A escrita e a imprensa permitiram-nos preservar o conhecimento, a informação e as ideias. A possibilidade de revisitarmos um conteúdo e sobre ele refletirmos. Liberto da necessidade de tudo recordar, o ser humano concentrou-se na compreensão, fomentando a capacidade de gerar novas ideias. A escrita potenciou a nossa memória.
Os estudos neurológicos demonstram que a criação de memórias depende do nosso envolvimento intelectual e emocional com um dado tema ou evento, da nossa “atenção”. António Damásio, em Sentir e Pensar, explora o tema em detalhe. Porque permanecem intensas as memórias associadas, por exemplo, a experiências especialmente emotivas. Na verdade, a escrita acelerou a aquisição de conhecimento, mas hoje, na era da internet, e em especial da Inteligência Artificial, os alertas de Sócrates parecem premonitórios.
Recentemente, o MIT publicou um estudo a aferir o impacto cognitivo da utilização do ChatGPT. A um grupo de alunos universitários foi solicitada a elaboração, em três momentos distintos, de uma composição. O grupo que não pôde recorrer ao Google nem ao ChatGPT apresentou a maior atividade cerebral e a capacidade de recordar o que tinha escrito. No extremo oposto, o eletroencefalograma realizado aos alunos que utilizaram o ChatGPT mostrava uma atividade cerebral quase nula. Após o teste, os alunos tinham dificuldade em recordar os detalhes e em se assumir como autores das composições. Num quarto momento, aos alunos que tinham utilizado o ChatGPT foi solicitado que a composição fosse realizada sem apoio externo (Google ou ChatGPT). Os alunos apresentaram dificuldades e a sua atividade cerebral manteve-se baixa, nos vários parâmetros. Inversamente, os alunos que não tinham utilizado o Google nem o ChatGPT, e que ora podiam fazê-lo, refizeram a composição, mantendo níveis elevados de atividade cerebral e com resultados positivos na qualidade do trabalho.
As composições foram corrigidas por dois professores de Inglês. Não obstante não serem informados de quais as composições produzidas com apoio do ChatGPT, conseguiram detetar. A gramática era perfeita, mas os temas repetiam-se.
A utilização dos motores de busca já tinha provocado o chamado “Google effect”, mais do que recordar em detalhe uma informação, tornámo-nos peritos em recordar onde podíamos encontrá-la. Ainda assim, tínhamos de gerir grandes quantidades de informação e analisá-la criticamente. Naturalmente, já sofríamos do viés do algoritmo que selecionava os resultados da nossa pesquisa, não com o objetivo de nos esclarecer, mas sim de prever o que consideraríamos mais interessante… assim assegurando mais tempo de visualização. Afinal, Google não é filantropia, é negócio.
Mas ora com o ChatGPT, a resposta é única e direta. Surge nos ecrãs – em segundos – bem construída, eloquente.
Os autores do estudo, naturalmente, concluem que introduzir o ChatGPT em ambiente escolar compromete a aquisição de conhecimentos. Mas não é também assim em ambiente laboral? Ou em sociedade? Desconsideramos análises complexas em prol de respostas simples (ou simplistas). Privilegiamos oradores assertivos. No ensino, temos uma responsabilidade como pais e educadores na seleção e na utilização dos instrumentos tecnológicos. Como profissionais e cidadãos, devemos assegurar que há espaço para a análise e a discussão profunda dos temas e que não somos toldados pela eficiência acrítica, ou apenas pelo poder da palavra, pela capacidade de comunicação. O desafio é utilizar este novo elixir com sentido crítico, para que nos potencie como seres humanos e não nos diminua nem substitua.

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