Outro fato notável e surpreendente desse país é que, apesar de ter sofrido por mais de 50 anos com guerrilhas sanguinárias, ligadas ao narcotráfico, algo que em qualquer outra nação latino-americana teria provocado um golpe de Estado e uma ditadura militar, a Colômbia continuou uma democracia, com liberdade de imprensa, eleições livres e juízes mais ou menos independentes.
Quando o presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) iniciaram negociações de paz, o mundo inteiro comemorou o fato e mais ainda quando, depois de uma longa discussão, ambas as partes chegaram a um acordo que parecia por um fim à guerra interminável.
Por isso, o mundo inteiro (eu também) teve uma enorme surpresa quando, no referendo que deveria consolidar o acordo, os eleitores colombianos o rechaçaram, respaldando aqueles, como o ex-presidente Álvaro Uribe, que se opuseram a ele achando que o governo havia feito concessões excessivas à guerrilha, sobretudo no que diz respeito aos crimes, sequestros e torturas de suas vítimas, praticados pelos guerrilheiros.
Acabo de passar alguns dias na Colômbia, onde serão realizadas eleições no dia 27, e os acordos de paz têm sido o ponto nevrálgico dos debates. Fiquei impressionado com a virulência dos ataques ao presidente Santos pelos oponentes dos acordos firmados, que o acusam de ter feito concessões exageradas a uma guerrilha desalmada, sustentada pelo narcotráfico e que deixou dispersas pelo país dezenas de milhares de famílias de vítimas.
E as críticas parecem contar com o respaldo de um grande segmento da opinião pública. Um exemplo pode dar uma ideia do volume de tais críticas: Humberto de la Calle, que foi o chefe da delegação negociadora do governo e agora é candidato pelo Partido Liberal, tem uma porcentagem ridícula nas pesquisas de intenção de voto, oscilando entre 3% e 4%.
Por outro lado, Iván Duque, candidato do Centro Democrático, partido de Uribe, que tem como vice-presidente Marta Lucía Ramírez, de origem conservadora, lidera as pesquisas com 10 pontos porcentuais à frente do seu adversário mais próximo, o esquerdista Gustavo Petro, ex-prefeito de Bogotá.
Creio que, com o tempo, a história reconhecerá o mérito de Juan Manuel Santos e uma maioria de colombianos terminará aceitando que foi oportuno e corajoso iniciar aquelas negociações para pôr um fim a uma guerra que vinha arruinando o país e obstruindo seu progresso, um anacronismo em uma época como a nossa em que pelo menos uma coisa ficou clara: não é com tiros, assassinatos, sequestros e tráfico de drogas que se acaba com a pobreza, as desigualdades e as injustiças em uma sociedade.
Não há um único exemplo provando o contrário, mas muitos que comprovam o oposto: se as Farc tivessem triunfado, teriam feito da Colômbia uma segunda Cuba ou uma segunda Venezuela, ou seja, uma ditadura brutal e paupérrima.
Com todas as deficiências nesses acordos apontadas por uma maioria de colombianos, eles serviram para deixar uma coisa bem evidente: apesar do que a propaganda revolucionária e extremista fez acreditar, as Farc, longe de representar o “povo”, são uma organização subalterna e temida e ao mesmo tempo desprezada.
Colômbia e o restante da América Latina sofrem do mesmo modo com a tragédia que vive a terra de BolívarA população colombiana em sua imensa maioria as repudia e, em vez de aplaudir sua incorporação à vida política do país, vê isso com ódio e temor. Por isso, o candidato presidencial da antiga guerrilha, Rodrigo Londoño (Timochenko), teve de renunciar a sua candidatura e os únicos parlamentares das Farc no novo Congresso serão aqueles a quem os acordos de paz asseguram um assento, apesar de os votos dos eleitores os terem rechaçado.
Os acordos de paz não teriam sido possíveis sem os duros golpes que o governo de Álvaro Uribe desferiu contra a guerrilha, um governo do qual Juan Manuel Santos foi um enérgico ministro da Defesa. “Faltou muito pouco para acabar com as Farc”, disse-me um amigo. Não sei se é certo, mas é verdade que, sem aqueles sérios reveses sofridos pela guerrilha, causados pelo governo anterior, que devolveram a confiança e recuperaram as estradas e boa parte do território ocupado pelos guerrilheiros, eles jamais teriam concordado em negociar.
O que deve ocorrer agora? Se as pesquisas forem mais ou menos exatas, Iván Duque deve vencer a eleição confortavelmente – talvez no primeiro turno. Apesar da sua juventude, é um homem capaz e, além da sua formação econômica e experiência financeira em organizações internacionais, é uma pessoa culta, que não se envergonha de ler poesia e romances. E tem como vice uma mulher que conheço e não hesito em afirmar que é admirável: Marta Lucía Ramírez.
O risco do populismo e do extremismo de Gustavo Petro parece descartado. Duque e Ramírez não propõem invalidar os acordos de paz, mas aperfeiçoá-los. Não será fácil a tarefa do futuro governante desse país com uma índole democrática tão sólida. Há um milhão de venezuelanos que, fugindo da fome, do desemprego e da repressão que transformaram seu país em um inferno, fugiram para a Colômbia, que os acolheu generosamente.
Mas, entre esses exilados, Maduro, seguindo o exemplo de Fidel Castro quando da famosa emigração em massa de cubanos que partiram do Porto de Mariel, aproveitou para esvaziar suas prisões de criminosos e foragidos e os animou a fugir para o país vizinho. Dessa maneira, deixa espaço para encher as celas de opositores democratas que se multiplicam a cada dia, enquanto a Venezuela desmorona na miséria e no caos, e castiga um país vizinho que abriu os braços às vítimas da sua demagogia e desvarios.
Não só a Venezuela necessita se desvencilhar o quanto antes de Maduro e a camarilha que o acompanha em seus desmandos, mas também a Colômbia e o restante da América Latina que sofrem do mesmo modo com a tragédia que vive a terra de Bolívar.
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