sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Um mundo em extinção

Sou apaixonada por revistas. Ou talvez seja mais honesto dizer que fui apaixonada por revistas, se por “revistas” entendermos a sua forma clássica, em papel. Sempre gastei com elas mais do que podia, ou do que mandava o bom senso. Comprava-as aos quilos nas bancas e, ao longo da vida, em diferentes momentos, tive assinaturas da “New Yorker”, da “Time”, da “National Geographic”, da “Scientific American”, da “Wired”, da “Photo”…

Às vezes essas revistas eram mais caras do que livros, e eu fazia ginástica mental para justificar a despesa. Algumas, como a “PC Magazine” ou a “Byte”, eram fundamentais para o meu trabalho; outras, como a “Vanity Fair” ou a “Architectural Digest”, eram fundamentais para que eu não virasse uma pessoa monotemática, inteiramente absorvida pelo trabalho. Eu precisava da “Travel + Leisure” para saber aonde ir (ou de onde fugir) e da “The Economist” para entender o mundo. Comprava as francesas para não esquecer o meu francês, e as italianas porque precisava melhorar o meu italiano. As brasileiras, de que perdi a conta, se justificavam sozinhas: eram, afinal, parte da minha profissão.


Sentia uma ponta de culpa quando via as pilhas parcialmente lidas pelos cantos, e jurava que ia me emendar a partir da próxima semana; mas aí passava por acaso numa banca, e mais uma vez não resistia àquela festa.

 Harold Knight 

Eu vinha aos Estados Unidos — escrevo esta semana de Nova York — e morria de inveja dos americanos. Não pelo país ou pelo estilo de vida, mas pelas bancas de jornais. Em algumas era possível encontrar, e talvez ainda se encontrem, publicações de toda parte. Eu passava horas folheando páginas em que não entendia uma única palavra só para ver como eram feitas, e para descobrir, pelas fotos, o que interessava às pessoas de outros países. Saía carregada, mas essas eram despesas fáceis de justificar: onde eu encontraria aqueles tesouros?

Já não lembro mais, porém, quando foi a última vez que pisei num desses admiráveis resumos do mundo. Continuo viciada em revistas, só que hoje leio as suas versões digitais. Não sei se estou feliz com a troca, mas é assim; meus hábitos, como os de tantos outros leitores, mudaram radicalmente com a internet. Sinto falta de folhear as páginas mágicas e coloridas mas, paradoxalmente, não sinto a menor falta da papelada. Tenho duas estantes cheias de antigos exemplares da “Wired” e da “National Geographic” (nunca consegui jogar fora uma “National Geographic”), mas entendo que o seu tempo passou.

Hoje talvez até leia mais do que lia, mas com certeza gasto bem menos.

Essa equação cruel é o grande desafio para os grupos editoriais — e é o terror da minha categoria profissional, que, em certos momentos, me parece uma espécie em extinção. O fim simultâneo de tantos títulos da Abril, esta semana, me pareceu um incêndio numa floresta, uma tsunami, o fim dos tempos. Não preciso que boas publicações sobrevivam apenas como jornalista; preciso sobretudo como leitora. Mas de onde vai sair o dinheiro para a produção das revistas se os leitores relutam em pagar por informação na rede?

Leo Aversa, tão bom cronista quanto fotógrafo, resumiu a situação como ninguém:

“Cada vez que leio notícias de jornais e revistas fechando me sinto como um urso polar vendo o gelo derreter.”
Cora Rónai

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