sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Brasil virou fatia


Lula e Bolsonaro parecem diferentes mas são o eterno retorno ao mesmo

Não há grande diferença, na forma que as demarca e limita, entre a orientação ideológica de Jair Messias e a de Luiz Inácio. Há entre elas diferenças, e outras serão reveladas com o passar do tempo e a consciência social e política de suas respectivas fragilidades governativas. Aquilo que não cabe no que deveria ser um governo propriamente dito.


Luiz Inácio via mais, mas a ideologia das certezas definitivas o fazia ver “torto”. Jair Messias também vê torto, mas vê menos, na incerteza errante de sua ideologia do inacabado e inacabável. O que os aproxima é que ambos têm como referência de suas visões de mundo o passado. Mas passados de cronologias diferentes.

O calendário de Luiz Inácio é pretensioso, começa no descobrimento do Brasil. O Brasil do “nunca antes neste país” é o nunca antes de quem governa olhando para trás, comparando-se com os instantes ultrapassados de um país que se transformou profundamente ao longo dos 500 anos de sua história. Nesse longo período histórico, Lula só vê o negativo de um país que, aparentemente, estava à espera da sua chegada ao poder para transformar os pobres em classe média. De certo modo, a religiosidade do próprio povo brasileiro o transformou em profeta que veio vingar as maldades e omissões do rei, do poderoso, do Estado. Coisa de um povo que ainda espera o retorno do rei dom Sebastião para salvá-lo.

O calendário de Jair Messias também é linear e destemporalizado. É o do contratempo, o do tempo sem história e sem historicidade, sem a premissa do futuro, o tempo de uma nota só. O do governante que governa em nome do passado, mas outro passado, mais curto. O do Brasil que deveria ter parado no término da Segunda Guerra Mundial e no começo da Guerra Fria. Não o Brasil da luta contra o nazismo e o fascismo, como na batalha de Fornovo di Taro, na Itália, a da rendição de uma divisão alemã inteira às tropas brasileiras. O Brasil que deu o sangue e a vida dos expedicionários da FEB, no sacrifício ritual dos combates pelos direitos do homem.

Muitos daqueles expedicionários adormeceram no silêncio da brisa da campina do cemitério brasileiro de Pistoia. Pedaço da pátria lá longe, onde ainda hoje tremula nossa bandeira, a bandeira da lembrança, não a bandeira do esquecimento da história, não a das mistificações ideológicas. Lá, o Brasil combateu a direita, que hoje aqui se exalta, combateu o genocídio bestial dos campos de concentração e dos fornos crematórios nos quais a condição humana foi transformada em cinzas.


O tempo do Brasil da era de Jair Messias é outro e curto, diverso do de Luiz Inácio, começa e acaba na Guerra Fria. É o da guerra ideológica, não a guerra de soldados de verdade em defesa da pátria e da condição humana. É o tempo da governação contra o passado antagônico ao que deseja, visto desde uma janela de quartel. De quem veio para vingar o que ele supõe ter sido o injusto fracasso do regime militar. Enche de generais a máquina do Estado, o que é interessante apenas na medida em que, no geral, os altos oficiais das Forças Armadas já não são os herdeiros tardios do tenentismo, os atores do golpe de 1964. O regime que então implantaram não teria feito o “serviço” completo, a repressão plena, o silenciamento absoluto das vozes das diferenças sociais, da pluralidade social e da consciência crítica e esperançosa. São os generais de outro momento da história, o da abertura política e da conciliação.

Até aqui, as falas e ações do governante vão no sentido de uma vontade de poder cujo objetivo é atrelar o futuro a um passado de quartel, aquartelar as novas gerações num presente sem futuro. O mesmo da guerra perdida num passado obscurantista e sem glória. Nas guerras sempre se perde, mesmo ganhando. Pelo que destroem, as guerras mudam as sociedades em nome das quais são feitas.

O Brasil que saiu do regime de 1964 não foi o Brasil que os militares quiseram criar. As iniquidades cometidas, como a tortura, a supressão de vidas, a prisão dos discordantes e dos opositores, apenas indicaram a estreiteza de visão dos vencedores. Como agora, combateram meros e inúteis rótulos para matar ideias que não conheciam. Tinham medo da liberdade, do cidadão, dos que trabalham e dos que pensam. Combateram não em nome da pessoa, mas pela precedência da riqueza privada, livrando-a da precedência da pessoa em relação à coisa.

Luiz Inácio e Jair Messias parecem diferentes, mas são o eterno retorno ao mesmo, à reprodução sem inovação. Sísifo no esforço inútil de subir a montanha da história, a de nossas adversidades sociais e políticas, para cair e reiniciar a busca sem fim. Ambos não sabem, mas são patronos de um Brasil que parte sempre e não chega nunca.

José de Souza Martins

Descobrimento

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.


Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.
Mário de Andrade

Soberania em Nova York

Os discursos de presidentes brasileiros são ouvidos com frieza na ONU. É a abertura da sessão, quase uma formalidade. O de Bolsonaro tende a ser uma exceção. Não por suas qualidades oratórias, mas pelas circunstâncias que o cercam.

Leio que o tom do discurso será conciliatório, com ênfase na defesa da soberania. Um tom conciliador é sempre bem recebido. O próprio conceito de soberania nacional, embora definido há séculos por Jean Bodin, foi ratificado no pós-guerra pela ONU ao reconhecer o direito de autodeterminação dos povos.

Em termos diplomáticos, Bolsonaro tem dito barbaridades, se consideramos que fala pelo País. Zombou da mulher de Macron, ironizou a Alemanha, criticou a Noruega e defendeu a ditadura de Augusto Pinochet. Pesa contra ele, também, sua desconfiança da ONU e de instrumentos internacionais, incluídos os que trabalham com as mudanças climáticas.

Embora outros biomas, como o Cerrado e o Pantanal, estejam igualmente em chamas, a questão da Amazônia é a mais importante. O exercício da soberania nacional sobre um governo que administra uma extensa área indispensável ao planeta coloca inúmeras questões.


Como se vê a soberania no Brasil? É um debate que existe também nos EUA. Nele, ambas as partes defendem a soberania. Mas uma delas a vê fortalecida com a cooperação internacional e a outra, com o isolacionismo. Como Bolsonaro navegará entre esses polos não sei exatamente.

O conceito puro de soberania vem sendo questionado. Lembro-me da primeira menção a esse questionamento numa conferência na Holanda. Já naquele momento Mitterrand experimentava a expressão soberania limitada, aplicável em pelo menos dois setores: a destruição do meio ambiente e o desrespeito maciço dos direitos humanos.

Agora, no cenário norte-americano, vejo uma nova forma de questionar a soberania. Enquanto alguns senadores falavam em boicote comercial, alguns articulistas e acadêmicos afirmaram que a destruição da Amazônia é um ataque à segurança nacional dos EUA. Um deles afirmou que as queimadas podem ser vistas como arma de destruição em massa.

Tudo isso se dá no campo democrático. Mas é o que vai disputar as eleições com Trump e, segundo as pesquisas, com chances de vitória, embora seja muito cedo para falar disso.

Aos poucos, a questão não é mais o conceito de soberania a ser questionado, mas posto contra outro de grande alcance nos EUA: a segurança nacional.

A expressão arma de destruição em massa certamente é um cálculo sobre os prejuízos humanos e ambientais. Pode-se discordar da análise. Mas o fato é que se trata de uma expressão perigosa, o Iraque que o diga. Com ou sem armas de destruição em massa, Saddam Hussein foi para o espaço.

Bolsonaro já é uma espécie de vilão na imprensa internacional. Trabalhou para isso e parece não se importar muito com as consequências para a imagem do Brasil. Afinal, os estrangeiros não votam.

A julgar pelas intervenções do ministro Ernesto Araújo, o tom será de negação das mudanças climáticas, inexistentes ou exageradas. Segundo ele, a Nasa não consegue distinguir uma queimada de uma fogueira. Seus sensores devem pirar no Nordeste com as festas juninas.

Li que Araújo será o principal formulador do discurso. Li, também, que Araújo consultou Steve Bannon para se inspirar. Bannon certamente vai querer fortalecer uma coalizão de extrema direita da Hungria ao Brasil, passando por partidos como o de Marine Le Pen, na França, e pela extrema direita latino-americana. Se isso transparecer no discurso de Bolsonaro, será um contrabando, uma vez que o partido de Bolsonaro pode ser de extrema direita, mas a política nacional, não. É a mesma cantilena do passado, a dificuldade no governo do PT de levar uma política internacional diferente da visão partidária.

Esta passagem por Nova York, embora breve, é um teste para Bolsonaro, com repercussões em nossa vida política. Ele já pensou em visitar a cidade em outras circunstâncias. Numa delas, iria ao Museu de História Natural, onde seria homenageado. Foi rejeitado.

Imagino que as pessoas em Nova York não se importem muito com o que acontece na ONU nem se interessam pelos discursos que se fazem ali. Mas desta vez, creio, a presença de Bolsonaro falando como presidente do Brasil interessa aos jornais e à televisão. Impossível prever um desfecho, mas dentro dos limites é possível elaborar sobre o contexto em que esta fala de Bolsonaro se coloca.

Lembro-me das críticas a Sarney por citar um obscuro poeta maranhense no seu discurso na ONU. Pecado venial, mesmo porque não estavam prestando tanta atenção assim a um discurso protocolar. Os tempos de terraplanismo, negação do aquecimento global, da diversidade da culturas – enfim, tantas armadilhas – podem nos fazer sentir saudades dos tempos em que o único reparo era o nome de um poeta maranhense.

Um caminho que me parece correto seria reconhecer a legitimidade da preocupação internacional com a Amazônia, e não descartá-la apenas denunciando interesses escusos. Outro passo seria contar com a cooperação de outros países para preservá-la de forma sustentável e inclusiva.

Não há contradição entre cooperação multilateral e soberania, desde que os objetivos sejam idênticos: manter a floresta em pé, recompor parte dela, explorar seus recursos de forma sustentável, melhorar as condições de 28 milhões de pessoas em nove Estados do País.

Esta me parece ser a posição de todos os governadores da Amazônia Legal. Falando em nome do Brasil, Bolsonaro não pode ignorá-la. E teria de defendê-la de forma bastante convincente, pois todos os olhos e ouvidos são conhecedores de sua biografia política.

Estarão esperando um lance para reconhecerem o Bolsonaro que têm na cabeça. Seria preciso que desaparecesse por trás de um discurso sensato. Mas tenho minhas dúvidas.

Caso Bezerra cobra de Bolsonaro uma definição

Jair Bolsonaro ainda não percebeu. Mas seu governo vive um desses momentos em que o presidente precisa tomar uma decisão definitiva. O que Bolsonaro definir será o governo dele. Está em curso uma reação da velha oligarquia política contra o esforço anticorrupção deflagrado há cinco anos. Bolsonaro precisa definir de que lado vai ficar. A batida policial na residência e no gabinete do senador Fernando Bezerra, líder de Bolsonaro no Senado, é mais uma evidência de que, no momento, o presidente está do lado errado.


Vale a pena reproduzir dois comentários sintomáticos. O advogado do investigado declarou que "causa estranheza à defesa do senador Fernando Bezerra Coelho que medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos [...]. A única justificativa do pedido [de busca e apreensão] seria em razão da atuação política e combativa do senador contra determinados interesses dos órgãos de persecução penal". Ou seja, Bezerra acha que a PF se vinga dele porque ele age para domar os órgãos de persecução penal.

Onyx Lorenzoni, o chefe da Casa Civil, declarou que essa "é uma situação relativa a fatos passados", quando Bezerra era "ministro de um governo anterior. Nesse momento, o que o governo tem a fazer é aguardar. É uma questão individual dele, da vida pregressa dele. Ele vai ter que esclarecer junto às autoridades", disse Onyx. Quer dizer: o Planalto avalia que, nesse momento, o melhor a fazer é lavar as mãos. Mesmo que o resto permaneça sujo.

Onde o governo vê atenuantes não há senão agravantes. Não importa saber que as embrulhadas do senador vêm de outro governo. O mau cheiro era conhecido. E ninguém foge do fedor abraçando um gambá. O pior é que Bezerra não é o único. Há na Esplanada ministros investigados. Há até um ministro condenado por improbidade. Há na casa dos Bolsonaro um filho sob suspeita de peculato e lavagem de dinheiro.

Ao lado de tudo isso há um presidente da República que precisa recitar o CPF e o RG todas as manhãs, ao fazer a barba, para se certificar de que ele é o que diz ser e não o impostor que a conjuntura desnuda.

Pensamento do Dia


O agronegócio pode crescer sem desmatar?

A crise provocada pelas recentes queimadas na Amazônia acendeu um alerta no agronegócio brasileiro. O setor, que tem participação fundamental na economia brasileira e no fornecimento internacional de alimentos, está sob pressão inédita: a de conciliar o aumento de produção com a preservação do meio ambiente, incluindo a maior floresta tropical do planeta. É possível?

Uma sinalização positiva foi dada neste mês, por um porta-voz influente do setor. Ex-presidente da Petrobras, Pedro Parente está à frente do conselho de administração da BRF, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, dona das marcas Sadia e Perdigão. Em evento da revista Exame, ele defendeu a expansão do setor pela via da produtividade.

"Não é preciso cortar uma árvore da Amazônia para aumentar a produção e a participação do país como um celeiro importante no mundo. Há 200 milhões de hectares de pasto que podem ser transformados. Temos uma pecuária muito extensiva, que pode ser mais intensiva. Não há razão para não querer preservar a Amazônia", disse.

Um relatório divulgado em 2016 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indica que, entre 1990 e 2005, 71% do desmatamento na América do Sul foi motivado pela demanda por pastos. No Brasil, o índice chegou a 80%.


Somente na Amazônia, a pecuária já abandonou entre 170 mil e 200 mil hectares de terra. Os números refletem um modelo extensivo, em que a vida útil da terra está condicionada ao ciclo da pastagem, que varia de sete a dez anos. Ao fim desse período, o produtor inicia outro ciclo de desmatamento em um novo local.

O agronegócio brasileiro vem tendo melhorias progressivas nos índices de produtividade, com uma média de crescimento de 3,5% ao ano nesse indicador. O dado revela uma tendência positiva, de expansão por incremento tecnológico, sem a necessidade de ocupar novas áreas.

Hoje, a produtividade do cultivo de grãos no Brasil está próxima à observada nos Estados Unidos. Na safra 2018-19, chegou a 3,2 toneladas por hectare para a soja, taxa ligeiramente inferior ao índice de 3,5 dos EUA.

Na região Norte, porém, a realidade é distinta. Estudos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) mostram que estados como Tocantins e Pará apresentam coeficientes de produtividade negativos, o que seria um indicativo de um modelo de expansão do agronegócio baseado no aumento da área ocupada.

Dados do último Censo Agropecuário do IBGE mostram que, entre 2016 e 2017, os estabelecimentos pequenos, com até 100 hectares, foram osos que mais tiveram aumento na região (32,6%). Na avaliação de José Garcia Gasques, coordenador-geral de Estudos e Análises da Secretaria de Política Agrícola do Mapa, o fenômeno preocupa.

"A implantação desse tipo de estabelecimento já envolve uma derrubada e fogo. Todos os anos, tenta-se expandir um pouco o tamanho da área, sempre por queimada", explica.

A mais recente pesquisa do IBGE sobre a Produção Agrícola Municipal (PAM) indica uma participação cada vez maior das commodities na região. Em 2018, a soja respondia por 44% do valor da produção no Norte. A mandioca, que liderou por vários anos o indicador, aparece com 27%, enquanto o milho é responsável por 10%.

"O que está puxando a expansão é a busca por áreas maiores, especialmente para a pecuária. O atrativo é o preço baixo das terras, por vezes 20% do valor médio nacional", diz o coordenador do Mapa.

O impacto ambiental é apenas uma das consequências da utilização de modelos de agronegócio arcaicos. A manutenção de práticas extensivas pode ter um grave impacto econômico para os pecuaristas que não modernizarem suas produções.

"Pelas taxas de produtividade atuais, 40% dos pecuaristas brasileiros estarão fora do negócio em dez anos", avalia o zootecnista Ricardo Reis, que coordena estudos na Universidade Estadual Paulista (Unesp) sobre ganhos de produtividade na pecuária.

Reis preocupa-se com exigências de qualidade e sustentabilidade cada vez mais rigorosas feitas pelos compradores dos mercados internacionais, sobretudo europeus. Cerca de 90% dos animais abatidos no Brasil são criados de forma extensiva, em idade avançada para os padrões do segmento.

Além disso, a utilização de modelos rotativos, que permitem integrar a pecuária à produção de grãos, trouxe aos pecuaristas a concorrência de agricultores que utilizam parte de suas terras para a pecuária durante certo período do cultivo, com ótimo desempenho.

A alta produtividade observada na "fração moderna" do agronegócio brasileiro é resultado de um longo trabalho de pesquisa conduzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Criada há 46 anos, a instituição teve papel fundamental na melhoria dos indicadores de produtividade do campo no Brasil, extremamente baixos algumas décadas atrás.

O desenvolvimento de sistemas como o Plantio Direto e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, além da manipulação genética da soja, que não se adaptava ao clima tropical, foram determinantes para a modernização e incremento produtivo da agropecuária no Brasil.

Apesar dos avanços significativos, os ganhos de produtividade não garantem que a expansão do agronegócio se dê apenas por essa via. Com maior rentabilidade da terra, a expansão geográfica pode ser um desdobramento, como se observou em Rondônia nos últimos anos, sobretudo no segmento de laticínios.

"A visão ecossistêmica não é dominante no agronegócio. Ainda predomina um olhar expansionista, inclusive na ala dita moderna, que expande a soja infinitamente. Eles só não expandem onde o trator não entra e eliminam a vegetação original", avalia Carlos Nobre, climatologista aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e atualmente ligado à Universidade de São Paulo (USP).

Para o cientista, existe no Brasil uma cultura de valorização das propriedades rurais desmatadas. "Se você respeitou totalmente a lei, e menos de 20% da propriedade foi desmatada, sua fazenda tem um valor inferior ao de uma que desrespeitou a lei e desmatou 50%", comenta.

Elísio Contini, chefe da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa, acredita que esteja em curso uma mudança na relação dos produtores brasileiros com a terra.

"Minha percepção é que essa tendência patrimonialista está se retraindo, especialmente dos médios produtores para cima. Eles percebem que podem ganhar mais se cuidarem bem da área que possuem", pontua.

"O Brasil tem uma agricultura ainda não estabilizada, do ponto de vista geográfico e tecnológico, mas está caminhando rapidamente para ter uma produção mais eficiente", acrescenta.
Deutsche Welle

Amazônia - O Despertar da Florestania

Desigualdade à brasileira

Recentemente, o apresentador Luciano Huck alertou uma plateia de empresários para os perigos da nossa desigualdade social. “Se não fizermos nada, o país vai implodir”, previu. Há quem ache que se trata de um falso alarme. Afinal, países dificilmente implodem, salvo em casos de invasão ou revoluções.

Outros argumentam que a própria meta de redução das diferenças carece de sentido. No entender destes, o que realmente conta é a diminuição da pobreza na qual estão imersos milhões de patrícios. Afinal, se eles conseguissem alcançar um nível de vida decente, as fruições da parcela dos muito ricos seriam irrelevantes.

O raciocínio parece sensato. Talvez não seja.


No Brasil, as desigualdades de renda e patrimônio são imensas e duradouras. Sua trajetória e os dados que a comprovam estão no excelente livro “Uma história de desigualdade – a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013”, de Pedro H.G. Ferreira de Souza, pesquisador do Ipea.

O trabalho deixa claro que o Brasil não é só uma nação desigual entre tantas outras, mas ocupa lugar especial entre aquelas para as quais há dados confiáveis. Só aqui e no Qatar, o país mais rico do mundo por habitante, graças a suas reservas de gás, 1% do topo da população se apropria de mais de 1/4 da renda total. Cerca de 1,4 milhão de brasileiros abocanha aproximadamente o mesmo naco da riqueza nacional que os 102 milhões do contingente dos 50% mais pobres.

Dito de outro modo, o grupo dos 10% mais ricos detém pelo menos 35% da renda nacional. Seria preciso crescer a taxas muito elevadas durante muito tempo para que a pobreza fosse vencida sem alguma redistribuição dos mais para os menos afortunados.

A concentração de renda cria seus próprios mecanismos de perpetuação. Ela também associa-se e com frequência reforça outras expressões de desigualdade: no padrão dos serviços sociais recebidos por uns e outros, nos equipamentos urbanos disponíveis, no acesso à Justiça, no tratamento que merecem dos agentes públicos, no respeito aos direitos individuais —tudo confluindo para uma convivência social embrutecida e violenta.

É possível que o Brasil tenha perdido a oportunidade de se tornar um país socialmente menos iníquo e um tanto mais decente. Mas, como não podemos saber ao certo, é importante que os vexames da desigualdade e da pobreza —banidos do horizonte da profana aliança dirigente entre economistas ultraliberais, os porta-estandartes do atraso cultural e o populismo de extrema direita— voltem a ocupar espaço no discurso do centro político.
Maria Hermínia Tavares de Almeida

Um Congresso muito indecente

Deve estar no DNA dos congressistas brasileiros. A maioria mete a mão grande no nosso bolso. As digitais estão ali. Não importa quem esteja no comando. Finda a era de José Sarney, Renan Calheiros, Michel Temer e Eduardo Cunha nas duas Casas, agora temos dois novatos, que poderiam fazer história, moralizando a farra dos gastos num país alquebrado. Mas não.


A composição é em dó maior e em proveito de si próprio. Um finge recuar, diante da pressão da opinião pública. Mas aí o outro desafina. Dá uma inflada nas despesas e uma maneirada nas punições a perdulários ou réus. Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, o que os partidos estão pedindo na Câmara e no Senado para o fundo partidário e o fundo eleitoral é obsceno. O rubor sobe às faces. A família brasileira, tradicional ou não, é contra dar ainda mais grana e mais folga para políticos. 

Rodrigo Maia é um homem sensível. Chora quando fala do pai, do filho varão, quando é promovido ou aprova reformas. Acho bonitinho. Se fosse mulher, iam atribuir o choro à fragilidade feminina. Como é homem, todo mundo se comove. Davi Alcolumbre não chora e suas ações são medidas para agradar a família Bolsonaro. A maior subserviência de Alcolumbre é sua campanha pela indicação do Eduardo-Mãos-no-Coldre a embaixador em Washington. 

Maia tem 49 anos e é católico. Alcolumbre tem 42 anos e é judeu. Ambos são do DEM. E gordinhos. Nenhum tem curso superior. Maia, ex-bancário, é mais articulado. Sua história política é alentada, nasceu no Chile, no exílio de seu pai Cesar, consultor e mentor. Alcolumbre, ex-comerciante, vem do Amapá e do PDT. A presidência do Senado caiu em seu colo porque ninguém queria mais Renan Calheiros. E porque Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil de Bolsonaro, o apoiou. 

Maia e Alcolumbre não são velhas raposas. São novas raposas. Se discordam, minimizam. Como disse Maia, eles são “irmãos siameses”, não há possibilidade de “traição” entre os dois. Mas a sociedade não suporta mais essa casta de engravatados com regalias e gula. Sempre foi assim. Não precisava continuar a ser assim.

O Congresso Nacional gasta R$ 10,8 bilhões por ano. É o segundo mais caro do mundo. Perde apenas para os Estados Unidos. São quase R$ 30 milhões por dia pagos pelos cofres públicos (ou seja, nós). Trabalham mais de 25 mil pessoas no Congresso. Há senador com séquito de 78 servidores, trabalhando só para ele. Trabalham mesmo? Cada congressista brasileiro custa seis vezes mais que um parlamentar francês. Os dados são da União Interparlamentar, em pesquisa em parceria com as Nações Unidas.

Os penduricalhos são fatais. Auxílio, cota, extras inadmissíveis extensivos a toda a família, num país com 13 milhões de desempregados. Esse pessoal não vive no Brasil. Trafega de carro blindado ou helicóptero, sai de suas mansões com segurança computadorizada direto para o gabinete ou para o aeroporto. E não está nem aí. O Congresso nunca enxugou seu orçamento. Só aumentou. E em cima do sacrifício da nação. 

Vamos repetir em alto e bom som. É indecente o Congresso brasileiro ser o segundo mais caro do mundo. E votar por gastar mais, desafiando a sociedade sofrida. É indecente o Fundo Partidário ser usado para pagar multas por infrações e financiar advogados de congressistas. É indecente o Congresso propor aumentar o Fundo Eleitoral de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,7 bilhões para financiar campanhas. Muito fundo para uma sociedade sem fundo algum.