domingo, 1 de fevereiro de 2015

Lata d'água na cabeça


Os governantes devem ao país uma informação cristalina sobre o que está se passando e um detalhamento das ações de resposta à crise que não deixem a sensação de que, de novo, há algo escondido. O problema é técnico, de difícil entendimento? Não nos subestimem, aprendemos depressa o que é crise hídrica e volume morto: falta d’água para milhões de brasileiros, para a indústria e agricultura. E a proximidade do fundo do poço.
A política de ocultação que precedeu as eleições, impedindo as medidas preventivas necessárias, erro gravíssimo imputável a gregos e troianos, deu no que deu: agravamento do problema e desgaste da credibilidade de todos. Sem credibilidade, vai ser difícil pedir ajuda à população para diminuir o consumo, dividir com ela as responsabilidades no enfrentamento da crise. Sem a certeza de que os governos estão dizendo, enfim, a verdade, não haverá mobilização nacional. E é certo que ela será incontornável.
Leia mais o artigo de Rosiska Darcy de Oliveira

Humanidade a qualquer custo

Arthur Timotheo da Costa (1922), A prece
E se eu lhe dissesse que mesmo naquela época, mesmo lá, aqueles que você espancou, aquelas que você humilhou permaneceram mais humanos do que você? Lastimáveis, aqueles homens e aquelas mulheres salvaguardaram sua humanidade chorando, enquanto você perdeu até o menor vestígio da sua? Consegue entender isso?
Elie Wiesel 

O fim iminente da Revolução Bolivariana


Situação pela qual a Venezuela atravessa atualmente não só demonstra seu déficit fiscal, como também seu déficit democrático.
Não sei quantas vezes acreditamos, ao longo dos últimos 15 anos, que a Venezuela está à beira da mudança, que já não pode suportar mais, que algo precisa ceder. O regime chavista, entretanto, persistiu apesar dos augúrios que desde seu começo vaticinam o fim iminente da revolução bolivariana. O que explica essa resiliência? Como é possível entender que um sistema claramente antidemocrático tenha conseguido resistir a tantas pressões e continue, pelo menos até agora, recebendo o apoio do eleitorado?

Sobre isso foram escritos volumes e ainda se escreverá muito mais. A Venezuela do começo do século XXI ainda continuará fascinando os acadêmicos e os analistas por décadas. Mas é inegável que duas pedras angulares da sobrevivência do regime chavista foram o desempenho econômico, sustentado pelo comércio do petróleo, e a popularidade de seu líder (Hugo Chávez em sua época e depois, em menor escala, Nicolás Maduro). Acredito que todos podemos concordar que estas duas forças encontram-se hoje no pior estado registrado desde 1999.

A acelerada queda no preço internacional do petróleo, e a consequente deterioração das condições fiscais de um governo que monopoliza quase a totalidade dos serviços essenciais, impactaram a vida cotidiana dos venezuelanos de uma forma que, agora sim, parece insustentável.

É um clichê dizer que o dilema atual do chavismo é a “crônica de uma morte anunciada”. Mas é a verdade. Maduro pode fazer todas as contorções retóricas possíveis, chamando a situação de “guerra do petróleo” e de tentativa de “colonização mediante o colapso econômico”, mas nenhum outro país em anos recentes dispôs de maiores recursos com resultados piores.

Nenhum outro governo dilapidou sua renda de maneira tão temerária. Ninguém além do regime chavista é responsável por isso. Não existe conspiração internacional que explique porque as filas para comprar farinha ou sabão duram dois dias. Isso só se explica pela existência de um governo corrupto, ineficiente, dedicado ao culto da personalidade e obcecado em ocultar o fracasso de um modelo que já não há como subvencionar.

Leia mais o artigo de Oscar Arias Sánchez ex-presidente da Costa Rica de 1986 a 1990 e de 2006 a 2010 e Prêmio Nobel da Paz 1987

Tem que explicar


Embora ela não tenha sido acusada diretamente de envolvimento, como conselheira durante grande parte do tempo em questão, ela [Dilma] precisa explicar o que sabia e quando soube. (...) A Lava-Jato deve pedir a cabeça da presidente e dos diretores. Dilma Rousseff está defendendo eles. O tempo para esta indulgência já passou.

A Petrobras é muito grande para fracassar. Mas também é muito corrupta para seguir desta maneira.

Editorial do jornal Financial Times

A pergunta que não quer calar

Antigamente, a rapina ao patrimônio público era ação de indivíduos, solitária ou em pequenas quadrilhas. Hoje, é sistêmica e se dá na casa dos bilhões
A ruína do projeto político do PT – e o governo Dilma é sua mais eloquente síntese e tradução - dá-se em meio ao silêncio de entidades da sociedade civil, que, ao longo da história contemporânea, tiveram amplo protagonismo na cena pública.

Onde estão a OAB, a ABI, a UNE e a CNBB, entre outras siglas que se associaram à história da reação popular aos maus governantes? – eis a pergunta que não quer calar.

No momento em que a corrupção sistematizada, comandada de dentro do Estado, apresenta sua conta – Mensalão, quebra da Petrobras, violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, falência da economia -, é no mínimo ensurdecedor o silêncio de quem sempre soube falar tão alto em momentos de crise e de má governança.

O final do governo militar deveu-se a uma conjunção de fatores, que se resumem na falência de seu modelo econômico e na falta de representatividade de seu modelo político.

Foram essas entidades que romperam a mordaça da repressão, articularam a sociedade e levaram às ruas o “basta” da população. Exerceram, naquela oportunidade, uma vigilância cívica decisiva para que o país se reencontrasse com a democracia.

Mas essa vigilância, que prosseguiu nos primeiros governos civis – os de Sarney, Collor, Itamar e FHC -, começou a minguar até desaparecer por completo desde a posse de Lula, festejada por elas como se o país, enfim, tivesse chegado ao Paraíso.

O que se constata é que, a exemplo do que aconteceu com o próprio Estado brasileiro, essas entidades foram mutiladas na sua essência. Transformaram-se em células partidárias, corresponsáveis pelo projeto político em curso, de índole revolucionária.

A lógica revolucionária, como se sabe, é a da ruptura, que começa por dividir a sociedade e a colocá-la em conflito. Promove o caos e depois acena com a ordem totalitária para consertar o que ela mesmo quebrou. O país está em meio a esse processo.

O projeto do PT postula uma “sociedade hegemônica”, que é o avesso de uma sociedade democrática, em que o poder se alterna entre os diversos partidos que se organizam para exercê-lo. Numa sociedade de pensamento único, não cabe a liberdade de imprensa, o que explica a obsessão petista por controlar a mídia.

Esse projeto de poder, gestado no Foro de São Paulo – entidade criada por Lula e Fidel Castro em 1990, para reunir as esquerdas do continente em torno de um projeto único de poder, a Grande Pátria -, já está em estágio mais avançado em países vizinhos, menos complexos que o Brasil.

Ruy Fabiano