seria apreciado. Outros já tinham sido rejeitados. Pouco depois, o STF decidiu, equivocadamente, que caberia monocraticamente ao presidente da Câmara a decisão de receber o pedido. Falou-se que seria rejeitado por Eduardo Cunha. Porém, a 2 de dezembro, acabou sendo recebido. Seis dias depois, foi eleita a Comissão Especial por 272 votos a 199, com uma composição independente do Palácio do Planalto. Mais uma vez, o STF interferiu inconstitucionalmente, obrigando a Câmara a anular a votação e criar uma comissão “eleita” pelos líderes. Considerou-se uma vitória, pois os partidos da base governamental eram maioria.

O recesso parlamentar deu ao governo uma aparente sobrevida. Ficou na aparência. O agravamento da crise econômica — o ano fechou com a queda do PIB em -3,8% —, as investigações da Lava-Jato e a participação da sociedade civil com as manifestações de rua — quatro em 2015 — e a fantástica mobilização das redes sociais foram paulatinamente deslocando a balança para os adversários do petismo, mesmo quando os partidos oposicionistas ainda patinavam no enfrentamento do projeto criminoso de poder.

O ano legislativo de 2016 começou sem que estivesse claro qual o rito que deveria ser seguido na Câmara, pois o STF tinha tomado uma decisão pouco clara e, pior, invadindo a esfera do Legislativo. Após os esclarecimentos, o caminho ficou aberto. Mas o fato determinante do processo foram as grandes manifestações de 13 de março, especialmente a de São Paulo, a maior da história do Brasil. Nesse momento, as ruas, pela primeira vez, empurraram o Parlamento, deixando de ser coadjuvantes para serem protagonistas.

O PMDB foi se afastando do governo — a 12 de março declarou-se independente. A resposta do Planalto foi um suicídio político: a nomeação de Lula para chefia da Casa Civil. Uma demonstração de fraqueza travestida de uma grande jogada política. Um golpe de Estado, dando a Presidência, de fato, a um procurado da Justiça. A suspensão da nomeação e a divulgação dos áudios foram fatais. Desnudaram as razões da nomeação e as conversas de ministros e dirigentes petistas. Apresentaram um governo de cafajestes e celerados. Ficaram ainda mais isolados. E novamente as ruas deram resposta enérgica à manobra golpista.

A 17 de março foi constituída a Comissão Processante. Para evitar questionamentos jurídicos, foi seguido estritamente o rito determinado pelo STF. Diferentemente de 1992, desta vez houve amplo direito de defesa. A solidão do Planalto ficou maior quando o PMDB rompeu com o governo. De nada adiantou a presença constante de Lula em Brasília e a transformação de um quarto de hotel em gabinete presidencial — triste momento que aproximou o Brasil de uma república bananeira.

A Comissão Processante teve seus trabalhos conduzidos com muita propriedade e equilíbrio pelo presidente Rogério Rosso, e o parecer do relator Jovair Arantes não deixou pedra sobre pedra — e a 11 de abril foi aprovado por ampla maioria. As respostas do governo na comissão, na Câmara e na sociedade foram desastrosas. Chamar de golpe o que está previsto na Constituição foi um desastre. A defesa feita pela AGU foi patética. Os atos no Planalto com os “movimentos sociais” afastaram ainda mais o governo de parlamentares que estavam indecisos. E, para piorar, Dilma pediu a intervenção de organismos internacionais, caso de crime de lesa-pátria.

A votação de 17 de abril foi histórica. De nada adiantaram as transações criminosas de Lula tentando comprar parlamentares. O quorum constitucional foi suplantado. E a admissibilidade do processo, aprovada. O PT — que funciona mais como uma organização criminosa do que como partido político, basta recordar as inúmeras condenações judiciais — tentou — e ainda tenta — desqualificar a decisão. Criticou o “nível” dos deputados — como se a média dos parlamentares, desde 1826, quando o Parlamento foi aberto, fosse muito distinta; além do que teve sustentação congressual durante 13 anos —, ameaçou o país com guerra civil, incentivou a desmoralização das instituições e colocou em risco a paz pública.

Temer não deve esquecer que chegou à Presidência graças à mobilização das ruas. Vai ter de organizar um ministério competente, enfrentar os graves problemas econômicos, melhorar a qualidade do gasto público, não compactuar com a corrupção, despetizar o Estado e levar o país às eleições de 2018. Não será fácil. Mas muito mais difícil foi o povo derrotar a quadrilha petista e seu chefe, Lula.

Marco Antonio Villa 

Denúncia contra Lula tem o peso de uma lápide

O cronista Nelson Rodrigues ensinou que a morte é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes. É todo um lento, suave, maravilhoso processo. O sujeito já começou a morrer e não sabe. Tome-se o caso de Lula. Fenece politicamente desde 2005, quando explodiu o mensalão. Mas demorou dez anos para que a Procuradoria-Geral da República providenciasse a lápide.

Veio na forma de uma denúncia e de uma petição ao STF. Na denúncia, o procurador-geral pede a conversão de Lula em réu por ter tentado comprar o silêncio do delator Nestor Cerveró. Na petição, requisita a inclusão de Lula e outras 29 pessoas no “quadrilhão”, como é conhecido o principal inquérito da Lava Jato. Nesse texto, Janot esculpiu um epitáfio com cara de óbvio:

“Essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse.''


A conclusão do procurador-geral elimina uma excentricidade dos governos do PT. Está chegando ao fim a era da corrupção acéfala. Janot fez, finalmente, justiça a Lula, protegendo-o de si mesmo. A pose de Lula diante da roubalheira não fazia jus à sua fama.

O mal dos partidos políticos, como se sabe, é que eles têm excesso de cabeças e carência de miolos. O PT sofre da mesma carência, mas com uma cabeça só. Desde que empinou a tese do “não sabia”, Lula vinha renegando sua condição de cérebro solitário do PT. Reivindicava o papel de cego atoleimado.

Se aceitar a denúncia da Procuradoria, o STF não irá apenas transformar Lula em réu. Restabelecerá a lógica, acomodando o personagem no topo da hierarquia da quadrilha.

Mirando para baixo, Janot disparou várias balas que muitos davam como perdidas. Requereu a inclusão no inquérito do “quadrilhão” de vários nomões do PT, do PMDB e da vizinhança de Dilma.

Gente como os ministros palacianos Jaques Wagner, Ricardo Berzoini e Edinho Silva; os ex-ministros Erenice Guerra, Antonio Palocci e Henrique Alves; os senadores Jader Barbalho e Delcídio Amaral; o deputado Eduardo Cunha… De quebra, foi alvejado o principal assessor de Dilma, Giles Azevedo.

Como se fosse pouco, Janot requereu a abertura de inquérito contra a própria Dilma, o advogado-geral do impeachment, José Eduardo Cardozo e, de novo, Lula. Acusa-os de tentar obstruir as investigações.

No início de março, quando foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento à Polícia Federal por ordem do juiz Sérgio Moro, Lula reagiu com uma entrevista de timbre viperino. “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva.'' Pois bem. Janot acertou a cabeça da víbora.

Lula estava zonzo desde o dia em que o doutor Moro atrapalhou sua nomeação para a Casa Civil jogando no ventilador os diálogos vadios captados em grampos legais. Numa conversa com Dilma, a jararaca destilara todo o seu veneno:

“Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado. […] Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido. Não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar…”

Depois disso, a Suprema Corte avalizou o rito do impeachment, o presidente da Câmara coordenou a goleada de 376 X 137, o presidente do Senado passou a flertar com o vice-presidente “conspirador”, os parlamentares traem madame gostosamente e Lula revela-se uma cobra sem veneno. Tornando-se réu, talvez chegue a 2018 mai perto da cadeia do que das urnas.

Quanto a Dilma, ninguém estranharia se o noticiário sobre sua Presidência migrasse da editoria de política para o espaço que os jornais reservam aos avisos fúnebres. Os curiosos lêem compulsivamente, à espera de uma surpresa agradável. Jurada de morte, madame tenta se convencer de que ainda está cheia de vida. Mas todos sabem, inclusive seus aliados, que, mais dia menos dia, acaba o seu dia a dia. Tudo passa, exceto o PMDB, que é imortal.

'A última trincheira da cidadania'

Quando o ministro Marco Aurélio Mello, entrevistado no programa Roda Viva, fortemente pressionado por José Nêumanne, indagou-lhe se não confiava no STF, desde minha poltrona respondi com o jornalista: “Não, não confio!”

E por que não? Porque muito mais vezes do que minha tolerância se dispõe a aceitar, assisti o STF legislar contra a Constituição e invadir competência do Congresso Nacional. Sempre que isso aconteceu, a maioria que se formou despendeu boa parte de seu tempo afirmando não estar fazendo o que à vista de todos fazia. Ademais, como conceder a confiança que o ministro esperava colher depois de o STF, na ação penal referente ao mensalão, haver decidido que nele não ocorreu crime de formação de quadrilha? Vinte e cinco condenações envolvendo três núcleos interconectados não compunham uma quadrilha? Como cortejar um ponto tão fora da curva?

Como esquecer o ministro Joaquim Barbosa, com seu linguajar ríspido, reprovando o que via acontecer nas sessões finais daquele julgamento? Recordo sua advertência sobre a “maioria de circunstância” e “sanha reformadora”.

Pergunto: não ficam nítidos, em certas entrevistas concedidas por alguns senhores ministros, os desapreços internos? Nêumanne não está só.

Ao estabelecer que o provimento das cadeiras da Suprema Corte se dê por nomeação da presidência da República após aprovação da escolha pelo Senado, nossos constituintes confiaram em que o natural rodízio das tendências nas eleições presidenciais permitiria um equilíbrio das orientações jurídicas e sensibilidades políticas dentro do STF.

Tal presunção foi rompida com a sequência de quatro governos petistas, que indicaram oito dos 11 ministros. Numa democracia, seria muito saudável que o Supremo, em sua composição, exprimisse equilibradamente o espectro dessas sensibilidades presentes e atuantes na vida social. Não parece razoável que na prática, a posição conservadora ou liberal ali só se manifeste no microfone de onde, suplicantes, falam advogados e amigos da corte. Nunca no plenário. Nunca com direito a voto.

Não bastasse isso, nos últimos meses, relevantes figuras da República têm manifestado dispor de uma intimidade, que vai além de todo limite, com membros do poder situado no outro lado da praça. O governo contabiliza votos na corte como se fossem seus. Ministros opinam sobre assuntos em deliberação no Congresso Nacional. Divergem publicamente sobre questões cruciais do momento político. Onde buscar razões para a ambicionada confiança?

Há mais. A nação tem imensa dificuldade de entender como podem tantos processos dormir, tirar férias, entrar em remanso e envelhecer nas prateleiras do STF. Num país com tão angustiante necessidade de combater a corrupção não é aceitável que políticos corruptos sejam agraciados com o sigilo sobre seus crimes, a dormição de seus processos e, não raro, a prescrição dos crimes praticados. De que vale a lei da ficha limpa quando a ficha suja encontra abrigo numa gaveta do tribunal e criminosos seguem influenciando a vida do país?

Por fim, uma questão institucional. O ministro Marco Aurélio tem afirmado que o STF se encaminha para ser o Poder Moderador da República…

Vai que dá certo?

Não se ignora a dramaticidade do quadro social, econômico e político no qual Michel Temer terá de operar como futuro presidente da República. Os desafios são imensos. Mas não está escrito nas estrelas que o próximo governo, apropriadamente caracterizado de “emergência nacional”, dará com os burros n’água, como preconizam algumas pitonisas de plantão. Vai que dá certo, como ficam as premonições catastrofistas?

É cedo para avaliações. O novo governo sequer assumiu e encontra-se na fase de costura. Mas seria muita má vontade não enxergar que os primeiros movimentos do atual vice-presidente vão, no essencial, na direção correta. Seu sucesso ou insucesso será medido, principalmente, pelo enfrentamento da crise econômica. E é aqui que Temer dá os primeiros passos de forma acertada.

Há consciência de que é preciso restabelecer a credibilidade da política macroeconômica e a confiança na solvência do Estado, ambas detonadas nos anos de desgoverno do lulopetismo. Fundamentos econômicos sólidos, previsibilidade e credibilidade são pré-requisitos para a atração dos investimentos necessários à retomada do crescimento.

A sintonia fina a ser feita no ajuste fiscal deverá ter exatamente este objetivo e será por aí que a taxa básica de juros pode ser puxada para níveis mais civilizados e entrar em curva declinante, ainda em 2016. Diferentemente do período Joaquim Levy, o provável futuro ministro não está propondo o “ajuste pelo ajuste”, mas sim uma ponte para o resgate da boa política macroeconômica.

Trata-se, portanto, de criar um ambiente favorável à retomada do crescimento, condição essencial para se enfrentar o enorme drama do desemprego, que hoje atinge 11 milhões de brasileiros.
E por onde o crescimento pode ser retomado?

As pistas estão dadas. O foco é um amplo programa de concessões, livre das amarras criadas pelo dirigismo tão presente nos anos Dilma. Em qualquer lugar do planeta, os investidores empregam seu capital onde estejam asseguradas duas condições: regras claras e possibilidade de retorno do investimento.

Um dos graves erros do governo Dilma foi querer definir por decreto taxas de retorno nas concessões, além de impor, em muitos casos, um sócio compulsório aos investidores: o Estado. Vide o caso das privatizações dos aeroportos onde a Infraero se transformou em sócio incômodo dos investidores. Nesses quase seis anos, as privatizações não andaram porque, entre outras coisas, o governo mudava as regras do jogo a toda hora.

A equipe de Temer acena com o fim dessa camisa de força. Isto é positivo. As privatizações podem deslanchar e atrair fortes investimentos.

Outra trilha para crescer é o incremento das exportações, com a adoção de uma política agressiva no comércio exterior visando conquistar novos mercados. Por questões puramente ideológicas, o Brasil nos últimos 13 anos priorizou as relações Sul-Sul, deu as costas aos mercados dos EUA e da União Europeia. Mais grave: ficou imobilizado pela camisa de força do Mercosul, impedido de assinar acordos bilaterais sem o consentimento dos outros países do bloco.

Hoje levamos um banho do Chile, do Peru e do México.

A economia não é tudo e nem mesmo aqui se está perto de vencer a guerra. Aliás, será uma batalha dificílima, a crise econômica não será superada da noite para o dia. E não há espaço para ilusões quanto às resistências a serem enfrentadas na hora de se avançar nas reformas estruturantes e na desindexação da economia e do Orçamento da União.

Tampouco será fácil construir um governo de ampla coalizão sem fazer concessões ao patrimonialismo, ao clientelismo e ao corporativismo, ervas daninhas que tanto prejuízo causam ao país. Talvez esta seja a batalha mais árdua. Tais forças criarão enormes obstáculos a qualquer mudança que ameace seu espaço e privilégios no aparato estatal.

São muitos desafios a serem vencidos em pouco espaço de tempo. Não se espera que a administração Temer consiga resolvê-los de uma só vez. Mas, se avançar nos primeiros passos para a reorganização do país, seu governo já terá dado certo.

Nossa terra em transe

Minha avó sempre dizia: “Toda desgraça tem seu lado bom”. Ou então, “Deus escreve certo por linhas tortas”. Será que Deus, brasileiro, está nos levando a um Bem, através dessa chuva ácida que nos arrasa?”

Temos de encontrar um lado bom nessa crise que atravessamos. O Brasil virou um espelho, refletindo nossa imagem. Isso porque o Brasil não está nas cachoeiras e florestas; o Brasil é uma região interior dentro de nossas cabeças. E, sem dúvida, nossas cabeças estão mudando nesta crise. Hoje, somos atores e espectadores. Não nos interessa nada, nem cinema, nem teatro, nada – só o filme de suspense de nossa vida. Nunca aprendemos tanto quanto nessa novela sem fim. O País está viciado em si mesmo. Nossa crise tem personagens principais, coadjuvantes, vilões, peripécias e a expectativa de se atingir um clímax, que nos seja leve. Estamos viciados até na sujeira que presenciamos. Queremos o excremento, que nos ocultaram por tanto tempo, queremos nos deliciar com esta salada tropical de crimes, sangue, miséria, mentiras.


O verdadeiro golpista foi esse partido que nos desmanchou. O PT deu um golpe que arrebentou o discurso lógico sobre o País. Um golpe de que eles, hoje, acusam os adversários. A mentira virou a verdade oficial dessa gangue que vai deixar o Planalto, graças a Deus. Deixarão um legado de disquetes apagados, de sabotagem de todos os dados, que possam servir ao governo que vai entrar. Eles são o Bem; nós somos o Mal.

Suas ações foram tão incoerentes, tão irracionais, que os fatos superam as interpretações. Explicações políticas ou econômicas não bastam. Para entender a cabeça desses elementos, temos de recorrer à psiquiatria. Movidos por estupidez ideológica (para eles, nem o Muro de Berlim caiu), arrasaram a República. Dizendo-se revolucionários, eles refizeram todos os problemas do Brasil arcaico. Por isso, o Brasil Colônia finalmente ressurgiu, depois das maquilagens da República patrimonialista e das repressões da ditadura. Por isso, muita gente diz que o Brasil é o inferno dos cientistas políticos e o paraíso de jornalistas. Será que sairemos deste trem fantasma para a calma administrativa de uma política normal ou a política anômala vai ficar intacta, como sempre foi, depois do vendaval?

Qual será o “lado bom” desse transe que atravessamos?

Bem, a paralisia terminou, por ora. Haverá cirurgia? A crise cria um suspense, a vida fica mais excitante. Algo está se movendo. A crise foi boa para despertar a sociedade civil, já que ninguém sabia onde estava a sociedade civil. Agora, ela está viva e influindo, dando medo nos congressistas e vagabundos aparelhados.

Do ponto de vista histórico, a crise é boa por ser intempestiva, para ensinar que não há “sentido dialético”, nem “contradições negativas”, nem lógica alguma; o mundo se move em pingue-pongue eterno e injusto. Fica claro que nada tem fim. Nem começo. Nunca teremos harmonia.

A crise também é boa para acabar com grandes euforias, pois ela prova que a Lei de Murphy, ao menos no Brasil, é infalível, mais que as leis do mercado: “Se alguma coisa pode dar errado, ela dará”. A crise desnuda nossa tragédia ibérica. A crise nos lembra que não há solução, que a ideia de solução já é um problema.

A crise é boa para que os intelectuais percam a ilusão do Sentido, a perda da ilusão do controle, que sempre tiveram. A dificuldade de tolerar o impalpável é muito grande. Contudo, talvez isso não seja ruim. A fé excessiva na finalidade avariaram muito nosso pensamento. Os intelectuais (muitos) no Brasil têm uma espécie de saudade de um mundo que já “foi bom”. Mas quando? Durante as guerras, no nazismo, no stalinismo?

Hoje em dia, quando a esperança é mais remota, talvez surja uma reflexão mais finita. A crise desqualifica o futuro e valoriza o presente. A crise exige providências urgentes. Estamos descobrindo o óbvio: que os meios são mais importantes que os fins. Só que não temos meios.

Ou melhor, temos; mas só os descobriremos na prática concreta dos fatos. Sem ideias gerais, sem narrativas dedutivas; temos de pensar indutivamente o concreto, uma prática política de erro e tentativa, pelo aumento da qualidade de vida, sem recompensas metafísicas, um “iluminismo de resultados”, uma luta possível. Mas, para intelectuais orgânicos, partidários, a prática é chata. Eles detestam contas, safras de grãos, estatísticas, tudo que interessa à direita, que ganha sempre.

Por isso, é bom que esteja acabando o romantismo revolucionário dos anos 1960, quando havia uma utopia que substituía o “possível” pelo imaginário. Nós só pensávamos em “universais”, mas, no mundo atual, só existe o singular e o mundial.

Ou seja, as coisas são mais complexas que as ideias. A matéria é mais do que o “espírito”; assim, nossos meios possíveis poderão, então, delinear um fim.

Estamos dentro de um momento histórico importante. Dentro e fora de nossas cabeças.

“Nunca antes”, um partido tomou o poder no Brasil e montou um esquema secreto de “desapropriação” do Estado, para fundar um “outro Estado”. Nunca antes, se roubou em nome de um projeto político alastrante em todos os escaninhos do Estado, aparelhado por mais de 30 mil militantes. Estão, agora, deixando todas as gavetas pilhadas para o Temer se ferrar. Creio que teremos no mínimo um período (cem dias?) de conforto ético. Pode ser que um governo de emergência dê conta do drama.

O perigo atual é que, aos poucos, o rabo do lagarto do atraso possa se recompor.

Com um leve sabor de sacrilégio, acho que só um choque de capitalismo e de participação da sociedade poderão destruir o ‘bunker’ do estamento patrimonialista, que nos anestesia. Não adianta anunciar catástrofes; é preciso ensinar a população a se defender do Estado vampírico. O resto é papo morto.

A crise pode ser uma renascença.

Em nome de Brahma

Essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Lula dela participasse
Rodrigo Janot, em indiciamento na Procuradoria Geral da República

Babel política

Babel, palavra de origem hebraica, significa confundir ou confusão, penso eu. Pois bem, num tempo estranho, mais ou menos como este que estamos vivendo, os homens resolveram construir uma torre alta o bastante para chegarem ao céu, e Deus, então, decidiu intervir, criando diferentes linguagens, de modo que ninguém mais se entendesse. Foi o que aprendi nas aulinhas de catecismo quando, aos nove anos, saí de Salinas para o Internato do Instituto Padre Machado.

Será que não estaríamos revivendo a confusão de Babel, em que ninguém entende ninguém? Dona Dilma, aquela da boca porca, está arrumando as malas para uma viagem de seis meses, crente que vai regressar e encontrar a casa arrumada e o almoço na mesa ao meio-dia.

Não me venham com essa cantilena de golpe. Deviam esquecer isso e acordar para a realidade. Diga-me o leitor, com pureza d´alma, se acredita nisso. Sim, o cansaço pode produzir miríades de absurdos. E mesmo visões, como a que enxerga o também boca porca ex-Luiz, ao se imaginar no Governo em 2018... Mas cansaço de quê? Dessa coisa de “não roubei nada, não há prova de nada, eu não bebo...” Que coisa mais chata! Então essa mulher e esse metido a messiânico do Lula nunca ouviram falar em Lei de Responsabilidade Fiscal, no rombo de mais de 200 bilhões que estão deixando? Quem gasta sem ter o recurso correspondente é, no mínimo, irresponsável. Ah... mas todos fizeram assim... Mentira, alguns procederam assim antes da referida lei, que entrou em vigor no governo FHC dia 04/05/2000. Mas chega de falar de quem não merece sequer consideração. Desejo à presidente que está sendo defenestrada do palácio o mesmo que ela deseja para todos os seus subordinados: o ostracismo. Tchau!

Ao presidente que vai entrar, votos de saúde e discernimento para desatar os nós e rombos que propositalmente foram feitos e estão sendo deixados por um governo incompetente e sempre mal intencionado. Se puder, que o novo presidente facilite as coisas para quem o suceder em 2018, diminuindo os ministérios para 20, no máximo, e propondo emenda constitucional para reduzir o número de deputados para 150, no máximo, e acabar com o senado.

Nós somos hoje um país pobre – que o novo presidente se lembre disso e reduza pela metade as embaixadas no exterior, cuide da educação, melhore como puder a vida dos pobres, aumente os auxílios moradia e saúde, obrigue todos os que trabalham pelo e para o país a tratar os mais humildes com urbanidade. E que diminua os juros para um patamar de gente civilizada: este ano, vamos pagar aos ricos da Europa e dos Estados Unidos mais de 600 bilhões de reais de juros. Isso não é coisa de gente certa, isto aqui não pode continuar como um manicômio...

Dilma já monta o seu 'bunker', mas para quê?

Na minha infância, ouvia muito falar nesta palavra alemã “bunker”, como eram chamados os abrigos subterrâneos, onde minha mãe se refugiava com a família, durante os bombardeios na Segunda Guerra Mundial. Eram lembranças muito tristes, que me marcaram para o resto da vida.

Setenta e um anos após o final da última grande guerra, esta palavra volta ao noticiário, agora no Brasil. Já certa da derrota na batalha do impeachment, Dilma começou a preparar o desembarque do Planalto e a montar um “bunker da resistência” no Alvorada, segundo relato dos repórteres Marina Dias e Valdo Cruz, na Folha desta terça-feira.

Pergunto: vai resistir para quê, resistir contra quem, quais são os seus planos?

Até onde sei, nenhuma força inimiga está preparando um bombardeio sobre o Palácio do Planalto. A guerra política é travada no parlamento e nos tribunais, com acusação e defesa citando a Constituição Federal. Não há no horizonte, até onde minha vista alcança, aviões militares, canhões ou navios de guerra.


São ambiciosos os planos de Dilma para o período em que ficará afastada do poder central. Em nada lembram a retirada discreta de Fernando Collor, quando caiu em 1992, esperando em silêncio e resignação, isolado na Casa da Dinda, pelo julgamento final. A quase ex-presidente quer montar uma estrutura de 15 assessores, mais seguranças, carros oficiais e um avião da FAB, além de manter todas as mordomias do Palácio da Alvorada.

Ao contrário de Collor, que deixou o Planalto pela porta dos fundos acompanhado apenas pela mulher, Dilma está pensando num final grandioso para a despedida, programada para o próximo dia 12, segundo o cronograma do Senado. Quer descer a rampa solenemente ao lado do que restou do ministério de seu desastrado governo que quebrou o País.

Em seus atos de desespero nos últimos dias, a ainda presidente deixou claro que pretende cair atirando, para infernizar a vida do seu sucessor constitucional (e, por tabela, a de todos nós, que pagamos a conta), como fez no 1º de Maio, ao anunciar um “pacote de bondades” que aumenta as despesas e diminui a arrecadação, no apagar das luzes, deixando um rombo perto de R$ 100 bilhões nas contas públicas.

Mesmo que o possível governo Michel Temer fracasse em sua tentativa de ressuscitar a economia brasileira, é consenso no meio político, até no PT, que não há a menor chance de Dilma voltar ao cargo no final dos 180 dias de afastamento. Então, eu só gostaria de entender: para quê tudo isso? Para continuar repetindo ao Brasil e ao mundo que ela está sendo vítima de um “golpe”, colocando em risco a estabilidade institucional?

Jânio e Jango também ficaram esperando que as multidões saíssem às ruas para pedir a volta deles. Morreram esperando.

O fim da história: governo nenhum resiste a tamanha soma de erros

Naquela noite amena de domingo, quando a Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff, tanto o ex-presidente Lula quanto o vice-presidente Michel Temer tinham certeza de que o resultado era mais do que previsível. Era certíssimo. Lula, por saber que cometera o maior erro político de sua longa vida pública ao escolher Dilma para sucedê-lo. Temer, por saber que governo nenhum resiste a tamanha soma de erros. Não houve um irmão, como no caso de Fernando Collor, que, de repente, por acaso, saiu contando as peripécias presidenciais nas páginas da revista “Veja”. O acaso foi a própria Dilma. Ela jamais deveria ter sido escolhida.

Com impressionante regularidade, Dilma Rousseff solapou todas as suas possibilidades de ter sucesso como presidente da República. E, com seu retumbante fracasso, enterrou o sonho das esquerdas brasileiras. Vai desalojar milhares que vivem de verbas públicas por meio de convênios. Causará maciço desemprego entre os ocupantes de cargos de confiança. Abalará a receita das centenas de pessoas que trabalham em conselhos de estatais. Muitas delas, nem eu, nem o leitor sabemos que existem.

A ironia das ironias é que Dilma conseguiu fazer o que a oposição jamais teve ou teria competência para fazer: destruiu o lulopetismo. Arrasou a competitividade do PT e, provavelmente, acabará com qualquer possibilidade de Lula voltar a ser presidente da República. É evidente que ela não tem culpa sozinha. Outros fatos contribuíram para a derrocada. O julgamento do mensalão e a instalação da operação Lava Jato, que desvendaram as entranhas do capitalismo tupiniquim, foram decisivos. E revelaram, também, os equívocos cometidos nas relações com o mundo privado.

Porém, quando Lula se encantou com aquela ministra séria, assertiva, ríspida e compenetrada, que sabia de tudo e era ótima nas apresentações, foi o começo do fim. A possibilidade de ser colocada na Presidência adoçou a dura Dilma. A doença que teve de enfrentar e, até mesmo, a solidariedade em torno do fato pareciam que amoleceriam a alma de ferro da candidata.

Foi por pouco tempo. O poder, literalmente, subiu a sua cabeça. Não apenas à dela, mas à de alguns outros também, que demoliram o lulopetismo com doses cavalares de inconsciência. O número 1, sem dúvida, foi Arno Augustin, magistral artífice das mágicas contábeis. Uma espécie de Mister M das contas públicas.

Lula bem que tentou, mas, fragilizado pela própria doença e pela retumbante popularidade de Dilma, nada pôde fazer. O “volta, Lula” veio tarde. Ele tentou emplacar Henrique Meirelles no Ministério da Economia em 2013. Avisou que o Conselhão tinha de funcionar e que as reuniões do conselho político com líderes e presidentes de partidos deveriam ocorrer semanalmente. Avisou que as emendas dos parlamentares ao Orçamento, mesmo da oposição, deveriam ser em grande parte executadas. Avisou tudo. Não serviu para nada.

Dilma será afastada do governo e a ele não deverá voltar. Foi inacreditavelmente incompetente para pilotar a mais poderosa Presidência da República do mundo ocidental. Afinal, o presidente do Brasil é dono de 50% do sistema financeiro nacional, emprega discricionariamente mais de 30 mil pessoas, usa e abusa de medidas provisórias e executa o Orçamento da União a seu bel-prazer. Enfim, o presidente da República do Brasil, por nossas omissões e ignorâncias, tem todos os instrumentos para ser um ditador benevolente. Nem assim ela conseguiu se manter.