quarta-feira, 2 de julho de 2025
Futebol é regido por igualdade que falta na sociedade
Convidado pelos professores Carmen Rial e Fábio Machado Pinto, realizarei, gratificado, a conferência de abertura do Terceiro Colóquio Internacional INCT/Futebol. Saliento a coincidência do diálogo de pesquisadores do antigo “esporte bretão” no mesmo ano de uma Copa do Mundo de Clubes, no contexto de um espetáculo jurídico deprimente, em que se discutem culpabilidades causadas pelo rompimento de leis por golpistas. No STF discute-se a aplicação de leis por ministros e juristas, exato oposto da universal jurisprudência futebolística.
Na política, a lei tem espaço para anistia e burla. No futebol, a política é vencer seguindo as regras que legitimam vitória, empate ou derrota, porque valem para nós e — eis a novidade — para eles!
O futebol se mundializou pela capacidade de produzir igualdade democrática, ao lado da experiência de vitória e excelência em competições. Nada mais gratificante para sociedades colonizadas, marcadas pela autodepreciação, do que dar “um banho de bola” nos branquelos invencíveis. O roubo do futebol pelo Brasil e por outros povos periféricos é uma façanha revolucionária justamente porque não é definitiva e porque nega o determinismo.
Se as leis legitimavam a escravidão e sustentavam um sistema político com notável vocação para tirar vantagem de tudo, as do esporte e do futebol são universais. Valem para o campeão e para o lanterninha. Valem para os craques e para os “pernas de pau”. Essa é a grande lição do esporte em nossa sociedade elitista e aristocrática, marcada pela possibilidade de jogar nos dois times...
A aceitação de leis fixas torna o futebol um milagre para os tidos como “pobres” e para quem tem sofrido a permanente desonestidade dos governos. Vencer ou ganhar seguindo regras revela talento e trabalho, coisas raras na vida política. No futebol, não há como anular ou anistiar jogadores ou times desonestos e derrotados. Eis um contraste que, por si só, explica a paixão pelo futebol.
É essa substância democrática que atrai na esfera esportiva. Foi essa experiência com a liberdade e a igualdade que promoveu a forte reação de intelectuais que não suportavam mulheres torcendo livremente, ao lado da igualdade que associou brancos riquinhos a seus ex-escravos nos verdes campos da justiça social embutida no futebol!
Não tenho espaço para seguir, mas saliento que o futebol é hoje um tema acadêmico legítimo. Numa época em que ele, como o carnaval, era considerado o “ópio do povo” e assunto para reacionários, como Nélson Rodrigues, promovi o seu estudo no Museu Nacional. Ali, orientei Simoni Guedes e tive a satisfação de ler os ensaios sobre futebol de José Sérgio Leite Lopes, bem como do saudoso Afrânio Garcia, organizador de um pioneiro encontro para discuti-lo em Paris.
Recusando o reducionismo, examinei como o Brasil jogava futebol e como o futebol jogava o Brasil. Esse Brasil que, pelo menos no futebol, era obrigado a seguir as suas regras, sob pena de assassinar o jogo.
Aprofundei tal postura no livro “A bola corre mais que os homens”, publicado em 2006. Ensaio hoje vencido pela gloriosa fúria analítica de Antonio Risério em seu “Pelé: o negão planetário”. Um estudo importante porque, como o ensaio de Leite Lopes sobre Garrincha, concentra-se nos craques e introduz um campo burocratizado, o carisma. Aquele talento de “comer a bola” que os abençoados possuem. Donos desse dom — como, no Brasil, Ademir Menezes, Didi, Zico, Orlando, Nílton Santos, Garrincha ou Pelé — que representam o sumo do futebol em sua variante brasileira.
Na política, a lei tem espaço para anistia e burla. No futebol, a política é vencer seguindo as regras que legitimam vitória, empate ou derrota, porque valem para nós e — eis a novidade — para eles!
O futebol se mundializou pela capacidade de produzir igualdade democrática, ao lado da experiência de vitória e excelência em competições. Nada mais gratificante para sociedades colonizadas, marcadas pela autodepreciação, do que dar “um banho de bola” nos branquelos invencíveis. O roubo do futebol pelo Brasil e por outros povos periféricos é uma façanha revolucionária justamente porque não é definitiva e porque nega o determinismo.
Se as leis legitimavam a escravidão e sustentavam um sistema político com notável vocação para tirar vantagem de tudo, as do esporte e do futebol são universais. Valem para o campeão e para o lanterninha. Valem para os craques e para os “pernas de pau”. Essa é a grande lição do esporte em nossa sociedade elitista e aristocrática, marcada pela possibilidade de jogar nos dois times...
A aceitação de leis fixas torna o futebol um milagre para os tidos como “pobres” e para quem tem sofrido a permanente desonestidade dos governos. Vencer ou ganhar seguindo regras revela talento e trabalho, coisas raras na vida política. No futebol, não há como anular ou anistiar jogadores ou times desonestos e derrotados. Eis um contraste que, por si só, explica a paixão pelo futebol.
É essa substância democrática que atrai na esfera esportiva. Foi essa experiência com a liberdade e a igualdade que promoveu a forte reação de intelectuais que não suportavam mulheres torcendo livremente, ao lado da igualdade que associou brancos riquinhos a seus ex-escravos nos verdes campos da justiça social embutida no futebol!
Não tenho espaço para seguir, mas saliento que o futebol é hoje um tema acadêmico legítimo. Numa época em que ele, como o carnaval, era considerado o “ópio do povo” e assunto para reacionários, como Nélson Rodrigues, promovi o seu estudo no Museu Nacional. Ali, orientei Simoni Guedes e tive a satisfação de ler os ensaios sobre futebol de José Sérgio Leite Lopes, bem como do saudoso Afrânio Garcia, organizador de um pioneiro encontro para discuti-lo em Paris.
Recusando o reducionismo, examinei como o Brasil jogava futebol e como o futebol jogava o Brasil. Esse Brasil que, pelo menos no futebol, era obrigado a seguir as suas regras, sob pena de assassinar o jogo.
Aprofundei tal postura no livro “A bola corre mais que os homens”, publicado em 2006. Ensaio hoje vencido pela gloriosa fúria analítica de Antonio Risério em seu “Pelé: o negão planetário”. Um estudo importante porque, como o ensaio de Leite Lopes sobre Garrincha, concentra-se nos craques e introduz um campo burocratizado, o carisma. Aquele talento de “comer a bola” que os abençoados possuem. Donos desse dom — como, no Brasil, Ademir Menezes, Didi, Zico, Orlando, Nílton Santos, Garrincha ou Pelé — que representam o sumo do futebol em sua variante brasileira.
O imponderável na política
Na política há um fator incontrolável que não pede licença para entrar no saguão eleitoral e mudar o mapa dos votos. É o imponderável. Pode ocorrer a qualquer momento em qualquer lugar. Acidentes ou incidentes graves, eventos de grande impacto, borrascas inesperadas se escondem na caixa das coisas imponderáveis.
Começo contando o caso do jumento no Piauí. Eleições de 1986, comício de encerramento de Freitas Neto, do antigo PFL, na Praça do Marquês. Desde a manhã os carros de som convidavam o povo para o monumental show de Elba Ramalho. Às 18h, praça lotada, a massa urrava:
— Queremos Elba, queremos Elba!
Os caminhões com os equipamentos de som só chegaram em cima da hora do comício. Começou a cair um toró. Pipocos e faíscas. Os cabos, em curto-circuito, queimaram. Comício sem som? Elba mostrou o contrato:
— Sem som não canto.
Sob insistente apelo do candidato, propôs cantar uma música. Arrumaram um banjo para acompanhá-la. Nem mesmo começara a cantar, passou a vociferar:
— Imbecis, ignorantes, não façam isso.
No meio da multidão, a cena constrangedora: alguns bêbados abriam a boca de um jumento, derramando nela uma garrafa de cachaça. Sob apupos, acabava o comício.
As pesquisas nos davam, às vésperas do dia das eleições – em 15 de novembro de 1986 – entre 3% e 5% a mais que o adversário. Garantia do Instituto Gallup, por meio de Carlos Matheus, seu diretor, estabelecido em São Paulo. “Fiz e refiz”, dizia ele. Vibramos. No dia da eleição, senti em Teresina um clima de velório. Acompanhei Freitas Neto às urnas. Pouco aclamado. Perdemos a campanha por 1%. Concluí que um evento infeliz contribuiu para nossa derrota. Um showmício, que acabou sendo um caso de reversão de expectativas. O caso foi contado de boca a boca.
Às vezes, em minhas palestras, surge a pergunta:
— Professor, não pode haver um imponderável na política?
Respondo:
— Pode, sim. Por exemplo, um jumento embriagado no Piauí.
O fato é que a imponderabilidade permeia a história brasileira. Quem imaginaria que um presidente, idolatrado pelo povo, viria a cometer suicídio? O suicídio de Getúlio Vargas é um dos mais emblemáticos da lista de casos imponderáveis de nossa história. Em 24 de agosto 1954, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, Vargas se matou com um tiro no coração, deixando uma carta-testamento na qual expressou suas razões. O evento teve grande impacto na política brasileira, levando a mudanças e reconfigurações no cenário político nacional.
A renúncia de Jânio Quadros, na tarde de 25 de agosto de 1961, foi outro ato surpreendente e inesperado que deixou a nação em choque. Conhecido por sua postura populista e seu discurso contra a corrupção, Jânio assumiu o cargo com grande expectativa, mas seu governo foi marcado por medidas controversas e por uma série de divergências com as Forças Armadas.
O Congresso Nacional aceitou rapidamente a renúncia, mas a situação política se tornou ainda mais turbulenta. Os ministros das Forças Armadas se opuseram à posse do vice-presidente João Goulart, alegando que ele não seria capaz de governar. Em resposta, uma mobilização popular, conhecida como Campanha da Legalidade, ocorreu em diversas cidades do Brasil, defendendo a posse de João Goulart. A renúncia de Jânio Quadros e a crise que se seguiu marcaram um momento crucial da história brasileira.
Outro evento que chocou o País ocorreu em 13 de agosto de 2014, quando um avião caiu em Santos, no meio da cidade. A população ficou chocada ao descobrir que dentre as vítimas estava Eduardo Campos, que havia sido governador de Pernambuco por duas vezes e, em 2014, era o candidato à presidência da República com a terceira maior intenção de voto do País.
O mais recente caso de imponderabilidade foi o atentado contra Jair Bolsonaro. Em 6 de setembro de 2018, o então deputado federal Jair Bolsonaro sofreu um atentado durante um comício que promovia sua campanha eleitoral para a presidência do Brasil. Enquanto era carregado em meio a uma multidão de apoiadores, o deputado sofreu um golpe de faca na região do abdômen desferido por Adélio Bispo de Oliveira.
Ao todo, Bolsonaro realizou quatro cirurgias relacionadas aos danos causados no atentado, que tem sido usado para a transmissão de teorias conspiratórias, tanto por apoiadores quanto críticos de Bolsonaro, e até por ele mesmo. Apesar da facada e da abrupta mudança de rumos na campanha do candidato, que ficou impedido de ir às ruas e de comparecer a diversos eventos e debates, o ex-capitão foi o candidato mais votado no primeiro turno, em 7 de outubro de 2018, com 46,03% dos votos válidos, à frente de Fernando Haddad (PT) com 29,28% dos votos. Os dois disputaram o segundo turno em 28 de outubro, no qual Bolsonaro foi eleito presidente com 55,13% .
Em 30 de outubro de 2022, domingo, data do segundo turno do pleito, sob um clima tenso, repleto de expectativas e margem pequena para conceder a vitória a um dos dois candidatos representados por ideologias opostas, Lula venceu Bolsonaro com 2,1 milhões de votos de vantagem, alcançando votação recorde na eleição mais disputada da história do Brasil. De lá para cá, o País vivencia intenso ciclo de polarização política. E assim deverá continuar nos próximos tempos.
Sob essa moldura, resta torcer para que não sejamos surpreendidos com o Fator Imponderável, que, vez ou outra, costuma nos visitar.
Começo contando o caso do jumento no Piauí. Eleições de 1986, comício de encerramento de Freitas Neto, do antigo PFL, na Praça do Marquês. Desde a manhã os carros de som convidavam o povo para o monumental show de Elba Ramalho. Às 18h, praça lotada, a massa urrava:
— Queremos Elba, queremos Elba!
Os caminhões com os equipamentos de som só chegaram em cima da hora do comício. Começou a cair um toró. Pipocos e faíscas. Os cabos, em curto-circuito, queimaram. Comício sem som? Elba mostrou o contrato:
— Sem som não canto.
Sob insistente apelo do candidato, propôs cantar uma música. Arrumaram um banjo para acompanhá-la. Nem mesmo começara a cantar, passou a vociferar:
— Imbecis, ignorantes, não façam isso.
No meio da multidão, a cena constrangedora: alguns bêbados abriam a boca de um jumento, derramando nela uma garrafa de cachaça. Sob apupos, acabava o comício.
As pesquisas nos davam, às vésperas do dia das eleições – em 15 de novembro de 1986 – entre 3% e 5% a mais que o adversário. Garantia do Instituto Gallup, por meio de Carlos Matheus, seu diretor, estabelecido em São Paulo. “Fiz e refiz”, dizia ele. Vibramos. No dia da eleição, senti em Teresina um clima de velório. Acompanhei Freitas Neto às urnas. Pouco aclamado. Perdemos a campanha por 1%. Concluí que um evento infeliz contribuiu para nossa derrota. Um showmício, que acabou sendo um caso de reversão de expectativas. O caso foi contado de boca a boca.
Às vezes, em minhas palestras, surge a pergunta:
— Professor, não pode haver um imponderável na política?
Respondo:
— Pode, sim. Por exemplo, um jumento embriagado no Piauí.
O fato é que a imponderabilidade permeia a história brasileira. Quem imaginaria que um presidente, idolatrado pelo povo, viria a cometer suicídio? O suicídio de Getúlio Vargas é um dos mais emblemáticos da lista de casos imponderáveis de nossa história. Em 24 de agosto 1954, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, Vargas se matou com um tiro no coração, deixando uma carta-testamento na qual expressou suas razões. O evento teve grande impacto na política brasileira, levando a mudanças e reconfigurações no cenário político nacional.
A renúncia de Jânio Quadros, na tarde de 25 de agosto de 1961, foi outro ato surpreendente e inesperado que deixou a nação em choque. Conhecido por sua postura populista e seu discurso contra a corrupção, Jânio assumiu o cargo com grande expectativa, mas seu governo foi marcado por medidas controversas e por uma série de divergências com as Forças Armadas.
O Congresso Nacional aceitou rapidamente a renúncia, mas a situação política se tornou ainda mais turbulenta. Os ministros das Forças Armadas se opuseram à posse do vice-presidente João Goulart, alegando que ele não seria capaz de governar. Em resposta, uma mobilização popular, conhecida como Campanha da Legalidade, ocorreu em diversas cidades do Brasil, defendendo a posse de João Goulart. A renúncia de Jânio Quadros e a crise que se seguiu marcaram um momento crucial da história brasileira.
Outro evento que chocou o País ocorreu em 13 de agosto de 2014, quando um avião caiu em Santos, no meio da cidade. A população ficou chocada ao descobrir que dentre as vítimas estava Eduardo Campos, que havia sido governador de Pernambuco por duas vezes e, em 2014, era o candidato à presidência da República com a terceira maior intenção de voto do País.
O mais recente caso de imponderabilidade foi o atentado contra Jair Bolsonaro. Em 6 de setembro de 2018, o então deputado federal Jair Bolsonaro sofreu um atentado durante um comício que promovia sua campanha eleitoral para a presidência do Brasil. Enquanto era carregado em meio a uma multidão de apoiadores, o deputado sofreu um golpe de faca na região do abdômen desferido por Adélio Bispo de Oliveira.
Ao todo, Bolsonaro realizou quatro cirurgias relacionadas aos danos causados no atentado, que tem sido usado para a transmissão de teorias conspiratórias, tanto por apoiadores quanto críticos de Bolsonaro, e até por ele mesmo. Apesar da facada e da abrupta mudança de rumos na campanha do candidato, que ficou impedido de ir às ruas e de comparecer a diversos eventos e debates, o ex-capitão foi o candidato mais votado no primeiro turno, em 7 de outubro de 2018, com 46,03% dos votos válidos, à frente de Fernando Haddad (PT) com 29,28% dos votos. Os dois disputaram o segundo turno em 28 de outubro, no qual Bolsonaro foi eleito presidente com 55,13% .
Em 30 de outubro de 2022, domingo, data do segundo turno do pleito, sob um clima tenso, repleto de expectativas e margem pequena para conceder a vitória a um dos dois candidatos representados por ideologias opostas, Lula venceu Bolsonaro com 2,1 milhões de votos de vantagem, alcançando votação recorde na eleição mais disputada da história do Brasil. De lá para cá, o País vivencia intenso ciclo de polarização política. E assim deverá continuar nos próximos tempos.
Sob essa moldura, resta torcer para que não sejamos surpreendidos com o Fator Imponderável, que, vez ou outra, costuma nos visitar.
Genocídio: dimensões e limites
Um dos termos mais utilizados atualmente, não apenas no cenário jurídico, mas também nos debates em curso na esfera das políticas ambiental, cultural e internacional, além da sociologia, é a palavra genocídio, criada pelo jurista Raphael Lemkin quando publicou sua obra Axis Rule in Occupied Europe (1944), a partir da junção dos termos grego “genos” (clã, tribo, grupo) e latino “cides” (matar, destruir).
Lemkin, de formação jurídica e linguística, buscava criar uma categoria jurídico-penal para preencher uma lacuna injustificável nas leis internacionais (e também nacionais), propondo assim a tipificação de uma conduta que, no dizer de Winston Churchill, constituía “um crime sem nome”, ao se referir aos primeiros dias do Holocausto na Europa.
Mais do que isso, os estudos sobre os trabalhos desenvolvidos e, ainda que não publicados, dos documentos deixados por Lemkin, que morreu em 28 de agosto de 1959, na cidade de Nova York, onde passou a residir após fugir da Europa tomada pelo nazifascismo (Lemkin era judeu), demonstram que foi objetivo do jurista criar um termo forte e marcante, que chamasse a atenção pela gravidade do delito (a respeito, a obra de Samantha Power intitulada Genocídio – A Retórica Americana em Questão, pela Editora Companhia das Letras, 2004).
Assim, o crime de genocídio surge de uma concepção jurídica inserida na seara do Direito Penal e, ainda mais especificamente, do Direito Penal Internacional e atualmente projetada pela Convenção Para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, de 9 de dezembro de 1948 e pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, além de previsto por leis criminais domésticas, como a lei brasileira nº 2.889, de 1º de outubro de 1956. É essa sua origem e a base a partir da qual foram delineados pelo jurista os aspectos estruturais do tipo penal, seus elementos objetivo e subjetivo (mens rea).
Lemkin, a partir de sua percepção privilegiada sobre as intersecções que caracterizam o extermínio de um povo, propôs uma versão mais ampla do que aquela afinal abraçada pelo Direito Penal Internacional a partir das normas acima mencionadas, uma vez que o período pós-Segunda Guerra Mundial foi marcado pelas determinações políticas impostas pelas duas superpotências que, à época, despontaram: a União Soviética Stalinista e os Estados Unidos da América, sob Harry S. Truman. A visão do jurista não cabia nas novas equações geopolíticas dominantes. Por força de tal contexto, as ideias de genocídios causados por motivações políticas ou, ainda, o etnocídio (ou genocídio cultural), foram excluídos.
Para Raphael Lemkin: o crime de genocídio apresenta uma acepção mais ampla, isto é, não significa estritamente a destruição imediata de uma nação, exceto quando realizado por meio do assassinato em massa de todos os membros de um país. Em vez disso, deve ser entendido como um plano coordenado de diferentes ações cujo objetivo é a destruição dos fundamentos essenciais da vida de grupos de cidadãos, com o objetivo de aniquilar os próprios grupos1.
Aliás, o jurista concebeu em sua clássica obra distintas técnicas para consecução de um genocídio, ressaltando que este crime, na verdade, representa um ataque concentrado e coordenado contra todos os elementos do “nacionalismo” (ao nosso ver o termo “nacionalismo” deve ser aqui interpretado como os referenciais que compõem uma nação, tais como língua, cultura, costumes, crença, composição étnico-racial, bases relacionais etc.).
Assim, cuidamos, pela visão ‘lemkiana’, de elementos objetivos que vão além da existência física do grupo Aliás, o próprio pensador polonês alertou no sentido da visão restrita e limitada sobre o crime de genocídio ou do etnocídio circunscrita ao imediato extermínio de uma nação, uma vez que a figura penal proposta também indicaria o plano coordenado de distintas ações em direção à destruição das bases essenciais da vida de grupos nacionais, visando a sua aniquilação.
Sobre tal proposição, Martin Shaw, Professor Pesquisador no Institut Barcelona d’Estudis Internacionals (IBEI) e Professor em Relações Internacionais e Direitos Humanos na Universidade de Roehampton, defende que um estudo sério sobre o crime de genocídio impõe a recuperação às lições de Raphael Lemkin, uma vez que muitos autores posteriores atribuem à Convenção de 1948 o conceito de genocídio, afastando-se das proposições lemkianas mais amplas, que o concebiam não apenas como uma conduta fruto da violência organizada mas, ainda, também como a destruição econômica e a perseguição; a ameaça à existência de uma coletividade e à própria ordem social.
Lemkin defendeu, originariamente, que o genocídio implica no conjunto de ações encetadas com o escopo de eliminar, por meio de um planejamento coordenado, as bases essenciais da vida de grupos nacionais. Seria, assim, um ataque voltado às searas física, econômica, biológica, política, social, cultural (etnocídio), religiosa e, ainda, à moralidade de um povo.
Para Shaw, o crime de genocídio constitui exatamente um processo exaustivo pelo qual se ataca e se destrói de forma ampla o modo de vida e as instituições do grupo humano oprimido. Logo, uma perspectiva mais estendida, próxima aos cânones lemkianos.
Trata-se da corrente “sociológica” do genocídio que defende certa reaproximação interpretativa com o modelo original proposto por Raphael Lemkin em 1944, não observado, por razões especialmente políticas, pelo Direito Internacional quando da aprovação da Convenção Para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, de 1948, mais restrita em sua concepção e definição de genocídio, assim como também pelo Estatuto de Roma, de 1998.
Nomes como Leo Kuper, o genocide scholar precursor; o próprio Martin Shaw; Daniel Feierstein, Dirk Moses, Helen Fein, Vahakn Dadrian, Tony Barta, Adam Jones dentre outros, inclusive autores e autoras brasileiros/as, como Heitor de Andrade Carvalho Loureiro, Mariana Boujikian e Nathalia Hovsepian (genocide scholars da nova geração e especialistas na temática do genocídio do povo armênio), representam parte da mencionada visão mais ampla e sociológica do genocídio.
A jurisprudência internacional vem também alargando tal conceito, porém com os cuidados necessários para não violar os princípios do Direito Penal, especialmente o Princípio da Legalidade. Afinal, o Direito Penal é, historicamente, instrumento ao qual recorrem regimes autoritários como arma de perseguição política diante de tipos penais abertos. A via assim percorrida pelas Cortes internacionais vem consagrando novos referenciais interpretativos para o reconhecimento do crime de genocídio. A própria ONU, na sua origem, propunha uma tipificação mais ampla para a caracterização do crime.
Assim, no ano de 1946, as Nações Unidas aprovaram Res. n° 96/1946 pela qual estabelecia a necessidade de que os Estados-membros aprovassem uma convenção para prevenir e reprimir o crime de genocídio. Para tanto, definiu em seu texto tal crime internacional como “a negação do direito à existência de grupos humanos inteiros, que impõe perdas no plano cultural e de outras contribuições dos grupos vitimados, cometido pela destruição total ou parcial de grupos raciais, religiosos, políticos e outros, além de quanto aos seus autores, cúmplices, sejam eles cometidos por agentes públicos, privados ou por estadistas”.
Como se nota, a proposição das Nações Unidas em 1946 para a tipificação do crime de genocídio era ampla, sugerindo a inserção das perdas no plano cultural, além da caracterização do crime por razões políticas “e outros”, logo, um tipo legal consideravelmente mais aberto, menos restrito.
Entretanto, em 9 de dezembro de 1948, a versão final o crime de genocídio aprovada restringiu demasiadamente a tipificação do genocídio, sob os seguintes termos: “entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional étnico, racial ou religioso, como tal: matar membros do grupo; causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo; efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”.
O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998) manteve as restrições acima comentadas ao definir o crime de genocídio em seu artigo 6º. E, como se nota, ao menos dois fatores restringem a incidência de tais normas internacionais: a) não foram previstas as hipóteses de genocídio praticado por razões políticas e culturais; e, b) como elemento subjetivo, somente pode ser reconhecido o crime de genocídio quando provada a presença do chamado dolo específico, ou seja, a demonstração inequívoca de que o único escopo do perpetrador é erradicar a existência coletiva de um grupo humano.
Em relação ao primeiro ponto, as críticas afirmam, em síntese, que a definição dos critérios “nacionalidade”, “religião”, “raça” e “etnia” como únicos fatores para caracterização do crime de genocídio, hierarquiza ou categoriza os seres-humanos. Assim, por exemplo, por qual motivo a orientação sexual não poderia ser inserida no citado rol? Recorde-se que a população LGBTQIAP+, uma das mais violentadas em seus direitos em diversos países e sob distintos regimes políticos e culturas, foi também perseguida, enclausurada e assassinada nos campos de concentração nazistas.
A exigência de prova da intenção constitui o principal foco das críticas quanto à suposta ineficácia das normas destinadas à prevenção e repressão do genocídio. Afinal, como demonstrar com segurança aquilo que se passa na mente do perpetrador? A Convenção de 1948, ao estabelecer a obrigatoriedade da prova específica da intenção em se cometer o extermínio (dolo específico), elemento subjetivo inspirado na experiência histórica do Holocausto, demasiadamente documentado pelos próprios nazistas perpetradores, tornou-se norma de difícil aplicabilidade. “Provar” perante uma Corte Internacional aspectos de ordem psicológica, como a intenção específica do extermínio de um grupo humano, é normalmente uma tarefa muito difícil.
Normalmente os debates judiciais ocorrem sobre a necessidade da prova do dolo específico, como ocorreu no caso Al Bashir (The Prosecutor v. Omar Hassan Ahmad Al Bashir) no âmbito do Tribunal Penal Internacional.
A jurisprudência dos tribunais internacionais vem estabelecendo, pouco a pouco, a possibilidade da prova indireta da intenção em se cometer o genocídio por meio da consideração a alguns elementos circunstanciais: a violência extrema; a extensão do número de vítimas; a sistematização das ações e dinâmicas e a escala sistemática dos crimes, o padrão de violência seletiva etc.
A prova indireta da intenção genocida, quando não possível a prova direta do dolo, já foi reconhecida pelo Tribunal Criminal Internacional Para Ruanda – ICTR (Anzinga. Nahimara et al. Appeal Judgment, paragraph 524, dentre outros), assim como pela Corte Internacional de Justiça, no caso Croácia vs. Sérvia, em voto vencido do Juiz brasileiro Antonio Augusto Cançado Trindade.
Outros casos conhecidos também reconheceram a possibilidade da prova indireta da intenção genocida, como o caso Prosecutor v. Krstić no Tribunal Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia. (ITCY).
De fato, trata-se de um aspecto dentre os que mais geram debates entre os estudiosos do genocídio. Ainda que se possa criticar as restrições consagradas pelo Direito Internacional, é importante que sejam considerados, de outro lado, os seguintes fatores: o genocídio é uma categoria jurídica; foi concebido como um “crime” e, portanto, ainda que seja atualmente um instituto presente nas discussões entre sociólogos, historiadores, antropólogos etc., quando se trata de casos concretos que chegam aos tribunais, o desafio maior gira em torno da prova da presença dos requisitos legais impostos pelo tipo penal vigente.
O alargamento dos elementos que tipificam o genocídio, de outro lado, podem gerar riscos aos princípios da legalidade, da anterioridade da lei penal e ao princípio da ampla defesa com todos os meios a ela inerentes. A ampliação na interpretação dos seus elementos caracterizadores requer cuidados, como já destacado acima, sob pena de comprometer o princípio do direito ao julgamento justo cunhado pelos julgamentos de Nuremberg.
Não é raro, inclusive, que contextos próprios de crimes de guerra e crimes contra a humanidade sejam equivocadamente interpretados como genocídio. Contudo, aqueles não exigem a prova do dolo específico. Aliás, para William Schabas, um dos grandes especialistas atualmente reconhecido e Professor da Middlesex University London, o crime contra a humanidade é a versão expandida do crime de genocídio.
Os requisitos atualmente necessários para a sua caracterização geram dificuldades quando considerados os genocídios cujas dinâmicas não correspondem exatamente aos modelos considerados pelo Direito Internacional vigente. É o caso do extermínio dos povos indígenas nas Américas, inclusive no Brasil. Os processos e os veículos desenvolvidos na eliminação das culturas autóctones não necessariamente correspondem, em alguns aspectos, à visão convencional internacional (por exemplo, ONU e TPI), ainda que eliminem a existência das bases essenciais para a existência de tais povos.
Seria, assim, importante, que o crime de genocídio tivesse por seu elemento tipificador também os aspectos essenciais e relacionais de suas culturas. O contexto cosmológico dos povos indígenas e as referências, que, por vezes, condicionam suas existências e identidades, devem ser considerados para que se possa identificar o cometimento do genocídio.
Se o genocídio destrói os corpos, o etnocídio elimina o espírito livre; ambos condicionam a existência coletiva. No genocídio o extermínio é meio; o fim é erradicar a identidade.
Lemkin, de formação jurídica e linguística, buscava criar uma categoria jurídico-penal para preencher uma lacuna injustificável nas leis internacionais (e também nacionais), propondo assim a tipificação de uma conduta que, no dizer de Winston Churchill, constituía “um crime sem nome”, ao se referir aos primeiros dias do Holocausto na Europa.
Mais do que isso, os estudos sobre os trabalhos desenvolvidos e, ainda que não publicados, dos documentos deixados por Lemkin, que morreu em 28 de agosto de 1959, na cidade de Nova York, onde passou a residir após fugir da Europa tomada pelo nazifascismo (Lemkin era judeu), demonstram que foi objetivo do jurista criar um termo forte e marcante, que chamasse a atenção pela gravidade do delito (a respeito, a obra de Samantha Power intitulada Genocídio – A Retórica Americana em Questão, pela Editora Companhia das Letras, 2004).
Assim, o crime de genocídio surge de uma concepção jurídica inserida na seara do Direito Penal e, ainda mais especificamente, do Direito Penal Internacional e atualmente projetada pela Convenção Para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, de 9 de dezembro de 1948 e pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, além de previsto por leis criminais domésticas, como a lei brasileira nº 2.889, de 1º de outubro de 1956. É essa sua origem e a base a partir da qual foram delineados pelo jurista os aspectos estruturais do tipo penal, seus elementos objetivo e subjetivo (mens rea).
Lemkin, a partir de sua percepção privilegiada sobre as intersecções que caracterizam o extermínio de um povo, propôs uma versão mais ampla do que aquela afinal abraçada pelo Direito Penal Internacional a partir das normas acima mencionadas, uma vez que o período pós-Segunda Guerra Mundial foi marcado pelas determinações políticas impostas pelas duas superpotências que, à época, despontaram: a União Soviética Stalinista e os Estados Unidos da América, sob Harry S. Truman. A visão do jurista não cabia nas novas equações geopolíticas dominantes. Por força de tal contexto, as ideias de genocídios causados por motivações políticas ou, ainda, o etnocídio (ou genocídio cultural), foram excluídos.
Para Raphael Lemkin: o crime de genocídio apresenta uma acepção mais ampla, isto é, não significa estritamente a destruição imediata de uma nação, exceto quando realizado por meio do assassinato em massa de todos os membros de um país. Em vez disso, deve ser entendido como um plano coordenado de diferentes ações cujo objetivo é a destruição dos fundamentos essenciais da vida de grupos de cidadãos, com o objetivo de aniquilar os próprios grupos1.
Aliás, o jurista concebeu em sua clássica obra distintas técnicas para consecução de um genocídio, ressaltando que este crime, na verdade, representa um ataque concentrado e coordenado contra todos os elementos do “nacionalismo” (ao nosso ver o termo “nacionalismo” deve ser aqui interpretado como os referenciais que compõem uma nação, tais como língua, cultura, costumes, crença, composição étnico-racial, bases relacionais etc.).
Assim, cuidamos, pela visão ‘lemkiana’, de elementos objetivos que vão além da existência física do grupo Aliás, o próprio pensador polonês alertou no sentido da visão restrita e limitada sobre o crime de genocídio ou do etnocídio circunscrita ao imediato extermínio de uma nação, uma vez que a figura penal proposta também indicaria o plano coordenado de distintas ações em direção à destruição das bases essenciais da vida de grupos nacionais, visando a sua aniquilação.
Sobre tal proposição, Martin Shaw, Professor Pesquisador no Institut Barcelona d’Estudis Internacionals (IBEI) e Professor em Relações Internacionais e Direitos Humanos na Universidade de Roehampton, defende que um estudo sério sobre o crime de genocídio impõe a recuperação às lições de Raphael Lemkin, uma vez que muitos autores posteriores atribuem à Convenção de 1948 o conceito de genocídio, afastando-se das proposições lemkianas mais amplas, que o concebiam não apenas como uma conduta fruto da violência organizada mas, ainda, também como a destruição econômica e a perseguição; a ameaça à existência de uma coletividade e à própria ordem social.
Lemkin defendeu, originariamente, que o genocídio implica no conjunto de ações encetadas com o escopo de eliminar, por meio de um planejamento coordenado, as bases essenciais da vida de grupos nacionais. Seria, assim, um ataque voltado às searas física, econômica, biológica, política, social, cultural (etnocídio), religiosa e, ainda, à moralidade de um povo.
Para Shaw, o crime de genocídio constitui exatamente um processo exaustivo pelo qual se ataca e se destrói de forma ampla o modo de vida e as instituições do grupo humano oprimido. Logo, uma perspectiva mais estendida, próxima aos cânones lemkianos.
Trata-se da corrente “sociológica” do genocídio que defende certa reaproximação interpretativa com o modelo original proposto por Raphael Lemkin em 1944, não observado, por razões especialmente políticas, pelo Direito Internacional quando da aprovação da Convenção Para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, de 1948, mais restrita em sua concepção e definição de genocídio, assim como também pelo Estatuto de Roma, de 1998.
Nomes como Leo Kuper, o genocide scholar precursor; o próprio Martin Shaw; Daniel Feierstein, Dirk Moses, Helen Fein, Vahakn Dadrian, Tony Barta, Adam Jones dentre outros, inclusive autores e autoras brasileiros/as, como Heitor de Andrade Carvalho Loureiro, Mariana Boujikian e Nathalia Hovsepian (genocide scholars da nova geração e especialistas na temática do genocídio do povo armênio), representam parte da mencionada visão mais ampla e sociológica do genocídio.
A jurisprudência internacional vem também alargando tal conceito, porém com os cuidados necessários para não violar os princípios do Direito Penal, especialmente o Princípio da Legalidade. Afinal, o Direito Penal é, historicamente, instrumento ao qual recorrem regimes autoritários como arma de perseguição política diante de tipos penais abertos. A via assim percorrida pelas Cortes internacionais vem consagrando novos referenciais interpretativos para o reconhecimento do crime de genocídio. A própria ONU, na sua origem, propunha uma tipificação mais ampla para a caracterização do crime.
Assim, no ano de 1946, as Nações Unidas aprovaram Res. n° 96/1946 pela qual estabelecia a necessidade de que os Estados-membros aprovassem uma convenção para prevenir e reprimir o crime de genocídio. Para tanto, definiu em seu texto tal crime internacional como “a negação do direito à existência de grupos humanos inteiros, que impõe perdas no plano cultural e de outras contribuições dos grupos vitimados, cometido pela destruição total ou parcial de grupos raciais, religiosos, políticos e outros, além de quanto aos seus autores, cúmplices, sejam eles cometidos por agentes públicos, privados ou por estadistas”.
Como se nota, a proposição das Nações Unidas em 1946 para a tipificação do crime de genocídio era ampla, sugerindo a inserção das perdas no plano cultural, além da caracterização do crime por razões políticas “e outros”, logo, um tipo legal consideravelmente mais aberto, menos restrito.
Entretanto, em 9 de dezembro de 1948, a versão final o crime de genocídio aprovada restringiu demasiadamente a tipificação do genocídio, sob os seguintes termos: “entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional étnico, racial ou religioso, como tal: matar membros do grupo; causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo; efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”.
O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998) manteve as restrições acima comentadas ao definir o crime de genocídio em seu artigo 6º. E, como se nota, ao menos dois fatores restringem a incidência de tais normas internacionais: a) não foram previstas as hipóteses de genocídio praticado por razões políticas e culturais; e, b) como elemento subjetivo, somente pode ser reconhecido o crime de genocídio quando provada a presença do chamado dolo específico, ou seja, a demonstração inequívoca de que o único escopo do perpetrador é erradicar a existência coletiva de um grupo humano.
Em relação ao primeiro ponto, as críticas afirmam, em síntese, que a definição dos critérios “nacionalidade”, “religião”, “raça” e “etnia” como únicos fatores para caracterização do crime de genocídio, hierarquiza ou categoriza os seres-humanos. Assim, por exemplo, por qual motivo a orientação sexual não poderia ser inserida no citado rol? Recorde-se que a população LGBTQIAP+, uma das mais violentadas em seus direitos em diversos países e sob distintos regimes políticos e culturas, foi também perseguida, enclausurada e assassinada nos campos de concentração nazistas.
A exigência de prova da intenção constitui o principal foco das críticas quanto à suposta ineficácia das normas destinadas à prevenção e repressão do genocídio. Afinal, como demonstrar com segurança aquilo que se passa na mente do perpetrador? A Convenção de 1948, ao estabelecer a obrigatoriedade da prova específica da intenção em se cometer o extermínio (dolo específico), elemento subjetivo inspirado na experiência histórica do Holocausto, demasiadamente documentado pelos próprios nazistas perpetradores, tornou-se norma de difícil aplicabilidade. “Provar” perante uma Corte Internacional aspectos de ordem psicológica, como a intenção específica do extermínio de um grupo humano, é normalmente uma tarefa muito difícil.
Normalmente os debates judiciais ocorrem sobre a necessidade da prova do dolo específico, como ocorreu no caso Al Bashir (The Prosecutor v. Omar Hassan Ahmad Al Bashir) no âmbito do Tribunal Penal Internacional.
A jurisprudência dos tribunais internacionais vem estabelecendo, pouco a pouco, a possibilidade da prova indireta da intenção em se cometer o genocídio por meio da consideração a alguns elementos circunstanciais: a violência extrema; a extensão do número de vítimas; a sistematização das ações e dinâmicas e a escala sistemática dos crimes, o padrão de violência seletiva etc.
A prova indireta da intenção genocida, quando não possível a prova direta do dolo, já foi reconhecida pelo Tribunal Criminal Internacional Para Ruanda – ICTR (Anzinga. Nahimara et al. Appeal Judgment, paragraph 524, dentre outros), assim como pela Corte Internacional de Justiça, no caso Croácia vs. Sérvia, em voto vencido do Juiz brasileiro Antonio Augusto Cançado Trindade.
Outros casos conhecidos também reconheceram a possibilidade da prova indireta da intenção genocida, como o caso Prosecutor v. Krstić no Tribunal Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia. (ITCY).
De fato, trata-se de um aspecto dentre os que mais geram debates entre os estudiosos do genocídio. Ainda que se possa criticar as restrições consagradas pelo Direito Internacional, é importante que sejam considerados, de outro lado, os seguintes fatores: o genocídio é uma categoria jurídica; foi concebido como um “crime” e, portanto, ainda que seja atualmente um instituto presente nas discussões entre sociólogos, historiadores, antropólogos etc., quando se trata de casos concretos que chegam aos tribunais, o desafio maior gira em torno da prova da presença dos requisitos legais impostos pelo tipo penal vigente.
O alargamento dos elementos que tipificam o genocídio, de outro lado, podem gerar riscos aos princípios da legalidade, da anterioridade da lei penal e ao princípio da ampla defesa com todos os meios a ela inerentes. A ampliação na interpretação dos seus elementos caracterizadores requer cuidados, como já destacado acima, sob pena de comprometer o princípio do direito ao julgamento justo cunhado pelos julgamentos de Nuremberg.
Não é raro, inclusive, que contextos próprios de crimes de guerra e crimes contra a humanidade sejam equivocadamente interpretados como genocídio. Contudo, aqueles não exigem a prova do dolo específico. Aliás, para William Schabas, um dos grandes especialistas atualmente reconhecido e Professor da Middlesex University London, o crime contra a humanidade é a versão expandida do crime de genocídio.
Os requisitos atualmente necessários para a sua caracterização geram dificuldades quando considerados os genocídios cujas dinâmicas não correspondem exatamente aos modelos considerados pelo Direito Internacional vigente. É o caso do extermínio dos povos indígenas nas Américas, inclusive no Brasil. Os processos e os veículos desenvolvidos na eliminação das culturas autóctones não necessariamente correspondem, em alguns aspectos, à visão convencional internacional (por exemplo, ONU e TPI), ainda que eliminem a existência das bases essenciais para a existência de tais povos.
Seria, assim, importante, que o crime de genocídio tivesse por seu elemento tipificador também os aspectos essenciais e relacionais de suas culturas. O contexto cosmológico dos povos indígenas e as referências, que, por vezes, condicionam suas existências e identidades, devem ser considerados para que se possa identificar o cometimento do genocídio.
Se o genocídio destrói os corpos, o etnocídio elimina o espírito livre; ambos condicionam a existência coletiva. No genocídio o extermínio é meio; o fim é erradicar a identidade.
Povos sem sorte
As pessoas podem sentir pena de um homem que está a passar por tempos difíceis, mas quando um país inteiro é pobre, o resto do mundo assume que todos os seus cidadãos são desmiolados, preguiçosos, sujos, tolos e desajeitados. Em vez de pena, provocam o riso. É tudo uma anedota: a sua cultura, os seus costumes, as suas práticas. Com o tempo o resto do mundo pode, parte dele, começar a ficar envergonhado por ter pensado dessa maneira, e quando olham em volta e vêem os imigrantes desse pobre país a esfregar o chão e a fazerem os trabalhos pior pagos, eles naturalmente preocupam-se sobre o que poderia acontecer se um dia estes trabalhadores se insurgissem contra eles. Assim, para manter as aparências agradáveis, começam a interessar-se pela cultura dos imigrantes e às vezes até fingem que pensam neles como se fossem seus iguais.
Orhan Pamuk
Orhan Pamuk
O impacto social da mineração de bitcoins nos EUA
No pacato vilarejo de Dresden, na margem ocidental do Lago Seneca, no estado de Nova York, o apito de incêndio soa todos os dias, ao meio-dia. Os cerca de 300 moradores não ligam: é um som familiar que já faz parte do cotidiano do lugar.
Mas há um barulho que alguns deles não conseguem mais aguentar: o zumbido constante da usina Greenidge Generation, uma antiga usina a carvão que hoje é uma usina de energia de pico movida a gás natural e que fornece eletricidade para Nova York durante os períodos de pico, ou seja, de alta demanda. Desde 2019, ela também alimenta uma fazenda de mineração de bitcoins que consome muita energia.
Os moradores dizem que, em alguns dias, o som se parece com o de uma geladeira zumbindo ao fundo, mas, quando o vento muda de direção, lembra mais um rugido. Winton Buddington, que tem uma casa em Dresden, disse que a vila era uma comunidade agradável e tranquila até 2017, quando a empresa Atlas Holdings comprou a propriedade.
A enfermeira aposentada Beth Cain afirma que pesquisas já mostraram que um ruído constante afeta as pessoas e cria estresse. "É como ter zumbido no ouvido [tinnitus]." E o som desagradável nem é a única preocupação dos moradores em relação à usina, que também despeja água quente no lago e emite dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa.
Muitos na comunidade, incluindo Yvonne Taylor, vice-presidente do grupo de defesa ambiental Guardiões do Lago Seneca, temem que a usina Greenidge represente uma ameaça à região, onde vinícolas e fazendas menonitas são grandes atrações turísticas. "A produção de vinho e o turismo são nosso motor econômico, e todos esses empregos dependem muito de ar e água limpos", diz Taylor.
A mineração de criptomoedas em larga escala, como em Dresden, usa milhares de computadores e consome enormes quantidades de energia. Em 2021, a planta de Greenidge gerava cerca de 44 megawatts para a mineração de bitcoins, o que, dependendo do nível de consumo, é suficiente para abastecer até 40 mil residências.
Muita energia também gera muitas emissões. Com os dados da própria Greenidge, o grupo de direito ambiental Earthjustice calculou que a planta emitiu quase 800 mil toneladas de dióxido de carbono e equivalentes de CO2 em 2023, o que equivale às emissões de mais de 170 mil automóveis.
De acordo com a agência Energy Information Administration (EIA), que coleta dados do setor de energia, 137 plantas de criptomineração estavam em operação nos Estados Unidos no início de 2024. Não há números mais atuais disponíveis, mas é de se esperar que, sob o governo de um autoproclamado "presidente das criptomoedas", as empresas de bitcoins enfrentem menos barreiras na busca por novos locais de mineração.
"Trump facilitará a vida das grandes mineradoras de bitcoins nos EUA, especialmente no oeste do Texas", diz o professor de filosofia Troy Cross, do think-tank Bitcoin Policy Institute. O Texas é um dos principais produtores de carvão e gás natural e também está entre os principais estados em geração de energia solar e eólica nos EUA.
O presidente já formou um grupo de trabalho para elaborar regulamentações a favor das criptomoedas e anunciou uma reserva nacional de ativos digitais. Numa reversão drástica de sua posição anterior de que bitcoin "não é dinheiro", mas "fraude", ele até lançou sua própria moeda meme.
Taylor diz que as fazendas de mineração de bitcoin estão "se espalhando pelo país como um câncer" e que "corporações de criptomoedas espertas" estão aparecendo em comunidades rurais carentes com promessas de geração de empregos e lucros.
Em Dresden, porém, a fazenda de mineração de bitcoins de Greenidge empregava 48 pessoas em tempo integral em 2022, ou quase o mesmo número de um restaurante do McDonald's, o que mostra que essas promessas estão longe da realidade, argumenta Taylor.
A especialista Margot Paez, do Bitcoin Policy Institute, afirma que a decisão da Greenidge de colocar sua fazenda de mineração de bitcoins junto com uma usina de gás natural é uma ideia "terrível". Mas ela acrescenta que a planta é "só uma maçã podre", sugerindo que os mineradores de bitcoin deveriam recorrer a energias renováveis ou apoiar o balanço energético da rede elétrica.
O estado de Nova York, numa avaliação preliminar de impacto ambiental das 11 instalações de criptomoedas dentro de suas fronteiras, afirmou que o consumo de energia dessas plantas pode dificultar o cumprimento de suas metas de transição para energias renováveis.
Outra preocupação de moradores e ambientalistas é consumo de água pela usina da Greenidge. Evitar o superaquecimento dos computadores de mineração de criptomoedas requer enormes quantidades de água. A instalação tem permissão para extrair até 525 milhões de litros por dia do Lago Seneca e despejar até 507 milhões de litros.
No entanto, como é usada para resfriamento, a água devolvida ao lago é muito mais quente do que a retirada. A temperatura varia entre 30 graus no inverno e 42 graus no verão, o que, segundo moradores, torna o lago quente demais para a diversão dos banhistas.
Os moradores também temem que a água quente possa afetar a vida aquática e desencadear florações de algas nocivas. Em 2024, as autoridades ambientais estaduais registraram 377 florações de algas no lago. Em 2023 haviam sido apenas 50. A exposição a essas florações pode causar erupções cutâneas, tosse, dor de garganta, dor de estômago e vômitos.
Os moradores têm participado de ações judiciais. Até o momento, elas não deram em nada. Eles também fazem parte de uma rede de especialistas e ativistas de comunidades afetadas em 17 estados que entrou em contato com o grupo de trabalho de criptomoedas de Trump para explicar os impactos das políticas de criptomoedas em áreas rurais. Eles não receberam nenhuma resposta.
Ruim para o turismo
Entre os moradores de Dresden que alugam suas propriedades para visitantes que vêm conhecer o lago, há temores de que a proximidade com a usina de Greenidge prejudique os aluguéis para turistas.
E também na cidade vizinha de Geneva, a 16 quilômetros de Dresden, os moradores estão preocupados com os potenciais impacto da mineração de bitcoin. O proprietário da vinícola Billsboro, Vinny Aliperti, diz que a usina ainda não afetou seus negócios – mas ele acredita que afetará. "Lagos limpos são uma parte importante do agroturismo. Eles são a razão pela qual as pessoas visitam a área e as vinícolas", comenta.
A Greenidge, que no seu site se descreve como "líder ambiental em geração de energia e mineração de bitcoins", não respondeu aos contatos.
A administração da cidade de Torrey, que governa a vila de Dresden, disse que a usina cumpriu todos os requisitos, incluindo um estudo independente de ruído. "A usina de Greenidge tem sido uma parte importante da cidade de Torrey desde a década de 1930, permanecendo assim até hoje como uma valiosa empregadora e parceira da comunidade."
A empresa fez doações ao corpo de bombeiros voluntários de Dresden e ao parque infantil da vila, além de apoiar empresas da região durante a pandemia de covid-19.
"Eles fizeram essas coisas, mas não é algo que consideramos que valha a pena, considerando a poluição e o impacto que estão causando no meio ambiente", diz Buddington.
Gaea Katreena Cabico
Mas há um barulho que alguns deles não conseguem mais aguentar: o zumbido constante da usina Greenidge Generation, uma antiga usina a carvão que hoje é uma usina de energia de pico movida a gás natural e que fornece eletricidade para Nova York durante os períodos de pico, ou seja, de alta demanda. Desde 2019, ela também alimenta uma fazenda de mineração de bitcoins que consome muita energia.
Os moradores dizem que, em alguns dias, o som se parece com o de uma geladeira zumbindo ao fundo, mas, quando o vento muda de direção, lembra mais um rugido. Winton Buddington, que tem uma casa em Dresden, disse que a vila era uma comunidade agradável e tranquila até 2017, quando a empresa Atlas Holdings comprou a propriedade.
A enfermeira aposentada Beth Cain afirma que pesquisas já mostraram que um ruído constante afeta as pessoas e cria estresse. "É como ter zumbido no ouvido [tinnitus]." E o som desagradável nem é a única preocupação dos moradores em relação à usina, que também despeja água quente no lago e emite dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa.
Muitos na comunidade, incluindo Yvonne Taylor, vice-presidente do grupo de defesa ambiental Guardiões do Lago Seneca, temem que a usina Greenidge represente uma ameaça à região, onde vinícolas e fazendas menonitas são grandes atrações turísticas. "A produção de vinho e o turismo são nosso motor econômico, e todos esses empregos dependem muito de ar e água limpos", diz Taylor.
A mineração de criptomoedas em larga escala, como em Dresden, usa milhares de computadores e consome enormes quantidades de energia. Em 2021, a planta de Greenidge gerava cerca de 44 megawatts para a mineração de bitcoins, o que, dependendo do nível de consumo, é suficiente para abastecer até 40 mil residências.
Muita energia também gera muitas emissões. Com os dados da própria Greenidge, o grupo de direito ambiental Earthjustice calculou que a planta emitiu quase 800 mil toneladas de dióxido de carbono e equivalentes de CO2 em 2023, o que equivale às emissões de mais de 170 mil automóveis.
De acordo com a agência Energy Information Administration (EIA), que coleta dados do setor de energia, 137 plantas de criptomineração estavam em operação nos Estados Unidos no início de 2024. Não há números mais atuais disponíveis, mas é de se esperar que, sob o governo de um autoproclamado "presidente das criptomoedas", as empresas de bitcoins enfrentem menos barreiras na busca por novos locais de mineração.
"Trump facilitará a vida das grandes mineradoras de bitcoins nos EUA, especialmente no oeste do Texas", diz o professor de filosofia Troy Cross, do think-tank Bitcoin Policy Institute. O Texas é um dos principais produtores de carvão e gás natural e também está entre os principais estados em geração de energia solar e eólica nos EUA.
O presidente já formou um grupo de trabalho para elaborar regulamentações a favor das criptomoedas e anunciou uma reserva nacional de ativos digitais. Numa reversão drástica de sua posição anterior de que bitcoin "não é dinheiro", mas "fraude", ele até lançou sua própria moeda meme.
Taylor diz que as fazendas de mineração de bitcoin estão "se espalhando pelo país como um câncer" e que "corporações de criptomoedas espertas" estão aparecendo em comunidades rurais carentes com promessas de geração de empregos e lucros.
Em Dresden, porém, a fazenda de mineração de bitcoins de Greenidge empregava 48 pessoas em tempo integral em 2022, ou quase o mesmo número de um restaurante do McDonald's, o que mostra que essas promessas estão longe da realidade, argumenta Taylor.
A especialista Margot Paez, do Bitcoin Policy Institute, afirma que a decisão da Greenidge de colocar sua fazenda de mineração de bitcoins junto com uma usina de gás natural é uma ideia "terrível". Mas ela acrescenta que a planta é "só uma maçã podre", sugerindo que os mineradores de bitcoin deveriam recorrer a energias renováveis ou apoiar o balanço energético da rede elétrica.
O estado de Nova York, numa avaliação preliminar de impacto ambiental das 11 instalações de criptomoedas dentro de suas fronteiras, afirmou que o consumo de energia dessas plantas pode dificultar o cumprimento de suas metas de transição para energias renováveis.
Outra preocupação de moradores e ambientalistas é consumo de água pela usina da Greenidge. Evitar o superaquecimento dos computadores de mineração de criptomoedas requer enormes quantidades de água. A instalação tem permissão para extrair até 525 milhões de litros por dia do Lago Seneca e despejar até 507 milhões de litros.
No entanto, como é usada para resfriamento, a água devolvida ao lago é muito mais quente do que a retirada. A temperatura varia entre 30 graus no inverno e 42 graus no verão, o que, segundo moradores, torna o lago quente demais para a diversão dos banhistas.
Os moradores também temem que a água quente possa afetar a vida aquática e desencadear florações de algas nocivas. Em 2024, as autoridades ambientais estaduais registraram 377 florações de algas no lago. Em 2023 haviam sido apenas 50. A exposição a essas florações pode causar erupções cutâneas, tosse, dor de garganta, dor de estômago e vômitos.
Os moradores têm participado de ações judiciais. Até o momento, elas não deram em nada. Eles também fazem parte de uma rede de especialistas e ativistas de comunidades afetadas em 17 estados que entrou em contato com o grupo de trabalho de criptomoedas de Trump para explicar os impactos das políticas de criptomoedas em áreas rurais. Eles não receberam nenhuma resposta.
Ruim para o turismo
Entre os moradores de Dresden que alugam suas propriedades para visitantes que vêm conhecer o lago, há temores de que a proximidade com a usina de Greenidge prejudique os aluguéis para turistas.
E também na cidade vizinha de Geneva, a 16 quilômetros de Dresden, os moradores estão preocupados com os potenciais impacto da mineração de bitcoin. O proprietário da vinícola Billsboro, Vinny Aliperti, diz que a usina ainda não afetou seus negócios – mas ele acredita que afetará. "Lagos limpos são uma parte importante do agroturismo. Eles são a razão pela qual as pessoas visitam a área e as vinícolas", comenta.
A Greenidge, que no seu site se descreve como "líder ambiental em geração de energia e mineração de bitcoins", não respondeu aos contatos.
A administração da cidade de Torrey, que governa a vila de Dresden, disse que a usina cumpriu todos os requisitos, incluindo um estudo independente de ruído. "A usina de Greenidge tem sido uma parte importante da cidade de Torrey desde a década de 1930, permanecendo assim até hoje como uma valiosa empregadora e parceira da comunidade."
A empresa fez doações ao corpo de bombeiros voluntários de Dresden e ao parque infantil da vila, além de apoiar empresas da região durante a pandemia de covid-19.
"Eles fizeram essas coisas, mas não é algo que consideramos que valha a pena, considerando a poluição e o impacto que estão causando no meio ambiente", diz Buddington.
Gaea Katreena Cabico
Cúpula de calor
A obsessão dos britânicos com o tempo provavelmente antecede em muito as discussões sobre mudanças climáticas — é quase um passatempo nacional. Ao longo dos anos trabalhando com eles, percebi que falar sobre o clima funciona como um “aquecimento” antes de qualquer reunião.
Mas o que antes era apenas small talk virou assunto sério no verão de 2022, quando o Reino Unido registrou, pela primeira vez, temperaturas acima de 40 °C. Agora, em 2025, o país se prepara para reviver o drama.
A nova onda de calor chegou não só à Inglaterra, mas também à Europa Ocidental e aos Estados Unidos, onde cerca de 150 milhões de pessoas enfrentam temperaturas extremas neste momento.
Na Itália, cidades como Nápoles e Palermo se preparam para temperaturas de até 39 °C. Na Sicília, foram impostas restrições ao trabalho ao ar livre nos horários mais quentes do dia, devido ao risco à saúde.
Tudo indica que, entre os eventos climáticos extremos, as ondas de calor são os que os cientistas conseguem relacionar de forma mais consistente às mudanças climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis. À medida que o planeta aquece, a probabilidade de ocorrências de calor extremo cresce de maneira significativa.
Hoje, essas ondas de calor já acontecem em um cenário de aquecimento global de 1,2 °C, com a perspectiva de eventos ainda mais severos nas próximas décadas, à medida que as médias globais continuam subindo. O prognóstico sombrio tem sido pauta constante na mídia internacional.
Fredi Otto, climatologista que lidera o projeto World Weather Attribution, não hesita ao classificar as ondas de calor como verdadeiras “assassinas silenciosas”. Segundo dados do Programa Copernicus, a mortalidade relacionada ao calor aumentou 30% nos últimos 20 anos na Europa.
Vale lembrar que em julho de 2023, a Organização Mundial da Saúde declarou, pela primeira vez na história, a crise climática e os eventos extremos como emergências de saúde pública.
A argentina Celeste Saulo, secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial, afirmou ontem: “Precisamos aprender a viver com o calor extremo.” Ela sabe, assim como os cientistas, que a tendência é de piora se as mudanças climáticas não forem contidas. E a mensagem é clara: a única forma real de frear o aquecimento global é reduzir as emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo. Provavelmente, o maior desafio que humanidade já enfrentou.
Mas o que antes era apenas small talk virou assunto sério no verão de 2022, quando o Reino Unido registrou, pela primeira vez, temperaturas acima de 40 °C. Agora, em 2025, o país se prepara para reviver o drama.
A nova onda de calor chegou não só à Inglaterra, mas também à Europa Ocidental e aos Estados Unidos, onde cerca de 150 milhões de pessoas enfrentam temperaturas extremas neste momento.
Na Itália, cidades como Nápoles e Palermo se preparam para temperaturas de até 39 °C. Na Sicília, foram impostas restrições ao trabalho ao ar livre nos horários mais quentes do dia, devido ao risco à saúde.
Tudo indica que, entre os eventos climáticos extremos, as ondas de calor são os que os cientistas conseguem relacionar de forma mais consistente às mudanças climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis. À medida que o planeta aquece, a probabilidade de ocorrências de calor extremo cresce de maneira significativa.
Hoje, essas ondas de calor já acontecem em um cenário de aquecimento global de 1,2 °C, com a perspectiva de eventos ainda mais severos nas próximas décadas, à medida que as médias globais continuam subindo. O prognóstico sombrio tem sido pauta constante na mídia internacional.
Fredi Otto, climatologista que lidera o projeto World Weather Attribution, não hesita ao classificar as ondas de calor como verdadeiras “assassinas silenciosas”. Segundo dados do Programa Copernicus, a mortalidade relacionada ao calor aumentou 30% nos últimos 20 anos na Europa.
Vale lembrar que em julho de 2023, a Organização Mundial da Saúde declarou, pela primeira vez na história, a crise climática e os eventos extremos como emergências de saúde pública.
A argentina Celeste Saulo, secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial, afirmou ontem: “Precisamos aprender a viver com o calor extremo.” Ela sabe, assim como os cientistas, que a tendência é de piora se as mudanças climáticas não forem contidas. E a mensagem é clara: a única forma real de frear o aquecimento global é reduzir as emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo. Provavelmente, o maior desafio que humanidade já enfrentou.
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