sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Cobra na rua

O tempo passa, o mundo gira, a tecnologia tornou o homem de hoje mais bem informado do que jamais foi desde que escrevia nas paredes da caverna, mas continua não existindo no universo força alguma capaz de fazer a humanidade saber com um mínimo de exatidão o que acontece no Brasil. Entenda-se, aí, os países bem-sucedidos — aqueles com renda per capita acima de 40 000 dólares por ano, acostumados a viver sob o império da lei e capazes de ganhar prêmios Nobel em assuntos sérios como física, química ou economia. Dos demais, é inútil falar. Nem sabem onde fica o Brasil e, quando por acaso ficam sabendo de alguma coisa, nunca se interessam em saber mais. Nossa real carência, desde sempre, é o vasto pouco-caso que o mundo civilizado demonstra em informar-se um pouco melhor sobre o Brasil. É desagradável. Naturalmente, isso não torna o Brasil pior do que é, nem melhor — e, além disso, a imensa maioria da população não se incomoda nem um pouco com a desinformação do mundo externo a nosso respeito. Se milhões de brasileiros não conhecem os fatos mais rudimentares sobre o próprio país, por que raios iriam lamentar a ignorância dos suecos ou dos esquimós a respeito do que acontece aqui? Mas, para o Brasil mais instruído, que foi à escola, viaja e conversa sobre política, esse desinteresse universal é uma coisa que incomoda. Justo hoje, no prodigioso mundo da comunicação absoluta em que vivemos? É humilhante.

O mundo desenvolvido, hoje, não é ignorante das mesmas coisas que ignorava no passado, como resultado direto do que sua grande imprensa escrevia sobre o Brasil. Mas, por causa do que essas mesmas fontes lhe dizem atualmente, continua imaginando que existem por aqui os fenômenos mais extraordinários. Já não se fala mais, hoje em dia, que há cobras gigantes no meio da rua em Copacabana, que o brasileiro passa a vida dormindo nas calçadas com um sombreiro mexicano na cabeça, nem que a capital do Brasil é a cidade de Bolívia. O que mudou foram as áreas sobre as quais a mídia internacional joga os seus fachos de escuridão. Fiel ao espírito dos tempos, a ignorância de hoje tornou-se politicamente correta. Não há mais interesse em dizer que você pode ser comido por uma onça ao atravessar o Viaduto do Chá. O que excita o comunicador de Primeiro Mundo, agora, é a divulgação do disparate com conteúdo político e social; isso faz parte dos seus deveres de soldado da resistência mundial em favor dos mais pobres, da igualdade, da preservação da natureza etc. etc.


A cobra de Copacabana na versão de 2018 é a lenda, promovida à categoria de verdade científica pela melhor imprensa internacional, segundo a qual o ex-presidente Lula é um “preso político”. Anda de mãos dadas, nas mesmas páginas, com a fábula de que houve um “golpe de Estado” no Brasil, que derrubou a presidente popular Dilma Rousseff e age, no momento, para impedir que Lula concorra à eleição presidencial de outubro próximo. Praticamente não se diz, em nenhuma notícia, que Lula está preso porque foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em processo legal iniciado com a sua denúncia, em setembro de 2016, e concluído com a sua condenação definitiva, em janeiro de 2018. É quase impossível, da mesma forma, encontrar qualquer menção ao fato de que o ex-presidente usou durante esse período todos os meios de defesa possíveis na legislação universal; contestou todas as decisões do juízo, apresentou dezenas de recursos e não foi capaz de demonstrar, em nenhum momento, a mínima irregularidade legal no seu julgamento. Também não se diz, em lugar nenhum, que Dilma foi deposta pelo voto de quase três quartos do Congresso Nacional, após um processo de impeachment monitorado em todos os detalhes pelo Supremo Tribunal Federal — e durante o qual não se encontrou até agora uma única ilegalidade de fundo ou de forma.

O que a imprensa mundial diz ao público é que Lula está preso porque lidera “todas as pesquisas”; se estivesse solto, seria candidato a presidente e ganharia a eleição, e “não querem” que isso aconteça, porque ele voltaria a ajudar os pobres. Quem “não querem”? E o que alguém ganharia ficando contra “os pobres”? Não há essas informações. Também não há nenhuma palavra sobre o fato de que a presidência de Lula foi o período de maior corrupção já registrado na história mundial — realidade comprovada por delações, confissões e devolução de bilhões em dinheiro roubado.

Mas e daí? Ninguém está ligando para o Brasil como ele é. O Brasil do Zé Carioca é muito mais interessante.

Vamos virar pó

Em 10 anos, se não fizermos nada, veremos mais desigualdade econômica.
(...) Em 40 anos nos arriscamos a perder completamente o controle do planeta para as mãos de um pequeno grupo de gente que desenvolve a IA. Esse é o cenário catastrófico
Max Tegmark, professor do MIT e diretor do Future of Life Institute  

O PT e o ritual fúnebre

O PT tem uma capacidade inimitável de transformar momentos tensos da história em instantes de festa e discurso. Nesta quarta-feira foi assim. Ao registrar a candidatura natimorta de Lula, os líderes e a militância do PT fizeram parada, marcharam de mãos dadas, sorriram abertamente e fizeram sinais da vitória olhando nas lentes de fotógrafos e cinegrafistas.

Para ser simpático, pode-se dizer que se tratava de luta política.O partido dos trabalhadores já trilhou inúmeras vezes este caminho. A tática é produzir muito barulho, fazer bastante espuma, para ao final das contas recuar e adotar outro papel:o de quem foi derrotado por forças retrógradas. Claro, porque todas as forças progressistas estão com o PT, acredita o inacreditável PT. No Congresso, desde a sua primeira bancada de oito deputados, o partido age assim.

Hoje, com recursos de forças sindicais e sobretudo do MST, o barulho é ainda mais falso. Os dez mil manifestantes que foram a Brasília pedir o impossível, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dê registro a uma candidatura ilegal, obedeciam a comandos. Foi-se o tempo em que militantes de verdade empunhavam bandeiras e vestiam camisetas com a estrela e saiam felizes pelas ruas das cidades acreditando que seu partido mudaria o Brasil.
O PT saiu nesta quarta-feira de Brasília menor do que entrou. Cumpriu um ritual fúnebre ao apresentar solenemente à Justiça a candidatura de um homem impedido pela lei de se candidatar e que está cumprindo sentença por corrupção e lavagem de dinheiro em regime fechado. Mesmo que a lei fosse ignorada, Lula ainda terá de cumprir pelo menos um sexto da pena. Significa, imaginem o absurdo, que se eleito fosse comandaria o Brasil até abril de 2020 desde a cela da PF em que está trancado em Curitiba.

No fundo, para os efeitos práticos, o PT sabe que o que vale é a candidatura de Fernando Haddad. Não foi por outra razão que o ex-governador da Bahia Jacques Wagner pediu num almoço com a cúpula para o partido colocar logo o nome de Haddad nas ruas. Mais inteligente e pragmático que a média da sua turma, Wagner sabe que o PT arrisca o seu futuro ao permanecer fazendo política estudantil em momentos cruciais da vida nacional.

Pensamento do Dia


Feios, brutos e malvados

Semana passada decidi que ia dar um tempo em esculachar os políticos e os partidos porque aprendi com Manuel Castells que a luta agora não é mais esquerda X direita, mas entre partidos democráticos, ainda que corruptos, contra o extremismo autoritário. Mas, com o Supremo estourando salários e soltando bandidos, a Câmara arrebentando o Orçamento, não dá para aguentar. São eles que estão abrindo caminho para o extremismo autoritário.

Rita Lee cantava em “Ôrra meu!” que roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido, mas atualmente eles parecem ursinhos carinhosos diante da galeria tenebrosa dos políticos estrelada por figuras como Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Valdemar Costa Neto. Qual o mais assustador?

Oscar Wilde tinha razão ao dizer que “só os espíritos levianos não julgam pelas aparências”. Cada um tem a cara que merece. Não baseada em ideais de beleza, mas como reveladora da personalidade e do caráter. Olhem bem para Temer e Crivella. Maluf e Garotinho. Jader Barbalho, Waldomiro, Picciani, quem vê cara, vê muito mais do que coração. Contra esses, nem é preciso provas: está na cara.

A Lava-Jato e a sua galeria de bandidos dariam razão ao famoso médico e criminologista italiano Cesare Lombroso, que defendia que a aparência de criminosos não engana. As caras não mentem. As fotos dos parlamentares investigados que os jornais publicam diariamente mais parecem um painel de procurados pela polícia. Quem bate os olhos não tem dúvidas. Tem medo. Gim Argello, André Vargas, Vacarezza. É a feiura interior se revelando nas máscaras desses vilões.

Todo mundo já viu aquela foto de deputados no plenário vibrando e comemorando alguma votação que ganharam. Chega a dar medo. Punhos cerrados no ar, bocas escancaradas em gritos selvagens, barrigas para fora dos paletós, olhos esbugalhados, cabeleiras mal pintadas, que gente feia, meu Deus! Dizem que eles são os representantes do que somos, que cada povo tem o Congresso que merece. Pode até ser, mas nós não somos tão feios.

A saga dos moradores de rua em São Paulo por um copo d'água

O termômetro marcava 13ºC quando Maria Elisabete da Silva, de 31 anos, acordou na madrugada com o choro de seus dois filhos, que se queixavam de sede. Ela abriu uma fresta na barraca de camping onde mora e notou, preocupada, que os baldes de doce de leite e maionese que a família usa como caixa d'água estavam vazios. Na barraca de Elisabete, embaixo do viaduto Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, vivem 11 pessoas; sua irmã, Soraia, de 30 anos, é mãe de outras sete crianças.

Em entrevista à BBC News Brasil, as duas mulheres contaram que, no mês passado, já precisaram racionar por quatro dias uma garrafa de 2 litros de água para toda a família. A água foi usada prioritariamente para escovar os dentes e diluir o leite em pó para amamentar um bebê de apenas 25 dias de vida, que também mora na barraca.

Na ocasião, depois de quatro dias vendo os filhos sem banho por falta d'água no último mês, as duas mães tomaram uma decisão que elas mesmas definem como "desesperadora". "Pegamos a lona da barraca e amarramos dos dois lados para aparar a água da chuva. Depois, a gente despejou num balde e deu banho nas crianças. Só não precisamos beber essa água graças ao menino do mercadinho ao lado que nos ajudou. Mas banho já precisou. E não foi só uma nem duas vezes", afirma Silva.

Eliana Toscano de Araújo, formada em Letras e moradora
de rua há três meses, diz que quanto melhor
a aparência, mais fácil é conseguir água 
Durante uma semana, a reportagem conversou com dezenas de moradores de rua para saber o que eles fazem para beber, armazenar e transportar água em São Paulo, metrópole que tem enfrentado longos períodos de seca e teve sua maior crise hídrica há dois anos. A maior parte relata ficar sem água quase que diariamente e diz que o problema se agrava à noite, durante feriados e finais de semana - quando a maior parte do comércio fecha. A população de rua também reclama da falta de torneiras e bebedouros públicos.

Silva, por exemplo, relata que já viu pessoas bebendo água do esgoto e que já viveu diversas situações de insalubridade para matar a sede.

"Você é obrigado a pedir para uma pessoa que não tem higiene nenhuma. Uma bebezinha tomar leite (em pó diluído) com resto de água dos outros é embaçado. Você daria isso ao seu filho?".

Ela defende que sejam instaladas tendas que ofereçam banho a moradores de rua em pontos estratégicos da cidade. "Pode ser gelado mesmo. Nós não somos bichos, só queremos ficar limpos. Já que o governo não me ajuda em nada, poderia fazer ao menos isso", queixa-se. "Já mostrei que tive dez filhos e não consegui a operação (laqueadura), não recebo Bolsa Família nem nada".
Cobertores, marmitas e água

Com poucas opções para conseguir água por conta própria - a opção mais comum é recorrer a nascentes e torneiras externas de alguns prédios públicos -, os moradores de rua dependem da sorte e da ajuda de voluntários para ter acesso a água limpa.

O comerciante Eduardo Lira Junior é uma das pessoas que fazem esse trabalho social de forma voluntária. Ele é dono de um mercadinho e, além de ajudar a família de Maria da Silva, permite que outros moradores de rua encham seus baldes, galões e garrafas na torneira do comércio.

Junior conta que os moradores de rua não incomodam e pedem água apenas em dois horários para não atrapalhar as vendas: logo cedo, quando a loja está sendo aberta, e pouco antes de fechar.

"Desde que não me prejudique, eu faço questão de ajudar as pessoas. É só água, que eles precisam para beber e tomar banho. Então, a gente faz questão de ceder. Não tem nenhum motivo plausível para você negar água para alguém", afirmou ele.

A psiquiatra e membro do Comitê da População de Rua de SP Carmen Santana escreveu um livro sobre saúde mental dos moradores de rua e diz que a realidade dessas pessoas é muito semelhante na maior parte das cidades brasileiras, inclusive a dificuldade de acesso à água.

"Esse território é muito parecido. É um território de uma enorme exclusão e as pessoas vivem em condições muito parecidas", disse. Ela explicou que cidades diferentes podem oferecer padrões de vida distintos para pessoas que vivem em casas, apartamentos, ocupações e favelas. Já para os moradores de rua, que vivem "às margens, a condição é muito parecida em todos os lugares".

Ela conta que em 2017, na cidade de Teresina, no Piauí, um morador de rua foi impedido de entrar no único centro de convivência que existia na cidade para tomar banho porque ele estava alcoolizado.

"Então, ele resolveu entrar num rio (para tomar banho) e morreu afogado", conta a psiquiatra, que também é professora do departamento de saúde coletiva da (Universidade Federal de São Paulo) Unifesp.

A dificuldade para matar a sede é ainda maior de madrugada, quando grande parte dos comércios e postos de combustível fecha.

O guarda municipal Marcos de Moraes trabalha há dez anos na corporação e já recebeu homenagens por seu trabalho dedicado aos moradores de rua. Ele afirma à BBC News Brasil que diariamente encontra pessoas com sede, principalmente entre 0h e 7h.

"No momento em que a gente entrega cobertores para eles (moradores de rua), eles nos pedem comida, mas principalmente água. Por isso, carregamos algumas garrafinhas no carro", diz.

O guarda conta que, na semana anterior, encontrou um morador de rua cadeirante que dormia apenas com um cobertor fino enrolado no corpo. Ainda assim o homem disse que sentia mais sede do que frio.

Um balanço feito pelo jornal americano The New York Times apontou que a cidade de Nova York tem mais de 3 mil fontes e bebedouros públicos instalados em parques e ruas. A cidade italiana de Roma também tem mais de 2 mil bebedouros em espaços de grande circulação de pessoas. Os primeiros foram instalados em 1874, após pedido do prefeito Luigi Pianciani.

Paris, na França, tem mais de 1.200 bebedouros públicos. Londres, na Inglaterra, também iniciou uma política de instalar esses equipamentos para combater o uso de garrafas plásticas e saciar a sede não apenas de pessoas, mas também de animais de estimação em locais públicos. O mesmo ocorre no Chile.

São Paulo, a maior e mais rica cidade da América Latina, não tem nenhum bebedouro instalado nas ruas.

Procurada pela reportagem, a prefeitura informou que "há estudos para ampliar o número de bebedouros em locais públicos" e que o assunto chegou a ser discutido em 2016. A administração municipal afirmou ainda, em nota, que "para a implantação do projeto, é preciso de autorização da Câmara Municipal, o que não ocorreu até o momento."

A reportagem procurou também a Câmara Municipal que, no entanto, disse que não há nenhum projeto nesse sentido para ser votado.

Procurada novamente pela reportagem após a negativa da Câmara, a prefeitura recuou e disse que não existem projetos voltados ao tema da água potável gratuita. Por telefone, a assessoria de imprensa da administração municipal disse que existem apenas estudos, mas não apresentou nenhum deles ou deu previsão sobre quando alguma medida será proposta.

São Paulo é a cidade que concentra a maior população de rua do país. De acordo com os dados dos últimos dois censos, o número de moradores de rua aumentou de 14.478 em 2011 para 15.905, em 2015.

Digitais de um partido totalitário

(...) quando então começaram a se precipitar para esses tempos em que nem nossos vícios, nem os remédios para eles, podemos suportar
Tito Lívio, em Ab urbe condita



Em artigo publicado no meu blog em 30 de setembro de 2014, e que pode ser lido aqui, o prof. Giusti Tavares discorreu sobre o paradoxo representado pelos partidos totalitários que atuam em democracias constitucionais. Advertiu o eminente professor que o surgimento e a atuação de tais legendas se fazem tanto mais vigorosos quanto mais erodidas e fragilizadas forem essas democracias pela decadência de suas elites, pela corrupção e pela desinformação política.

Quando analisamos a conduta do Partido dos Trabalhadores na política brasileira, constata-se facilmente que, desde suas origens, a legenda surge com esse perfil, valendo-se e interagindo com essa erosão e com essa fragilidade. Muitos de seus dirigentes vieram das organizações guerrilheiras e terroristas que atuaram no Brasil nos anos 60 e 70 do século passado e, pela porta da anistia, a partir de 1980, foram absorvidos no jogo político. As organizações que criaram e nas quais militaram mantinham com a democracia constitucional uma atitude que pode ser descrita como de repugnância. Seu objetivo político era a ditadura do proletariado, um governo das classes trabalhadoras, uma nova ordem social, política e econômica. Nada diferente das então ainda remanescentes “democracias populares” padecentes sob o imperialismo soviético, por onde muitos andaram em tempos que lhes suscitam persistente e visível nostalgia.

Essa natureza está perfeitamente expressa no manifesto de fundação do partido: “O PT afirma seu compromisso com a democracia plena e exercida diretamente pelas massas. Neste sentido proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas”. Vem daí todo o esforço para deitar mão nos mecanismos formadores de opinião – entre outros: meios de comunicação, instituições de ensino, associações, igrejas e sindicatos – e a debilitação da democracia representativa pela ação de conselhos criados, infiltrados e controlados pelo partido.

A estima por regimes totalitários como os de Cuba, Venezuela, Nicarágua, El Salvador, bem como a promoção da convergência ao Foro de São Paulo, dos movimentos e partidos revolucionários na América Ibérica, é expressão da mesma genética. De igual forma, simetricamente, não há registro de proximidade calorosa e simpática dessa organização política com qualquer democracia constitucional estável e respeitável. Os chamados movimentos sociais constituem os braços mais liberados para as tarefas de ruptura da ordem em favor da causa.

Os últimos acontecimentos promovidos em Brasília são um pouco mais do mesmo. São atos que se repetem sistematicamente, sem exceção, contra qualquer governo, em qualquer nível administrativo. A palavra de ordem é “Fora, seja lá quem for!” que esteja sentado na cadeira ambicionada pela legenda. É um perfil golpista. Geneticamente golpista e com longa história de sintomáticas manifestações.

Por isso, seu maior líder, apenas por ser seu maior líder, é tido e havido como alguém que está acima da lei. Por isso, embora legalmente impedido por condenação criminal, Lula foi aclamado candidato a presidente na convenção do PT. Por isso, a estratégia é afrontar o ordenamento jurídico do país. Por isso, no dia seguinte à proclamação do resultado do pleito, o PT estará nas ruas e na imprensa mundial proclamando a ilegitimidade do novo governo.

Tal acusação e o ambiente que proporcionará serão muito ruins para a estabilidade institucional, para o Brasil, para a confiança na economia, para o mercado e para a superação do desemprego. Mas ao PT isso não importa. Ao PT a única coisa que importa é o PT.

Percival Puggina

Pobre Brasil


Prostituição, fraude e sabotagem

No artigo Todos juntos pela impunidade, publicado na semana passada, comentei como a blindagem da Polícia Federal (PF), sob a égide do criminalista Márcio Thomaz Bastos, foi rompida por dois acidentes de percurso. Roberto Jefferson, furioso com a partilha da propina, pôs a boca no trombone, denunciando a compra de votos, e Joaquim Barbosa, o estranho no ninho, pegou o touro à unha e o levou até o fim.

Recentemente, foi publicada entrevista de Paulo Lacerda, diretor da PF dita “republicana” de Márcio Thomaz Bastos, que foi advogado de Lula na Justiça Militar à época das greves dos metalúrgicos e, depois, ministro da Justiça no primeiro mandato presidencial do petista. Segundo ele, a Polícia Federal (PF) fazia vista grossa à malandragem dos políticos que obedeciam cegamente aos poderosos e não conseguia desvencilhar-se de ingerências politiqueiras. A narrativa de “PF republicana” durou pouco e foi para o saco na Operação Xeque-Mate, que pegou Vavá, irmão de Lula. A PF “republicana”, que o causídico Bastos regia, só investigava inimigos dos donos do poder. Seu modelo era a famigerada Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS), versão federal dos Dops estaduais no Estado Novo de Getúlio Vargas e que centralizou o aparato policial para perseguir, processar e levar à prisão adversários do regime.

Quando o PT, Lula e Márcio Thomaz Bastos ascenderam ao poder, fizeram um remanejamento de quadros na PF. E a deusa da Justiça, Têmis, inspirou os ocupantes de postos-chave, em que usavam seus olhos vendados a favor do regime e contra a liberdade de quem ousasse desafiá-lo. Por isso os órgãos de fiscalização do Estado de Direito, descentralizado por definição – a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Superintendência de Previdência Suplementar (Previc/fundos de pensão), o Banco Central, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a PF –, não ouviram o tropel nem viram a manada de elefantes passando à vista por 13 anos e meio a fio: da posse de Lula ao impeachment de seu poste, Dilma.

Só a vista grossa da deusa Têmis pode justificar como a maior corrupção da História chegou ao ponto a que chegou sem ser percebida.


A Lava Jato foi um acidente de percurso e decorreu do tratamento dado a Marcos Valério, que provocou a deserção de mercenários. No mensalão, Lula, o comandante em chefe, nem sequer foi arrolado, sob a proteção de seus lugares-tenentes no Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski (revisor) e Dias Toffoli e com a complacência do relator (e depois presidente da mais alta Corte) Joaquim Barbosa. Nesse ambiente, Luiz Gushiken, personagem importante no escândalo nunca desvendado da guerra das teles gigantes, foi excluído de investigação, processo e pena, chegando a ser inocentado e elevado ao panteão dos heróis nacionais num discurso laudatório fora de propósito de Lewandowski, que substituiria Barbosa na presidência do colegiado. Mesmo citado como chefe da quadrilha, José Dirceu só ficou dois anos na prisão, sendo um em prisão domiciliar. Já o publicitário Marcos Valério, que obedecia às ordens de Dirceu, foi condenado a 40 anos e a bailarina Kátia Rabello, dona do Banco Rural, usado na operação, mas na qual ela nunca teve noção do que acontecia, a 16. Os mercenários perceberam que o bote salva-vidas do PT fora inspirado no Titanic: nele só embarcaram os passageiros da primeira classe. O resto foi deixado para servir de pasto aos tubarões. Mas a trava da caixa de Pandora só foi quebrada com Márcio Thomaz Bastos fora da Esplanada dos Ministérios. E a mensagem ao Garcia chegou à “mercenariocracia”. Ao primeiro risco de afundar, os mercenários, já sabendo que não teriam lugar no bote do PT, partiram para agarrar o que flutuava: a delação premiada. O que lhes restou foi o instituto usado nos Estados Unidos e na Operação Mãos Limpas, da Itália, para perfurar a blindagem dos poderosos chefões da Máfia, originária da Sicília, que se tornou rica e influente agindo no porto de Nova York e nos bares de Chicago. Não é à toa que tal expediente é o inimigo número um de advogados grã-finos que representam a fina-flor da bandidagem nacional, em particular a turma da empreita, distribuidora de propinas nas frestas da legislação que regula as relações entre contratados e contratadores de obras e serviços públicos desde os tempos da caprichosa Xica da Silva.

O esforço atual é orquestrado para fechar de novo a caixa de Pandora e levar a situação ao estágio anterior, quando havia uma proteção velada das instituições e do Estado ao governo e o entendimento de que dinheiro ilegal usado em eleições é um mal inevitável, a que só se recorre para o bem geral. No nome desse jogo o pano de frente é a compra de votos.

O PT transformou o Congresso em mercado persa. Nele tudo é comprado: apoio, votos, leis, decretos-lei, exonerações fiscais, etc. O que antes já se fazia por baixo do pano, como no sucesso junino de Antônio Barros e Cecéu, à época da compra de apoio de bancadas no Congresso, passou a ser explícito. Nas investigações de operações como Lava Jato, Cadeia Velha, Zelotes e outras se desvendaram práticas antigas, como a de empreiteiros, mas não só eles, que financiavam campanhas políticas redigirem leis que os beneficiam. Nesse sistema, que era secreto e se tornou explícito, a contratação de obras e serviços, concessões e outras formas de negociação do Estado com fornecedores privados passaram a ser moldadas ao interesse de quem fosse premiado com contratos superfaturados e a remunerar os donos das chaves dos cofres da viúva em redes de lavagem de dinheiro no exterior, que receberam a denominação de “propinoduto”, um neologismo que não admite eufemismo. Parte dos recursos arrecadados era, então, empregada pela elite dirigente dos três Poderes da República privatizada para comprar votos do andar de baixo, em que vivem em condições precárias os mais vulneráveis socialmente. Na prática, o Partido dos Trabalhadores (!!!) fez o que sempre condenou nos adversários empresários, latifundiários e que tais: “cafetinou” o Congresso para prostituir o eleitorado.

O trabalho eficiente de uma geração jovem e preparada de policiais, procuradores e juízes federais resultou na devassa dos escândalos do mensalão e do petrolão, que desvendaram a prostituição da política e a fraude eleiçoeira que sabota a democracia. O mensalão foi absorvido pelo establishment: os petistas e seus aliados foram indultados por Dilma Rousseff e perdoados pelo STF. José Dirceu e Pedro Corrêa só não tiveram o mesmo prêmio porque foram pilhados pela Lava Jato delinquindo em plena cela. O primeiro, contudo, mesmo condenado a 30 anos e meio de cadeia, com a benemerência da Segunda Turma do STF, sob a égide dos mesmos de sempre, Lewandowski, Toffoli e agora Gilmar, passou férias articulando a sobrevivência do PT no Sul da Bahia, sob a égide da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), ao sol de Itabuna e banhando-se no Atlântico em Ilhéus, no gozo de plena liberdade. Como se fora um sucedâneo contemporâneo do seu Nacib de Jorge Amado.

Enquanto isso, seus companheiros de armas da guerrilha de extrema esquerda e de campanhas eleitorais petistas articulavam com condenados e suspeitos da Lava Jato o sepultamento das operações eficientes de Polícia, Ministério Público e Justiça Federal, na garantia da reeleição dos de sempre para o Congresso. E no apoio a presidenciáveis citados em processos ou aliados na guerra contra a faxina que o povo exigiu nas ruas em 2013. No debate da Bandeirantes em 9 de agosto nenhum dos presentes com chances se referiu à rapina dos cofres públicos promovida por PT, aliados e até oposicionistas domados do PSDB. O tucano Alckmin uniu-se aos apenados no mensalão Roberto Jefferson, Paulinho da Força e Valdemar Costa Neto. Os sermões de irmã Marina nem de longe se referiram aos “malfeitos” do ex-chefe Lula, político preso em Curitiba, excluído da disputa por ser inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Nem Álvaro Dias, insistindo em nomear Sergio Moro ministro da Justiça, que afastaria do combate à corrupção seu agente mais notório, se dignou a fazer uma referência que fosse ao que provocou a fama do herói do povo. Todos de olho nos votos do único que, por exigência da lei, não mentiu no debate: o ausente Lula.

Cretinice tem nome

Parece que não tem fim a perseguição a esse homem
Fernando Haddad, candidato estepe do PT

Com preso ou sem preso? eis a questão

O IBGE contabilizou 27,6 milhões de brasileiros cuja força de trabalho foi desprezada ou subutilizada no segundo trimestre deste ano eleitoral de 2018. O número inclui os que procuram emprego, os que se renderam ao desalento e os que trabalham menos do que gostariam. E a grande dúvida nacional é: com preso ou sem preso?

Entre o primeiro e o segundo trimestre, a quantidade de desempregados oscilou ligeiramente para baixo, estacionando em 12,9 milhões de pessoas. Mas antes que algum incauto soltasse fogos, o IBGE esclareceu que não há razão para celebrações. Deve-se a ligeira queda no índice de desempregados ao aumento da quantidade de “desalentados”.


Assim são catalogados os patrícios que já desistiram de procurar emprego. A legião dos desalentados soma 4,8 milhões de pessoas. Coisa jamais vista desde 2012, quando a estatística começou a ser feita. E as manchetes continuam roendo o seu dilema: pode um presidiário disputar a Presidência da República?

Bateu recorde também o número de infelizes que frequentam as filas de desempregados há mais de dois anos. Estão nessa situação 3,1 milhões de brasileiros. Se nada for feito, logo estarão alistados no exército dos que jogaram a toalha. E a Justiça Eleitoral busca uma resposta: por quanto tempo um corrupto de segunda instância pode se fingir de presidenciável?

Há ainda 6,5 milhões de desafortunados cuja renda é insuficiente para encher a geladeira e, por isso, pegam em lanças por algumas horas adicionais de trabalho. E o mundo da política hipnotizado pela grande dúvida nacional: afinal, a sucessão de 2018 será com presidiário ou sem presidiário.

Certas dúvidas definem o nível civilizatório de uma sociedade. Num país "empregocida", quando a definição de uma disputa presidencial passa pela cadeia, o único empreendimento que prospera é a indústria da decadência. Está demonstrado: no Brasil, o fundo do poço é apenas mais uma escala rumo às profundezas. Resta saber até que ponto o brasileiro está disposto a cavar.

Imagem do Dia

Conques (França)

Um mundo em extinção

Sou apaixonada por revistas. Ou talvez seja mais honesto dizer que fui apaixonada por revistas, se por “revistas” entendermos a sua forma clássica, em papel. Sempre gastei com elas mais do que podia, ou do que mandava o bom senso. Comprava-as aos quilos nas bancas e, ao longo da vida, em diferentes momentos, tive assinaturas da “New Yorker”, da “Time”, da “National Geographic”, da “Scientific American”, da “Wired”, da “Photo”…

Às vezes essas revistas eram mais caras do que livros, e eu fazia ginástica mental para justificar a despesa. Algumas, como a “PC Magazine” ou a “Byte”, eram fundamentais para o meu trabalho; outras, como a “Vanity Fair” ou a “Architectural Digest”, eram fundamentais para que eu não virasse uma pessoa monotemática, inteiramente absorvida pelo trabalho. Eu precisava da “Travel + Leisure” para saber aonde ir (ou de onde fugir) e da “The Economist” para entender o mundo. Comprava as francesas para não esquecer o meu francês, e as italianas porque precisava melhorar o meu italiano. As brasileiras, de que perdi a conta, se justificavam sozinhas: eram, afinal, parte da minha profissão.


Sentia uma ponta de culpa quando via as pilhas parcialmente lidas pelos cantos, e jurava que ia me emendar a partir da próxima semana; mas aí passava por acaso numa banca, e mais uma vez não resistia àquela festa.

 Harold Knight 

Eu vinha aos Estados Unidos — escrevo esta semana de Nova York — e morria de inveja dos americanos. Não pelo país ou pelo estilo de vida, mas pelas bancas de jornais. Em algumas era possível encontrar, e talvez ainda se encontrem, publicações de toda parte. Eu passava horas folheando páginas em que não entendia uma única palavra só para ver como eram feitas, e para descobrir, pelas fotos, o que interessava às pessoas de outros países. Saía carregada, mas essas eram despesas fáceis de justificar: onde eu encontraria aqueles tesouros?

Já não lembro mais, porém, quando foi a última vez que pisei num desses admiráveis resumos do mundo. Continuo viciada em revistas, só que hoje leio as suas versões digitais. Não sei se estou feliz com a troca, mas é assim; meus hábitos, como os de tantos outros leitores, mudaram radicalmente com a internet. Sinto falta de folhear as páginas mágicas e coloridas mas, paradoxalmente, não sinto a menor falta da papelada. Tenho duas estantes cheias de antigos exemplares da “Wired” e da “National Geographic” (nunca consegui jogar fora uma “National Geographic”), mas entendo que o seu tempo passou.

Hoje talvez até leia mais do que lia, mas com certeza gasto bem menos.

Essa equação cruel é o grande desafio para os grupos editoriais — e é o terror da minha categoria profissional, que, em certos momentos, me parece uma espécie em extinção. O fim simultâneo de tantos títulos da Abril, esta semana, me pareceu um incêndio numa floresta, uma tsunami, o fim dos tempos. Não preciso que boas publicações sobrevivam apenas como jornalista; preciso sobretudo como leitora. Mas de onde vai sair o dinheiro para a produção das revistas se os leitores relutam em pagar por informação na rede?

Leo Aversa, tão bom cronista quanto fotógrafo, resumiu a situação como ninguém:

“Cada vez que leio notícias de jornais e revistas fechando me sinto como um urso polar vendo o gelo derreter.”
Cora Rónai

O metal precioso que está criando uma nova 'febre do ouro'

Se o ouro já foi o grande ímã de garimpeiros no oeste americano, agora é o cobalto quem faz esse papel.

O garimpo de cobalto não acontece há décadas nos Estados Unidos. Mas agora um grupo de empresas de mineiração está nos Estados americanos de Idaho, Montana e Alasca em busca do mineral azul prateado.

São exemplos do interesse crescente em cobalto - um componente chave nas baterias de íon-lítio, muito utilizadas em aparelhos eletrônicos portáteis e carros elétricos.

No passado, o fornecimento de cobalto dependia dos mercados de cobre e níquel, metais mais valiosos tipicamente extraídos junto com o cobalto.

Mas o crescimento dos preços de cobalto e a previsão do crescimento de consumo, de 8% a 10% por ano, fizeram seu status mudar, diz George Heppel, analista senior na empresa de pesquisas CRU Group em Londres.

Cerca de 300 empresas no mundo estão agora à caça de depósitos de cobalto, estima a CRU.

Mulher separa cobalto de lama e pedras perto de uma mina no Congo
Gigantes de mineração como a Glencore também estão impulsionando a produção na República Democrática do Congo, onde a maior parte do cobalto do mundo se encontra.

Nos Estados Unidos, uma produção pequena de cobalto começou em 2014 pela primeira vez em cerca de quatro décadas.

A empresa First Cobalt, do Canadá, comprou uma mina no Estado de Idaho, nos EUA, e diz esperar que a produção esteja avançada em cerca de três anos.

O foco é cobalto, segundo o chefe executivo da empresa, Trent Mell, e não o cobre ou outro metal.

"Mineradores como nós nunca fomos buscar cobalto, de fato", ele diz. "Há muito cobalto no mundo. Como mineradores, estamos para trás."
Comércio global

Espera-se que o consumo de cobalto exceda 122 mil toneladas neste ano, mais do que as 75 mil toneladas de 2011, segundo o CRU.

O preço do cobalto triplicou. Embora uma produção maior seja capaz de responder à demanda nos próximos anos, analistas dizem que pode haver escassez já em 2022.

"Há muito interesse de parceiros potencais", diz Fiona Grant Leydier, de uma empresa que trocou seu nome de Formation Metals para eCobalt, revivendo planos antigos.

Depois que o cobalto é extraído com a ajuda de explosivos, ele é levado para ser refinado e transformado em metal, misturas ou concentrados químicos usados em produtos como drones, motores ou baterias.

Mais de 60% do cobalto no mundo é extraído na República Democrática do Congo, enquanto a China é produtora líder de cobalto refinado.

Mas, ao lado da crescente demanda, há também crescente preocupação dos Estados Unidos em relação à dependência de importação.

Em fevereiro, os EUA adicionaram o cobalto à lista de 35 minerais críticos para a economia.

Empresas ativas nos Estados Unidos dizem esperar que seu status "fabricado nos EUA" ajude a acelerar a aprovação governamental e diferenciar seus produtos das importações.

Eles dizem que preocupações quanto a corrupção e trabalho infantil em minas da República Democrática do Congo também pressionam compradores a encontrarem novas fontes.

"Há alguns lugares onde se pode realizar mineração eticamente e nós queremos ser um deles", diz Michael Hollomon, executivo-chefe da Missouri Cobalt. "Isso nos dá uma vantagem."

A empresa planeja começar a produzir cobalto em uma antiga mina de chumbo no Estado de Missouri, onde há 15 milhões de quilos de cobalto, a maior reserva da América do Norte.

No entanto, como há outras áreas do mundo com muito cobalto de qualidade, os Estados Unidos nunca serão capazes de parar de importá-lo completamente.

Especialistas esperam que aumente, inclusive, a participação da República Democrática do Congo na produção global, conforme mineradoras ampliem suas atividades ali.

Também espera-se que a China siga dominando o mercado de cobalto refinado, ampliando sua operação na Europa, América do Norte e em outras partes da Ásia.

Embora empresas americanas tenham só uma fração do mercado, elas podem conseguir um preço mais alto por seu material, diz Caspar Rawles, analista na Benchmark Mineral Intelligence.

"Todas as fornecedoras estão querendo reduzir seu risco político, então acho que qualquer projeto fora da República Democrática do Congo está em uma posição estratégica", diz ele.

Os desafios ainda são significantes, como o custo de instalar uma mina. O preço volátil do cobalto é outra incerteza.

Hoje alto, o custo do elemento está levando empresas a buscar maneiras de reduzir a dependência do material.

Gerband Ceder, da Universidade da Califórnia, está conduzindo pesquisas para encontrar baterias estáveis que não precisem de grandes quantidades de cobalto.

Mas usar esse tipo de tecnologia em larga escala - especialmente em carros - está a até dez anos de distância. "Acho que haverá grande uso de cobalto por um tempo, ainda."

Eles acham que serão salvos pela TV

Eles não acreditam em salvadores da Pátria, mas acreditam numa salvadora da velha política: a carcomida, a brega, a velha, a maldita televisão. E talvez estejam certos. Não está descartada a hipótese de que a tela que antes arrematava um tubo de raios catódicos e tinha o apelido de “telinha” – e que hoje, na era do led e seus sucedâneos, é uma “telona” mastodôntica a estragar a decoração dos apartamentos – venha a redimi-los, a reabilitá-los, a dar-lhes uma nova vida quando a morte moral ergue a foice para decapitá-los sem dó.


Eles, os políticos tradicionais dos partidos idem, eles, os profissionais do establishment eleitoral, eles, os capas-pretas do status quo partidário, aparentam segurança quando cochicham entre si que, tão logo comece o horário eleitoral, o eleitorado de Jair Bolsonaro vai começar a derreter como as asas de Ícaro ao Sol. As coisas voltarão ao seu lugar devido e, então, as siglas de costume ressurgirão dos próprios detritos e refulgirão no céu das urnas eletrônicas. Num lance repentino e mágico, num clarão iluminista de razão e de bom senso, os efeitos desinformativos das redes sociais vão se desfazer como nuvens escuras descortinando a luz do dia. O Brasil recobrará o juízo. Enfim, o segundo turno será disputado entre o PT e o PSDB; Geraldo Alckmin e Fernando Haddad liquidarão a fatura. “Ufa”, suspiram os estrategistas tucanos, consolados por antecipação por sua futurologia tecida de retalhos do passado, segundo a qual Geraldo voará como gaivota. “Amém”, secundam os petistas, crentes na magia da transferência de votos de Lula para Haddad.

Por certo que, quando posta assim, a estratégia de tucanos e de petistas – corroborada pelo MDB, essa ameba continental cujo cérebro não está em lugar algum, muito menos em toda parte – soa como um delírio de moribundo. A penetração das redes sociais cresce a cada dia, no Brasil e fora do Brasil, enquanto a televisão aberta vira refém da cafonice, com exceções que são desprezadas pela audiência. O próprio Estado perde a corrida para as redes. Donald Trump fala diretamente com seus seguidores pelo Twitter, num cyberbonapartismo que sobrevoa qualquer mediação institucional. Do outro lado, o lado das velhas tecnologias, os telejornais se esfalfam para conciliar a preservação da sua credibilidade com a necessidade de ceder aos recursos cênicos de programas de auditório. São tempos cruéis para a televisão e para os velhos políticos.

Não obstante, eles, os políticos tradicionais, talvez tenham razão. As chances de que o início do horário eleitoral no rádio e na televisão, agora, no dia 31 de agosto, venha a reequilibrar a disputa não são pequenas. A presença da internet no cotidiano dos brasileiros é ainda muito menor que a presença da televisão. A “telona” tem lugar de honra em 97,4% dos lares (dados da Pnad 2016) e o hábito de acendê-la durante algumas horas do dia e da noite é uma verdadeira religião. Fora isso, uma profusão de pesquisas comprova que os candidatos que têm mais minutos no horário eleitoral têm mais probabilidade de ir bem nas urnas. Entre outros motivos, essa correlação se explica porque os minutos a mais no horário eleitoral só são possíveis quando, por trás deles, costurou-se uma aliança de partidos com boa representação no Congresso. Ora, partidos com representação no Congresso erguem palanques mais representativos nos Estados e recrutam cabos eleitorais mais eficientes nos municípios. Logo, quem domina o horário eleitoral domina também as máquinas partidárias (e, eventualmente, de governo) que costumam resultar em votos. Por fim, a TV aberta, apoiada pelo rádio, é um veículo que ainda inspira mais respeito que as redes sociais. O eleitor a levará a sério.

Jair Bolsonaro, a zebra fumegante, terá apenas 8 segundos diários no horário eleitoral. Geraldo Alckmin, que só sobreviverá se Bolsonaro minguar, deverá ficar com quase 6 minutos. Que ninguém duvide: ele será obrigado a triturar o rival, com uma pestilência igual ou superior àquela com que a marquetolagem do PT destruiu Marina Silva antes do primeiro turno de 2014.

Puxemos pela memória. Naquele ano, a então candidata petista Dilma Rousseff dispunha de 11 minutos e 24 segundos diários no horário eleitoral. Marina Silva, que substituiu Eduardo Campos, morto num acidente de avião no dia 13 de agosto de 2014, na candidatura à Presidência da República pelo Partido Socialista Brasileiro, tinha apenas 2 minutos e 3 segundos. Apanhou como nunca. No horário eleitoral, o PT a acusava de estar aliada a banqueiros gananciosos e de ter planos para tirar o prato de comida da mesa do trabalhador.

Foi uma mentirada sem escrúpulos. Foi também um massacre. Marina Silva, que em meados de setembro daquele ano aparecia nas pesquisas empatada em primeiro lugar com Dilma Rousseff, num patamar de 34%, não passou de reles 21,3% nas urnas do primeiro turno. Ficou em terceiro lugar. As redes sociais, nas quais Marina Silva sempre se saiu muito bem, não bastaram para ajudá-la. Naquele primeiro turno fatídico, Dilma Rousseff manteve a primeira posição e Aécio Neves (você se lembra de Aécio Neves?) chegou em segundo.

O alvo da vez é Bolsonaro. O PT, com cerca de 2 minutos diários no horário eleitoral, também tem interesse em derretê-lo – no que conta com os préstimos da idosa senhora, a TV. Não é improvável que, em sua aliança subterrânea para dizimar as pretensões do corpo estranho, os dois partidos tradicionais, PT e PSDB, sejam bem-sucedidos. A menos que o que venha nas urnas de outubro seja um repúdio em massa, com multidões deixando de votar, anulando votos ou sufragando personagens esdrúxulos para enterrar de vez o sistema político que aí está, a menos que venha por aí um tiririquismo paroxístico em lugar do lulismo desmoralizado, o mito funesto de Bolsonaro despencará feito jaca no meio da rua. Vai ser interessante.