terça-feira, 15 de julho de 2025
Acreditou no papo de 'Brasil acima de tudo'? Era mentira]
A carta do presidente Donald Trump anunciando tarifas de 50% para as exportações brasileiras tornou-se o principal assunto no país faz uma semana. Claro — o impacto já se faz sentir em inúmeros setores. Vendas já acertadas vêm sendo canceladas. Muito de nossa conversa vem se concentrando no primeiro parágrafo da explicação que Trump oferece para a decisão: ou a Justiça suspende o julgamento de Jair Bolsonaro ou as sanções virão. Mas falamos pouco do segundo parágrafo — a queixa, também dirigida ao STF, sobre decisões contra as grandes plataformas digitais.
Em termos concretos, Trump ordenou a abertura de uma investigação pela Seção 301 da Lei do Comércio. Nesse artigo 301 estão expostos argumentos que podem levar os Estados Unidos a punir com tarifas um país que use “práticas comerciais irracionais ou discriminatórias”. Em tese, se uma nação trata os produtos americanos de forma distinta de equivalentes vindos de outros países, esse trecho da lei dá poderes de retaliação ao presidente da República. Nunca, desde a sanção da lei em 1974, a Seção 301 foi usada para contestar ordens judiciais de outro país. Em geral, é contra barreiras alfandegárias. Muito menos para determinar como um país deve tratar a circulação de informação, moderação de conteúdo ou o que o valha.
Nenhuma surpresa aí. Afinal, trata-se de Donald Trump. De que importa se uma decisão é inédita, incoerente ou mesmo legal? Não são esses os critérios adotados nos rompantes que saem do Salão Oval. É importante compreender que, não à toa, os principais CEOs da tecnologia estavam na posse do presidente americano. Entre eles há os que abraçaram o trumpismo com sinceridade, e há os que abraçaram por fingimento. Mas todos compreenderam que manter distância protocolar não era alternativa. Entenderam também outra coisa: Trump estava eleito, ocupa o cargo e, dados os seus impulsos, poderia ser um aliado para pressionar países que têm planos de regular o mercado digital. Isso inclui quase todas as democracias relevantes. Reino Unido e União Europeia, Austrália, Canadá, Índia e três quartos da América Latina.
Mas pressão é uma coisa. O confronto direto, com ameaças tão pesadas, é outra. E não é do interesse das empresas de tecnologia. O Brasil representa 10% do tráfego mundial do Instagram, 5% das buscas feitas no Google, 5% do uso do ChatGPT. O Google ganhou US$ 5 bilhões no Brasil em 2024. A Meta ganhou metade disso. Num cálculo da Reuters, meio bilhão de dólares dos US$ 10 bilhões que a OpenAI ganhou no ano passado veio daqui. O confronto direto nesse nível — ou afrouxa a regulação ou puniremos — pode forçar o Estado brasileiro a cercear a operação dessas companhias. Ou até bloqueá-las. O Brasil é o segundo mercado mais importante no Hemisfério Ocidental para todas. Só o mercado americano é maior.
Isso abre uma discussão mais ampla. O mundo se move na direção de regular plataformas digitais. O Brasil não está sozinho. Se os Estados Unidos decidirem punir todos os países que impuserem regras às redes, a consequência evidente será abrir espaço para empresas chinesas. Não é bom negócio para ninguém. Parece, aliás, tão absurdo que o mais provável é ser mais uma bravata trumpista.
Por enquanto, o consumidor americano será penalizado. Seu café, seu suco de laranja, seus sapatos e até seus carros ficarão mais caros. Para o brasileiro, o peixe e a picanha serão mais baratos. Mas é irônico que alguns dos setores econômicos mais atingidos sejam, justamente, os mais ligados ao financiamento do bolsonarismo. Ontem, em entrevista à Folha de S.Paulo, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro sacou do bolso a possibilidade de tirar o Brasil do sistema swift, que rege as transações internacionais. Falou em bloquear os bens de empresários brasileiros e punir empresas americanas que operem aqui. Como ocorreu com a Rússia quando invadiu a Ucrânia.
A ameaça do filho Zero Três é tão absurda que parece rompante retórico. Mas absurda já é a carta de Trump, um sujeito intempestivo que, sabe-se lá, pode até tomar decisões assim. A família Bolsonaro ainda conta com financiadores importantes. Agora, decidiu tornar essa parte relevante de sua base refém. Ou o STF se ajoelha, ou o Brasil será punido. De sua parte, Trump faz o mesmo com o Vale do Silício. Ou a Justiça brasileira cede, ou ficará mais difícil para empresas americanas de tecnologia atuarem por aqui.
Eles cuidam dos problemas deles. Nós, do nosso. Alguém acreditou no papo de “Brasil acima de tudo”? Era mentira.
Em termos concretos, Trump ordenou a abertura de uma investigação pela Seção 301 da Lei do Comércio. Nesse artigo 301 estão expostos argumentos que podem levar os Estados Unidos a punir com tarifas um país que use “práticas comerciais irracionais ou discriminatórias”. Em tese, se uma nação trata os produtos americanos de forma distinta de equivalentes vindos de outros países, esse trecho da lei dá poderes de retaliação ao presidente da República. Nunca, desde a sanção da lei em 1974, a Seção 301 foi usada para contestar ordens judiciais de outro país. Em geral, é contra barreiras alfandegárias. Muito menos para determinar como um país deve tratar a circulação de informação, moderação de conteúdo ou o que o valha.
Nenhuma surpresa aí. Afinal, trata-se de Donald Trump. De que importa se uma decisão é inédita, incoerente ou mesmo legal? Não são esses os critérios adotados nos rompantes que saem do Salão Oval. É importante compreender que, não à toa, os principais CEOs da tecnologia estavam na posse do presidente americano. Entre eles há os que abraçaram o trumpismo com sinceridade, e há os que abraçaram por fingimento. Mas todos compreenderam que manter distância protocolar não era alternativa. Entenderam também outra coisa: Trump estava eleito, ocupa o cargo e, dados os seus impulsos, poderia ser um aliado para pressionar países que têm planos de regular o mercado digital. Isso inclui quase todas as democracias relevantes. Reino Unido e União Europeia, Austrália, Canadá, Índia e três quartos da América Latina.
Mas pressão é uma coisa. O confronto direto, com ameaças tão pesadas, é outra. E não é do interesse das empresas de tecnologia. O Brasil representa 10% do tráfego mundial do Instagram, 5% das buscas feitas no Google, 5% do uso do ChatGPT. O Google ganhou US$ 5 bilhões no Brasil em 2024. A Meta ganhou metade disso. Num cálculo da Reuters, meio bilhão de dólares dos US$ 10 bilhões que a OpenAI ganhou no ano passado veio daqui. O confronto direto nesse nível — ou afrouxa a regulação ou puniremos — pode forçar o Estado brasileiro a cercear a operação dessas companhias. Ou até bloqueá-las. O Brasil é o segundo mercado mais importante no Hemisfério Ocidental para todas. Só o mercado americano é maior.
Isso abre uma discussão mais ampla. O mundo se move na direção de regular plataformas digitais. O Brasil não está sozinho. Se os Estados Unidos decidirem punir todos os países que impuserem regras às redes, a consequência evidente será abrir espaço para empresas chinesas. Não é bom negócio para ninguém. Parece, aliás, tão absurdo que o mais provável é ser mais uma bravata trumpista.
Por enquanto, o consumidor americano será penalizado. Seu café, seu suco de laranja, seus sapatos e até seus carros ficarão mais caros. Para o brasileiro, o peixe e a picanha serão mais baratos. Mas é irônico que alguns dos setores econômicos mais atingidos sejam, justamente, os mais ligados ao financiamento do bolsonarismo. Ontem, em entrevista à Folha de S.Paulo, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro sacou do bolso a possibilidade de tirar o Brasil do sistema swift, que rege as transações internacionais. Falou em bloquear os bens de empresários brasileiros e punir empresas americanas que operem aqui. Como ocorreu com a Rússia quando invadiu a Ucrânia.
A ameaça do filho Zero Três é tão absurda que parece rompante retórico. Mas absurda já é a carta de Trump, um sujeito intempestivo que, sabe-se lá, pode até tomar decisões assim. A família Bolsonaro ainda conta com financiadores importantes. Agora, decidiu tornar essa parte relevante de sua base refém. Ou o STF se ajoelha, ou o Brasil será punido. De sua parte, Trump faz o mesmo com o Vale do Silício. Ou a Justiça brasileira cede, ou ficará mais difícil para empresas americanas de tecnologia atuarem por aqui.
Eles cuidam dos problemas deles. Nós, do nosso. Alguém acreditou no papo de “Brasil acima de tudo”? Era mentira.
Extorsão, azáfama, mendacidade...
Serão poucas – muito poucas, na verdade – as pessoas familiarizadas com o mundo diplomático e as modernas relações entre as nações em tempos de paz que já tenham visto algo tão rasteiro e vulgar como a carta que o presidente norteamericano, Donald Trump, pretendeu ter enviado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na verdade, a carta não foi endereçada por um chefe de governo a outro, como costuma ocorrer quando padrões de respeito são obedecidos. Foi postada por Trump em sua rede social, chamada Truth Social.
Talvez pior do que o método de endereçamento de uma carta com tantas implicações políticas, diplomáticas e comerciais seja sua forma. Obviamente deselegante, é mal estruturada e de estilo claudicante. Um bom redator se envergonharia de precisar usar maiúsculas para enfatizar alguma coisa. Mais ainda, a carta é mendaz.
Tudo isso parece reproduzir traços essenciais do missivista. Trump é a prova mais clara de que o fato de uma pessoa ser milionária não lhe retira vulgaridade nem lhe confere qualidades. Embora disponha de capacidade política para vencer duas disputas presidenciais na nação mais poderosa do mundo, Trump está longe de ser um estadista. É uma figura tosca, grosseira, autoritária, que não hesita em mentir se a mentira o beneficia.
Sua carta mente. Pior, tem avisos e ameaças graves, como a imposição de taxação de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil.
Tudo isso porque, como é necessário para a defesa da democracia, as autoridades judiciais brasileiras estão prestes a julgar os responsáveis pelo golpe de Estado articulado logo após conhecidos os resultados da eleição presidencial de 2022 para manter no poder o candidato derrotado Jair Messias Bolsonaro. Para Trump, o que o Brasil faz com Bolsonaro é uma “caça às bruxas”, que deve acabar “imediatamente”. Esse tema é o começo da carta. Mais abaixo, Trump anuncia a taxa extra sobre produtos originários do Brasil e mente quando diz que o Brasil tem vantagem no comércio com os Estados Unidos.
Um dos idealizadores do movimento Make America Great Again ( Maga) e conselheiro de Trump, Steve Bannon deixou claro o que se pretende com a taxação: “Derrubem o processo contra Bolsonaro e derrubamos a taxação”. É extorsão explícita. Daí, corretamente, o editorial de quinta-feira passada do Estadão dizer (10/7, A3): “Trata-se de coisa de mafiosos”.
Serenamente, o presidente Lula disse que o Brasil poderá recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), aplicar o princípio da reciprocidade (impor tarifas iguais sobre os produtos dos Estados Unidos que entram no Brasil), ou adotar outras medidas. Mas não agirá sob tensão. O presidente disse que poderá conversar com Trump, embora não veja necessidade disso. No dia seguinte, Trump disse a mesma coisa.
Ao ficar claro que Bolsonaro foi o principal motivo para o gesto diplomaticamente disparatado do presidente norteamericano, os seguidores do candidato derrotado em 2022 começaram a se preocupar.
Tentaram justificar a decisão de Trump como resposta a alguma coisa que o governo brasileiro tenha feito e desagradado à Casa Branca. Mas parecem ter entendido que o fato tende a ser-lhes politicamente nocivo.
Quem mais agudamente percebeu esse impacto, e avaliou que deve ser o mais prejudicado do ponto de vista eleitoral, foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. No dia do anúncio das medidas de Trump, Tarcísio parecia ainda sentir-se do lado dos vitoriosos. Subserviente, como se mostrou em janeiro ao usar o boné do Maga quando seu ídolo tomou posse na Casa Branca, Tarcísio elogiou a taxação e culpou Lula. Ouviu do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que um candidato a presidente da República (como Tarcísio pretende ser) não pode ser vassalo.
Mas Tarcísio entendeu que o maior impacto da taxação será sobre a economia paulista. E que o responsável por tudo isso, na verdade, é Bolsonaro. Começou a movimentar-se.
O azafamado governador foi a Brasília, ouviu Bolsonaro, conversou com o chefe da representação diplomática americana dispondo-se a discutir tarifas e, pelo que se noticiou, procurou ministros do Supremo Tribunal Federal em busca de autorização para Bolsonaro viajar aos Estados Unidos e negociar com o governo Trump. Tudo errado. Não compete a governo estadual negociar tarifas internacionais, nem a um cidadão comum, sem direito a passaporte e sob o risco de ser preso, como Bolsonaro, falar em nome do Brasil.
A depender do governo brasileiro, essa poeira artificialmente levantada por Trump e pelos bolsonaristas vai baixar. Em algum momento, o mundo mostrará a Trump que a convivência internacional exige um mínimo de respeito a regras aplicáveis a todas as nações.
O País, então, voltará a pensar no que precisa fazer, a começar pela definição de meios para o ajuste fiscal, como a taxação dos que podem muito e pagam pouco imposto. Essa é uma discussão que não pode mais ser ignorada.
Talvez pior do que o método de endereçamento de uma carta com tantas implicações políticas, diplomáticas e comerciais seja sua forma. Obviamente deselegante, é mal estruturada e de estilo claudicante. Um bom redator se envergonharia de precisar usar maiúsculas para enfatizar alguma coisa. Mais ainda, a carta é mendaz.
Tudo isso parece reproduzir traços essenciais do missivista. Trump é a prova mais clara de que o fato de uma pessoa ser milionária não lhe retira vulgaridade nem lhe confere qualidades. Embora disponha de capacidade política para vencer duas disputas presidenciais na nação mais poderosa do mundo, Trump está longe de ser um estadista. É uma figura tosca, grosseira, autoritária, que não hesita em mentir se a mentira o beneficia.
Sua carta mente. Pior, tem avisos e ameaças graves, como a imposição de taxação de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil.
Tudo isso porque, como é necessário para a defesa da democracia, as autoridades judiciais brasileiras estão prestes a julgar os responsáveis pelo golpe de Estado articulado logo após conhecidos os resultados da eleição presidencial de 2022 para manter no poder o candidato derrotado Jair Messias Bolsonaro. Para Trump, o que o Brasil faz com Bolsonaro é uma “caça às bruxas”, que deve acabar “imediatamente”. Esse tema é o começo da carta. Mais abaixo, Trump anuncia a taxa extra sobre produtos originários do Brasil e mente quando diz que o Brasil tem vantagem no comércio com os Estados Unidos.
Um dos idealizadores do movimento Make America Great Again ( Maga) e conselheiro de Trump, Steve Bannon deixou claro o que se pretende com a taxação: “Derrubem o processo contra Bolsonaro e derrubamos a taxação”. É extorsão explícita. Daí, corretamente, o editorial de quinta-feira passada do Estadão dizer (10/7, A3): “Trata-se de coisa de mafiosos”.
Serenamente, o presidente Lula disse que o Brasil poderá recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), aplicar o princípio da reciprocidade (impor tarifas iguais sobre os produtos dos Estados Unidos que entram no Brasil), ou adotar outras medidas. Mas não agirá sob tensão. O presidente disse que poderá conversar com Trump, embora não veja necessidade disso. No dia seguinte, Trump disse a mesma coisa.
Ao ficar claro que Bolsonaro foi o principal motivo para o gesto diplomaticamente disparatado do presidente norteamericano, os seguidores do candidato derrotado em 2022 começaram a se preocupar.
Tentaram justificar a decisão de Trump como resposta a alguma coisa que o governo brasileiro tenha feito e desagradado à Casa Branca. Mas parecem ter entendido que o fato tende a ser-lhes politicamente nocivo.
Quem mais agudamente percebeu esse impacto, e avaliou que deve ser o mais prejudicado do ponto de vista eleitoral, foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. No dia do anúncio das medidas de Trump, Tarcísio parecia ainda sentir-se do lado dos vitoriosos. Subserviente, como se mostrou em janeiro ao usar o boné do Maga quando seu ídolo tomou posse na Casa Branca, Tarcísio elogiou a taxação e culpou Lula. Ouviu do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que um candidato a presidente da República (como Tarcísio pretende ser) não pode ser vassalo.
Mas Tarcísio entendeu que o maior impacto da taxação será sobre a economia paulista. E que o responsável por tudo isso, na verdade, é Bolsonaro. Começou a movimentar-se.
O azafamado governador foi a Brasília, ouviu Bolsonaro, conversou com o chefe da representação diplomática americana dispondo-se a discutir tarifas e, pelo que se noticiou, procurou ministros do Supremo Tribunal Federal em busca de autorização para Bolsonaro viajar aos Estados Unidos e negociar com o governo Trump. Tudo errado. Não compete a governo estadual negociar tarifas internacionais, nem a um cidadão comum, sem direito a passaporte e sob o risco de ser preso, como Bolsonaro, falar em nome do Brasil.
A depender do governo brasileiro, essa poeira artificialmente levantada por Trump e pelos bolsonaristas vai baixar. Em algum momento, o mundo mostrará a Trump que a convivência internacional exige um mínimo de respeito a regras aplicáveis a todas as nações.
O País, então, voltará a pensar no que precisa fazer, a começar pela definição de meios para o ajuste fiscal, como a taxação dos que podem muito e pagam pouco imposto. Essa é uma discussão que não pode mais ser ignorada.
Meus povos
Precisava também de dizer meus povos. Meu corpo não define meu sentimento por inteiro e não pode mandar em minha pertença. Pertencemos por afecto e por fascínio. Somos capturados até sem contar, quando algo se coloca diante de nós e nos cabe de tal maneira que o passamos a ter como medida para todas as coisas, uma espécie de sapato de cristal que vamos calçando nos próprios pés para assumir o que é paixão e o que não vai mais nos conquistar.
Sermos daqui ou dali não obedece ao lugar do corpo. A cultura naturaliza-nos de outro modo e é mestiça. É identidade de um pouco de cada coisa e quem é só de um lugar é pobre porque nenhum lugar é inteiro.
Os povos originários do Brasil, como de toda a América do Sul, fascinam-me e eu jamais esquecerei o que me disse o cacique dos Anacés, ali cerca de Fortaleza: vá, e diga ao seu povo branco que um dia chegou aqui para nos matar, que seguimos de braços abertos para o receber como amigos. Ensine ao seu povo que somos amigos. Talvez nunca como então me tenha sentido tão honrado. Abraçaram minha visita, ofereceram-me o mais belo ramo entrançado de uma estranha folha gigante. Fizeram cantos, danças, pintaram os seus rostos, sorriram e pediram paz. Eu senti que não poderia jamais escapar daquele sentimento de urgência que em Portugal, esse futuro sempre europeu, não se sente. É, sim, fundamental que saibamos o impacto do passado no presente. É importante essa consciência para terminar seus efeitos e começar a mais elementar solidariedade. Ao menos, a solidariedade, contra toda a agressão, espoliação e assassinato a que sujeitam ainda os povos originários, esses que são o Brasil original, o Brasil sem as doenças brancas que quase os extinguiram.
Anotei no meu caderno um trecho que imaginei para algum instante no livro, mas que acabou por não ser usado. Sobrou no caderno como um afinador importante para o meu pensamento e esteve sempre presente. Diz: “por toda a parte se chama Brasil. Do baixinho de uma árvore, mesmo raiz, até ao pescoço mais alto, depois da copa, depois até do pássaro, mesmo que voando só na claridade, é chamado Brasil. E na água, movendo e mudando, e seus bichos dentro e ao fundo, a fumaça e o som, é Brasil. Como se não fosse necessário nenhum outro nome. Entoaríamos Brasil e isso seria infinito de significados. O Brasil, coisa tão ávida. Uma espécie de assombração. Um ser em toda a parte ao jeito só da Divindade. O guerreiro branco, imediatamente impedindo a palavra, perguntou: "como tirar o Brasil de sob, de sobre e de dentro de nossas matas, nossos mares, nossos bichos e nossos corpos. Como tirar o Brasil de nossas ideias.”
Imaginei que aos povos encontrados subitamente em suas naturalíssimas comunidades era dito que o tamanho daquela terra estava tomado por um poder absurdo que nomeara tudo a seu serviço. Como poderiam estar ao serviço as matas e as águas grandes da Amazónia, os bichos e os corpos das pessoas que jamais esperaram ver brancos e, sobretudo, terem-nos como donos, autoridades, ferozes companhias, prepotentes assassinos.
Esta é também uma terna História dos negros, mas, como a maioria das feitas pelos brancos, quis muito que sobrasse uma espécie de rasura, a impressão de ausência como se o negro houvesse de ser um elemento usado e deitado ao esquecimento. Julgo que apenas com a morte do meu pai chorei como à escrita de alguns destes capítulos e teve sempre que ver com a figura de Meio da Noite, essa sombra que nunca se ensimesmou o bastante, mas favoreceu seu irmão. Admito que me apaixonei por completo pelo guerreiro desiluminado. Fazer com que o livro seja uma ingrata forma de contar uma história negra é uma crueldade que sinto ser necessária. É necessário atentar como em quase tudo apagamos os negros que foram, afinal, presentes e fundamentais.
Valter Hugo Mãe, "As doenças do Brasil"
Sermos daqui ou dali não obedece ao lugar do corpo. A cultura naturaliza-nos de outro modo e é mestiça. É identidade de um pouco de cada coisa e quem é só de um lugar é pobre porque nenhum lugar é inteiro.
Este não é um retrato de comunidade alguma que exista. É o meu poema que tem que ver sobretudo com o assombro, o preconceito e a maravilha que sobra em alguém que quer sobretudo inventar uma hipótese por imaginação e exuberância. Não é minha intenção fazer antropologia, sociologia ou sequer história. Sou um colector de palavras. Concebo verdades como se fossem sobretudo vocabulares e aceito erros. Coloco-me diante de todas as coisas para catar o poema. É pelo poema, sua violência e seu fascínio, seu absoluto fulgor deitado sobre a realidade, que é pouco, que busco. É sempre pouco, busco muito mais.
Os povos originários do Brasil, como de toda a América do Sul, fascinam-me e eu jamais esquecerei o que me disse o cacique dos Anacés, ali cerca de Fortaleza: vá, e diga ao seu povo branco que um dia chegou aqui para nos matar, que seguimos de braços abertos para o receber como amigos. Ensine ao seu povo que somos amigos. Talvez nunca como então me tenha sentido tão honrado. Abraçaram minha visita, ofereceram-me o mais belo ramo entrançado de uma estranha folha gigante. Fizeram cantos, danças, pintaram os seus rostos, sorriram e pediram paz. Eu senti que não poderia jamais escapar daquele sentimento de urgência que em Portugal, esse futuro sempre europeu, não se sente. É, sim, fundamental que saibamos o impacto do passado no presente. É importante essa consciência para terminar seus efeitos e começar a mais elementar solidariedade. Ao menos, a solidariedade, contra toda a agressão, espoliação e assassinato a que sujeitam ainda os povos originários, esses que são o Brasil original, o Brasil sem as doenças brancas que quase os extinguiram.
Anotei no meu caderno um trecho que imaginei para algum instante no livro, mas que acabou por não ser usado. Sobrou no caderno como um afinador importante para o meu pensamento e esteve sempre presente. Diz: “por toda a parte se chama Brasil. Do baixinho de uma árvore, mesmo raiz, até ao pescoço mais alto, depois da copa, depois até do pássaro, mesmo que voando só na claridade, é chamado Brasil. E na água, movendo e mudando, e seus bichos dentro e ao fundo, a fumaça e o som, é Brasil. Como se não fosse necessário nenhum outro nome. Entoaríamos Brasil e isso seria infinito de significados. O Brasil, coisa tão ávida. Uma espécie de assombração. Um ser em toda a parte ao jeito só da Divindade. O guerreiro branco, imediatamente impedindo a palavra, perguntou: "como tirar o Brasil de sob, de sobre e de dentro de nossas matas, nossos mares, nossos bichos e nossos corpos. Como tirar o Brasil de nossas ideias.”
Imaginei que aos povos encontrados subitamente em suas naturalíssimas comunidades era dito que o tamanho daquela terra estava tomado por um poder absurdo que nomeara tudo a seu serviço. Como poderiam estar ao serviço as matas e as águas grandes da Amazónia, os bichos e os corpos das pessoas que jamais esperaram ver brancos e, sobretudo, terem-nos como donos, autoridades, ferozes companhias, prepotentes assassinos.
Esta é também uma terna História dos negros, mas, como a maioria das feitas pelos brancos, quis muito que sobrasse uma espécie de rasura, a impressão de ausência como se o negro houvesse de ser um elemento usado e deitado ao esquecimento. Julgo que apenas com a morte do meu pai chorei como à escrita de alguns destes capítulos e teve sempre que ver com a figura de Meio da Noite, essa sombra que nunca se ensimesmou o bastante, mas favoreceu seu irmão. Admito que me apaixonei por completo pelo guerreiro desiluminado. Fazer com que o livro seja uma ingrata forma de contar uma história negra é uma crueldade que sinto ser necessária. É necessário atentar como em quase tudo apagamos os negros que foram, afinal, presentes e fundamentais.
Valter Hugo Mãe, "As doenças do Brasil"
De que serve a bondade
De que serve a bondade
Quando os bondosos são logo abatidos,
ou são abatidos
Aqueles para quem foram bondosos?
De que serve a liberdade
Quando os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Quando só a sem-razão arranja a comida
de que cada um precisa?
Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
Por criar uma situação que torne possível
a bondade, e melhor;
A faça supérflua!
Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
Por criar uma situação que a todos liberte
E também o amor da liberdade
Faça supérfluo!
Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
Por criar uma situação
que faça da sem-razão dos indivíduos
Um mau negócio!
Bertolt Brecht
I. A. – Quem está a pensar?
Em Phaedrus, Platão conta como Sócrates, num diálogo com Phaedrus, alerta para os perigos de uma nova tecnologia – a escrita. Sócrates teme que a escrita, ao contrário de constituir um elixir capaz de exponenciar a sabedoria humana, destrua a memória interior. Sócrates receia que o homem delegue a memória neste sistema externo, perdendo a sua capacidade natural de memorização, a base do conhecimento.
A escrita e a imprensa permitiram-nos preservar o conhecimento, a informação e as ideias. A possibilidade de revisitarmos um conteúdo e sobre ele refletirmos. Liberto da necessidade de tudo recordar, o ser humano concentrou-se na compreensão, fomentando a capacidade de gerar novas ideias. A escrita potenciou a nossa memória.
Os estudos neurológicos demonstram que a criação de memórias depende do nosso envolvimento intelectual e emocional com um dado tema ou evento, da nossa “atenção”. António Damásio, em Sentir e Pensar, explora o tema em detalhe. Porque permanecem intensas as memórias associadas, por exemplo, a experiências especialmente emotivas. Na verdade, a escrita acelerou a aquisição de conhecimento, mas hoje, na era da internet, e em especial da Inteligência Artificial, os alertas de Sócrates parecem premonitórios.
Recentemente, o MIT publicou um estudo a aferir o impacto cognitivo da utilização do ChatGPT. A um grupo de alunos universitários foi solicitada a elaboração, em três momentos distintos, de uma composição. O grupo que não pôde recorrer ao Google nem ao ChatGPT apresentou a maior atividade cerebral e a capacidade de recordar o que tinha escrito. No extremo oposto, o eletroencefalograma realizado aos alunos que utilizaram o ChatGPT mostrava uma atividade cerebral quase nula. Após o teste, os alunos tinham dificuldade em recordar os detalhes e em se assumir como autores das composições. Num quarto momento, aos alunos que tinham utilizado o ChatGPT foi solicitado que a composição fosse realizada sem apoio externo (Google ou ChatGPT). Os alunos apresentaram dificuldades e a sua atividade cerebral manteve-se baixa, nos vários parâmetros. Inversamente, os alunos que não tinham utilizado o Google nem o ChatGPT, e que ora podiam fazê-lo, refizeram a composição, mantendo níveis elevados de atividade cerebral e com resultados positivos na qualidade do trabalho.
As composições foram corrigidas por dois professores de Inglês. Não obstante não serem informados de quais as composições produzidas com apoio do ChatGPT, conseguiram detetar. A gramática era perfeita, mas os temas repetiam-se.
A utilização dos motores de busca já tinha provocado o chamado “Google effect”, mais do que recordar em detalhe uma informação, tornámo-nos peritos em recordar onde podíamos encontrá-la. Ainda assim, tínhamos de gerir grandes quantidades de informação e analisá-la criticamente. Naturalmente, já sofríamos do viés do algoritmo que selecionava os resultados da nossa pesquisa, não com o objetivo de nos esclarecer, mas sim de prever o que consideraríamos mais interessante… assim assegurando mais tempo de visualização. Afinal, Google não é filantropia, é negócio.
Mas ora com o ChatGPT, a resposta é única e direta. Surge nos ecrãs – em segundos – bem construída, eloquente.
Os autores do estudo, naturalmente, concluem que introduzir o ChatGPT em ambiente escolar compromete a aquisição de conhecimentos. Mas não é também assim em ambiente laboral? Ou em sociedade? Desconsideramos análises complexas em prol de respostas simples (ou simplistas). Privilegiamos oradores assertivos. No ensino, temos uma responsabilidade como pais e educadores na seleção e na utilização dos instrumentos tecnológicos. Como profissionais e cidadãos, devemos assegurar que há espaço para a análise e a discussão profunda dos temas e que não somos toldados pela eficiência acrítica, ou apenas pelo poder da palavra, pela capacidade de comunicação. O desafio é utilizar este novo elixir com sentido crítico, para que nos potencie como seres humanos e não nos diminua nem substitua.
A escrita e a imprensa permitiram-nos preservar o conhecimento, a informação e as ideias. A possibilidade de revisitarmos um conteúdo e sobre ele refletirmos. Liberto da necessidade de tudo recordar, o ser humano concentrou-se na compreensão, fomentando a capacidade de gerar novas ideias. A escrita potenciou a nossa memória.
Os estudos neurológicos demonstram que a criação de memórias depende do nosso envolvimento intelectual e emocional com um dado tema ou evento, da nossa “atenção”. António Damásio, em Sentir e Pensar, explora o tema em detalhe. Porque permanecem intensas as memórias associadas, por exemplo, a experiências especialmente emotivas. Na verdade, a escrita acelerou a aquisição de conhecimento, mas hoje, na era da internet, e em especial da Inteligência Artificial, os alertas de Sócrates parecem premonitórios.
Recentemente, o MIT publicou um estudo a aferir o impacto cognitivo da utilização do ChatGPT. A um grupo de alunos universitários foi solicitada a elaboração, em três momentos distintos, de uma composição. O grupo que não pôde recorrer ao Google nem ao ChatGPT apresentou a maior atividade cerebral e a capacidade de recordar o que tinha escrito. No extremo oposto, o eletroencefalograma realizado aos alunos que utilizaram o ChatGPT mostrava uma atividade cerebral quase nula. Após o teste, os alunos tinham dificuldade em recordar os detalhes e em se assumir como autores das composições. Num quarto momento, aos alunos que tinham utilizado o ChatGPT foi solicitado que a composição fosse realizada sem apoio externo (Google ou ChatGPT). Os alunos apresentaram dificuldades e a sua atividade cerebral manteve-se baixa, nos vários parâmetros. Inversamente, os alunos que não tinham utilizado o Google nem o ChatGPT, e que ora podiam fazê-lo, refizeram a composição, mantendo níveis elevados de atividade cerebral e com resultados positivos na qualidade do trabalho.
As composições foram corrigidas por dois professores de Inglês. Não obstante não serem informados de quais as composições produzidas com apoio do ChatGPT, conseguiram detetar. A gramática era perfeita, mas os temas repetiam-se.
A utilização dos motores de busca já tinha provocado o chamado “Google effect”, mais do que recordar em detalhe uma informação, tornámo-nos peritos em recordar onde podíamos encontrá-la. Ainda assim, tínhamos de gerir grandes quantidades de informação e analisá-la criticamente. Naturalmente, já sofríamos do viés do algoritmo que selecionava os resultados da nossa pesquisa, não com o objetivo de nos esclarecer, mas sim de prever o que consideraríamos mais interessante… assim assegurando mais tempo de visualização. Afinal, Google não é filantropia, é negócio.
Mas ora com o ChatGPT, a resposta é única e direta. Surge nos ecrãs – em segundos – bem construída, eloquente.
Os autores do estudo, naturalmente, concluem que introduzir o ChatGPT em ambiente escolar compromete a aquisição de conhecimentos. Mas não é também assim em ambiente laboral? Ou em sociedade? Desconsideramos análises complexas em prol de respostas simples (ou simplistas). Privilegiamos oradores assertivos. No ensino, temos uma responsabilidade como pais e educadores na seleção e na utilização dos instrumentos tecnológicos. Como profissionais e cidadãos, devemos assegurar que há espaço para a análise e a discussão profunda dos temas e que não somos toldados pela eficiência acrítica, ou apenas pelo poder da palavra, pela capacidade de comunicação. O desafio é utilizar este novo elixir com sentido crítico, para que nos potencie como seres humanos e não nos diminua nem substitua.
A fritura anônima dos trópicos
As ondas de calor sempre foram desastres anônimos. Diferente dos furacões, o calor extremo sequer tem nome. Parte dos climatologistas europeus, com uma dose de humor negro, referira-se às ondas de calor dos últimos anos como Caronte e Cérbero, respectivamente o barqueiro dos mortos e o cão que guarda a entrada do inferno, da Divina Comédia, de Dante Alighieri.
Kathy Baughman McLeod, diretora do Centro de Resiliência da Fundação Adrienne Arsht-Rockefeller, afirma que nomear e categorizar ondas de calor com base em sua gravidade aumentariam a conscientização sobre os perigos do calor extremo: “O calor, por ser silencioso e invisível, não tem a natureza telegênica desses outros grandes riscos climáticos, como inundações, furacões e incêndios. Por isso está matando mais pessoas do que qualquer outro perigo climático. Precisa de relações públicas e branding“, disse ela.
No Oceano Atlântico, cerca de 20 tempestades tropicais, em média, são nominadas a cada ano. Em 2022, uma equipe da prefeitura de Sevilha, Espanha, testou a ideia de batizar a onda de calor de Zoe. De acordo com um artigo que a equipe publicou no ano passado, 6% dos residentes pesquisados que conseguiam lembrar o nome disseram que se envolveram em mais comportamentos de segurança contra o calor.
A França acaba de experimentar seu segundo mês mais quente de junho, marcado por secas e uma onda ainda anônima de calor. As altas temperaturas alteram a agricultura, prejudicam o desenvolvimento dos cereais, queimam plantas, causam sofrimento para os animais e mudam o humor da sociedade com a perda de sono.
Um estudo publicado em março na revista Nature, traz dados da pesquisa de uma equipe de chineses que estudou o sono de 214.445 participantes durante dois anos, para entender a influência da temperatura média diária no sono. Constataram que quando a temperatura sobe 10ºC a duração do sono durante uma noite diminui em 9,67 minutos, especialmente o sono profundo.
O sono e a temperatura estão intimamente ligados porque ”os neurônios que regulam a temperatura corporal estão localizados no mesmo lugar que aqueles que iniciam o sono”, explica Armelle Rancillac, pesquisadora do Collège de France. É no hipotálamo, uma pequena região do cérebro do tamanho de uma amêndoa, que muitas funções reguladoras são desempenhadas por meio da produção de neurotransmissores e hormônios. ”Durante uma onda de calor, o corpo monta um sistema de despertar para não subir muito de temperatura; é por isso que vamos ter um sono mais fragmentado“, afirma Rancillac.
Em Paris, os típicos telhados com declividade para suportar neve permitem pé direito elevado e habitação dos sótãos. Normalmente, esses espaços são usados por empregadas domésticas ou locados para estudantes e jovens profissionais, mas agora estão se tornando verdadeiras torradeiras. A diferença entre a temperatura na entrada de um edifício e seu sótão pode chegar a mais 10 graus, tornando esses espaços inabitáveis.
Os telhados parisienses são frequentemente revestidos com zinco, um material apreciado por sua durabilidade e fácil instalação, mas que armazena e libera calor fortemente. De acordo com um estudo do Atelier Parisiend’Urbanisme, publicado em outubro de 2022, 78% dos telhados parisienses são recobertos com esse metal.
Ao sul da Europa, o Mar Mediterrâneo está se revestindo de característica equatoriais, sofrendo, além do aumento de calor, as fortes influências do Sahara. Os furacões são mais constantes, agora chamados de Medicane (paródia de Hurricane), como os que se abateram sobre a Espanha e a Líbia nos últimos anos, ceifando milhares de vidas.
O desequilíbrio provocado pelo calor extremo, decorrente do agravamento da mudança climática, seja para os ecossistemas naturais ou áreas urbanizadas, ainda não foi devidamente dimensionado e previsto em políticas públicas, seja na América, África, Eurásia ou Oceania.
Exemplo disso foi a nova e intensa seca que surgiu na América do Sul, provocando uma devastação sem precedentes. Aumentou seu perímetro em 2024, potencializada pelo El Ninõ (este sim tem nome), provocando incêndios devastadores no Chile, secando rios no norte do Peru, Colômbia, Venezuela e na Amazônia central.
Isso desguarneceu as populações que dependiam de transporte e suprimentos por via fluvial. No Brasil o fogo devorou 30 milhões de hectares, uma área maior que a da Itália.
A seca de 2024, com falta de chuvas, baixa umidade do solo e redução das águas subterrâneas, amplificou incêndios, que se espalharam rapidamente por amplas regiões. O fogo encontrou combustível fácil na vegetação seca, na baixa umidade do ar e com o calor extremo.
A combustão atingia proporções fora de controle. Ao mesmo tempo, o Sul brasileiro se viu devastado por inundações, quando a umidade continental proveniente dos rios voadores da Amazônia se precipitou de forma concentrada, premida pela barreira da ilha de calor e seca que castigava o interior do continente.
Tanto a seca extrema do Norte, quanto o dilúvio no Sul, em 2024, merecia ter sido antecipados e nominados.
Proporções de dilúvio ocorreram novamente no Rio Grande do Sul – e surpreendentemente no semiárido Texas. Nos últimos anos choveu no Sahara e os Emirados Árabes Unidos foram palco de fortes inundações. Maior temperatura, mais calor extremo, mais evaporação, mais seca, mais chuva intensa, mais intempestividade. Assim, seguimos, rumo aos impactos inominados dos extremos.
A COP30 que se realizará em Belém do Pará visa combater esses extremos do desequilíbrio causado pelo aquecimento global. Este tem nome. Também tem nome as grandes corporações petrolíferas e de combustíveis fósseis que provocam mais e mais o aquecimento planetário.
O Brasil tem nome de árvore. Está dando identidade à COP30 com a figura do Curupira, aquele ser mítico protetor das árvores e dos animais que se transforma em fogo para combater degradadores da floresta – e que tem pés voltados para trás para despistar inimigos.
Proteger as florestas é a missão ecológica do Brasil, detentor das maiores massas arbóreas tropicais e de biodiversidade do planeta. Sua maior floresta, a Amazônica, está na mira do aquecimento global. Com mais de dois graus de temperatura média global a Amazônia tenderá a fenecer.
Na COP30, o Brasil como o Curupira, terá a missão de combater a degradação que incinera nossas florestas e as expansões globais dos combustíveis fósseis cujas consequências, muitas delas inominadas, se abatem, mais e mais, sobre a sociedade humana.
Carlos Bocuhy
Kathy Baughman McLeod, diretora do Centro de Resiliência da Fundação Adrienne Arsht-Rockefeller, afirma que nomear e categorizar ondas de calor com base em sua gravidade aumentariam a conscientização sobre os perigos do calor extremo: “O calor, por ser silencioso e invisível, não tem a natureza telegênica desses outros grandes riscos climáticos, como inundações, furacões e incêndios. Por isso está matando mais pessoas do que qualquer outro perigo climático. Precisa de relações públicas e branding“, disse ela.
No Oceano Atlântico, cerca de 20 tempestades tropicais, em média, são nominadas a cada ano. Em 2022, uma equipe da prefeitura de Sevilha, Espanha, testou a ideia de batizar a onda de calor de Zoe. De acordo com um artigo que a equipe publicou no ano passado, 6% dos residentes pesquisados que conseguiam lembrar o nome disseram que se envolveram em mais comportamentos de segurança contra o calor.
A França acaba de experimentar seu segundo mês mais quente de junho, marcado por secas e uma onda ainda anônima de calor. As altas temperaturas alteram a agricultura, prejudicam o desenvolvimento dos cereais, queimam plantas, causam sofrimento para os animais e mudam o humor da sociedade com a perda de sono.
Um estudo publicado em março na revista Nature, traz dados da pesquisa de uma equipe de chineses que estudou o sono de 214.445 participantes durante dois anos, para entender a influência da temperatura média diária no sono. Constataram que quando a temperatura sobe 10ºC a duração do sono durante uma noite diminui em 9,67 minutos, especialmente o sono profundo.
O sono e a temperatura estão intimamente ligados porque ”os neurônios que regulam a temperatura corporal estão localizados no mesmo lugar que aqueles que iniciam o sono”, explica Armelle Rancillac, pesquisadora do Collège de France. É no hipotálamo, uma pequena região do cérebro do tamanho de uma amêndoa, que muitas funções reguladoras são desempenhadas por meio da produção de neurotransmissores e hormônios. ”Durante uma onda de calor, o corpo monta um sistema de despertar para não subir muito de temperatura; é por isso que vamos ter um sono mais fragmentado“, afirma Rancillac.
Em Paris, os típicos telhados com declividade para suportar neve permitem pé direito elevado e habitação dos sótãos. Normalmente, esses espaços são usados por empregadas domésticas ou locados para estudantes e jovens profissionais, mas agora estão se tornando verdadeiras torradeiras. A diferença entre a temperatura na entrada de um edifício e seu sótão pode chegar a mais 10 graus, tornando esses espaços inabitáveis.
Os telhados parisienses são frequentemente revestidos com zinco, um material apreciado por sua durabilidade e fácil instalação, mas que armazena e libera calor fortemente. De acordo com um estudo do Atelier Parisiend’Urbanisme, publicado em outubro de 2022, 78% dos telhados parisienses são recobertos com esse metal.
Ao sul da Europa, o Mar Mediterrâneo está se revestindo de característica equatoriais, sofrendo, além do aumento de calor, as fortes influências do Sahara. Os furacões são mais constantes, agora chamados de Medicane (paródia de Hurricane), como os que se abateram sobre a Espanha e a Líbia nos últimos anos, ceifando milhares de vidas.
O desequilíbrio provocado pelo calor extremo, decorrente do agravamento da mudança climática, seja para os ecossistemas naturais ou áreas urbanizadas, ainda não foi devidamente dimensionado e previsto em políticas públicas, seja na América, África, Eurásia ou Oceania.
Exemplo disso foi a nova e intensa seca que surgiu na América do Sul, provocando uma devastação sem precedentes. Aumentou seu perímetro em 2024, potencializada pelo El Ninõ (este sim tem nome), provocando incêndios devastadores no Chile, secando rios no norte do Peru, Colômbia, Venezuela e na Amazônia central.
Isso desguarneceu as populações que dependiam de transporte e suprimentos por via fluvial. No Brasil o fogo devorou 30 milhões de hectares, uma área maior que a da Itália.
A seca de 2024, com falta de chuvas, baixa umidade do solo e redução das águas subterrâneas, amplificou incêndios, que se espalharam rapidamente por amplas regiões. O fogo encontrou combustível fácil na vegetação seca, na baixa umidade do ar e com o calor extremo.
A combustão atingia proporções fora de controle. Ao mesmo tempo, o Sul brasileiro se viu devastado por inundações, quando a umidade continental proveniente dos rios voadores da Amazônia se precipitou de forma concentrada, premida pela barreira da ilha de calor e seca que castigava o interior do continente.
Tanto a seca extrema do Norte, quanto o dilúvio no Sul, em 2024, merecia ter sido antecipados e nominados.
Proporções de dilúvio ocorreram novamente no Rio Grande do Sul – e surpreendentemente no semiárido Texas. Nos últimos anos choveu no Sahara e os Emirados Árabes Unidos foram palco de fortes inundações. Maior temperatura, mais calor extremo, mais evaporação, mais seca, mais chuva intensa, mais intempestividade. Assim, seguimos, rumo aos impactos inominados dos extremos.
A COP30 que se realizará em Belém do Pará visa combater esses extremos do desequilíbrio causado pelo aquecimento global. Este tem nome. Também tem nome as grandes corporações petrolíferas e de combustíveis fósseis que provocam mais e mais o aquecimento planetário.
O Brasil tem nome de árvore. Está dando identidade à COP30 com a figura do Curupira, aquele ser mítico protetor das árvores e dos animais que se transforma em fogo para combater degradadores da floresta – e que tem pés voltados para trás para despistar inimigos.
Proteger as florestas é a missão ecológica do Brasil, detentor das maiores massas arbóreas tropicais e de biodiversidade do planeta. Sua maior floresta, a Amazônica, está na mira do aquecimento global. Com mais de dois graus de temperatura média global a Amazônia tenderá a fenecer.
Na COP30, o Brasil como o Curupira, terá a missão de combater a degradação que incinera nossas florestas e as expansões globais dos combustíveis fósseis cujas consequências, muitas delas inominadas, se abatem, mais e mais, sobre a sociedade humana.
Carlos Bocuhy
Os gigantes corporativos que alimentam a máquina de guerra de Israel na Palestina
Francesca Albanese, Relatora Especial das Nações Unidas para a situação dos direitos humanos na Palestina ocupada, é um exemplo da noção de dizer a verdade aos poderosos. Esse "poder" não é personificado apenas por Israel ou mesmo pelos Estados Unidos, mas por uma comunidade internacional cuja relevância coletiva fracassou tragicamente em conter o genocídio em curso em Gaza.
Seu último relatório, "Da Economia da Ocupação à Economia do Genocídio", submetido ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 3 de julho, marca uma intervenção sísmica. Ele nomeia e implica, sem hesitar, empresas que não apenas permitiram que Israel mantivesse sua guerra e genocídio contra os palestinos, mas também confronta aqueles que permaneceram em silêncio diante desse horror que se desenrola.
"Economia do Genocídio", de Albanese, é muito mais do que um exercício acadêmico ou uma mera declaração moral em um mundo cuja consciência coletiva está sendo brutalmente testada em Gaza. O relatório é significativo por múltiplas razões interligadas. Crucialmente, oferece caminhos práticos para a responsabilização que transcendem a mera retórica diplomática e jurídica. Também apresenta uma nova abordagem ao direito internacional, posicionando-o não como um delicado ato de equilíbrio político, mas como uma ferramenta poderosa para confrontar a cumplicidade em crimes de guerra e expor as profundas falhas dos mecanismos internacionais existentes em Gaza.
Dois contextos vitais são importantes para entender a importância deste relatório, considerado uma acusação contundente do envolvimento corporativo direto, não apenas no genocídio israelense em curso em Gaza, mas no projeto colonial de Israel como um todo.
Primeiro, em fevereiro de 2020, após anos de atraso, o Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDHNU) divulgou um banco de dados que listava 112 empresas envolvidas em atividades comerciais em assentamentos israelenses ilegais na Palestina ocupada. O banco de dados expõe diversas gigantes corporativas – incluindo Airbnb, Booking.com, Motorola Solutions, JCB e Expedia – por ajudar Israel a manter sua ocupação militar e o apartheid.
Este evento foi particularmente devastador, considerando o fracasso consistente das Nações Unidas em controlar Israel ou em responsabilizar aqueles que sustentam seus crimes de guerra na Palestina. O banco de dados foi um passo importante que permitiu que as sociedades civis se mobilizassem em torno de um conjunto específico de prioridades, pressionando assim empresas e governos individuais a assumirem posições moralmente orientadas. A eficácia dessa estratégia foi claramente detectada pelas reações exageradas e iradas dos EUA e de Israel. Os EUA afirmaram que se tratava de uma tentativa do "desacreditado" Conselho "de alimentar retaliações econômicas", enquanto Israel a chamou de "capitulação vergonhosa" à pressão.
O genocídio israelense em Gaza, iniciado em 7 de outubro de 2023, no entanto, serviu como um lembrete gritante do fracasso total de todos os mecanismos existentes da ONU em alcançar até mesmo as expectativas mais modestas de alimentar uma população faminta durante um período de genocídio. De forma reveladora, essa foi a mesma conclusão oferecida pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que, em setembro de 2024, declarou que o mundo havia "falhado com o povo de Gaza".
Esse fracasso continuou por muitos meses e foi evidenciado pela incapacidade da ONU de sequer administrar a distribuição de ajuda na Faixa de Gaza, confiando a tarefa à chamada Fundação Humanitária de Gaza, um aparato violento administrado por mercenários que matou e feriu milhares de palestinos. A própria Albanese, é claro, já havia chegado a uma conclusão semelhante quando, em novembro de 2023, confrontou a comunidade internacional por "fracasso épico" em interromper a guerra e pôr fim ao "massacre sem sentido de civis inocentes".
O novo relatório de Albanese vai um passo além, desta vez apelando a toda a humanidade para que assuma uma posição moral e confronte aqueles que tornaram o genocídio possível. "Os empreendimentos comerciais que possibilitam e lucram com a obliteração de vidas de pessoas inocentes devem cessar", declara o relatório, exigindo incisivamente que "as entidades corporativas se recusem a ser cúmplices de violações de direitos humanos e crimes internacionais ou serão responsabilizadas".
De acordo com o relatório, as categorias de cumplicidade no genocídio são divididas em fabricantes de armas, empresas de tecnologia, empresas de construção, indústrias extrativas e de serviços, bancos, fundos de pensão, seguradoras, universidades e instituições de caridade.
Entre elas, estão Lockheed Martin, Microsoft, Amazon, Palantir, IBM e até mesmo a gigante dinamarquesa de transporte marítimo Maersk, entre quase 1.000 outras empresas. Foi seu conhecimento tecnológico, maquinário e coleta de dados coletivos que permitiram que Israel matasse, até o momento, mais de 57.000 pessoas e ferisse mais de 134.000 em Gaza, sem falar na manutenção do regime de apartheid na Cisjordânia.
O que o relatório de Albanese tenta fazer não é apenas nomear e envergonhar os parceiros de genocídio de Israel, mas nos dizer, como sociedade civil, que agora temos um quadro de referência abrangente que nos permitirá tomar decisões responsáveis, pressionar e responsabilizar esses gigantes corporativos.
“O genocídio em curso tem sido um empreendimento lucrativo”, escreve Albanese, citando o aumento maciço nos gastos militares de Israel, estimado em 65% entre 2023 e 2024 — chegando a US$ 46,5 bilhões.
O orçamento militar aparentemente infinito de Israel é um estranho fluxo de dinheiro, originalmente fornecido pelo governo dos EUA e depois reciclado por meio de corporações americanas, distribuindo assim a riqueza entre governos, políticos, corporações e inúmeros contratados. À medida que as contas bancárias incham, mais corpos palestinos são empilhados em necrotérios, valas comuns ou espalhados pelas ruas de Jabaliya e Khan Yunis.
Essa loucura precisa acabar e, como a ONU é incapaz de pará-la, governos individuais, organizações da sociedade civil e pessoas comuns devem fazer o trabalho, porque as vidas dos palestinos devem ter um valor muito maior do que os lucros corporativos e a ganância.
Ramzy Baroud
Seu último relatório, "Da Economia da Ocupação à Economia do Genocídio", submetido ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 3 de julho, marca uma intervenção sísmica. Ele nomeia e implica, sem hesitar, empresas que não apenas permitiram que Israel mantivesse sua guerra e genocídio contra os palestinos, mas também confronta aqueles que permaneceram em silêncio diante desse horror que se desenrola.
"Economia do Genocídio", de Albanese, é muito mais do que um exercício acadêmico ou uma mera declaração moral em um mundo cuja consciência coletiva está sendo brutalmente testada em Gaza. O relatório é significativo por múltiplas razões interligadas. Crucialmente, oferece caminhos práticos para a responsabilização que transcendem a mera retórica diplomática e jurídica. Também apresenta uma nova abordagem ao direito internacional, posicionando-o não como um delicado ato de equilíbrio político, mas como uma ferramenta poderosa para confrontar a cumplicidade em crimes de guerra e expor as profundas falhas dos mecanismos internacionais existentes em Gaza.
Dois contextos vitais são importantes para entender a importância deste relatório, considerado uma acusação contundente do envolvimento corporativo direto, não apenas no genocídio israelense em curso em Gaza, mas no projeto colonial de Israel como um todo.
Primeiro, em fevereiro de 2020, após anos de atraso, o Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDHNU) divulgou um banco de dados que listava 112 empresas envolvidas em atividades comerciais em assentamentos israelenses ilegais na Palestina ocupada. O banco de dados expõe diversas gigantes corporativas – incluindo Airbnb, Booking.com, Motorola Solutions, JCB e Expedia – por ajudar Israel a manter sua ocupação militar e o apartheid.
Este evento foi particularmente devastador, considerando o fracasso consistente das Nações Unidas em controlar Israel ou em responsabilizar aqueles que sustentam seus crimes de guerra na Palestina. O banco de dados foi um passo importante que permitiu que as sociedades civis se mobilizassem em torno de um conjunto específico de prioridades, pressionando assim empresas e governos individuais a assumirem posições moralmente orientadas. A eficácia dessa estratégia foi claramente detectada pelas reações exageradas e iradas dos EUA e de Israel. Os EUA afirmaram que se tratava de uma tentativa do "desacreditado" Conselho "de alimentar retaliações econômicas", enquanto Israel a chamou de "capitulação vergonhosa" à pressão.
O genocídio israelense em Gaza, iniciado em 7 de outubro de 2023, no entanto, serviu como um lembrete gritante do fracasso total de todos os mecanismos existentes da ONU em alcançar até mesmo as expectativas mais modestas de alimentar uma população faminta durante um período de genocídio. De forma reveladora, essa foi a mesma conclusão oferecida pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que, em setembro de 2024, declarou que o mundo havia "falhado com o povo de Gaza".
Esse fracasso continuou por muitos meses e foi evidenciado pela incapacidade da ONU de sequer administrar a distribuição de ajuda na Faixa de Gaza, confiando a tarefa à chamada Fundação Humanitária de Gaza, um aparato violento administrado por mercenários que matou e feriu milhares de palestinos. A própria Albanese, é claro, já havia chegado a uma conclusão semelhante quando, em novembro de 2023, confrontou a comunidade internacional por "fracasso épico" em interromper a guerra e pôr fim ao "massacre sem sentido de civis inocentes".
O novo relatório de Albanese vai um passo além, desta vez apelando a toda a humanidade para que assuma uma posição moral e confronte aqueles que tornaram o genocídio possível. "Os empreendimentos comerciais que possibilitam e lucram com a obliteração de vidas de pessoas inocentes devem cessar", declara o relatório, exigindo incisivamente que "as entidades corporativas se recusem a ser cúmplices de violações de direitos humanos e crimes internacionais ou serão responsabilizadas".
De acordo com o relatório, as categorias de cumplicidade no genocídio são divididas em fabricantes de armas, empresas de tecnologia, empresas de construção, indústrias extrativas e de serviços, bancos, fundos de pensão, seguradoras, universidades e instituições de caridade.
Entre elas, estão Lockheed Martin, Microsoft, Amazon, Palantir, IBM e até mesmo a gigante dinamarquesa de transporte marítimo Maersk, entre quase 1.000 outras empresas. Foi seu conhecimento tecnológico, maquinário e coleta de dados coletivos que permitiram que Israel matasse, até o momento, mais de 57.000 pessoas e ferisse mais de 134.000 em Gaza, sem falar na manutenção do regime de apartheid na Cisjordânia.
O que o relatório de Albanese tenta fazer não é apenas nomear e envergonhar os parceiros de genocídio de Israel, mas nos dizer, como sociedade civil, que agora temos um quadro de referência abrangente que nos permitirá tomar decisões responsáveis, pressionar e responsabilizar esses gigantes corporativos.
“O genocídio em curso tem sido um empreendimento lucrativo”, escreve Albanese, citando o aumento maciço nos gastos militares de Israel, estimado em 65% entre 2023 e 2024 — chegando a US$ 46,5 bilhões.
O orçamento militar aparentemente infinito de Israel é um estranho fluxo de dinheiro, originalmente fornecido pelo governo dos EUA e depois reciclado por meio de corporações americanas, distribuindo assim a riqueza entre governos, políticos, corporações e inúmeros contratados. À medida que as contas bancárias incham, mais corpos palestinos são empilhados em necrotérios, valas comuns ou espalhados pelas ruas de Jabaliya e Khan Yunis.
Essa loucura precisa acabar e, como a ONU é incapaz de pará-la, governos individuais, organizações da sociedade civil e pessoas comuns devem fazer o trabalho, porque as vidas dos palestinos devem ter um valor muito maior do que os lucros corporativos e a ganância.
Ramzy Baroud
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