quinta-feira, 6 de abril de 2023

É isto um homem?

 

Trabalhadores escravizados no Brasil pouco diferem dos personagens de "É isto um homem?", de Primo Levi  sobre os tempos que passou em campos de concentração nazistas 

Tempo de morrer

Houve tempos, ditos Pré-científicos, em que se acreditava na necessidade de matar, e de fato se matava, alguns poucos animais, humanos e não-humanos, com o objetivo de agradar aos deuses para assegurar uma boa colheita e a sobrevivência da população! Depois, começaram os tempos ditos científicos, em que a ciência (aparentemente) dominava. Nestes novos tempos, milhões de animais, humanos e não humanos, são mortos anualmente com o objetivo de … garantir boas colheitas, agrícolas ou não! Tais mortes decorrem do uso de “avanços” científicos na agronomia, na indústria, nos transportes e, mesmo, na medicina e higiene coletiva.

As poucas mortes dos tempos pré-científicos são hoje chamadas de “sacrifícios”, e atribuídas à crença em mitos; as milhões dos tempos atuais já foram chamadas “efeitos inesperados” do “desenvolvimento”, mas, hoje, não mais podem ser assim qualificadas; são consequências inerentes ao tipo de “progresso” que vivemos, e que tem sido incapaz de retirar da pobreza (renda menor que US$10,00/dia) 80% da humanidade. Sendo assim, por que não se supera essa semelhança entre os tempos pré e pós-científicos? Não mais para agradar aos deuses, mas para não descontentar o “mercado”.

Restringir o uso dos materiais e práticas que, embora tragam alguns benefícios, causam tantas mortes – combustíveis fósseis, fertilizantes, agrotóxicos, materiais de uso único, embalagens descartáveis, produtos programados para durar pouco e serem substituídos, a “moda” que induz a comprar roupas novas embora as antigas ainda sejam úteis, a propaganda que provoca compras por impulso e não por necessidade, entre tantas outras práticas tidas como “normais” e “necessárias” ao bom andamento da “economia” – todas essas são postergadas ou evitadas, pois desagradam o novo elemento a ser incensado, o “mercado” e seu “crescimento”.


E a preservação da vida e a redução da pobreza, como ficam? Estes deixaram de ser objetivos a perseguir, substituídos que foram pela busca do indefinido “desenvolvimento”, cujos inevitáveis subprodutos – mantido o rumo atual – a propaganda busca minimizar. A mitologia pró-mercado prevalece, e este agradece! A desejável melhoria da qualidade de vida da maioria fica relegada para depois do “desenvolvimento”. Para quando?

Há, pelo menos, mais de meio século que se persegue tal “desenvolvimento”. Nesse período, algumas melhorias na qualidade de vida, sim, ocorreram, mas nada como seria possível caso o foco das políticas públicas fosse, de fato, tal melhoria, e não a aceitação de que algumas – hoje, de fato milhões – de mortes é um preço razoável para continuar o, repito, indefinido “desenvolvimento”.

Mitologias antigas, repaginadas para os tempos modernos, hoje sacrificando milhões, “justificadas” por crenças, ditas científicas ou não. E a melhoria da qualidade de vida da maioria fica postergada. Até quando?

Os dados mostram explosão no número de ataques a escolas no Brasil

O ataque a uma creche em Blumenau (SC), que deixou quatro crianças mortas nesta quarta-feira é mais um exemplo trágico de uma estatística alarmante: somente em 2022 e 2023, o número de ataques em escolas no Brasil já supera o total registrado nos 20 anos anteriores, segundo pesquisadores.

Somente neste início de ano, já foram ao menos quatro casos de mais destaque: o ataque com bomba caseira por um ex-aluno em Monte Mor (SP), em 13 de fevereiro; o ataque a faca por um aluno de 13 anos a uma escola em São Paulo, que deixou uma professora morta e quatro pessoas feridas em 27 de março; o ataque a faca por um aluno a colegas em uma escola do Rio de Janeiro em 28 de março; e agora o atentado à creche em Santa Catarina.

Levantamento feito pela pesquisadora Michele Prado, do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo), registrou 22 ataques a escolas entre outubro 2002 e março de 2023.

Antes do caso de Blumenau, e sem incluir na conta o ataque a faca no Rio de Janeiro, 11 desses casos haviam sido registrados somente em 2022 e 2023.

Com os dois casos mais recentes, portanto, os últimos dois anos já superam em número de ataques os 20 anos anteriores.

Levantamento feito por pesquisadores da Unicamp chegam a números semelhantes.

Considerando apenas casos envolvendo alunos e ex-alunos como agressores, o grupo liderado pela pesquisadora Telma Vinha, registra 22 ataques entre 2002 e 2023, sendo 10 deles nos últimos dois anos.


Os ataques a escola também foram tema de um relatório entregue ao governo de transição no final do ano passado. Além dos ataques efetivamente realizados, o documento mostra os atentados evitados. O padrão aqui também revela um forte aumento da frequência em anos recentes.

Segundo o relatório O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental, foram 34 ataques a escolas evitados no Brasil entre 2012 e 2022, sendo 22 deles somente no ano passado.

Dos 22 ataques evitados em 2022, oito tinham como alvos escolas em Goiás e 4 em Minas Gerais.

Segundo os pesquisadores, os agressores são em geral jovens (10 a 25 anos), do sexo masculino. E muitos deles são vítimas de bullying na escola, possuem características de isolamento social e indícios de transtornos mentais não diagnosticados ou acompanhados.

Eles se articulam em comunidades online onde há incentivo à violência, à misoginia, e em plataformas de fácil acesso na internet.

Para Michele Prado, o aumento da frequência dos ataques no país é fruto de um processo de radicalização online em massa que atinge principalmente o público jovem, a partir dos 10 anos.

“Elas não estão da deep web ou na dark web, estão na superfície, em aplicativos como Discord, Twitter, TikTok, Telegram e WhatsApp”, diz Prado.

A pesquisadora afirma que não há uma razão única para a radicalização e os agressores têm perfis radicalizados distintos.

“Alguns jovens se queixam de bullying, outros parecem ter transtorno de personalidade narcisista, com perfil de agressores e não de vítimas. Nas redes, eles são expostos a teorias conspiratórias que desumanizam grupos específicos”, exemplifica.

Para Danila Di Pietro, pesquisadora da Unicamp e parte do grupo liderado pela professora Telma Vinha, o aumento no número de ataques a escolas nos últimos anos está relacionado também ao avanço da cultura de violência no país.

"De cinco anos para cá, passamos por uma banalização da violência. O uso de armas de fogo, de um discurso de ódio, separatista, racista, misógino, homofóbico, até por autoridades oficiais, com isso ganhando escala pública, tudo isso faz com que as pessoas que cultivavam esses valores no seu ambiente privado passem a ganhar corpo público", afirma Di Pietro.

As pesquisadoras destacam ainda o papel da cobertura da imprensa na multiplicação desses casos, já que os agressores em geral buscam notoriedade e se inspiram a partir de ataque anteriores.

"Nosso pedido à imprensa é de não divulgar em detalhes como a coisa se deu, porque isso acaba ensinando como se fazer. É preciso focar muito mais nas vítimas do que no agressor, porque tudo que ele querem é notoriedade", diz a pesquisadora da Unicamp.

Bolsonaro, de ladrão de joias a inimigo da democracia

Elementar: quanto mais Bolsonaro se complica, melhor para seus adversários. O que elementar não é: que ele se estrepasse por atos deliberados que carregam suas indeléveis impressões digitais.

Entenda-se por deliberados: atos de sua iniciativa, sobre os quais deve ter refletido bastante. Supor o contrário seria achar que Bolsonaro não tem juízo, comporta-se como um animal irracional.

Ele pode ser inculto, como tantas vezes demonstrou. Se não mentiu, e como já disse, só leu, ou mal leu, um livro em toda a sua vida – as memórias do coronel torturador Carlos Alberto Ustra.

 

Mas uma toupeira, seguramente ele não é. Uma toupeira não chega à presidência da República. Em 2018, unir a direita em torno de si foi uma obra admirável de argúcia e arquitetura política.

Deu azar no ano passado ao esbarrar em Lula que imaginara fora do seu caminho desde que o ex-juiz Sérgio Moro o prendera e condenara. Ainda assim, perdeu por uma titica de votos.

Era para ter perdido por uma grande diferença, afinal carregava nas costas 700 mil mortos pela Covid, a situação deplorável da economia e os ataques furiosos à democracia que jurou respeitar.

Ao seu modo, fez quase tudo certo para tentar se reeleger. Ao perder, entrou em estado de choque. De lá para cá, fez tudo errado. Tivesse reconhecido a derrota, não estaria à beira do cadafalso.

Provocava-lhe náuseas telefonar para Lula parabenizando-o pela vitória? Era-lhe inadmissível participar da cerimônia de transferência da faixa presidencial? Absurdo, mas sairia na urina.

Não foi, porém, o que aconteceu. Paralisado, com a erisipela a aumentar seu sofrimento, absteve-se de governar por dois meses e estimulou silenciosamente o golpe de 8 de janeiro.

Ou os golpistas teriam ido às ruas se Bolsonaro, de pronto, ordenasse o retorno para casa? Ou o Exército deixaria contra a vontade de Bolsonaro que golpistas acampassem à sua porta?

Para completar a desdita, antes de fugir para os Estados Unidos de onde não deveria ter voltado tão cedo, Bolsonaro caiu na tentação de surrupiar joias que seriam incorporadas ao acervo do Estado.

E, de fato, surrupiou uma parte – infelizmente, para ele, a de menor valor. E tentou surrupiar a outra parte, no valor de 16,5 milhões de reais, que fora apreendida pela Receita Federal.

Vem, agora, em depoimento à Polícia Federal, e diz com a maior cara de pau que só tomou conhecimento das joias dadas de presente pela ditadura da Arábia Saudita mais de um ano depois.

E que ao tentar reavê-las, quis salvar o Brasil da vergonha de apreender presentes oferecidos por um governo ao outro. Ora, por que não os declarou desde logo como presentes entre governos?

As joias teriam sido liberadas, conforme a lei. E por que se apropriou de parte delas que lhe chegou às mãos, levando-as ao deixar o governo? É uma história sem pé nem cabeça, surreal.

Em resumo, no que Bolsonaro quer que acreditemos:

* Que apenas a poucos dias do fim do seu governo ficou sabendo que jazia há mais de um ano em um cofre da Receita um estojo com joias destinadas a Michelle;

* Que por mais de um ano sonegaram-lhe a informação de que um estojo com joias destinadas a ele esteve guardado em algum lugar do Ministério das Minas e Energia, não se sabe por quê;

* Que sinceramente não lembra do nome do auxiliar que o avisou sobre as joias para ele e para Michelle trazidas da Arábia Saudita pelo almirante e ex-ministro Bento Albuquerque.

A história é outra, e poderá custar-lhe o indiciamento em crimes de peculato e corrupção passiva. Deixar a cena como ladrão é pior do que ficar inelegível por sabotar a democracia.