No momento da prisão, houve, é claro, aqueles que acorreram aos fogos de artifício. Mas, com o perdão do trocadilho, soaram, no final das contas, artificiais. Era uma alegria de tolo: no dia seguinte, encontrei um desses espíritos fogueteiros e perguntei a razão de sua euforia, na noite anterior: ''foi porque acabou a corrupção no Brasil, ou apenas porque Lula foi preso?''. Não podendo dizer que a corrupção acabara, restou constrangido ao não admitir que sua questão residia, antes de tudo, na censura que desde sempre fez ao ex-presidente.
Todavia, tampouco houve a reação contrariada das massas, com que os dirigentes do PT contavam. A vida continuou lá fora, o Brasil não parou. As mobilizações prometidas não atingiram a normalidade da sociedade. Afora alguns atos de rebeldia inócua — carimbar notas de real, por exemplo —, o ''exército do Stédile'' se resumiu aos militantes do partido e dos movimentos sociais de sempre. As pessoas comuns, de modo frio e distante, indiferentes até, continuaram no ritmo de suas vidas.
Verdade que as pesquisas mostram que Lula, independente da prisão, é ainda a maior figura política do Brasil; que seu patrimônio eleitoral persiste — embora não se possa afirmar com qual consistência, pois isto apenas o tempo dirá. De algum modo, a resistente opção pelo ex-presidente, e o vazio ao centro, retratam o fracasso da República do Impeachment, a pinguela eticamente comprometida construída por Michel Temer, Aécio Neves e quejandos no MDB, no Centrão e no PSDB.
Aliás, um dos efeitos da prisão de Lula foi a aceleração dos processos judiciais contra o atual presidente e contra os tucanos, que até então caminhava a passos de bicho preguiça. E isto, é claro, é positivo — se o que se quer é, realmente, combater a corrupção no país.
Mas, o fato é que nesse primeiro mês de prisão, o ambiente ao invés de aquecer, arrefeceu. Os gritos de ''Lula livre'', pelo menos até aqui, não tomaram as ruas, embora ecoem em vários cantos do país, entoados pela militância artística e de esquerda. E é possível que, passados os primeiros 30 dias de indignação com a prisão, o que sobrevenha a partir de agora seja a gradual resignação e a percepção de que navegar de olho no horizonte é necessário. O pós-Lula ainda não se deu, mas querendo ou não seus companheiros, se aproxima vertiginosamente.
No que tange à direção do PT, o que se viu o estarrecimento diante de uma situação que deveria desde sempre ser considerada. É ridículo — mas não é inacreditável — que a prisão de Lula a tenha pegado de surpresa. A nomenclaturapartidária ainda não superou a fase das bravatas e da ilusão de que soluções que deseja possam se dar por mágica, ou pelo beneplácito da segunda turma do Supremo Tribunal Federal — o que, de fato, não é impossível.
Lutar pela liberdade de seu líder faz sentido e é legítimo. Antes de tudo, todo indivíduo tem direito a um advogado que o defenda. Mas, como partido, agarrar-se apenas à essa esperança revela o vazio. Nos anos 1980, uma blague dizia que ''deus ajuda as crianças, os bêbados e o PT''. O tempo passou, as crianças envelheceram, a ressaca moral se estabeleceu e esse deus parece ter perdido a paciência com os petistas.
O partido que já teve um estado maior de respeito, realista e pragmático — José Dirceu, Antônio Palocci, Luiz Gushiken, José Genoíno e Luiz Dulci, além de Lula —, se perde hoje na convicção ideológica e no sectarismo típico de movimento estudantil. Lideranças de maior visibilidade política e abrangência social, como Jaques Wagner e Fernando Haddad, são constrangidas pelo tacão burocrático de dirigentes como Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias.
A legenda prefere se prender ao senso comum de esquerda, com suas palavras de ordem. Como projeto de poder, regride ao jardim da infância de sua história, talvez ainda na crença da blague da proteção divina. Há, é evidente, o medo da fragmentação, sem o Lula que aglutine suas várias tendências. Mas, no fundo, a lógica que desenvolve se prende ao vício adquirido no pretenso hegemonismo que praticou ao longo dos anos.
Frequentemente, admite a formação de uma frente de esquerda, mas limita-se o campo aos satélites de sempre e, claro, com o PT na cabeça da chapa. Há um novo dogma: a suposta transferência de votos que Lula fará ao seu ungido será capaz de colocá-lo no segundo turno, quando o apoio virá por gravidade. É uma aposta simplória. Menos que anular os adversários e vencer a eleição, o PT se preocupa em não perder o domínio de seu campo de esquerda. Esta parece ser sua razão de Estado.
A simples hipótese de uma aliança com o PDT de Ciro Gomes é peremptoriamente descartada por sua presidente e pela maioria de sua direção. Não se admite o diálogo e quem o cogita corre o risco de ser classificado como traidor. Aproximações táticas nos estados, como por exemplo apoiar Márcio França, em São Paulo, liquidando o poder dos tucanos em seu terreno, sequer são consideradas. Como um Quixote, o PT prefere lutar contra moinhos de vento, fiando-se no idealismo puro do amor de Dulcinéia.
Carlos Melo