terça-feira, 24 de janeiro de 2017

A angústia agitada ou depressão acelerada?

Existe uma lenda de que alguém deprimido ou muito angustiado é aquele ser acamado, desvitalizado, trancado em um quarto escuro, preso a ideias negativistas, invadido por ideias de autoextermínio. Sim, muitas vezes esse é o estereótipo clássico do depressivo. Nesse caso, tomar um banho é um sacrifício, o dia tem o peso de um século, a dor na alma lentifica tudo, e, neste mundo crepuscular, até a fé se esvai. Esse tenebroso deserto é quase impossível de atravessar para o deprimido. Este buraco negro que traga força de vontade, emoções e sentimentos positivos, gravita pensamentos de culpa, pessimismo, ausência de esperança e luz, é indescritível. Quem consegue vivenciar isso e gradualmente superar, é, antes de tudo, um vitorioso, um forte, um herói! Não o contrário.

John-Kenn-Mortensen-2:
John Kenn Mortensen
Lamentavelmente, os que o circundam tendem a pensar o contrário: falta fé, é um fraco, preguiçoso, não quer reagir e, ainda, tentam erradamente cutucá-lo: “você que tem uma família ótima, boa condição, é inteligente...”. Por favor, não cometam tal heresia. O depressivo esvaiu suas energia vitais, psíquicas e de fé na vida. Cobrar dele qualquer reação é empurra-lo abismo abaixo. Precisa de ajuda e tratamento médico adequado. Compreensão, apoio, mãos dadas no breu que momentaneamente habita.

Mas, e quando o quadro é invertido? A pessoa se mostra agitada, inquieta, acha que nenhum lugar está bom, se transtorna com facilidade, algumas vezes fica agressiva, reclama de tudo, não dorme bem e já acorda de mau humor. Num mundo acelerado, corrido, competitivo, a angústia e a depressão se mascaram, e a confusão mental se instala.

Ideias de ruína, cismas, mania de perseguição e nervo à flor da pele fazem surgir sintomas físicos. A dor no peito contínua, o corpo dolorido como se cada fibra muscular doesse ao mesmo tempo, coração disparado, respiração curta como se faltasse ar. O corpo acelerado, a ausência de relaxamento, uma “pensação” disparada, sofrimentos antecipatórios, preocupações irrealistas e monotemática, parasitam a mente. Erradamente interpretada como fase maniforme ou bipolaridade, tem levado a tratamentos que ou sedam, ou impregnam, ou agravam o quadro. O diagnóstico se complica e retiram da pessoa sua potencialidade, qualidade de vida.

Talvez essa nova apresentação da “dor na alma seja característica de nossos tempos: hiperconectados 24 horas, sete dias por semana. Sempre insatisfeitos, correndo atrás de algo que no fundo é sobreviver. Nossa maquinação, perda do humanismo, um tempo acelerado, a sensação de que nunca seremos ou teremos aquilo que achamos ser ideal: riqueza, aparência impecável, sucesso. Abandonamos coisas simples, olhos nos olhos, um bom colo, detox de eletrônicos, um pôr de sol, aquela música inspiradora, a paz de espírito de quem tem tempo para apenas observar a dádiva de uma natureza que insiste em nos encantar. Levante os olhos da tela e algo mágico acontecerá: o prazer e o relaxamento o convidam para um novo tempo.

Rosie, a robô que detecta quando deputados usam mal o dinheiro público

Um robô criado por um grupo de oito jovens para monitorar gastos públicos conseguiu descobrir, em apenas três meses, mais de 3.500 casos suspeitos envolvendo o uso da cota parlamentar por deputados federais desde 2011. Apelidada de Rosie - em referência a faxineira-robô do desenho Os Jetsons -, a ferramenta faz uma varredura nas milhares de notas fiscais emitidas pelos parlamentares para identificar se os gastos foram legítimos, ilegais ou superfaturados.


Rosie já encontrou, por exemplo, um pedido de reembolso de cervejas compradas por um deputado em um restaurante nos Estados Unidos, mesmo sendo proibido usar dinheiro público para comprar bebida alcoólica. Muitas anomalias foram encontradas também no valor das refeições. Ainda que as despesas sejam autorizadas unicamente para os parlamentares, a ferramenta detectou notas fiscais de dezenas de pizzas em um mesmo dia, um almoço de 12 kg em um self-service a até um pedido de reembolso de quase 1.500 reais em um restaurante que serve bode assado. Cruzando informações de bancos de dados públicos, como o da Câmara e o da Receita Federal, a ferramenta também identificou notas de refeições em cidades muito distantes em um curto espaço de tempo.

Além dos salários e benefícios, todos os 513 deputados tem direito a uma Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap). O dinheiro é recebido para despesas como alimentação, transporte e consultoria, mediante apresentação das notas fiscais. O valor varia de acordo com cada Estado e pode ser consultado no site da Câmara. Atualmente, os deputados de Roraima recebem o valor máximo, de 45,6 mil reais por mês.

“Explicamos ao robô, a essa inteligência artificial, o que é um gasto e o que seria suspeito nele. Uma nota de 400 reais em uma padaria, por exemplo, é um valor muito alto e provavelmente ilegal. Mas, se for de um restaurante do chef Alex Atala, não é ilegal, ele é apenas alto e um absurdo para um gasto público”, diz o jornalista Pedro Vilanova, de 23 anos, um dos integrantes do grupo desenvolvedor do software, que defende que a Câmara imponha um limite para as despesas com alimentação dos parlamentares.

Após a varredura de Rosie, 849 casos foram auditados pelo grupo e destes, 629 foram denunciados à Câmara dos Deputados pelos jovens no próprio site do Legislativo no início do ano. As denúncias questionam, no total, cerca de 378.000 reais pagos com dinheiro público por 216 deputados. O projeto realizado pelo grupo recebeu o nome de Operação Serenata de Amor, em referência a um escândalo ocorrido nos anos 90 na Suécia, conhecido como “Caso Toblerone”, em que a então vice-ministra sueca perdeu o cargo por ter usado dinheiro público com gastos pessoais.

As descobertas de Rosie ainda não fizeram nenhum deputado perder o posto, mas já obrigaram alguns parlamentares a devolverem o dinheiro usado de forma irregular. “Em novembro, resolvemos testar o sistema e denunciamos 43 casos de irregularidade. Desses, já recebemos algumas respostas da Câmara e a decisão de nove devoluções”, conta Vilanova.

O primeiro caso de devolução após as denúncias do grupo foi do deputado federal Celso Maldaner (PMDB-SC) que teve que devolver 727,78 reais, referentes a 13 refeições feitas no mesmo dia e pagas com dinheiro público. Segundo a assessoria, o motorista do deputado cometeu um equívoco por ter colocado as notas no nome do político.

Leia mais
A imagem pode conter: texto

Sinais de vida

Nos dias de hoje, marcados pelo avanço de forças anti-democráticas e fascistas em várias partes do mundo, dois acontecimentos, semana passada, suscitaram expectativas positivas: as eleições primárias realizadas pelos socialistas na França e as passeatas organizadas pelo Movimento das Mulheres nos EUA.

Resultado de imagem para manifestação contra trump charge
Nas primárias foi possível acompanhar os debates de sete candidatos que se enfrentaram ao vivo e através de artigos publicados. Passaram para o segundo turno Benoît Hamon, em primeiro lugar, com 36,5% dos votos, um reformista democrático, comprometido com o resgate de antigas bandeiras socialistas: a justiça social e as liberdades políticas. Suas principais propostas: enfrentar a “rarefação do trabalho”, resultado da revolução informática, através da redução da jornada de trabalho e da atribuição de uma renda mínima decente a todos os maiores de 18 anos que se encontrem em situação vulnerável. Ele é também pela imediata revogação do “estado de urgência”, pois as leis aprovadas seriam suficientes para controlar o surto do terrorismo. Em segundo lugar, ficou Manuel Valls, ex-primeiro-ministro de François Hollande, com 31,1%, um homem da esquerda “gestionária”, “duro” com os imigrantes e “mole”com os banqueiros, obcecado com os equilíbrios monetários e insensível com os desequilíbrios vividos pelas camadas populares. É de se esperar que perca no segundo turno.

As primárias suscitaram um amplo debate de ideias. Três pareceram-me muito adequadas e viáveis.

O economista Thomas Piketty defendeu a democratização da política financeira europeia, retirando-a do Conselho de Ministros de Finanças e a transferindo para uma câmara de deputados proveniente dos parlamentos nacionais, de acordo com os critérios de proporcionalidade e de diversidade existentes. Assim, os diferentes países seriam representados segundo seu peso demográfico e as vozes plurais dos respectivos parlamentos, decidindo-se a política financeira pelo voto majoritário desta câmara.

Jean Blaise, sobre o tema da cultura, propôs fazê-la “viver no espaço público”. Recordou experiências, como a Festa da Música, criada nos anos 1980, que retirou performances artísticas dos recintos fechados, levando-as para praças e ruas das cidades. Livre acesso e todos os dias, assim deveria ser a marca das atividades culturais. Sugeriu também federá-las, como se faz em Lille, cidade ao norte da França, desde 2004. Reúnem-se ali 193 municípios em exposições, concertos e festas populares. A cultura evidencia grande poder de atração, inclusive de turistas, o que tem implicações econômicas positivas, viabilizando financiamentos públicos e privados.

Já Christian Ben Lakhdar discorreu sobre o tema da legalização da cannabis. Pesquisas efetuadas pelo Observatório Francês das Drogas atestam que 700 mil pessoas a consomem todos os dias, o dobro disso curte o fumo ao menos dez vezes por mês, enquanto um pouco mais de 4,5 milhões fazem o mesmo uma vez por ano. Trata-se de um “problema policial”? Respondendo pela negativa, o que se sugere é a legalização do consumo e a venda em pontos especializados a serem gerenciados por atuais pequenos traficantes, reinseridos numa atividade comercial legal. Ben Lakhdar estima em um bilhão de euros a receita em impostos, a serem investidos em áreas socialmente sensíveis.

O debate de ideias e a dinâmica unitária das primárias têm sido uma oportunidade de renovação que poderá ser uma fonte de inspiração para o socialismo francês e para esquerdas em outras latitudes.

As grandes passeatas promovidas pelo movimento Women’s March (Passeata das Mulheres) nos EUA foram o outro sopro — forte — de esperança a abrir horizontes que pareciam fechados. Em cerca de 400 cidades americanas e em mais de 650 outras espalhadas em mais de 70 países, milhões de pessoas foram às ruas para denunciar as falas e promessas de Donald Trump, novo presidente dos EUA, de desprezo pelos direitos das mulheres — os direitos das mulheres são direitos humanos — e de ameaças a conquistas consolidadas em alguns países (o direito à interrupção voluntária da gravidez). Outros temas também apareceram com ênfase: direitos civis, saúde, educação, a defesa do meio ambiente, a crítica ao racismo e a necessidade de proteger as minorias. O caráter massivo nos EUA e sua amplitude internacional fizeram recordar as melhores tradições do movimento socialista e tornaram a evidenciar uma verdade cada vez mais indiscutível — só lutas de caráter internacional serão capazes de deter e derrotar as ondas antidemocráticas que assolam o mundo.

Observando a maré humana em Washington, duas jovens americanas, Elena Kernikos e Lindsey Broderick, comentaram: “É uma mensagem de esperança em tempos sombrios”.

Concordando com elas, restaria acrescentar: a convergência das primárias francesas com as passeatas das mulheres são sinais de vida espantando a morte.

Daniel Aarão Reis

Quase tudo dominado

O que ainda diferencia cartéis mexicanos e PCC é que aqueles têm sólida presença política, com representantes em todos os Poderes, e impõem a barbárie não apenas contra Estado e adversários — mas diretamente contra civis, inclusive jornalistas.
 
Sem que o governo brasileiro — não importa se com FHC, Lula, Dilma ou Temer — compreenda (ou queira compreender) o que ocorre, o PCC logo chegará lá.
Carlos Andreazza

Sigilo em torno da morte de Teori é inóculo e burro

Até esta manhã, não se sabia ainda com base em quê o juiz Raffaele Felice Piro, da 1ª. Vara Federal de Angra dos Reis, decretou o sigilo nas investigações que apuram a queda do avião que matou o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal.

Mas pouco antes da uma hora da madrugada, o repórter Leandro Colon já antecipava na edição on-line da Folha de São Paulo que a gravação de áudio do avião indica, segundo peritos da Aeronáutica, que não houve relato de problemas antes da queda em Paraty.

Os registros da cabine do avião dão conta de diálogos do piloto Osmar Rodrigues com pilotos que voavam em áreas próximas de Paraty. Em uma conversa, segundo Colon, o piloto diz que esperará a chuva diminuir para só depois pousar. A gravação foi interrompida pouco depois.

Há uma lei de 2014, a de número 12.970, assinada pela então presidente Dilma Rousseff, que blinda as investigações do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), responsável primeiro pela apuração de todos os acidentes aéreos no Brasil.

Um trecho da lei, citado pelo jornal El País, diz: “As fontes e informações que tiverem seu uso permitido em inquérito ou em processo judicial ou procedimento administrativo estarão protegidas pelo sigilo processual". A Força Aérea sempre defendeu sua primazia na apuração de acidentes.

No caso do que matou o relator da Lava-Jato, há inquéritos abertos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal que precisam das informações que por enquanto ou que por muito tempo a Aeronáutica quer guardar para somente para si. E aí? Como ficamos?

Não se trata apenas de conflito de interesses entre organismos do governo e do Judiciário. Acidente aéreo, infelizmente, é uma coisa comum. Mas não é comum que um ministro da mais alta corte de Justiça do país morra a bordo de um dos aviões mais seguros do mundo.

De resto, a relatoria da Lava-Jato tornava Teori o menos comum dos 11 ministros do Supremo. Ele estava quase pronto para homologar a delação de 77 executivos da Odebrecht que deverá atingir cerca de 200 políticos. Sua morte interessava a muita gente.

Tudo leva a crer que o mau tempo e um erro do piloto foram responsáveis pela queda do avião, mas isso, por ora, pouco importa. O ambiente político do país continua carregado, e assim permanecerá. Tudo que cobra transparência deve ser transparente. O sigilo só serve à especulação.

Imagem do Dia

Xitang:
 Xitang, a Veneza chinesa de nove rios

Quando o aquecimento global bateu à minha porta

Meus amigos paulistanos riram por último. Durante mais de ano, tiveram de aguentar minhas piadas de mau gosto sobre a crise hídrica que forçou a classe média da maior cidade do país a escovar os dentes com copinho e tomar banho de balde. Pois bem: nesta segunda-feira (16), Brasília iniciou seu primeiro racionamento de água em 56 anos, que afetará 60% da população. A decisão foi tomada depois que a barragem do Descoberto, a maior do DF, atingiu o menor volume útil de sua história: 18,9%, no auge da estação chuvosa.

Se havia um lugar do país onde a perspectiva de racionar água parecia irreal há alguns anos, esse lugar era Brasília. A capital do país está sentada no divisor de águas das bacias do Paraná, do Tocantins e do São Francisco. E temos um parque nacional criado de forma presciente para proteger nosso segundo maior reservatório, a barragem de Santa Maria (que está com 41% do volume).

Resultado de imagem para seca em brasília charge

Décadas de desperdício, de aumento de consumo, desmatamento do cerrado e ocupação criminosa de mananciais, tolerada ou estimulada por políticos do calibre de Joaquim Roriz e José Roberto Arruda, corroeram a segurança hídrica da região. Mas o clima se encarregou do empurrão decisivo: foram dois anos seguidos de precipitação muito abaixo da média e calor intenso, que secou o solo e impediu que os reservatórios se recuperassem.

Para mim, que escrevo sobre mudanças climáticas há mais tempo do que seria saudável, o racionamento e outros eventos recentes marcam uma alteração de pronome. Sai o “eles” solidário, mas condescendente, com que tenho tratado até aqui as vítimas do clima, e entra o “nós”. O aquecimento global bateu à minha porta. E não está sendo nada divertido.

É nítido para qualquer brasiliense, em especial os que passaram muito tempo fora e voltaram, que algo mudou por aqui. Para nossa infelicidade, a ciência corrobora essa impressão. Você não consegue mais dormir à noite sem ventilador? Pois saiba que o número de noites quentes no DF – nas quais a mínima da madrugada é superior a 20oC – decuplicou em 2000-2010 em relação a 1962-1970, segundo dados compilados pelo meteorologista Francisco de Assis Diniz, do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

Torrou na primavera nos últimos anos? Pois extremos de temperatura também estão mais frequentes: Brasília bateu seis recordes históricos de calor nos últimos nove anos – dois deles em apenas uma semana, no bizarro outubro de 2015. (Muito a propósito, a primeira quinzena de janeiro de 2017 registrou temperaturas máximas quase 4oC superiores à média.)

Aprendeu na escola que Brasília tem a tal “amplitude térmica de deserto”? Reveja: a diferença entre a mínima e a máxima no inverno caiu 2,1oC e, no verão, 2,25oC.

Informações sobre mudança do clima na cidade são escassas. O único trabalho completo já publicado foi feito pela meteorologista paraibana Morgana Viturino de Almeida, também do Inmet, em 2012. Algumas de suas conclusões principais estão num relatório que a Sema (Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) do GDF produziu em dezembro, que será publicado nos próximos dias na página da secretaria na internet.

“A população ainda não consegue fazer a ligação entre os extremos, as enxurradas como a que atingiu Samambaia [cidade-satélite, no fim do ano passado], ondas de calor ou a situação de água que temos agora e a mudança do clima”, diz Leila Soraya Menezes, chefe da Unidade Estratégica de Clima da Sema e coautora do relatório. “As políticas públicas são baseadas ainda em séries históricas, só que as médias históricas não significam muita coisa mais na atual realidade do clima.”

Em seu trabalho, Morgana de Almeida analisou 26 parâmetros climatológicos em todo o Centro-Oeste. O que ela viu foi uma tendência semelhante em quase todas elas: noites mais quentes, maior número de dias secos consecutivos, maior frequência de ondas de calor. Na capital, as temperaturas mínimas médias subiram 1,85oC e as mínimas mínimas, ou seja, as menores temperaturas do ano, subiram 2,6oC desde 1961. O número de dias com umidade do ar abaixo de 30% cresceu 50%, e o número de períodos com baixa umidade quase dobrou. Em 2010 havia 48 dias a mais no ano com temperaturas máximas acima de 25oC do que em 1961.

Curiosamente, as máximas temperaturas máximas cresceram bem menos – 0,85oC no período. E as máximas médias tiveram uma diminuição, embora esta não seja estatisticamente significante.

Tampouco é possível ver mudanças expressivas na quantidade total de chuvas no DF até 2010. Não há informação sobre violência das chuvas, mas elas têm feito mais estragos – por consequência da urbanização. No entanto, em novembro de 2014, a capital registrou seu primeiro tornado.

Almeida pede cautela na interpretação dos dados, dizendo não ser possível separar o efeito da mudança climática do da ilha de calor urbana – o mais provável é que haja sinergia entre ambos. Outros lugares do Centro-Oeste que observaram tendência semelhante à de Brasília passaram por desmatamento nas últimas décadas, o que pode ter influenciado os índices. Mas o fato permanece que o sinal de aquecimento e aumento de dias com baixa umidade relativa do ar é nítido em toda a região.

E esta é só a primeira gongada: vem muito mais por aí.

O relatório da Sema também traz projeções regionais de temperatura e precipitação para o DF, feitas pelo grupo de Sin Chan Chou, do Inpe. O estudo considera dois modelos climáticos, um mais “seco” e um mais “úmido”, e dois cenários de emissões de CO2, um moderado e um alto. A depender co cenário, o aquecimento adicional no DF entre 2011 e 2040 vai de 1oC a 3oC. No fim do século, pode chegar a 6o C. Já a precipitação, que hoje não aparece com um sinal claro nas observações, ganha um imenso viés de baixa em todos os cenários, em especial de dezembro a fevereiro, auge da chuva. A anomalia que fez o DF escorregar na crise hídrica pode ser, portanto, um aperitivo das próximas décadas.

Como disse de maneira célebre o climatologista americano John Holdren, só há três coisas a fazer a respeito da mudança climática: mitigar, adaptar e sofrer. O GDF parece pelo menos disposto a discutir as duas primeiras. No ano passado, iniciou a discussão para a criação de um fórum de mudanças climáticas distrital, a ser lançado em julho.

Na população, quem pode vai se adaptando. Eu comprei um aparelho de ar-condicionado logo após a onda de calor de 2015 e instalei telas mosqueteiras em todas as janelas (afinal, com o calor vêm os mosquitos, que também estão mais numerosos).

O problema é como fica a maior parte dos moradores do DF e entorno, que tem menos recursos para se adaptar. A essas pessoas parece estar reservada uma fatia desproporcional do sofrimento.

Maior legado de Zavascki no Supremo está sob ameaça de ser destruído

Teorias conspiratórias à parte, a morte de Teori Zavascki realmente foi providencial para a bancada da corrupção, formada pela maioria dos parlamentares federais e que tem entusiástico apoio do Planalto e da quase totalidade dos partidos – e não vale citar exceções, porque apenas confirmam a regra. Nesse sentido, a nomeação do substituto de Zavascki é o que falta para o presidente Michel Temer consolidar no Supremo uma maioria de ministros favoráveis a revogar a prisão de réus após julgamento em segunda instância. Com isso, fará o Brasil retornar à Idade da Pedra Lascada na Ciência do Direito, através da volta do trânsito em julgado, que garante a impunidade dos criminosos da elite, uma vergonha nacional que mal acabamos de extinguir.

O ministro Teori Zavascki foi o grande herói dessa batalha, travada a 17 de fevereiro do ano passado, quando o Supremo decidiu que os réus com condenação em segunda instância podem ser presos mesmo que ainda tenham recursos pendentes.



Zavascki era o relator. Por 7 votos a 4, os ministros decidiram a importantíssima questão, que tirou o Brasil dessa vergonhosa condição em matéria de Direito Penal, pois a presunção de inocência até decisão do Supremo sempre foi a garantia de impunidade dos criminosos da chamada elite.

Votaram para permitir a prisão após a segunda instância os ministros Teori Zavascki (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. A favor da impunidade até o trânsito em julgado, estiveram Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

Desde 2009, no segundo governo Lula, descaradamente o Supremo passou a considerar que o condenado continuaria livre até que se esgotassem todos os recursos. Foi naquele ano que o tribunal decidiu que a prisão só era definitiva após o chamado “trânsito em julgado” do processo, sob alegação de respeito ao princípio da presunção de inocência.

Com base no parecer de Zavascki, em 17 fevereiro de 2016 a ampla maioria do STF (7 a 4) decidiu que basta uma decisão colegiada (por um grupo de juízes, como ocorre nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais) para determinar o cumprimento da pena de prisão pelo réu em processo criminal.

Mas houve pressões massacrantes e um dos ministros (Dias Toffoli) mudou de opinião. Foi assim que, em 11 de novembro, quando o assunto voltou ao plenário, o resultado foi de 6 a 5. Portanto, se o substituto de Teori Zavascki se posicionar a favor da impunidade, a fatura da bancada da corrupção está garantida.

 Agora, o grande desafio ao presidente Michel Temer é encontrar uma jurista que seja respeitável e até agora não tenha se manifestado contra a Lava Jato. Uma missão quase impossível, porque praticamente todos eles já foram regiamente pagos para redigir pareceres, assinar manifestos ou simplesmente dar declarações contra a Lava Jato.

Para a bancada da corrupção e para o próprio Temer e sua entourage, a nomeação desse ministro é a bala de prata que não pode falhar. Por isso, como se dizia nos anúncios fúnebres de antigamente, cumprimos o doloroso dever de comunicar que a Lava Jato está prestes a ir para o espaço. A não ser que um desses três ministros (Rosa Weber, Marco Aurélio Mello ou Celso de Mello) mude seu voto, porque Lewandowski jamais o fará, não tem como deixar de cumprir o dever de casa.

E o tempo não apagou

O motivo do sumiço das câmeras do Planalto tem nome

As incontáveis abjeções produzidas pela usina fora-da-lei que funcionou no Planalto por mais de 13 anos não cabem no noticiário jornalístico, tampouco na memória dos brasileiros. O escândalo da vez não fica na vitrine mais que algumas horas. É muita bandalheira para pouco espaço. É muita pauta para pouco repórter. É delinquência demais para um país só. É tanta obscenidade que, nesta segunda década do século 21, o que houve na primeira parece anterior ao Velho Testamento. Isso ajuda a explicar a curta escala nas manchetes feitas pelo sumiço das câmeras de vigilância do Planalto, assombro divulgado em entrevista a VEJA pelo general Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Resultado de imagem para tiraram as câmeras do planalto charge

A remoção dos aparelhos ocorreu no segundo semestre de 2009, informou Etchegoyen. Se tivesse consultado os jornais da época, teria descoberto que o motivo da remoção dos aparelhos teve (e tem) nome e sobrenome: Lina Vieira, secretária da Receita Federal afastada do cargo em agosto daquele ano. Entre a história protagonizada por ela e a entrevista do chefe do GSI passaram-se apenas sete anos ─ e no entanto o resgate do caso parece coisa de arqueologista. Aos fatos. Em 9 de agosto de 2009, numa entrevista à Folha, Lina Vieira fez revelações que escancaram a causa da sua substituição. Fora demitida por honestidade.

Estava marcada para morrer desde o fim de 2008, quando fez de conta que não entendeu a ordem transmitida por Dilma Rousseff, então chefe da Casa Civil, numa reunião clandestina ocorrida no Planalto: “agilizar”a auditoria em curso nas empresas da família do ex-presidente José Sarney. Em linguagem de gente, deveria encerrar o quanto antes as investigações, engavetar a encrenca e deixar em paz os poderosos pilantras. Dilma poderia alegar que não dissera o que disse. Como serial killers da verdade primeiro mentem para só depois pensarem em álibis menos mambembes, resolveu afirmar que a conversa nunca existiu.

Lina pulverizou a opção pelo cinismo com uma saraivada de minúcias contundentes. Contou que o convite para a reunião foi feito pessoalmente por Erenice Guerra, braço-direito, melhor amiga de Dilma e gatuna ainda sem ficha policial. Como confirmou Iraneth Weiler, chefe de gabinete da secretária da Receita, Erenice apareceu por lá para combinar a data e o horário da reunião. Também queria deixar claro que, por ser sigiloso, o encontro não deveria constar das agendas oficiais. ” Em depoimento no Senado, descreveu a cena do crime, detalhou o figurino usado pela protetora da Famiglia Sarney e reproduziu o diálogo constrangedor.

“Foi uma conversa muito rápida, não durou dez minutos”, resumiu. “Falamos sobre algumas amenidades e, então, Dilma me perguntou se eu podia agilizar a fiscalização do filho de Sarney”. No fecho do depoimento, repetiu a frase com que o abrira: “A mentira não faz parte da minha biografia”. As informações que fornecera permitiriam a qualquer investigador de chanchada esclarecer a delinquência em poucas horas. Mas Franklin Martins, ministro da Propaganda de Lula, achou pouco. “O ônus da prova cabe ao acusador”, declamou. “Cadê as provas?”.

Estão no Palácio do Planalto, reiterou Lina. Como dissera durante a inquisição dos senadores, ela chegou sozinha para o encontro noturno, teve a placa do carro anotada ao entrar pela garagem, passou pelo detector de metais, deixou o nome na portaria, subiu pelo elevador, esperou na sala ao lado de duas pessoas e caminhou pelo andar. “É só requisitar as filmagens”, sugeriu. “Não sou invisível. Não sou fantasma”. Logo se soube que, no sistema de segurança instalado no coração do poder, todo mundo virava fantasma um mês depois de capturada por alguma câmera. Numa espantosa nota oficial, o bando fantasiado de governo confessou que as imagens eram guardadas por 31 dias.

Haviam sido destruídas, portanto, as cenas do entra-e-sai de outubro e novembro de 2008, entre as quais as que documentaram as andanças de Lina Vieira. E os registros na garagem? Esses nunca existiram. Como o serviço de segurança à brasileira confia na palavra dos visitantes, tanto as placas dos carros oficiais quanto a identidade de quem zanza por ali não são registradas em papéis ou computadores. O porteiro limita-se a perguntar ao motorista se há uma autoridade a bordo. Assim, o governo não tinha como atender às interpelações de parlamentares oposicionistas.

Conversa de 171. Acobertados pela mentira, os sherloques a serviço da bandidagem destruíram as gravações. A ex-presidente fantasiada de mulher honrada enquadrou-se, sempre em parceria com Lula, nos crimes de ocultação de provas e obstrução da Justiça. As câmeras foram escondidas em lugar incerto e não sabido. Nunca mais deram as caras no palácio. Nos sete anos seguintes, os quadrilheiros com direito a foro privilegiado agiram com a desenvoltura de quem se livrara até daquele simulacro de esquema de vigilância. Deu no que deu.

Depois de perder o poder, PT aposenta o pudor

Resultado de imagem para pt sem pudor charge
Devolvido à oposição pelo impeachment de Dilma, o PT mandara fixar um cartaz na parede, atrás do balcão da legenda. Nele, estava escrito: “Não negociamos com golpistas”. De repente, após reunião em que o diretório nacional petista discutiu seu papel na disputa pelas presidências da Câmara e do Senado, apareceu uma folhinha tapando o “Não”. E os petistas passaram a torturar a semântica.

Quando vê a cúpula do PT esgrimindo argumentos para justificar o apoio a aliados de Temer para comandar a Câmara e o Senado, a plateia sabe que está diante de uma crise de significados ou numa roda de cínicos. Quando os petistas defendem na Câmara a adesão ao ‘demo’ Rodrigo Maia ou ao relator do impeachment Jovair Arantes —o que der mais cargos na Mesa e nas comissões— todos se convencem de que a crise é mesmo terminal.

Lula, enquanto tenta se livrar da cadeia, sobe no caixote para anunciar a agrupamentos companheiros que será candidato ao Planalto para livrar o país dos “golpistas”. Alguém poderia dizer que o morubixaba do PT também é vítima da confusão semântica. Mas quando se verifica que Lula participou da reunião em que o diretório decidiu que só não barganha a mãe porque não tem como oferecer certificado de garantia, fica claro: o partido e seu líder, depois de perderem o poder, aposentaram completamente o pudor.

O muito que não parece

Francisco está quebrando tabus reacionários na Igreja que pareciam petrificados para sempre.
Resultado de imagem para papa francisco charge 
Nenhum papa anterior teria se atrevido a dizer, como ele, que quando alguém se encontra com alguém no caminho, não pergunta se acredita em Deus, mas se faz algo pelos outros.
A dele é a religião do próximo com quem compartilha alegrias e lágrimas, vitórias e também tropeços.
Não é pouco.
Juan Arias

Só sobrará ele?

Em 1930, perguntaram ao então presidente interino da República, Getúlio Vargas, o que tinha feito para livrar-se do peso incômodo dos tenentes, que se julgavam condôminos do poder. A resposta veio rápida: “promovi-os a capitães…” Vale acrescentar que a capitães e a governadores-interventores. O episódio se conta a propósito das dificuldades enfrentadas pelo presidente Michel Temer para conviver com o PMDB. Na falta de um único líder maior, o partido pressiona o chefe do governo a todo instante. Quer mais ministérios e o controle dos principais setores da administração, bem como mandar na Câmara e no Senado e nos governos estaduais.

Resultado de imagem para temer charge
Para sorte de Temer, por sinal a figura mais expressiva do partido, os peemedebistas não se entendem. Cada um tenta passar o outro para trás, sendo que alguns já se viram jogados no mar, para satisfação dos demais.
No fundo, trava-se no maior partido nacional uma luta sem quartel, diante da mais intrincada questão a envolver o partido: haverá um candidato do PMDB à sucessão de 2018? Afinal, seria direito natural a apresentação de um deles na disputa pelo palácio do Planalto. Mas qual?

Romero Jucá foi para o espaço, Geddel Vieira Lima também, além de Henrique Alves, para não falar de Eduardo Cunha, Renan Calheiros e outros. Sobraram Moreira Franco e Eliseu Padilha, na alça de mira do conjunto.

A conclusão é de que como Getúlio Vargas impediu que todos os tenentes ascendessem ao trono, inclusive Juarez Távora, Michel Temer também afasta o PMDB. O passado sempre nos dá lições: como Getúlio manobrou e ficou, estará o atual presidente visando o mesmo objetivo? Numa palavra: sua disposição anunciada de não concorrer a um novo mandato será mesmo para valer?

Paisagem brasileira

Mariana (MG)

Quem matou Odete Roitman?

Somos milhares de técnicos de futebol, ministros da economia, conselheiros políticos, assessores de imprensa, juízes e investigadores. Todos temos solução pra salvar o time e a política, ajeitar a economia, dar a respostas mais adequadas em entrevistas, condenar ou absolver acusados – da Lavajato, particularmente -, resolver casos de polícia.

A crise dos presídios brasileiros calou palpiteiros. Só os ferozes soltos ousam oferecer receita: mata todos! Sugestão que substitui o velho “prende e arrebenta” que, no caso, não cabe mais. Os promotores do terror deste janeiro já estão devidamente (?) presos.

A parte esses, ninguém oferece solução ao “pavoroso” problema. Nem governos, nem o Estado. O que só aumenta a perplexidade.

Desde o início do ano, houve treze rebeliões em seis estados Até agora contados 134 pessoas assassinadas. Os massacres aconteceram no Amazonas, com 64 mortos em três unidades, em Roraima, com 33 mortes, e no Rio Grande do Norte, onde, dos 34 assassinados, 33 haviam sido decapitados.


Resultado de imagem para brasil bala perdida charge
Como se fosse a coisa mais normal do mundo, o noticiário relata que pedaços de corpos e vísceras vão sendo recolhidos a cada trégua na penitenciária de Alcaçuz, na região metropolitana de Natal, a capital do Rio Grande do Norte. Não foi diferente nos outros estados. Não será diferente em qualquer outra das prisões/masmorras brasileiras.

Como se fosse a coisa mais normal do mundo, ao vivo, assistimos as duas facções de Alcaçuz – PCC e Sindicato RN – em confronto armado no pátio do presídio. A separá-los um espaço no chão. Policiais só nas guaritas.

Para quem não aprendeu ainda, PCC significa Primeiro Comando da Capital, paulista. Sindicato RN, mais óbvio, é a facção criminosa que domina o poder nas prisões e a venda de drogas na região.

Há também o Comando Vermelho, CV, poderoso no Rio de Janeiro, a Família do Norte, FDN, que ganhou fama nacional a partir das rebeliões no Amazonas, Roraima, Acre e Pará. Existe ainda o Bonde dos 40, no Maranhão, além de outras que não ganharam fama nacional.

Todas mapeadas e conhecidas de governos e do Estado. Todas com comandos dentro dos presídios, e grandes negócios que movimentam muito dinheiro e saem das fronteiras. Têm porta-voz e negociador, código honra, de regras de conduta e batismo obrigatório para o acesso. Entrou não sai mais. Se tentar sair, morre. Simples assim.

Tudo noticiado. Tudo sabido. Tudo assimilado também. Existem, fazem isso e aquilo. Enquanto não saem dos subterrâneos onde habitam, são só números em relatórios oficiais e oficiosos.

Solução? Apagar incêndios. De forma que seria risível se não fosse absurda. Em Alcaçuz, um muro de containers para manter os PCC e Sindico RN cada um do seu lado. Voltarão para os subterrâneos, pra baixo do tapete cada vez mais esfarrapado.

Todos sabemos que o “negócio” das drogas envolve bilhões, sem cerimônia, movimenta venda de armas, patrocina guerras, não respeita fronteiras e, num combate sem vitórias, consome outros bilhões na dita repressão. Também aumenta e espalha a violência em progressão geométrica, etc e etc.

Como se fosse a coisa mais normal do mundo, descrentes e desanimados, seguimos espectadores perplexos com a ineficiência dos governos, a incapacidade do Estado, a falência da organização social vigente. E, sem nem ousar palpites, rezamos aos anjos da guarda - única santa possibilidade de proteção.

O resto é resto. Bala perdida. Segue seu curso, sob a costumeira investigação rigorosa e sigilosa.

Sem palpites.

Ação em curso

Resultado de imagem para acabando com a miséria - ,charge
Para fazer o país feliz, precisamos despovoá-lo pela miséria
Lima Barreto, "Sátiras e outras subversões"

O Brasil está sempre à beira do abismo

“O Brasil está beira do abismo”, reconheceu o marechal Castello Branco, primeiro presidente do ciclo militar pós-1964.

“O Brasil deu um passo à frente”, acrescentou seu sucessor, o marechal Costa e Silva.

“Ninguém segura este país”, completou o ocupante do terceiro mandato autoritário, o general Emílio Garrastazu Médici, entronizado depois da Junta Militar que ficara no interstício entre o segundo e o terceiro.

Ilustração da década de 1920
Verdadeiras ou lendárias, estas frases teriam sido proferidas, então, num curto período histórico, por três presidentes da República. Ilustradas em tom de deboche, estavam numa edição de O Pasquim, censurada e apreendida nas bancas.

Todavia a primeira frase, “O Brasil está à beira do abismo”, é mais antiga e vem sendo pronunciada desde os tempos imperiais. Foi registrada na peça de teatro O Diabo no Corpo, de Coelho Neto, apresentada pela primeira vez em 1899, no Theatro Lucinda, no Rio, mas publicada em livro apenas em 1905.

Não raro são frases ditas por políticos, mas arrumadas e editadas por jornalistas, quando não de autoria de intelectuais que as escreveram para serem pronunciadas por autoridades, como diz Carlos Drummond de Andrade no poema O Sequestro de Guilhermino César, em que fala de “repartições públicas onde se cumpria o destino de literatos sem pecúnia,/ autores de discursos que jamais pronunciaríamos,/ pois os concebíamos para outros pronunciarem / no majestático palanque do Poder”.

Há muitos exemplos de frases atribuídas a personalidades que entretanto jamais as pronunciaram. Lembremos três delas.

“Elementar, meu caro Watson”, o célebre fecho com que o detetive Sherlock Holmes dá a entender a seu amigo Watson que tudo estava claro desde o início. Ela não é encontrada em nenhum livro do autor.

“O Brasil não é um país sério” foi atribuída ao general Charles De Gaulle. Ele nunca a pronunciou.

E para homenagear o jornalista Augusto Nunes, que sabe tudo sobre Jânio Quadros, lembremos por último “Fi-lo porque qui-lo”, imputada ao presidente, que entretanto jamais a pronunciou. Se a proferisse, diria “fi-lo porque o quis”.

Outras foram ditas e escritas, mas não do modo como se tornaram conhecidas. Eis duas delas.

“Nesta terra, em se plantando, tudo dá” é creditada ao escrivão Pero Vaz de Caminha na certidão de nascimento do País, a sua famosa Carta do Achamento do Brasil. Sim, esta terra foi achada, não descoberta. A frase está lá, mas foi escrita de outro modo: “Querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”.

“Sangue, suor e lágrimas”. Esta é atribuída ao Winston Churchill em seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns, em 1940. Mas Churchill ofereceu, não três, mas quatro coisas: “Sangue, trabalho, lágrimas e suor”. Esqueceram o trabalho!

Para escrevê-la, o então primeiro-ministro inspirou-se num discurso de Giuseppe Garibaldi, pronunciado em 1849: “Não ofereço nenhum pagamento, nem postos, nem provisões. Ofereço fome, sede, marchas forçadas, batalhas e morte”.

O brasileiro é frajola e adora uma frase. Frajola, do Quimbundo fwala dyola, significa isso mesmo: por falar bonito, a pessoa é vista como elegante e faceira: fwala é falar; dyola é claro, puro.

Frajola designou originalmente aquele que fala com clareza uma língua que a maioria não conhece. Atualmente designa indivíduo vestido com elegância exagerada.

E assim fica o dito pelo não dito, uma outra frase famosa, aliás.

Brancos ricos e negros pobres que cometem crimes têm o mesmo tratamento?

Atente para o enunciado: Dirigindo o carro de seu pai, um jovem desobedeceu uma ordem de parada, furou uma blitz da operação Lei Seca, atropelou o agente de trânsito Diogo Nascimento de Souza (que morreu logo depois) e fugiu sem prestar socorro, neste sábado (21), em João Pessoa, na Paraíba.

Considerando que o desfecho da história foi o seguinte: O jovem teve a prisão temporária decretada na mesma noite, mas conseguiu um habeas corpus do desembargador Joás de Brito Pereira Filho às 3h da madrugada. Segundo o magistrado, não havia ''justa causa para justificar o cerceamento do direito de locomoção” do motorista.


Resultado de imagem para rico e pobre na prisão charge

Qual desses duas biografias teria maior probabilidade de ser o motorista:

a) José da Silva, jovem e negro, dirigia o Monza branco da família. Seu pai é chapeiro em uma lanchonete no centro de João Pessoa e sua mãe, manicure. Ele, que conseguiu um serviço como atendente na lanchonete em que o pai trabalha, é o primeiro da família a ter terminado o ensino médio.

b) Rodolpho Gonçalves Carlos da Silva, jovem e branco, dirigia o Porcshe branco da família. É neto de José Carlos da Silva Júnior, ex-senador e ex-vice governador da Paraíba, herdeiro do Grupo São Braz, um dos maiores produtores de café torrado do país e que sua família também controla empresas de comunicação, entre elas, uma afiliada da Rede Globo.

Qualquer pessoa, rica ou pobre, deve ter todo o direito à ampla defesa. E prisões temporárias ou provisórias devem ser usadas com parcimônia, para evitar que o acusado suma com provas ou quando ele é um risco à sociedade, e não como punição sem julgamento pelo crime cometido. Queremos Justiça, não vingança.

Mas o fato de sermos capazes de responder à pergunta colocada com extrema facilidade e de acertar o resultado na maior parte das vezes em que esse tipo de coisa acontece, mostra que ainda temos que caminhar muito para que todos tenham acesso igualitário à Justiça independente de sua classe social ou etnia.

Vale lembrar que Valdete foi condenada a dois anos de prisão em regime fechado por ter roubado caixas de chiclete e teve um habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal. Só porque não era ré primária e o furto não foi para matar a fome, disseram. Ou mesmo Maria Aparecida, que foi mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador em um supermercado. E, não conseguindo um habeas corpus, perdeu um olho enquanto estava presa.

Não se enganem: para que pessoas sejam avaliadas pelo que fazem e não por sua família, conta bancária ou cor de pele teremos, primeiro, que refundar um país.

Até lá, a meritocracia seguirá quase sempre hereditária no Brasil.